Os aneurismas e pseudo-aneurismas do ventrículo esquerdo são duas complicações do enfarte do miocárdio, onde as técnicas de imagem desempenham um papel fundamental. Os autores apresentam um caso clínico de aneurisma verdadeiro da parede posterior, em que a ressonância magnética cardíaca foi útil, embora apenas o exame intraoperatório tenha confirmado o diagnóstico.
Left ventricular aneurysm and pseudoaneurysm are two complications of myocardial infarction in which the role of imaging is paramount. The authors describe a case of a true aneurysm of the posterior wall, for which cardiac magnetic resonance was useful, although only intra-operative assessment confirmed the diagnosis.
Os aneurismas e pseudo-aneurismas do ventrículo esquerdo são duas complicações do enfarte do miocárdio, onde as técnicas de imagem desempenham um papel fundamental. A rotura da parede livre do ventrículo esquerdo é uma complicação catastrófica que ocorre em 4% dos doentes com enfarte do miocárdio e em 23% dos óbitos relacionados com esta patologia1.
O diagnóstico diferencial entre aneurisma e pseudo-aneurisma do ventrículo esquerdo é, por vezes, difícil. Apresentamos o caso de um doente com aneurisma verdadeiro da parede posterior, que ilustra a complementaridade dos métodos de imagem não invasivos (ecocardiograma e ressonância magnética) no diagnóstico destas complicações mecânicas do enfarte do miocárdio bem como a dificuldade em estabelecer um diagnóstico diferencial seguro entre estas duas entidades.
Caso clínicoHomem de 83 anos, com antecedentes de enfarte do miocárdio com elevação do segmento ST ínfero-lateral em outubro de 2007, submetido a angioplastia da artéria circunflexa com colocação de stent não revestido. Cerca de 20 meses após este episódio, deu entrada no serviço de urgência com taquicardia ventricular com repercussão hemodinâmica (edema agudo do pulmão e hipotensão). O ECG, após conversão a ritmo sinusal, revelou apenas cicatriz de necrose ínfero-lateral, sem outras alterações. Observou-se melhoria clínica com terapêutica médica, incluindo amiodarona, atenolol, furosemido, enoxaparina e captopril. O ecocardiograma transtorácico mostrou cavidades esquerdas dilatadas, insuficiência mitral moderada e disfunção ventricular esquerda com fração de ejeção de 41%.
Em virtude de queixas de dispneia e dor retroesternal recorrente, sem alterações eletrocardiográficas de novo e sem elevação dos biomarcadores de necrose miocárdica, o doente fez TAC torácica, que mostrou uma massa hipodensa aparentemente extracardíaca, em relação com a aurícula esquerda. Um segundo ecocardiograma foi então realizado, tendo-se observado uma massa adjacente à aurícula esquerda (39×40mm), cuja continuidade com as cavidades cardíacas era duvidosa (Figuras 1 e 2). Foi então efetuada uma Ressonância Magnética Cardíaca que demonstrou a presença de um volumoso aneurisma ínfero-basal do ventrículo esquerdo, parcialmente preenchido por trombo de grandes dimensões (52×48×32mm). Dada a reduzida espessura da parede deste aneurisma, não foi possível distinguir nela as várias camadas da parede, pelo que não se pôde excluir em definitivo um pseudo-aneurisma com apresentação tardia. Existia algum fluxo entre o trombo e o fundo-de-saco do aneurisma que, no entanto, parecia aderente às paredes do aneurisma nas extremidades superior e inferior (Figuras 3 e 4). Este exame confirmou o compromisso severo da função ventricular esquerda e a insuficiência mitral, por alteração da geometria do ventrículo esquerdo, com marcado repuxamento do folheto posterior.
O doente foi então transferido para um centro cirúrgico, tendo realizado coronariografia que revelou artérias coronárias sem lesões significativas «de novo». O exame intraoperatório confirmou a presença de verdadeiro aneurisma da parede posterior do ventrículo esquerdo. Procedeu-se a ressecção do trombo e endocardectomia, seguido de encerramento com patch de prótese tubular Vascutek® (Figuras 5–8). Permaneceu 3 dias na Unidade de Cuidados Intensivos e recebeu alta, clinicamente melhorado, 15 dias depois.
DiscussãoO diagnóstico entre aneurisma ventricular esquerdo e pseudo-aneurisma é difícil, especialmente quando o aneurisma tem uma localização posterior (3%)2,3. Os verdadeiros aneurismas são definidos como áreas de miocárdio mais fino, discinético, mas constituído por todas as camadas da parede. Por outro lado os pseudo-aneurismas resultam da rotura da parede livre, contida muitas vezes por trombo e pericárdio aderente. Os pseudo-aneurismas do ventrículo esquerdo apresentam assim maior risco de complicações, quando comparados com os aneurismas verdadeiros, sendo a mais grave a rotura espontânea, que resulta geralmente em morte súbita. O diagnóstico diferencial das duas situações é difícil, sendo muitas vezes um diagnóstico cirúrgico, pois têm muitas características comuns4. Um miocárdio fino ou com rotura move-se discineticamente ou não contrai, conduz à ocorrência de insuficiência cardíaca e arritmias ventriculares malignas, podendo estas ocorrer em ambas as patologias5. A deteção da massa adjacente à aurícula esquerda pela TAC e ecocardiografia tornou-se um desafio diagnóstico. A Ressonância Magnética Nuclear confirmou a existência de trombo associado a aneurisma/pseudo-aneurisma. No entanto, a dificuldade de detetar a continuidade do miocárdio, manteve-se com esta técnica. A intervenção cirúrgica, nos casos de aneurisma verdadeiro, visa melhorar a função do ventrículo esquerdo e reverter o remodelling, reduzindo a probabilidade de arritmias malignas, eventos embólicos e assim melhorar a sobrevida dos doentes com esta complicação.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.