Informação da revista
Vol. 32. Núm. 5.
Páginas 373-378 (Maio 2013)
Visitas
20603
Vol. 32. Núm. 5.
Páginas 373-378 (Maio 2013)
Artigo Original
Open Access
CHADS2 e CHA2DS2VASc como preditores de fonte cardioembólica em prevenção secundária cerebrovascular
CHADS2 and CHA2DS2VASc scores as predictors of cardioembolic sources in secondary stroke prevention
Visitas
20603
Tiago Sáa,b,1, João Sargento-Freitasb,1,
Autor para correspondência
jsargentof@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Vítor Pinheiroa,b, Rui Martinsc, Rogério Teixeirac, Fernando Silvab, Nuno Mendonçab, Gustavo Cordeirob, Lino Gonçalvesc, Luís A. Providênciac, António Freire-Gonçalvesb, Luís Cunhab
a Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
b Unidade de Acidentes Vasculares Cerebrais, Serviço de Neurologia, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Hospitais da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
c Serviço de Cardiologia, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Hospitais da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (1)
Tabelas (4)
Tabela 1. Prevalência de fatores de risco vascular na população em estudo
Tabela 2. Resultados da comparação entre as escalas de risco cardioembólico e a presença ou ausência de fonte cardioembólica
Tabela 3. Resultados do estudo da curva ROC para as escalas de risco cardioembólico
Tabela 4. Resultados do estudo da curva ROC para as escalas de risco cardioembólico incluindo apenas os doentes não anticoagulados (n=84)
Mostrar maisMostrar menos
Resumo
Introdução e objetivos

A cardioembolia representa uma das causas mais frequentes de lesões cerebrovasculares isquémicas, com prevalência estimada de 20-30% e implicações terapêuticas diretas que obrigam à sua correta avaliação. Apesar de a validação das escalas de risco cardioembólico (CHADS2 e, mais recentemente, CHA2DS2-VASc) em populações heterogéneas de doentes com fibrilhação furicular, desconhece-se ainda a sua validade em contexto de prevenção secundária cerebrovascular.

É objetivo deste trabalho estudar a sensibilidade e especificidade diferencial das escalas de risco cardioembólico como preditoras de fonte cardioembólica documentada por ecocardiograma transesofágico (ETE) numa população de doentes com AVC isquémico.

Métodos

Aplicámos as escalas CHADS2 e CHA2DS2-VASc a todos os doentes internados por evento cerebrovascular isquémico na Unidade de AVC/Enfermaria de Neurologia de um hospital central português com diagnóstico de fibrilhação auricular (prévio ou obtido durante/após o internamento), que realizaram ETE entre janeiro e agosto de 2011.

Definimos como presença de fonte cardioembólica a observação em ETE de autocontraste espontâneo na aurícula e apêndice auricular esquerdo ou trombos nas cavidades cardíacas esquerdas.

Resultados

Analisámos 94 doentes, 66,0% do sexo masculino, idade média: 64,4 anos (desvio padrão: 14,2). Foi detetada fonte cardioembólica em 20 doentes. A análise de curva Receiver Operating Characteristic (ROC) identifica como preditores de fonte cardioembólica pontuação CHADS2 ≥ 4; sensibilidade: 75,0%, especificidade: 66,0%, p=0,014 e pontuação CHA2DS2-VASc ≥ 5; sensibilidade: 83,3%, especificidade: 58,0%, p=0,009.

Conclusões

Ambas as escalas apresentam sensibilidade significativa como preditoras de risco cardioembólico em contexto de prevenção secundária cerebrovascular. A escala CHA2DS2-VASc possui uma sensibilidade superior à CHADS2, sendo, no entanto, menos específica.

Palavras-chave:
Acidente vascular cerebral
Fibrilhação auricular
Tromboembolismo
Ecocardiografia
Anticoagulação
Abstract
Introduction and objectives

Cardioembolism is one of the most common causes of ischemic stroke, with an estimated prevalence of 20-30%, and correct diagnosis is essential given the therapeutic implications. Although stroke risk scores (CHADS2 and more recently CHA2DS2-VASc) have been validated in heterogeneous populations of patients with atrial fibrillation, their accuracy has not been ascertained for secondary stroke prevention. We set out to assess the sensitivity and specificity of the CHADS2 and CHA2DS2-VASc stroke risk scores as predictors of cardioembolic sources, documented by transesophageal echocardiography (TEE) in a population with ischemic stroke.

