A interpretação do eletrocardiograma (ECG) do atleta permanece controversa, com ausência de estandardização e dificuldade na aplicação de critérios específicos na sua interpretação. O objetivo deste trabalho é avaliar a variabilidade na interpretação do ECG de atletas.
MetodologiaVinte ECG de atletas foram avaliados por cardiologistas e internos de cardiologia, 11 normais ou apenas com alterações fisiológicas e nove patológicos. Cada ECG foi classificado pelos inquiridos em normal/com alterações fisiológicas ou patológico, usando ou não critérios específicos na sua interpretação.
ResultadosForam incluídas as respostas de 58 médicos, 42 (72,4%) cardiologistas. Dezasseis (27,6%) afirmaram avaliar frequentemente atletas e 32 (55,2%) não usar critérios específicos na interpretação do ECG, sendo os mais usados os critérios de Seattle (n=13). Em média, cada médico interpretou corretamente 15±2 ECG, correspondendo a 74% dos traçados (variação: 45‐100%). A interpretação dos ECG foi correta em 68% (variação: 22‐100%) dos patológicos e em 79% (variação: 55‐100%) dos normais/com alterações fisiológicas. Não houve diferença significativa na interpretação entre cardiologistas e internos (74±10% versus 75±10%; p=0,724), nem entre os que avaliam frequentemente ou não atletas (77±12% versus 73±9%; p=0,286), verificando‐se uma tendência para interpretação mais correta com critérios específicos (77±10% versus 72±10%; p=0,092). A reprodutibilidade do estudo foi excelente (intraclass correlation coefficient=0,972; p<0,001).
ConclusãoNa amostra estudada, cerca de um quarto dos ECG foi incorretamente avaliados, havendo uma elevada variabilidade na sua interpretação. O uso de critérios específicos na interpretação do ECG do atleta pode melhorar a acuidade deste exame no screening de atletas, mas são ainda subutilizados.
Assessment of the electrocardiogram (ECG) in athletes remains controversial, with lack of standardization and difficulty in applying specific criteria in its interpretation. The purpose of this study was to assess variability in the interpretation of the ECG in athletes.
MethodsTwenty ECGs of competitive athletes were assessed by cardiologists and cardiology residents, 11 of them normal or with isolated physiological changes and nine pathological. Each ECG was classified as normal/physiological or pathological, with or without the use of specific interpretation criteria.
ResultsThe study presents responses from 58 physicians, 42 (72.4%) of them cardiologists. Sixteen (27.6%) physicians reported that they regularly assessed athletes and 32 (55.2%) did not use specific ECG interpretation criteria, of which the Seattle criteria were the most commonly used (n=13). Each physician interpreted 15±2 ECGs correctly, corresponding to 74% of the total number of ECGs (variation: 45%‐100%). Interpretation of pathological ECGs was correct in 68% (variation: 22%‐100%) and of normal/physiological in 79% (variation: 55%‐100%). There was no significant difference in interpretation between cardiologists and residents (74±10% vs. 75±10%; p=0.724) or between those who regularly assessed athletes and those who did not (77±12% vs. 73±9%; p=0.286), but there was a trend for a higher rate of correct interpretation using specific criteria (77±10% vs. 72±10%; p=0.092). The reproducibility of the study was excellent (intraclass correlation coefficient=0.972; p<0.001).
ConclusionsA quarter of the ECGs were not correctly assessed and variability in interpretation was high. The use of specific criteria can improve the accuracy of interpretation of athletes’ ECGs, which is an important part of pre‐competitive screening, but one that is underused.
A avaliação pré‐competitiva do atleta tem como principal objetivo a identificação precoce e pré‐clínica de patologias associadas a um risco aumentado para a ocorrência de eventos clínicos graves, incluindo a morte súbita. Dados provenientes de Itália demonstraram uma redução de 89% na incidência de morte súbita nos atletas de nível competitivo após a inclusão do eletrocardiograma (ECG) na avaliação pré‐competitiva1. Neste contexto, na maioria dos países europeus recomenda‐se atualmente que a avaliação pré‐competitiva do atleta inclua: 1) história clínica (pessoal e familiar); 2) avaliação física; 3) ECG de 12 derivações em repouso2.
