O conceito de balão eluidor de fármaco (DEB) assenta na libertação na parede vascular de uma droga anti-proliferativa sem necessidade de deixar nenhuma estrutura metálica ou sequer um polímero. Trata-se, sem dúvida, de uma ideia aliciante e uma inovação importante na cardiologia de intervenção.
A sua introdução no tratamento da doença das coronárias não se fez, contudo, há muitos anos. Porém, o seu uso na angioplastia cresceu depressa, mais depressa seguramente do que a própria evidência científica adquirida neste domínio.
A história da cardiologia de intervenção fez-se frequentemente assim, caminhando à frente dos grandes estudos e das recomendações daí resultantes.
A necessidade desta alternativa deve-se muito ao facto de, em algumas situações, a utilização de stents não ser aconselhável ou de haver resultados menos positivos com a sua utilização.
O grupo de doentes onde os DEB mais se têm afirmado com uma opção atrativa são o da reestenose intra-stent, das bifurcações e da doença em vasos pequenos, muito em especial nos diabéticos. Qualquer destas situações, como sabemos, é um desafio para a cardiologia de intervenção e um problema para o qual ainda não há soluções ideais, ao contrário do que sucede nas lesões convencionais, onde o stent se afirmou universalmente.
O regresso à ideia simples da angioplastia de balão, agora com a particularidade da administração de um fármaco reduzindo o risco de restenose, surge como um caminho que faz sentido percorrer e onde é importante aumentarmos a nossa evidência científica.
A série publicada neste artigo por Calé et al., num estudo multicêntrico, vem nesse sentido, trazendo informação interessante sobre o uso dos DEB muito em especial num grupo tão importante como é o das lesões em vasos pequenos, onde escasseiam ainda estudos de grande dimensão.
Os autores analisaram, com base num registo prospetivo de dois centros, 156 doentes consecutivos em que foram tratadas 184 lesões, tendo um follow-up clínico de 12 meses. As indicações para o DEB repartiram-se entre dois grupos diferentes, o da reestenose intra-stent e o da doença em pequenos vasos.
O objetivo principal foi analisar os eventos major, morte de causa cardiovascular, enfarte agudo do miocárdio (EAM) e a necessidade de revascularização da lesão alvo (TLR).
Devemos destacar, em primeiro lugar, o sucesso do dispositivo, sendo possível a sua utilização com êxito em 98% dos doentes, provando a boa navegabilidade destes sistemas, mesmo em vasos pequenos com lesões habitualmente distais.
O número de eventos (MACE) aparentemente elevado, sobretudo aos 30 d, em que oito doentes tiveram ou morte de causa cardiovascular (2) ou EAM (4) ou TLR (2), poderá ser explicado pelo tipo de população estudada em que havia uma taxa de diabéticos acima do habitual e pelo facto de a maioria dos doentes ter doença coronária importante, já previamente tratada por angioplastia ou por by-pass coronário.
Poderá questionar-se se a análise de eventos clínicos é a melhor forma de examinar o resultado dos DEB, onde sobretudo se quer saber a taxa de reestenose e a necessidade de TLR.
Como sabemos, quer os doentes tratados de reestenose intra-stent, quer os diabéticos com doença dos pequenos vasos nem sempre têm manifestações clínicas típicas. Nos primeiros, é frequente a formação de circulação colateral, favorecida pelo processo gradual de reestenose do stent e nos segundos a percentagem de isquemia silenciosa é elevada.
Com os DEB, seria interessante ter mais estudos com revisão angiográfica para podermos perceber melhor a sua real eficácia. Se é certo que no caso da restenose intra-stent a nossa evidência já é maior1,2, sendo mesmo uma indicação contemplada nas últimas guidelines de revascularização miocárdica da ESC, nos vasos pequenos, contudo, os estudos têm sido controversos e até negativos3.
Apesar de neste estudo a comparação dos MACE nos dois grupos de doentes não ter mostrado diferenças significativas, é difícil tirar conclusões sobre a igual eficácia dos DEB nestas duas situações, pois são problemas completamente diferentes.
Um dos aspetos que merecia eventualmente ter sido melhor detalhado é a análise do grupo dos vasos pequenos, aquele em que carecemos de mais informação e onde por vezes o balão é o único recurso terapêutico. A definição de vaso pequeno nem sempre é igual em todos os estudos. Apesar de termos a mediana dos balões (2,5mm), seria importante, neste grupo em particular, saber qual o calibre dos vasos, muito em especial a taxa daqueles que nos levantam mais problemas ou seja os vasos ≤ 2mm.
Mas este trabalho tem também o mérito de nos chamar à atenção para outros aspetos como, por exemplo, o de que os maiores preditores de eventos vasculares estão sobretudo relacionados com as características dos doentes e não tanto com o tipo de balão utilizado ou até com o seu comprimento.
Por todas as razões, o contributo de séries, como esta que agora se publica, é de louvar, principalmente em campos onde ainda não há muita informação e onde a nossa prática é frequentemente off-label.
Se no caso da restenose intra-stent a estratégia com DEB começa a ser consensual, nas lesões em vasos pequenos, sobretudo nas difusas, continuamos ainda sem saber exatamente os resultados reais desta estratégia.
Uma palavra ainda sobre o caminho seguido pelos autores, que nos parece muito proveitoso e frutífero. Partilhar informação, criar séries multicêntricas, desenvolver projetos comuns é a via certa para a obtenção de resultados e para a afirmação da cardiologia de intervenção portuguesa.
Conflito de interesseO autor declara não ter qualquer conflito de interesses.