Lemos com grande interesse o artigo de Rodrigues et al., intitulado Implantação de pacemaker definitivo (PMD) por via femoral, publicado recentemente na Revista Portuguesa de Cardiologia (novembro/2014), que descreve dois casos de implantação de PMD monocâmara, modo VVI, por via femoral1.
No segundo caso descrito o dispositivo foi implantado por bloqueio auriculoventricular (BAV) intermitente de 2.° grau Mobitz II e completo (com ritmo sinusal preservado) sintomático. Destacamos ainda o artigo de Valente et al., intitulado Acesso femoral venoso: uma alternativa excecional para a implantação de PMD, publicado na Revista Portuguesa de Cardiologia em maio/2014 onde se descreve um caso de implantação de PMD monocâmara, modo VVI‐R, por via femoral em doente com BAV 2:1 (com ritmo sinusal preservado) sintomático2. Embora esta técnica seja conhecida desde a década de 803,4, continua a ser pouco familiar para a maioria dos operadores. Em relação aos casos descritos, gostaríamos de partilhar um dos nossos casos e comentar o tipo de dispositivo implantado.
Trata‐se de um doente do sexo masculino, 86 anos, com doença renal crónica em programa de hemodiálise com fístula arteriovenosa braquiocefálica esquerda. Foi submetido previamente a implantação de PMD em posição antepeitoral direita por bloqueio auriculoventricular 2:1 intermitente sintomático e posterior explantação de sistema por infeção do dispositivo. Procedeu‐se a implantação de PMD dupla câmara por via femoral direita. Foi realizada uma incisão no sulco ilíaco direito, abaixo do ligamento inguinal (Figura 1A), seguido de dupla punção venosa femoral; introdução, progressão, posicionamento e fixação ativa sequencial dos eletrocateteres ventricular bipolar CapSureFix® Novus 4076‐110cm e auricular bipolar CapSureFix® Novus 5076‐85cm (Medtronic Inc., Minneapolis, Minnesota, EUA) no ápex do ventrículo direito e apêndice auricular direito, respetivamente (Figura 1B,1C,1D e 1E). Obteve‐se ótima amplitude de onda e limiares de estimulação ventriculares (impedância 733Ohm, amplitude 7,4mV, limiar 0,5mV) e auriculares (impedância 659Ohm, amplitude 0,9mV, limiar 1mV). Realizada construção da loca no tecido subcutâneo da fossa ilíaca direita (Figura 1F). Conexão dos eletrocateteres ao gerador (Reply D SafeR – Sorin Inc., Milão, Itália), seguido de implantação do mesmo na loca (Figura 1G). Programação em modo DDD‐R. O procedimento decorreu sem intercorrências. Durante o período de dois anos de seguimento em consulta de pacing o doente manteve‐se assintomático e o sistema normofuncionante.
(A) Incisão no sulco ilíaco direito, abaixo do ligamento inguinal;(B) progressão do eletrocateter ventricular bipolar CapSureFix® Novus 4076‐110cm (Medtronic Inc., Minneapolis, Minnesota, EUA) através da veia cava inferior; (C) posicionamento e fixação ativa de eletrocateter ventricular no ápex ventricular direito; (D) progressão do eletrocateter auricular bipolar CapSureFix® Novus 5076‐85cm (Medtronic Inc., Minneapolis, Minnesota, EUA) através da veia cava inferior; (E) posicionamento e fixação ativa de eletrocateter auricular no apêndice auricular direito; (F)implantação de gerador (Reply D SafeR – Sorin Inc., Milão, Itália) em loca no tecido subcutâneo na fossa ilíaca direita; (G)fossa ilíaca direita após sutura de loca.
Nenhum ensaio clínico aleatorizado de grande escala demonstrou superioridade do pacing dupla câmara em relação ao pacing ventricular em doentes com bloqueio auriculoventricular no que diz respeito a mortalidade ou morbilidade major. Contudo, o pacing dupla câmara está associado a uma redução da síndrome do pacemaker (25% dos doentes submetidos a pacing ventricular) e a melhoria da capacidade de exercício (exceto se comparado com o modo VVI‐R), motivo pelo qual as guidelines atuais da ESC (2013) recomendam que a implantação de um sistema dupla câmara deve ser considerada nos doentes com doença do nódulo auriculoventricular (classe de recomendação IIa, nível de evidência A)5. Em ambas as séries mais recentes de implantação de dispositivos de pacing por via femoral a principal complicação apontada é o deslocamento do eletrocateter auricular em 21 e 20% dos casos, respetivamente6,7. Contudo, em ambas as séries, verificou‐se uma redução do deslocamento do eletrocateter auricular para 11 e 0% se consideradas apenas as últimas 19 e 14 implantações, respetivamente, sugerindo que tal complicação está relacionada com a experiência do operador.
Em conclusão, no nosso centro consideramos a via femoral uma alternativa válida para implantação de PMD quando o acesso pela cava superior não é possível. A utilização do acesso femoral não deve condicionar o modo de pacing ideal para o doente segundo as recomendações internacionais.