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Vol. 32. Núm. 6.
Páginas 535-539 (junho 2013)
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Vol. 32. Núm. 6.
Páginas 535-539 (junho 2013)
Caso Clínico
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Um caso de pericardite constritiva e aneurisma da aorta torácica: abordagem terapêutica híbrida
A case of constrictive pericarditis and thoracic aortic aneurysm: A hybrid therapeutic approach
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Maria Salomé Carvalho
Autor para correspondência
mariasalomecarvalho@gmail.com

Autor para correspondência.
, Pedro Jerónimo de Sousa, Pedro de Araújo Gonçalves, Hélder Dores, Miguel Abecasis, Manuel Almeida, Miguel Mendes
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, Oeiras, Portugal
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Resumo

Os autores descrevem o caso de um doente do sexo masculino, de 59 anos, hipertenso, ex-fumador, insuficiente renal crónico em hemodiálise, com antecedentes de endoprótese por aneurisma da aorta abdominal e história de tuberculose miliar no passado, a quem é diagnosticado pericardite constritiva e aneurisma da aorta torácica. Num doente com antecedentes patológicos tão diversos, são várias as etiologias a considerar. O tratamento consistiu numa pericardiectomia e numa técnica híbrida de debranching dos ramos supra-aórticos com posterior implantação de endoprótese aórtica.

Palavras-chave:
Pericardite constritiva
Aneurisma aórtico
Debranching aórtico
Abstract

The authors describe the case of a 59-year-old man, a former smoker, with hypertension, chronic renal failure undergoing hemodialysis, and a history of stent grafting for repair of an abdominal aortic aneurysm and miliary tuberculosis, who was diagnosed with constrictive pericarditis and a thoracic aortic aneurysm. In a patient with such a complex medical history, there were several etiologies to consider. The treatment consisted of pericardiectomy and a hybrid technique of supra-aortic debranching and subsequent endovascular stent-graft repair.

Keywords:
Constrictive pericarditis
Aortic aneurysm
Aortic debranching
Texto Completo
Introdução

A pericardite constritiva é uma consequência rara e incapacitante do espessamento do pericárdio secundário a uma inflamação crónica. Esta pode dever-se a infeção (destacando-se a tuberculose, pela sua prevalência no nosso país), pode ser uma complicação tardia da irradiação mediastínica ou ocorrer em doentes com cirurgia cardíaca prévia. Causas menos frequentes são as doenças do tecido conjuntivo, a doença renal terminal e a causa neoplásica, embora esta última se distinga das outras no que diz respeito à fisiopatologia, já que, neste caso, o espessamento resulta da infiltração tumoral do pericárdio e não apenas do processo inflamatório.

O tratamento consiste na realização de uma pericardiectomia, exceto nos casos totalmente assintomáticos ou nos doentes sem condições para tal procedimento cirúrgico, em que a terapêutica diurética pode ser opção1–4.

Os aneurismas aórticos, definidos como uma dilatação patológica do vaso (≥ 1,5 vezes o normal diâmetro) são, na sua maioria, assintomáticos e constituem achados em exames de rotina realizados por outras razões.

Vários fatores de risco foram já apontados (hipertensão arterial, tabagismo e doença pulmonar obstrutiva crónica) e estão identificadas diversas causas: degenerescência média quística, aterosclerose, traumatismo, causa inflamatória ou infecciosa, dilatações pós-estenóticas ou pós-cirúrgicas e síndromes familiares (Marfan, Ehlers-Danlos tipo iv, etc.).

A atitude terapêutica é frequentemente conservadora, com terapêutica médica e vigilância para os aneurismas assintomáticos e/ou que não tenham dimensões consideradas mínimas para indicar cirurgia. No caso dos aneurismas que apresentem sintomas ou dimensões que o justifiquem, o tratamento é invasivo, podendo ser cirúrgico ou percutâneo com implantação de próteses endovasculares5–7.