Methods

The CHADS2 and CHA2DS2-VASc scores were applied to all patients admitted to the stroke unit/neurology ward of a Portuguese tertiary hospital with atrial fibrillation (diagnosed previously or during or after admission) who underwent TEE between January and August 2011.

The presence of a cardioembolic source was defined as the observation by TEE of spontaneous echo contrast in the left atrium and atrial appendage or thrombi in the left cardiac chambers.

Results

We studied 94 patients, 66.0% male, mean age 64.4 years (standard deviation 14.2). A cardioembolic source was detected in 20 patients. ROC curve analysis identified as predictors of cardioembolic source CHADS2 score ≥4 (sensitivity of 75.0%, specificity of 66.0%, p=0.014) and CHA2DS2-VASc score ≥5 (sensitivity of 83.3%, specificity of 58.0%, p=0.009).

Conclusions

Both scores showed acceptable sensitivity as predictors of embolic risk in the context of secondary prevention of cardioembolic stroke. The CHA2DS2-VASc score has higher sensitivity than CHADS2 but lower specificity.

Keywords:
Stroke
Atrial fibrillation
Thromboembolism
Echocardiography
Anticoagulation
Texto Completo
Introdução

O acidente vascular cerebral (AVC) é a segunda causa de morte no mundo1, atingindo proporções particularmente alarmantes em Portugal, onde a taxa de mortalidade por AVC é de cerca de 200/100 000 habitantes, uma das mais elevadas da União Europeia2,3.

Do ponto de vista anatomopatológico e fisiopatológico, os acidentes vasculares cerebrais são divididos em dois grupos: isquémicos (80%) e hemorrágicos (20%)4. Os AVC isquémicos podem ser divididos segundo a classificação etiológica Trial of Org 10172 in Acute Stroke Treatment (TOAST) em cinco subtipos principais: aterotrombóticos, cardioembólicos, doença de pequenos vasos, outra causa conhecida, causa desconhecida5.

Uma etiologia cardioembólica é atribuída a cerca de 20 a 30% dos doentes com AVC isquémico6. Diversas patologias cardíacas aumentam o risco de ocorrência de AVC, sendo a fibrilhação auricular (FA) a sua causa mais comum7. Os fármacos anticoagulantes demonstraram reduzir eficazmente o risco de recorrência de AVC isquémico neste subtipo etiológico, estando, por isso, fortemente recomendada a sua utilização no contexto da prevenção primária e secundária8,9.

Com o objetivo de estratificar o risco de ocorrência de eventos cerebrovasculares cardioembólicos, foi criada a escala de risco CHADS210. Existem atualmente recomendações que relacionam a pontuação obtida com a aplicação desta escala e o plano terapêutico antitrombótico a adotar11. Recentemente, com o intuito de otimizar a anterior classificação, foi criada uma nova escala de risco cardioembólico, a CHA2DS2-VASc. Contudo, e apesar da sua validação numa população heterogénea de doentes com FA em prevenção primária12,13, desconhece-se ainda a sua validade em contexto de prevenção secundária cerebrovascular.

O ecocardiograma transesofágico (ETE) é um exame invasivo que dá uma boa informação anatómica da crossa da aorta, aurícula esquerda, apêndice auricular esquerdo, válvula mitral e válvula aórtica. Esta técnica é dotada de elevada sensibilidade e especificidade na deteção de fonte cardioembólica, possuindo uma capacidade três vezes superior ao ecocardiograma transtorácico (ETT) para atingir esse fim14.

O objetivo deste estudo é estudar uma possível associação entre as escalas de risco cardioembólico (CHADS2 e CHA2DS2-VASc) e a presença de fonte cardioembólica, identificada com recurso a ETE, em doentes com patologia cerebrovascular isquémica.

MétodosMateriais e população

Incluímos no estudo todos os doentes internados na Unidade de AVC/Enfermaria cerebrovascular de Neurologia de um hospital central português com diagnóstico de FA (prévio ou obtido durante/após o internamento) que realizaram ecocardiograma transesofágico (ETE) para estudo de fonte cardioembólica entre janeiro e agosto de 2011.