Apesar desta evidência e dos múltiplos argumentos que justificam a realização do ECG, a inclusão deste exame na avaliação pré‐competitiva do atleta permanece controversa, principalmente pela dicotomia entre Europa e Estados Unidos da América, país onde não está formalmente recomendado3,4. Entre os aspetos mais frequentemente citados contra a realização do ECG no atleta, sobressai a elevada taxa de falsos‐positivos. Este facto pode levar à realização desnecessária de exames complementares de diagnóstico adicionais e originar a desqualificação inapropriada de indivíduos saudáveis. A maioria destes falsos‐positivos resulta da interpretação inapropriada do ECG, classificando como potencialmente patológicas alterações decorrentes de adaptações fisiológicas cardíacas induzidas pelo exercício físico5–7. Assim, a questão central desta controvérsia não será se o ECG deve ou não ser incluído na avaliação pré‐competitiva do atleta, mas sim como é que este exame deverá ser interpretado.
Com o intuito de estandardizar a interpretação do ECG do atleta têm sido publicados diversos critérios, progressivamente mais restritivos, nomeadamente os critérios da Sociedade Europeia da Cardiologia, de Seattle e os Refined Criteria8–11. No entanto, apesar da aplicação destes critérios se refletir numa redução significativa da taxa de falsos‐positivos, continuam subutilizados e a variabilidade na interpretação do ECG do atleta permanece bastante elevada12,13.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a variabilidade na interpretação do ECG de atletas de nível competitivo, usando ou não critérios específicos, numa amostra de cardiologistas e internos de cardiologia em Portugal.
MetodologiaPopulação em estudo e seleção de eletrocardiogramasForam selecionados 20 ECG de atletas de nível competitivo realizados no contexto de avaliação pré‐competitiva. A maioria correspondia a atletas do género masculino (n=18) e de raça caucasiana (n=17), com uma mediana de idades de 24 (22; 31) anos, praticantes de pelo menos oito horas de treino semanal. Os atletas estavam envolvidos em múltiplas modalidades desportivas, com predominância de exercício de elevada intensidade dinâmica: atletismo de média‐longa distância (n=7), futebol (n=4), ciclismo (n=2), rugby (n=1), natação (n=1), ginástica (n=1), ténis (n=1), boxe (n=1), judo (n=1) e kickboxing (n=1).
Entre os ECG selecionados, 11 eram normais ou apresentavam apenas alterações fisiológicas, enquanto nove eram patológicos. A escolha dos traçados ocorreu após validação e classificação de forma unânime por três cardiologistas com experiência em cardiologia desportiva, nomeadamente na interpretação de ECG de atletas. Nos casos patológicos estava estabelecido o diagnóstico de patologia cardíaca, decorrente da realização de exames complementares adicionais, correspondendo a miocardiopatias e doenças arrítmicas primárias. Na Tabela 1, apresentam‐se as principais características dos atletas e respetivos ECG analisados.
Principais características dos atletas e respetivos ECG incluídos no estudo
ECG | Atleta | Interpretação | Principais alterações |
---|---|---|---|
1 | Homem, caucasiano, 35 anos; atletismo | Patológico (síndrome de Brugada) | Padrão de Brugada tipo 1 |
2 | Homem, caucasiano, 24 anos; judo | Patológico (MAVD) | Critérios de voltagem para HVD; desvio direito do eixo cardíaco (>120°) |
3 | Mulher, negra, 22 anos; andebol | Patológico (MCH) | Ondas T negativas nas derivações inferiores e V5‐V6 |
4 | Homem, caucasiano, 23 anos; ginástica | Fisiológico | Bradicardia sinusal; bloqueio incompleto do ramo direito |
5 | Homem, caucasiano, 30 anos; futebol 11 | Patológico (origem coronária anómala) | Infradesnivelamento do segmento ST nas derivações laterais; ondas T negativas nas derivações inferiores |
6 | Homem, caucasiano, 23 anos; atletismo | Patológico (MCH) | Ondas Q patológicas nas derivações inferiores e laterais |
7 | Homem, caucasiano, 31 anos; atletismo | Fisiológico | Bradicardia sinusal; repolarização precoce |
8 | Homem, caucasiano, 35 anos; atletismo | Fisiológico | Bradicardia sinusal; critérios de voltagem para HVE |
9 | Homem, caucasiano, 22 anos; atletismo | Fisiológico | Bradicardia sinusal; repolarização precoce; critérios de voltagem para HVE |
10 | Homem, negro, 24 anos; boxe | Fisiológico | Bradicardia sinusal; ondas T negativas em V1‐V4; critérios de voltagem para HVE |