Caso clínico

Doente do sexo masculino, 59 anos, ex-fumador, com hipertensão arterial e insuficiência renal crónica em hemodiálise, com história de tuberculose miliar em 2002 (cumpriu terapêutica durante 12 meses) e antecedentes de aneurisma da aorta abdominal, diagnosticado e intervencionado (implantação de endoprótese aórtica em 2005). Como comorbilidade, apresentava uma colite ulcerosa, já submetido a colectomia total e ileostomia. Encontrava-se medicado com atenolol 50mg, amlodipina 10mg, indapamida 20mg, um anti-inflamatório intestinal (messalazina 500mg), um quelante do fósforo e um multivitamínico.

Referenciado à Consulta de Cardiologia em julho de 2011, apresentando queixas de cansaço (NYHA III).

Ao exame objetivo não apresentava alterações, com a exceção de um discreto edema pré-tibial bilateral. O eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal 92 bpm com um hemibloqueio esquerdo anterior, sem outras alterações.

Neste contexto, foram requisitados vários outros exames complementares de diagnóstico. O ecocardiograma transtorácico revelou aspetos compatíveis com pericardite constritiva – espessamento e ecogenecidade aumentada do pericárdio e importante variação respiratória da onda E no fluxo transmitral (Figura 1A e B) e fração de ejeção ligeiramente deprimida.

Figura 1.

Ecocardiograma transtorácico.

A – Pericárdio espessado e ecogénico.

B – Variabilidade respiratória da amplitude da onda E.

(0.17MB).

Realizou um cateterismo cardíaco esquerdo e direito, tendo sido excluídas lesões angiograficamente significativas nas artérias coronárias e confirmado o diagnóstico de pericardite constritiva no estudo hemodinâmico (com as típicas curvas de pressão ventricular em dip-and-plateau e equalização das pressões telediastólicas). Na aortografia foi documentada dilatação da aorta torácica descendente. Para melhor caracterização da aorta, foi realizado uma angio-TC de tórax, que revelou um volumoso aneurisma saculiforme, parcialmente trombosado, com origem na aorta torácica descendente, imediatamente distal à emergência da artéria subclávia esquerda, com 87 x 61mm de diâmetro (Figura 2); não se observou calcificação do pericárdio.

Figura 2.

Angio-TC torácico, revelando um volumoso aneurisma saculiforme com origem na aorta torácica descendente, distal à emergência da artéria subclávia esquerda.

(0.11MB).

Após discussão do caso em reunião médico-cirúrgica, optou-se por uma abordagem híbrida com complementaridade entre intervenção percutânea e cirúrgica. A cirurgia consistiu numa pericardiectomia e debranching total dos ramos supra-aórticos (tronco braquiocefálico arterial, carótida e subclávia esquerdas) com construção prévia de uma prótese trifurcada dacron (UNI-Graft KUV B/Braun®) (Figura 3A) e sua anastomose terminolateral à crossa da aorta (o que obviou à necessidade de circulação extracorporal e hipotermia profunda) (Figura 3B). Foi assim possível a posterior implantação percutânea de uma endoprótese na aórtica torácica (Figura 4), de modo a que a emergência destes vasos não fosse comprometida.

Figura 3.

A – Construção da prótese trifurcada.

B – «Debranching total» dos ramos supra-aórticos (tronco braquiocefálico, carótida e subclávia esquerdas).

(0.37MB).
Figura 4.

Aortografia com a endoprótese implantada: exclusão de aneurisma calcificado* da circulação e patência de ramos supra-aórticos submetidos a debranching.

(0.12MB).

O exame anatomopatológico do pericárdio teve com resultado uma pericardite inespecífica. Não se verificaram intercorrências no pós-operatório e o doente teve alta hospitalar após nove d de internamento.

A angio-TC realizada três meses após a cirurgia confirma o bom resultado do procedimento (Figura 5).

Figura 5.