O estudo por ETE foi realizado até cinco dias após o evento vascular no serviço de Cardiologia do mesmo hospital utilizando um ecocardiógrafo (GE Vivid 7 Dimension) equipado com uma sonda multiplanar transesofágica 6Tc RS. Foi definido como demonstração de fonte cardioembólica ativa a presença em ETE de trombos nas cavidades cardíacas esquerdas ou autocontraste espontâneo na aurícula e apêndice auricular esquerdos15.

Foram registadas as variáveis clínicas (hipertensão arterial, diabetes mellitus, coronariopatia, insuficiência cardíaca congestiva, tabagismo, dislipidémia, antecedentes pessoais de acidente vascular cerebral, alcoolismo), demográficas (sexo e idade) e analíticas dos doentes por consulta dos processos clínicos. O diagnóstico de FA foi assumido após visualização direta de exames complementares que o confirmavam. Nos doentes previamente anticoagulados (10; 10,6%) foi avaliada a eficácia da anticoagulação estudando o valor de INR à data da realização do ETE (± 72h).

Todos os doentes foram classificados de acordo com as escalas de risco vascular CHADS210 e CHA2DS2-VASc16. Comparámos todas as variáveis clínicas, demográficas e de risco cardiovascular para avaliar possíveis associações com presença de fonte cardioembólica.

Finalmente, avaliámos pontos de corte, sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo e negativo das escalas de risco cardioembólico como preditoras de cardioembolia ativa.

Análise estatística

Efetuámos a análise estatística utilizando o software IBM SPSS Statistics 20.

Realizámos análise estatística descritiva com cálculo de média e desvio padrão (DP) para as variáveis quantitativas e do número absoluto (NA) e percentagem para as variáveis qualitativas.

Comparámos variáveis demográficas e prevalência de fatores de risco vascular, entre doentes com e sem fonte cardioembólica ativa utilizando o teste de chi-quadrado ou teste exato de Fischer, quando adequado para variáveis qualitativas e o teste t de Student para variáveis independentes com variáveis quantitativas.

Comparámos o valor obtido após a aplicação das diferentes escalas de risco cardioembólico e a data da realização do ETE com a presença ou não de fonte cardioembólica ativa documentada por ETE utilizando o teste U de Mann-Whitney para duas variáveis independentes.

Efetuámos curvas Reciever Operater Caractristic (ROC) para a determinação de valores de corte preditores de fonte cardioembólica na população total de doentes, assumindo igual importância de sensibilidade e especificidade para cada uma das escalas referidas. Esta análise foi então repetida na subpopulação de doentes não anticoagulados para avaliar a robustez dos resultados.

Definiu-se como significância estatística p < 0,05.

ResultadosPopulação estudada

Durante o período estudado, foram diagnosticadas doenças cerebrovasculares isquémicas (AIT/AVC) a 313 doentes. Destes, 94 doentes (30,0%) com diagnóstico de FA foram submetidos à realização de ecocardiograma transesofágico (ETE). O diagnóstico de FA havia sido obtido previamente a internamento em 66 (70,2%), durante este em 25 (26,6%) e após o internamento em 3 (3,2%). Identificámos fonte cardioembólica ativa em 20 doentes (21,3%) sendo caracterizada por autocontraste espontâneo nas cavidades cardíacas esquerdas em 19 doentes (20,2%), trombos nas cavidades cardíacas esquerdas em um (1,1%) e pela presença simultânea de ambos em oito (8,5%).

Apresentamos na Tabela 1 as características demográficas, fatores de risco vascular e resultados ecocardiográficos da população em estudo.

Tabela 1.

