A regurgitação periprotésica severa é uma complicação rara, mas potencialmente grave, da cirurgia valvular. A apresentação clínica varia desde insuficiência cardíaca, anemia hemolítica a endocardite infeciosa. A suspeita diagnóstica surge normalmente a partir do ecocardiograma transtorácico.
Mulher de 78 anos, com fibrilhação auricular paroxística e portadora de prótese aórtica mecânica desde há dez anos, sob hipocoagulação oral. Internamento recente por dor torácica associada a supradesnivelamento de ST anterior. Dos exames realça‐se: coronariografia sem doença coronária epicárdica, evidenciando imagem compatível com trombo na artéria descendente anterior distal; aortografia objetivou regurgitação aórtica moderada; ecocardiograma revelou gradientes transprotésicos elevados sugestivos de mismatch/hiperfluxo e regurgitação ligeira (Figura 1). Quadro interpretado como enfarte embólico; alta com indicação de controlo rigoroso de INR e agendamento de ecocardiograma transesofágico para avaliação protésica.
Ecocardiograma transtorácico: A) prótese mecânica aórtica (Medtronic 21®) com insuficiência aórtica de grau ligeiro, possivelmente periprotésica; B) gradientes transprotésicos elevados (máximo 51mmHg e médio 24mmHg); tempo de aceleração 89ms; VTICSVE/VTIAo 0,29; área indexada 0,83cm2/m2, sugestivo de mismatch e/ou hiperfluxo.
Readmitida duas semanas depois por recorrência de dor torácica intensa, associada a sintomas neurovegetativos e infradesnivelamento acentuado de ST (Figura 2), refratária à terapêutica médica. Repetido cateterismo que excluiu doença coronária e revelou prótese com boa abertura do disco e regurgitação aórtica severa (Figura 3). Angio‐TC torácica descartou síndrome aórtica aguda. O ecocardiograma transesofágico objetivou regurgitação periprotésica severa (Figura 4). A doente foi referenciada para cirurgia cardíaca.
Ecocardiograma transesofágico: A e B) em eixo curto (40°), visualiza‐se zona de deiscência periprotésica, na região da cúspide não coronariana, ocupando cerca de 25‐30% do perímetro da prótese (setas amarelas); C (sístole) e D (diástole) em eixo longo (120°) observa‐se jato regurgitante muito turbulento, largo na origem, ocupando toda a câmara de saída do ventrículo esquerdo.
O diagnóstico de regurgitação periprotésica pode ser desafiante quando a apresentação é atípica e a visualização não é evidente em ecocardiograma transtorácico. A consequente redução da pressão de perfusão coronária diastólica pode condicionar isquemia subendocárdica grave. Neste caso, a valorização da semiologia e o recurso a várias técnicas de imagem permitiu definir o diagnóstico e planear a estratégia terapêutica mais adequada.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.