11 | Mulher, caucasiana, 24 anos; atletismo | Fisiológico | Bradicardia sinusal |
12 | Homem, caucasiano, 18 anos; kickboxing | Fisiológico | Arritmia sinusal; repolarização precoce; critérios de voltagem para HVE |
13 | Homem, caucasiano, 31 anos; ténis | Patológico (WPW) | Intervalo PR curto (<120ms); onda delta |
14 | Homem, caucasiano, 30 anos; ciclismo | Fisiológico | Bradicardia sinusal |
15 | Homem, caucasiano, 19 anos; futebol 11 | Fisiológico | Bradicardia sinusal; repolarização precoce; critérios de voltagem para HVE |
16 | Homem, caucasiano, 22 anos; atletismo | Fisiológico | Bloqueio auriculoventricular do 2.° grau tipo 1 |
17 | Homem, negro, 25 anos; futebol 11 | Patológico (MCH) | Ondas T negativas nas derivações inferiores e em V3‐V6 |
18 | Mulher, caucasiana, 30 anos; ciclismo | Patológico (MAVD) | ESVs isoladas com padrão de BCRE e ondas T negativas nas derivações inferiores |
19 | Homem, caucasiano, 15 anos; natação | Patológico (SQTL) | Intervalo QT prolongado (QTc>480ms) |
20 | Homem, caucasiano, 16 anos; rugby | Fisiológico | Bradicardia sinusal; padrão juvenile (ondas T negativas em V1‐V3) |
BCRE: bloqueio completo do ramo esquerdo; ESV: extrassístoles ventriculares isoladas; HVD: hipertrofia ventricular direita; HVE: hipertrofia ventricular esquerda; MAVD: miocardiopatia arritmogénica do ventrículo direito; MCH: miocardiopatia hipertrófica; SQTL: síndrome de QT longo; WPW: Wolf Parkinson White.
Na Figura 1 estão representados dois exemplos de ECG incluídos neste estudo, um não patológico (Figura 1A), apenas com alterações fisiológicas, independentemente dos critérios utilizados para a sua interpretação, e outro patológico (Figura 1B), correspondendo a um atleta com miocardiopatia hipertrófica.
Exemplo de dois ECG incluídos no formulário do estudo: Figura 1A – traçado com alterações fisiológicas (bradicardia sinusal, critérios isolados para hipertrofia ventricular esquerda e repolarização precoce); Figura 1B – traçado com alterações patológicas (ondas T negativas em todas as derivações inferiores e em V5‐V6), num atleta com o diagnóstico de miocardiopatia hipertrófica.
Os ECG selecionados para esta análise foram incluídos num formulário construído na plataforma online googleforms (acessível através do seguinte link: https://docs.google.com/forms/d/1vpVaTKSSlp2TfjiIkGtvX4qZBmkiNnnKnSKHKUYJSR4/viewform). O formulário foi enviado por e‐mail a cardiologistas e internos de cardiologia pertencentes a serviços de cardiologia representativos de todo o território de Portugal (no total 186 médicos). Após um texto introdutório de enquadramento e explicação do objetivo do estudo, era pedido que voluntariamente os médicos se identificassem como cardiologistas ou internos de cardiologia, referissem a área predominante da sua prática clínica, nomeadamente se dedicados a subespecialidades dentro da cardiologia, se avaliavam frequentemente ECG de atletas e se usavam critérios específicos na sua interpretação, especificando quais no caso de resposta afirmativa. O ECG era acompanhado de informação relativa a características demográficas do atleta (idade, género e raça), bem como da modalidade desportiva praticada. Para cada traçado era perguntado se o médico o considerava patológico ou não patológico. Só foram considerados válidos os questionários com resposta a todas as perguntas, sendo apenas possível submeter um por cada médico. O período de colheita de dados decorreu durante um mês (novembro de 2015), sendo o registo efetuado de forma confidencial e apenas o investigador principal teve acesso aos resultados.
Análise estatísticaOs dados recolhidos foram analisados através do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) para Windows, versão 22.0. As variáveis categóricas foram expressas em valor absoluto (n)/percentagem e comparadas pelo teste quiquadrado, enquanto as contínuas foram expressas em média±desvio padrão, sendo comparadas pelo teste t‐Student quando verificadas as condições de aplicabilidade (normalidade e homocistecidade) ou mediana com interquartil range (Q25; Q75) para as variáveis sem distribuição normal. Para avaliar a reprodutibilidade do estudo determinou‐se o intraclass correlation coefficient (ICC). Foram considerados estatisticamente significativos os resultados com p‐value<0,05.