Prevalência de fatores de risco vascular na população em estudo

  Total de doentes  Ausência de fonte cardioembólica (n=74)  Presença de fonte cardioembólica (n=20) 
Idade  64,4 ± 14,2  61,3 ± 14,3  75,7 ± 5,9  < 0,001 
Sexo (masculino)  62 (66,0%)  49 (76,6%)  13 (65,0%)  0,919 
Alcoolismo  9 (9,6%)  6 (8,1%)  3 (15,0%)  0,364 
AP AVC  6 (6,4%)  4 (5,4%)  2 (10,0%)  0,337 
Coronariopatia  11 (11,7%)  10 (13,5%)  1 (5,0%)  0,439 
DM  9 (9,6%)  8 (10,8%)  1 (5,0%)  0,666 
Dislipidemia  30 (31,9%)  25 (33,8%)  5 (25,0%)  0,421 
HTA  52 (55,3%)  39 (52,7%)  13 (65,0%)  0,326 
ICC  4 (4,3%)  2 (2,7%)  2 (10,0%)  0,224 
Tabagismo  13 (13,8%)  11 (14,9%)  2 (10,0%)  1.000 
Placas ateromatosas na aorta torácica  32 (34,0%)  24 (32,4%)  8 (40,0%)  0,345 
FOP  8 (8,5%)  7 (9,5%)  1 (5,0%)  0,402 
Vegetações valvulares  6 (6,4%)  4 (5,4%)  2 (10,0%)  0,377 
CIA  3 (3,2%)  3 (4,1%)  0 (0,0%)  0,484 
Doença valvular  16 (17,0%)  10 (13,5%)  6 (30,0%)  0,808 
Disfunção ventricular  4 (4,3%)  2 (2,7%)  2 (10,0%)  0,209 
Data da realização do ETE  4,2 ± 1,2  4,1 ± 1,2  4,5 ± 0,8  0,391 
INR  1,91 ± 0,49  1,95 ± 0,53  1,85 ± 0,49  0,752 

AP AVC: antecedentes pessoais de acidente vascular cerebral; CIA: comunicação intrerauricular; DM: diabetes mellitus; ETE: ecocardiograma transesofágico; FOP: foramen oval patente; HTA: hipertensão arterial; ICC: insuficiência cardíaca congestiva; INR: international normalized ratio.

Apresentam-se os valores de INR apenas para os doentes sob anticoagulação oral. Data da realização do ETE apresentada em dias após o evento vascular. As variáveis contínuas foram apresentadas como média ± desvio padrão e as variáveis qualitativas como número absoluto (%).

À data de alta hospitalar, 91 doentes (96,8%) estavam anticoagulados, tendo os restantes três (3,2%) contraindicação à sua utilização.

Risco cardioembólico e ecocardiograma transesofágico

A Tabela 2 apresenta a comparação realizada entre a pontuação obtida com a aplicação das escalas CHADS2 e CHA2DS2-VASc e a presença ou não de fonte cardioembólica ativa documentada por ETE.

Tabela 2.

Resultados da comparação entre as escalas de risco cardioembólico e a presença ou ausência de fonte cardioembólica

  Fonte cardioembólica ausente  Fonte cardioembólica presente  Total 
CHADS2  3,00 (3,00-4,00)  4,00 (3,25-4,00)  3,00 (3,00-4,00)  0,009 
CHA2DS2-VASc  4,00 (3,00-5,00)  5,00 (5,00-6,00)  4,50 (3,00-5,00)  0,007 

As pontuações das escalas estão apresentadas como mediana (intervalo inter-quartis).

Análise de sensibilidade e especificidade das escalas de risco cardioembólico

Apresentamos agora o estudo da sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo das escalas de risco CHADS2 e CHA2DS2-VASc na Tabela 3 e Figura 1. Na Tabela 4 apresentamos a análise das escalas de risco cardioembólico aplicadas na subpopulação de doentes não anticoagulados (n=84).

Tabela 3.

Resultados do estudo da curva ROC para as escalas de risco cardioembólico

  Ponto de corte  Sensibilidade  Especificidade  VPP  VPN  ASC  IC 95% 
CHADS2  ≥ 4  75,0%  66,0%  33,3%  81,4%  0,720  0,587-0,872  0,014 
CHA2DS2-VASc  ≥ 5  83,3%  58,0%  35,7%  85,4%  0,746  0,617-0,874  0,009 

ASC: área sob curva; IC 95%: intervalo de confiança de 95%; VPN: valor preditivo negativo; VPP: valor preditivo positivo.

Figura 1.

Curva ROC representativa da sensibilidade e especificidade das escalas de risco cardioembólico CHADS2 e CHA2DS2-VASc. Os pontos representados indicam o valor de corte, assumindo igual importância para sensibilidade e especificidade e correspondem a CHADS2 ≥ 4 e CHA2DS2-VASc ≥ 5.