Angio-TC torácico evidenciando o bom resultado da endoprótese (A) e debranching supra-aórtico (B) efetuados.

(0.28MB).

Aos seis meses de follow-up, o doente encontra-se em NYHA classe ii-iii, sem registo de complicações ou admissões hospitalares.

Discussão

Não são raros os aneurismas da aorta torácica descendente que se originam na crossa da aorta8. Esta localização constitui um desafio técnico, quer pelo envolvimento dos ramos supra-aórticos e elevado fluxo sanguíneo, quer pela própria anatomia curva e o movimento desta porção da aorta com os batimentos cardíacos.

O tratamento cirúrgico convencional implica circulação extracorporal e hipotermia profunda, que, apesar de todos os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, apresentam ainda uma taxa de mortalidade e morbilidade consideráveis9, nomeadamente lesão miocárdica e uma não desprezível incidência de lesões neurológicas irreversíveis10.

Assim, estratégias menos invasivas e com menor insulto fisiológico têm vindo a ganhar lugar. Existe evidência crescente de que o tratamento combinado endovascular e cirúrgico destes aneurismas se associa a uma menor taxa de morbilidade e mortalidade em doentes que não sejam os candidatos ideais para uma cirurgia convencional11–15.

O tratamento percutâneo com implantação de endopróteses pode ser uma alternativa segura e eficaz; no entanto, exige que exista uma porção de vaso proximal à zona a tratar (landing zone) que permita ancorar a prótese sem comprometer a irrigação para os ramos supra-aórticos. Esta limitação é ultrapassada com a técnica de recolocação desses ramos proximalmente ao local de implantação da endoprótese – debranching.

A discussão deste caso clínico no que concerne à etiologia baseia-se no facto de tanto a inflamação do pericárdio como a degenerescência da parede aórtica poderem ser manifestações cardiovasculares de uma mesma doença sistémica.

Embora possamos atribuir a hipertensão arterial e/ou os hábitos tabágicos como causas dos aneurismas aórticos, também a doença renal crónica, ao induzir um processo de aterosclerose acelerada, e a colite ulcerosa, estabelecendo um estado inflamatório sistémico, podem ser implicadas. Esta última associação foi já descrita na literatura16.

Relativamente ao envolvimento pericárdico, tanto a doença renal crónica como a colite ulcerosa17 se associam, ainda que raramente, a pericardites crónicas.

Ainda assim, a tuberculose, embora constitua uma causa rara e pouco descrita de aneurismas aórticos, é uma causa frequente de pericardite constritiva, sobretudo no nosso país, e é interessante equacioná-la como causa de ambas as patologias neste caso clínico.

A degenerescência tuberculosa da aorta é uma sequela rara de tuberculose, descrita pela primeira vez em 1882, por Weigert18. Desde então, já foram encontradas arterites tuberculosas na subclávia, carótida, ilíaca comum, hepática, renal e artérias inominadas19–21.

Pelo menos três mecanismos distintos têm sido implicados: extensão de um foco contíguo de infeção (por exemplo, do parênquima pulmonar ou pericárdio para a aorta torácica ou de gânglios linfáticos retroperitoneais infetados para a aorta abdominal), disseminação hematogénica de uma lesão preexistente na íntima, como uma placa aterosclerótica, e embolização sética para os vasos ou linfáticos da parede arterial22,23.

A aortite tuberculosa pode levar a uma completa degenerescência da parede da aorta, ou à formação de um aneurisma24.

O diagnóstico é um desafio e exige um elevado grau de suspeição clínica.

Conclusão

O caso clínico submetido apresenta interesse por constituir um exemplo de diagnósticos cardiovasculares diversos que podem ser compreendidos como manifestações de uma mesma doença, pela marcha diagnóstica efetuada, bem como pela solução terapêutica complexa que resulta da complementaridade da intervenção cirúrgica e percutânea, exemplo prático da atuação de uma heart team.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado, por escrito, para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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