ResultadosForam incluídas nesta análise as respostas de 58 médicos (taxa de resposta 31%), 42 (72,4%) cardiologistas e os restantes internos de cardiologia; 16 (27,6%) dos quais afirmaram avaliar frequentemente atletas. A maioria, 32 (55,2%) médicos, não usou critérios específicos na interpretação do ECG e entre aqueles que usaram, os mais comuns foram os critérios de Seattle (n=13), seguidos dos critérios da Sociedade Europeia de Cardiologia (n=8). Na Tabela 2 encontram‐se representadas estas características basais e a percentagem média de ECG corretamente interpretados de acordo com as mesmas.
Interpretação dos ECG de acordo com as características dos médicos que participaram no estudo e a metodologia utilizada
Característica (n/%) | Total | % média de ECG corretamente interpretados | ||
---|---|---|---|---|
Total | Não patológicos | Patológicos | ||
Área principal de prática clínica | ||||
Cardiologista | 42 (72,4) | 74 | 79 | 67 |
Interno de cardiologia | 16 (27,6) | 75 | 79 | 70 |
Cardiologia clínica | 41 (70,7) | 75 | 80 | 70 |
Outras áreas da cardiologia | 17 (29,3) | 72 | 78 | 64 |
Avaliação regular de atletas | 16 (27,6) | 77 | 84 | 68 |
Interpretação do ECG | ||||
Baseada na experiência clínica | 32 (55,2) | 72 | 80 | 73 |
Critérios específicos | 26 (44,8) | 77 | 78 | 75 |
Critérios da ESC | 8 (13,8) | 72 | 74 | 69 |
Critérios de Seattle | 13 (22,4) | 77 | 80 | 74 |
Refined Criteria | 4 (6,9) | 86 | 86 | 86 |
Outros critérios | 1 (1,9) | 70 | 55 | 89 |
ECG: eletrocardiograma; ESC: European Society of Cardiology.
Cada médico interpretou corretamente em média 15±2 ECG, correspondendo a 74% dos traçados analisados, com uma variação entre 45‐100%. Relativamente aos traçados patológicos, a interpretação foi correta em 68%, variando entre 22‐100%, enquanto entre os não patológicos a interpretação foi correta em 79%, variando entre 55‐100% (Figuras 2 e 3).
Não se verificou diferença estatisticamente significativa na interpretação dos ECG entre cardiologistas e internos de cardiologia (74±10% versus 75±10%; p=0,724), nem entre os médicos que avaliam frequentemente atletas e aqueles que não avaliam (77±12% versus 73±9%; p=0,286). Verificou‐se uma tendência para maior taxa de interpretação correta utilizando critérios específicos na interpretação do ECG (77±10% versus 72±10%; p=0,092). O ICC foi 0,972 (IC95% 0,951‐0,987; p<0,001), demonstrando uma excelente reprodutibilidade do estudo.
DiscussãoEste estudo demonstra que a avaliação do ECG do atleta permanece subótima, havendo uma interpretação incorreta em cerca de um quarto dos traçados analisados e uma elevada variabilidade na sua interpretação. Embora a maioria dos médicos inquiridos (cardiologistas e internos de cardiologia) tenha afirmado não utilizar critérios específicos para a interpretação do ECG do atleta, verificou‐se uma tendência para uma melhor acuidade entre aqueles que usaram estes critérios.
Apesar destes resultados serem consistentes com dados previamente publicados e de empiricamente existir a perceção de que a variabilidade na interpretação do ECG do atleta (intra e interobservador) é elevada, poucos estudos contemporâneos abordaram esta temática. Berte et al.12 realizaram uma análise semelhante, mas utilizando um maior número de ECG (n=138) e um menor número de médicos (sete cardiologistas e sete especialistas em medicina desportiva). Nesta análise, apesar da interpretação dos traçados ter sido realizada segundo critérios previamente estabelecidos, a variabilidade foi elevada, havendo globalmente uma discordância em 35% dos ECG analisados. Noutro trabalho, Hill et al.14, usando uma amostra semelhante à do presente estudo (18 ECG analisados por 53 médicos, cardiologistas pediátricos), a taxa de interpretação incorreta foi de 31%. Mais recentemente, Drezner et al.15, em 40 ECG interpretados por 60 médicos de diversas especialidades, demonstraram que a acuidade na interpretação do ECG do atleta melhorou significativamente após a adoção e aprendizagem dos critérios de Seattle. Entre os cardiologistas incluídos a taxa de traçados incorretamente interpretados passou de 15 para 4%15.