(0,1MB).
Tabela 4.

Resultados do estudo da curva ROC para as escalas de risco cardioembólico incluindo apenas os doentes não anticoagulados (n=84)

  Ponto de corte  Sensibilidade  Especificidade  VPP  VPN  ASC  IC 95% 
CHADS2  ≥ 4  75,0%  65,9%  66,7%  87,8%  0,746  0,579-0,913  0,028 
CHA2DS2-VASc  ≥ 5  87,5%  56,8%  41,7%  92,5%  0,790  0,642-0,937  0,010 

ASC: área sob curva; IC 95%: intervalo de confiança de 95%; VPN: valor preditivo pegativo; VPP: valor preditivo positivo.

Discussão

O presente trabalho teve como principal objetivo avaliar a sensibilidade e especificidade das escalas de risco cardioembólico CHADS2 e CHA2DS2-VASc como preditoras de fonte cardioembólica numa população de doentes cerebrovasculares.

Neste estudo, demonstrámos que a idade tem um peso determinante na presença de cardioembolismo, o que vai ao encontro dos resultados obtidos noutras investigações desta área17 e reflete a importância reforçada deste fator na nova escala de risco CHA2DS2-VASc. Não foi encontrada nenhuma associação significativa entre os restantes fatores de risco e demográficos avaliados e a presença de fonte cardioembólica, o que também tem sido referenciado em publicações anteriores18. O valor médio de INR nos doentes previamente anticoagulados encontra-se em valores subterapêuticos, não tendo sido verificada diferença com significado estatístico entre os doentes com e sem fonte cardioembólica documentada. Este dado deverá ser interpretado com precaução atendendo ao número reduzido da amostra de doentes previamente medicados com antivitamínicos K, mas alerta para a necessidade contínua de otimização posológica.

As variáveis utilizadas como indicadoras de fonte cardioembólica encontram-se já identificadas por diversos autores15,19,20 como eficazes na predição de fonte cardioembólica em doentes com FA. O facto de o ETE ser o exame com maior acuidade para a presença de autocontraste espontâneo na aurícula esquerda reforça a sua importância. No entanto, para doentes com FA e atendendo às indicações atuais da terapêutica anticoagulante, a Sociedade Europeia de Cardiologia não aconselha a sua realização por rotina, sugerindo-o apenas em circunstâncias particulares21. Não obstante, na fase aguda do evento cerebrovascular, o clínico assistente necessita frequentemente de informação segura do risco cardioembólico para planear a cronologia de introdução de terapêutica antitrombótica para um doente em particular, transformando os dados de ETE num complemento decisivo para essa decisão clínica, mesmo em doentes já com diagnóstico prévio de FA.

A análise das pontuações obtidas com a aplicação das escalas de risco cardioembólico CHADS2 e CHA2DS2-VASc revela que estamos perante uma população cujo risco de ocorrência de novo AVC é moderado ou elevado22, o que seria de esperar nesta população em particular.

Os resultados deste trabalho são explícitos quanto à validade destas duas classificações (CHADS2 e CHA2DS2-VASc) na identificação de risco cardioembólico, confirmando o seu valor mesmo em contexto de prevenção secundária cerebrovascular. Não obstante, a avaliação da sensibilidade e especificidade diferencial destas escalas revelou assimetrias. Com efeito, a classificação mais recente parece ser mais sensível na predição de fonte cardioembólica ativa, mas menos específica do que a anterior, não se registando diferenças significativas em valores preditivos positivos ou negativos.

Vários estudos demonstraram que os antivitamínicos K são eficazes na prevenção primária e secundária de eventos cerebrovasculares; no entanto, estão também associados a risco de complicações hemorrágicas, bem como a uma taxa considerável de abandono da terapêutica23. Estas desvantagens contribuem para que a adesão às recomendações internacionais, no que respeita à prevenção de eventos tromboembólicos, esteja longe do desejável24. Novos fármacos demonstraram possuir eficácia igual ou superior à varfarina na prevenção de acidentes cerebrovasculares, implicando um menor risco hemorrágico e não obrigando a controlo analítico regular25–28. Estes factos condicionam uma alteração da relação risco-benefício da terapêutica antitrombótica profilática na FA, obrigando à reconsideração a curto prazo do ponto de corte para benefício da prescrição de anticoagulante e indicando a necessidade de escalas de risco cardioembólico com maior sensibilidade para predição de eventos isquémicos. Atendendo às características da escala CHA2DS2-VASc indicadas neste trabalho, esta parece apresentar um perfil mais útil para esse fim.

