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Vol. 36. Núm. 4.
Páginas 257-259 (Abril 2017)
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Valvuloplastia aórtica de balão na era das válvulas aórticas percutâneas. Um desafio à dimensão organizativa dos programas multidisciplinares
Balloon aortic valvuloplasty in the transcatheter aortic valve replacement era: A challenge to organization of the heart team
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9904
Rui Campante Telesa,b
a Unidade de Intervenção Cardiovascular (UNICARV), Hospital de Santa Cruz, CHLO, Carnaxide, Portugal
b Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC), NOVA Medical School, Lisboa, Portugal
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Ana Rita G. Francisco, Miguel Nobre Menezes, Pedro Carrilho Ferreira, Cláudia Jorge, Doroteia Silva, Eduardo Infante de Oliveira, Fausto J. Pinto, Pedro Canas da Silva
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A intervenção por valvuloplastia aórtica de balão (VAoB) foi introduzida por Cribier em 1986 e sofreu um recrudescimento na era das válvulas aórticas percutâneas (VAP)1,2. Devido ao treino e evolução técnica do procedimento, a VAoB é hoje em dia mais segura, com uma mortalidade periprocedimento de 2,2%, uma mortalidade hospitalar de 7,1% e taxas de acidentes cerebrovasculares de 1,1%, de insuficiência aórtica major de 1,1% e de complicações vasculares major de 7,0%. Isto apesar dos doentes atuais serem mais complexos e dos resultados hemodinâmicos permanecerem modestos3,4.

Perante a alternativa da VAP, o principal desafio contemporâneo da VAoB prende‐se com a dimensão organizativa dos programas multidisciplinares para a estenose aórtica, que constitui a principal doença valvular nos países desenvolvidos. Atualmente, existem em Portugal cerca de um milhão de indivíduos com mais de 75 anos, apresentando cerca de 3,4% uma estenose aórtica grave, sendo sintomáticos cerca de 75%5. Destes 25000 portugueses, cerca de 4500 terão indicação para implantação de uma VAP por alto risco ou inoperabilidade, segundo as recomendações sobre a doença valvular6–8. O registo nacional de VAP apresenta, desde 2007 a 2015, cerca de 850 implantes, tendo sido realizados 300 no último ano. Embora não haja registo nacional de cirúrgica cardíaca, estima‐se que em 2015 tenham sido realizadas cerca de 2000 cirurgias valvulares aórticas, simples ou com pontagem (CVAo). Como tal, o ratio VAP/CVAo é de 1:6, enquanto muitos países da Europa estão no 1:15,9.

A pressão assistencial tem subido e os programas multidisciplinares de válvulas percutâneas (VaP) têm que se adaptar ao enorme acréscimo de volume e aos doentes que não são primordialmente para VAP. Assim, as grandes questões atuais são:

  • 1.

    A avaliaçãofasttrack: a capacidade de se organizar a avaliação clínica e complementar principal em apenas duas ou três sessões (consulta de cardiologia e cirurgia, análises, angio CT, ecocardiograma com eventual transesofágico, cateterismo com eventual angioplastia);

  • 2.

    As indicações para VAoB em 2017: as recomendações atuais nos adultos (classe IIb, da European Society of Cardiology e do American College of Cardiology/American Heart Association) não refletem a evolução dos resultados na era das VAP8,10. Dado que potencialmente muitas das complicações se replicam quando se faz inicialmente a VAoB e mais tarde a VAP, há que refletir em que condições é aceitável sujeitar o doente ao risco acrescido:

    • a.

      Uma VAoB será apenas aceitável em caso de paleação de sintomas graves (uso por compaixão); ou como ponte paliativa devida a uma comorbilidade grave, seja temporária ou tenha ela um prognóstico indefinido e/ou uma expetativa de longevidade inferior a um ano (tipicamente uma neoplasia, uma intervenção urgente que não admita dupla antiagregação ou um caso se pretenda dar o benefício do ambulatório em muito idosos com outras patologias relevantes e irreversíveis).

    • b.

      Todas as outras indicações para VAoB devem ser abertamente questionadas. Principalmente aquelas que se relacionam com o acesso à terapêutica em tempo útil (pois temos a obrigação de o proporcionar); ou quando há dúvidas no benefício da eventual VAP, porquanto há métodos não invasivos que têm tal finalidade (o mais comum é a presença de disfunção ventricular esquerda e/ou insuficiência mitral grave).

  • 3.

    O tratamentofasttracke a atuação expedita e orientada nas complicações: colocada a indicação sabemos que, em doentes sintomáticos, a sobrevida se situa entre 1‐3 anos2,11,12. Seja qual for a opção terapêutica, embora arbitrário, deve ser proporcionado um tratamento entre duas semanas até dois meses, consoante a gravidade. No caso da VAoB, sendo um procedimento paliativo, temos que equacionar a possibilidade de instabilidade ou de complicações tratáveis por VAP – tipicamente uma insuficiência aórtica major ou acidente cerebrovascular – estando preparado com um dispositivo VAP na prateleira e/ou cirurgia de prevenção, tal como nas VAP, aliás.

O artigo de Francisco et al.13 proporciona informação valiosa, que permite aquilatar a importância da VAoB à luz destas considerações. Analisa retrospetivamente a experiência de um centro de alto volume de VAP numa população nacional de doentes que realizaram VAoB e conclui que a técnica melhora significativamente a maioria dos doentes.

O estudo apresentado é meritório porque analisa originalmente uma experiência portuguesa na era das VAP. Trata‐se de um registo observacional de centro único incluindo 23 doentes desde janeiro de 2005 até outubro de 2013, comparando‐se com séries maiores e mais antigas que compreendem entre 45‐473 doentes. Os doentes foram seguidos cerca de nove meses e os resultados analisados retrospetivamente.

A predominância da indicação de ponte para a terapêutica definitiva, presente em 43% dos casos, contrasta com a maioria das séries onde predominam as indicações paliativas e a ponte se situa apenas nos 18%. Por este motivo, exceto pela prevalência maior de diabetes, esta coorte é globalmente menos complexa relativamente a outras, demográfica e clinicamente3.

Tecnicamente, desconhecemos como se escolheu exatamente a dimensão do balão e como se realizou o pacing rápido, designadamente qual a via e a frequência alcançada pela estimulação. A queda de pressões sustentada é crucial para reduzir o movimento do balão e o subdimensionamento do mesmo em 1‐2mm permite uma técnica menos agressiva que, a par dos introdutores menores e sistemas de encerramento arterial, parecem ser responsáveis pela diminuição das complicações na era atual2,3.

Não ocorreu mortalidade periprocedimento nem insuficiência aórtica major. Observou‐se uma morte intra‐hospitalar por acidente vascular cerebral (4,3%) e a taxa de complicações vasculares major foi de 8,6%, o que deve ser relativizado pelo facto de se ter alcançado a extubação em três doentes refratários que estavam ventilados. O prognóstico favorável aos nove meses dos doentes tratados definitivamente com VAP atesta a estratificação realizada e os resultados razoáveis contemporâneos da técnica.

Em conclusão, o estudo de Francisco et al.13 é significativo porque estuda o risco da VAoB contemporânea em doentes portugueses na era das VAP. A predição do risco do procedimento paliativo é pertinente e os programas multidisciplinares devem ser estruturados, de molde a dar resposta expedita aos doentes com indicação para VAP, evitando a VAoB como procedimento paliativo em doentes que aguardam tratamento definitivo por VAP ou CVAo, dado que algumas complicações permanecem importantes apesar da experiência adquirida.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

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