Embora não se tenha verificado uma diferença estatisticamente significativa, a taxa de interpretação correta foi inferior nos traçados patológicos, ou seja, a taxa de falsos‐negativos foi superior à de falsos‐positivos. Como a principal limitação da interpretação do ECG do atleta é a elevada taxa de falsos‐positivos, seria expectável o inverso. Independentemente das características estudadas, a identificação correta dos traçados patológicos foi baixa, exceto com o uso dos Refined Criteria11, utilizados por um número reduzido de médicos. Como estes critérios são mais recentes, serão provavelmente mais conhecidos pelos clínicos com mais experiência ou interesse nesta temática, refletindo‐se assim numa melhor interpretação. Nos estudos prévios a taxa de falsos‐positivos foi sobreponível, verificando‐se uma melhor acuidade na identificação dos ECG patológicos após a adoção de critérios específicos14–16. Como exemplo, na avaliação da acuidade diagnóstica dos critérios de Seattle, a taxa de falsos‐positivos passou de 30 para 9% após a sua aplicação15. Desta forma, demonstra‐se que é crucial divulgar e aplicar corretamente critérios específicos para a interpretação do ECG do atleta.
A variabilidade na interpretação do ECG leva a que muitos atletas realizem exames complementares de diagnóstico adicionais desnecessários, acarretando um elevado impacto socioeconómico. Adicionalmente, não pode ser ignorado o stresse psíquico a que os atletas ficam sujeitos nesta circunstância, o facto de estes exames não identificarem todas as causas de morte súbita, nem garantirem que mesmo assim sejam excluídos inapropriadamente atletas da competição. Por outro lado, dada a reduzida prevalência de ECG patológicos em atletas, a sua identificação torna‐se ainda mais difícil e a variabilidade na sua interpretação superior (the prevalence effect). Outro aspeto muito relevante é o reconhecimento das alterações fisiológicas cardíacas elétricas induzidas pelo exercício físico, dependentes das características demográficas do atleta e do tipo de desporto realizado5.
Apesar dos inúmeros argumentos que justificam a inclusão do ECG na avaliação pré‐competitiva do atleta, é fundamental otimizar a sua interpretação. O treino, a estandardização de metodologias e a centralização da avaliação dos atletas em estruturas dedicadas constituem algumas medidas que poderão ser adotadas. É fundamental haver maior divulgação dos critérios específicos para a interpretação do ECG do atleta, das suas vantagens e desvantagens, proporcionando idealmente a criação de consensos e protocolos com a definição daqueles que deverão ser adotados para uma maior uniformização. No entanto, os critérios em vigor resultam de opiniões de peritos e análises retrospetivas, escasseando estudos prospetivos que permitam identificar as alterações que mais se correlacionam com a ocorrência de eventos clínicos, nomeadamente de morte súbita. Apesar das lacunas apresentadas pelos critérios atualmente disponíveis, não será possível aferir nem ultrapassar as suas limitações antes de serem aplicados na prática clínica.
LimitaçõesEste estudo apresenta algumas limitações que importa salientar. A dimensão da amostra é reduzida, reduzindo a abrangência de aplicabilidade dos seus resultados. O número de respostas correspondeu a menos de um terço dos médicos contactados, mas por outro lado a dimensão final da amostra foi superior à de alguns estudos prévios. O perfil dos atletas escolhidos foi muito homogéneo, estando os não‐caucasianos, do género feminino e veteranos subrepresentados. A metodologia utilizada pode ter limitado as conclusões deste estudo porque, apesar de ser confidencial, os médicos mais dedicados e com mais experiência na avaliação de atletas terão tido mais interesse e motivação para participar. Alguns médicos terão analisado os traçados com consulta direta dos critérios, limitando a avaliação real do conhecimento que têm dos mesmos. Contudo, este facto não tem implicações no objetivo principal do estudo, sendo mesmo recomendável na prática clínica, sobretudo pelos médicos que avaliam atletas com menor frequência.
ConclusãoNa amostra estudada, cerca de um quarto dos ECG de atletas foi incorretamente avaliado, havendo uma elevada variabilidade na sua interpretação. A estandardização da interpretação do ECG nesta população com o uso de critérios específicos pode melhorar a acuidade deste exame no screening de atletas. No entanto, estes critérios são ainda subutilizados, realidade que poderá ser alterada com a melhoria da formação médica nesta área.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.