A Extra‐Corporeal Membrane Oxygenation (ECMO) está a ser utilizada com crescente frequência no apoio circulatório e/ou respiratório de curta duração. Trata‐se de um sistema de oxigenação por membrana externa, derivado dos sistemas cirúrgicos de circulação extracorporal utilizados em cirurgia cardíaca, em que o sangue é propulsionado por uma bomba centrífuga através de uma membrana onde se dá a troca gasosa. A bomba auxilia o coração e a membrana «substitui» o pulmão1,2. A ECMO é, portanto, recomendada em situações de insuficiência respiratória (por exemplo, SDRA) ou cardíaca (p. e., EAM complicado por choque cardiogénico) agudas com perspetivas de recuperação, e em doentes com insuficiência cardíaca crónica avançada, como ponte para a transplantação ou para decisão3–5. A circulação é geralmente estabelecida por canulação venosa e arterial periféricas, cada vez mais de modo percutâneo, e há, essencialmente, dois métodos de utilização (Figura 1): venovenoso (VV), para apoio respiratório; e venoarterial (VA), para apoio circulatório e/ou cardiopulmonar6,7.
Modalidades de ECMO (venovenoso [VV], para suporte respiratório; venoarterial [VA], para suporte circulatório e/ou respiratório). Adaptado de Squiers et al.2
Trata‐se de um método terapêutico muito eficaz e de baixo custo (a consola custa cerca de cinquenta milhares de euros – custo único – e os consumíveis cerca de cinco milhares de euros por doente), que pode ser utilizado em qualquer hospital, mesmo não terciário, e os sistemas atuais são portáteis, permitindo, portanto, a transferência dos doentes de uns hospitais para outros8–10. No entanto, ainda que os sistemas sejam de relativamente fácil utilização e controle, não necessitando de grande aprofundamento técnico, a ECMO deve ser realizada apenas por médicos com formação e experiência no seu início, manutenção e interrupção, e recomenda‐se a concentração em centros especializados, porque a sua utilização eficaz requer um conhecimento profundo das fisiopatologias respiratória e circulatória.
Nesta edição da revista, o grupo cardiológico de Gaia descreve a sua experiência de 48 doentes que receberam apoio ECMO, 29 ECMO‐VA e 19 ECMO‐VV, durante um período de cerca de cinco anos e meio11. Esta é, provavelmente, a maior série publicada no nosso meio, embora haja outras experiências de similar ou maior magnitude. Os resultados obtidos pelos autores estão de acordo com os obtidos em centros de grande experiência e alto volume. Quase 70% dos doentes, em ambos os grupos, foram desmamados da ECMO com sucesso e a sobrevivência hospitalar foi de 37,9% nos doentes em ECMO‐VA, e de 63,2% nos doentes em ECMO‐VV. A comparação entre estes dois grupos é um exercício intelectual que se aceita, mas sem verdadeiro interesse clínico, já que se tratam de dois métodos terapêuticos diferentes, utilizados em doentes diferentes, no que respeita tanto à patologia, como às comorbilidades. Como seria de esperar, no ECMO‐VA, a necessidade de terapêutica inotrópica associada ao suporte, um índice de disfunção miocárdica mais acentuada, foi preditor de mortalidade.
Naturalmente, este tipo de terapêutica tem outros riscos associados de não somenos importância. Há uma incidência significativa de fenómenos tromboembólicos resultantes de uma grande superfície de contacto com o sistema (membrana e tubos), pelo que os doentes têm de ser anticoagulados, ainda que em baixa intensidade, de que resulta uma probabilidade de complicações hemorrágicas, incluindo as relacionadas com a canulação periférica. A anticoagulação e o traumatismo dos elementos figurados do sangue causado pela bomba estão ainda na origem de disfunções hematológicas importantes, incluindo hemólise e trombocitopenia. Finalmente, há a considerar o risco de infeção local e sistémica.
Por outro lado, a circulação não é fisiologicamente pulsátil, especialmente nas insuficiências miocárdicas graves com ausência ou baixa atividade de ejeção do coração, o que resulta em insuficiência de perfusão de alguns órgãos vitais, como o cérebro, rins, fígado, trato gastrointestinal, etc., especialmente se a assistência se prolonga no tempo. Finalmente, os vasos periféricos sujeitos a canulação são suscetíveis de complicações vasculares, incluindo isquemia dos territórios a jusante. Esta é uma complicação frequente quando a artéria femoral é utilizada para canulação, pelo que colocação de um shunt para perfusão distal é hoje rotina.
Conjuntamente com a evolução da patologia de base, estas complicações são, elas próprias, também causa frequente de mortalidade, pelo que a sobrevivência a médio e longo prazo está seriamente comprometida. Em todo o caso, é necessário ter em conta que se tratam de doentes que, muito provavelmente, não sobreviveriam sem este tipo de tratamento.
Infelizmente, dos nove doentes que na experiência de Gaia foram referenciados para transplantação cardíaca, uma das indicações para a instituição da ECMO, apenas três doentes foram transplantados e destes apenas um sobreviveu, e os restantes faleceram a aguardar transplante. A magnitude da lista de espera para transplantação e o tempo de espera estão relacionados com a carência de dadores. Ainda que aos doentes em assistência ventricular mecânica seja sempre atribuído o grau mais elevado da escala de prioridades, e apesar de o nosso sistema legal de doação no nosso país ser um dos mais liberais do mundo, com taxas de doação das mais elevadas da Europa (cerca de 30 dadores por milhão de habitantes), frequentemente, o novo coração não chega a tempo. Na experiência do meu centro, os doentes transplantados em assistência ventricular tiveram uma sobrevivência hospitalar de cerca de 70%, mas os doentes com mais de duas semanas de assistência à data da transplantação tiveram uma mortalidade muito mais elevada que os que foram transplantados mais cedo.
Portanto, e em conclusão, a ECMO como método de assistência ventricular está hoje a ser praticada por vários centros do país, nomeadamente nos que têm cirurgia cardíaca on site, tendo em conta a especificidade e a identidade da tecnologia, mas está teoricamente disponível para todos os doentes de todas as unidades hospitalares do país, uma vez que a portabilidade dos equipamentos permite a deslocação das equipas e a mobilidade dos doentes, com baixo risco, de unidades periféricas para as unidades terciárias, como foi, aliás, o caso de muitos dos doentes tratados no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia – Espinho. Neste caso, quase metade dos doentes em ECMO‐VA foi transferida em choque cardiogénico de outro hospital, mas a experiência parece indicar que estes doentes talvez beneficiem da implantação do sistema no hospital de origem, antes da transferência9. Com o aumento da experiência e a melhoria dos resultados, as indicações para esta modalidade terapêutica têm sido progressivamente ampliadas. Contudo, há que evitar a futilidade do uso nos doentes que estão em estadios terminais, nos que estiveram demasiado tempo sujeitos a terapêutica convencional, ou nos que têm um diagnóstico de doença fatal.
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.