Como principais limitações do nosso estudo, identificamos o seu caráter unicêntrico e o facto de o ETE não ser realizado imediatamente após o evento vascular, permitindo, assim, a possibilidade de existência prévia de trombos não visualizados por este exame à data da sua realização. Refere-se ainda que o caráter frequentemente paroxístico desta patologia implica que a ausência de fonte cardioembólica documentada em determinado momento não exclui a sua possível existência anterior ou posterior.

Conclusões

Os resultados deste trabalho são explícitos quanto à validade das escalas de risco CHADS2 e CHA2DS2-VASc na identificação de risco cardioembólico em prevenção secundária cerebrovascular. A nova escala CHA2DS2-VASc parece apresentar uma vantagem em relação à anterior classificação pelo seu ganho em sensibilidade, admitindo-se que a ligeira diminuição de especificidade desta escala, à luz das novas abordagens terapêuticas, não parece traduzir nenhuma perda para a decisão médica informada e individualizada, sendo suplantada pelo seu ganho em sensibilidade.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
E.P. Soler, V.C. Ruiz.
Epidemiology and risk factors of cerebral ischemia and ischemic heart diseases: Similarities and differences.
Curr Cardiol Rev, 6 (2010), pp. 138-149
[2]
M. Correia, M.R. Silva, I. Matos, et al.
Prospective community-based study of stroke in Northern Portugal: Incidence and case fatality in rural and urban populations.
[3]
L. Moon, P. Moise, S. Jacobzone.
Organisation for Economic Co-operation and Development. Employment Labour and Social Affairs Committee. Stroke care in OECD countries: A comparison of treatment, costs, and outcomes in 17 countries.
Organisation for Economic Co-operation and Development, Directorate for Employment, Labour and Social Affairs, Employment, Labour and Social Affairs Committee, (2003),
[4]
P.L. Kolominsky-Rabas, M. Weber, O. Gefeller, et al.
Epidemiology of ischemic stroke subtypes according to TOAST criteria: Incidence, recurrence, and long-term survival in ischemic stroke subtypes: A population-based study.
Stroke, 32 (2001), pp. 2735-2740
[5]
H.P. Adams Jr, B.H. Bendixen, L.J. Kappelle, et al.
Classification of subtype of acute ischemic stroke. Definitions for use in a multicenter clinical trial. TOAST. Trial of Org 10172 in Acute Stroke Treatment.
Stroke, 24 (1993), pp. 35-41
[6]
A. Arboix, J. Alió.
Cardioembolic stroke: Clinical features, specific cardiac disorders and prognosis.
Curr Cardiol Rev, 6 (2010), pp. 150-161
[7]
D. Bonhorst, M. Mendes, J. de Sousa, et al.
Epidemiology of atrial fibrillation.
Rev Port Cardiol, 29 (2010), pp. 1207-1217
[8]
T.S. Olsen, P. Langhorne, H.C. Diener, et al.
European stroke initiative recommendations for stroke management-update 2003.
Cerebrovasc Dis, 16 (2003), pp. 311-337
[9]
M.À. Font, J. Krupinski, A. Arboix.
Antithrombotic medication for cardioembolic stroke prevention.
Stroke Res Treat, 2011 (2011), pp. 607852
[10]
B.F. Gage, A.D. Waterman, W. Shannon, et al.
Validation of clinical classification schemes for predicting stroke: Results from the National Registry of Atrial Fibrillation.
JAMA, 285 (2001), pp. 2864-2870
[11]
V. Fuster, L.E. Rydén, R.W. Asinger, American College of Cardiology; American Heart Association; European Society of Cardiology; North American Society of Pacing and Electrophysiology, et al.
ACC/AHA/ESC guidelines for the management of patients with atrial fibrillation. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the European Society of Cardiology Committee for Practice Guidelines and Policy Conferences (Committee to develop guidelines for the management of patients with atrial fibrillation) developed in collaboration with the North American Society of Pacing and Electrophysiology.
Eur Heart J, 22 (2001), pp. 1852-1923
[12]
G. Boriani, G.L. Botto, L. Padeletti, et al.
Improving stroke risk stratification using the CHADS2 and CHA2DS2-VASc risk scores in patients with paroxysmal atrial fibrillation by continuous arrhythmia burden monitoring.
Stroke, 42 (2011), pp. 1768-1770
[13]
A. Cervera, A. Chamorro.
Antithrombotic therapy in cardiac embolism.
Curr Cardiol Rev, 6 (2010), pp. 227-237
[14]
M. Pepi, A. Evangelista, P. Nihoyannopoulos, et al.
Recommendations for echocardiography use in the diagnosis and management of cardiac sources of embolism: European Association of Echocardiography (EAE) (a registered branch of the ESC).
Eur J Echocardiogr, 11 (2010), pp. 461-476
[15]
R. Providência, A. Botelho, J. Trigo, et al.
Possible refinement of clinical thromboembolism assessment in patients with atrial fibrillation using echocardiographic parameters.
Europace, 14 (2012), pp. 36-45
[16]
G.Y. Lip, R. Nieuwlaat, R. Pisters, et al.
Refining clinical risk stratification for predicting stroke and thromboembolism in atrial fibrillation using a novel risk factor-based approach: The euro heart survey on atrial fibrillation.
Chest, 137 (2010), pp. 263-272
[17]
Y. Bejot, M. Caillier, D. Ben Salem, et al.
Ischaemic stroke subtypes and associated risk factors: A French population based study.
J Neurol Neurosurg Psychiatry, 79 (2008), pp. 1344-1348
[18]
N. Aquil, I. Begum, A. Ahmed, et al.
Risk factors in various subtypes of ischemic stroke according to TOAST criteria.
J Coll Physicians Surg Pak, 21 (2011), pp. 280-283
[19]
H.M. Kwon, J.H. Park, J.M. Kim, et al.
Mild left ventricular dysfunction is associated with thrombogenicity in cardioembolic stroke.
Eur Neurol, 56 (2006), pp. 217-221
[20]
O. Kamp, P.M. Verhorst, R.C. Welling, et al.
Importance of left atrial appendage flow as a predictor of thromboembolic events in patients with atrial fibrillation.
Eur Heart J, 20 (1999), pp. 979-985
[21]
F.A. Flachskampf, L. Badano, W.G. Daniel, et al.
Recommendations for transoesophageal echocardiography: Update 2010.
Eur J Echocardiogr, 11 (2010), pp. 557-576
[22]
A.J. Camm, P. Kirchhof, G.Y. Lip, et al.
Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC).
Eur Heart J, 31 (2010), pp. 2369-2429
[23]
S.P. Sá, R.P. Rodrigues, J. Santos-Antunes, et al.
Antithrombotic therapy in nonvalvular atrial fibrillation: A narrative review.
Rev Port Cardiol, 30 (2011), pp. 905-924
[24]
H. Dores, R. Cardiga, R. Ferreira, et al.
Atrial fibrillation and thromboembolic risk: What is the extent of adherence to guidelines in clinical practice?.
Rev Port Cardiol, 30 (2011), pp. 171-180
[25]
S.J. Connolly, M.D. Ezekowitz, S. Yusuf, et al.
Dabigatran versus warfarin in patients with atrial fibrillation.
N Engl J Med, 361 (2009), pp. 1139-1151
[26]
S.J. Connolly, J. Eikelboom, C. Joyner, et al.
Apixaban in patients with atrial fibrillation.
N Engl J Med, 364 (2011), pp. 806-817
[27]
ROCKET AF Study Investigators.
Rivaroxaban-once daily, oral, direct factor Xa inhibition compared with vitamin K antagonism for prevention of stroke and embolism trial in atrial fibrillation: Rationale and design of the ROCKET AF study.
Am Heart J, 159 (2010), pp. 340-347
[28]
M. Ufer.
Comparative efficacy and safety of the novel oral anticoagulants dabigatran, rivaroxaban and apixaban in preclinical and clinical development.
Thromb Haemost, 103 (2010), pp. 572-585

Os 2 primeiros autores contribuíram de igual forma para a realização deste artigo.

Copyright © 2012. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.