A síndrome de Brugada (SBr) está associada a um risco elevado de arritmias ventriculares e morte súbita. Alguns fármacos podem propiciar a ocorrência da manifestação eletrocardiográfica e arrítmica dessa síndrome. Os medicamentos antigripais, para sintomas, vendidos sem receita médica no Brasil, são compostos, na sua grande maioria, de anti-histamínicos e agonistas adrenérgicos. Aqui relatamos um caso de SBr provavelmente manifesta pelo uso desse tipo de medicação.
Brugada syndrome (BrS) is associated with increased risk of ventricular arrhythmias and sudden death. Some drugs can trigger the electrocardiographic and arrhythmic manifestations of this syndrome. Cold medicines for symptom relief are sold without prescription in Brazil and most contain antihistamines and adrenergic agonists. We report a case of BrS probably triggered by the use of such medication.
A síndrome de Brugada (SBr) é caracterizada pela propensão para o desenvolvimento de arritmias cardíacas em pacientes que possuem uma alteração eletrocardiográfica típica com a elevação do segmento ST-T em derivações precordiais direitas (V1-V3) e corações estruturalmente normais. Nesses pacientes existe um risco elevado de morte súbita cardíaca (MSC) em decorrência de fibrilação ventricular1. Essa síndrome foi inicialmente descrita em 1992 em 8 pacientes que apresentavam episódios recorrentes de MSC e alteração persistente no segmento ST-T em V1-V32. A SBr é uma canalopatia, ou seja uma doença dos canais iónicos. O mecanismo responsável pela alteração no ST-T nesses pacientes decorre de anormalidades localizadas na despolarização, predominantemente, com atraso de condução em sua fase terminal na via de saída do ventrículo direito2. Postula-se que os defeitos nos canais de sódio levam a uma diminuição dessa corrente desse ião durante o potencial de ação. Isso ocorre provavelmente devido um dos seguintes fatores ou a uma associação dos mesmos: falha do canal de se expressar na membrana celular, mudança na voltagem de ativação e inativação do canal e aumento na velocidade de inativação do canal iónico após a sua abertura3–5.
Diversas medicações são descritas como indutoras do padrão ECG tipo 1 em pacientes que são portadores do defeito iónico responsável por essa síndrome. As drogas que alteram as propriedades dos canais de sódio parecem estar relacionadas com esse fenómeno. Os fármacos antigripais, vendidos sem receita, geralmente incluem uma combinação de anti-histamínico, agonista adrenérgico e analgésico. Neste artigo, relatamos um caso de paciente cujo diagnóstico de SBr foi realizado após o uso desse tipo de fármaco.
Relato do casoPaciente de 44 anos, masculino, comparece a emergência por episódio de síncope após uso de antigripal (bronfeniramina 12mg + fenilefrina 15mg), paciente nega ter tido febre nos dias anteriores. Durante a anamnese, no departamento de emergência, paciente com nova perda transitória da consciência. Foram iniciadas manobras de reanimação e o paciente foi recuperado. O ECG na chegada mostrava discreto supra de ST-T em sela em V1 > 1mm, porém, sem essa anormalidade em V2 (Figura 1). Após ter sido descartado evento coronariano e embolia pulmonar, o paciente foi submetido a estudo eletrofisiológico. Durante o exame, demonstrou-se normalização do ST-T (em relação ao ECG basal), intervalo HV prolongado e indução de fibrilhação ventricular (FV) por estimulação ventricular programada. A infusão de procainamida no laboratório induziu o padrão de Brugada tipo 1 (Figura 2). Todos esses achados são característicos da SBr. O paciente foi submetido a implante de CDI e, uma semana após a alta, recebeu choque apropriado por FV.
DiscussãoA real prevalência da SBr não é conhecida no nosso meio: uma das razões é que as alterações eletrocardiográficas características da síndrome podem ter caráter transitório. No caso em questão, o paciente apresentou alteração eletrocardiográfica e síncope, provavelmente de origem arrítmica, após o uso de combinação comercialmente disponível de fenilefrina e bromfeniramina. O mecanismo no qual ocorre manifestação de SBr com uso de agonistas adrenérgicos não está totalmente elucidado; uma hipótese seria o aumento súbito do tónus vagal após a perda do efeito do adrenérgico6–9. Isso fica demonstrado em estudos nos quais pacientes com SBr têm as suas alterações eletrocardiográficas mais evidentes logo após término de exercício ou após grandes refeições7,8. Todavia, estudo no qual foi administrado fenilefrina, em pacientes com SBr, não foi capaz de gerar as alterações eletrocardiográficas típicas da síndrome6. A bronfeniramina parece agir diretamente sobre o gene SCN5A10, alterando a sua expressão. Estudos em animais demonstram uma diminuição nas correntes iónicas de sódio em decorrência da infusão dessa droga10. São potenciais limitações quanto a associação causal entre o uso do fármaco antigripal e a ocorrência do evento os seguintes fatos: 1) febre, que, embora não relatada pelo paciente nem aferida na emergência, pode ter ocorrido e esse fenómeno é sabidamente associado ao aparecimento da SBr1; 2) não foi realizado teste terapêutico com administração do fármaco em questão (fenilefrina e bromfeniramina) para confirmar a relação direta do uso da medicação e o aparecimento das alterações no ECG características. Contudo, essa manobra não foi realizada por acarretar em apenas risco adicional ao paciente. Assim, tanto a bromfeniramina, como outros anti-histamínicos devem ser usados com cautela nessa população.
ConclusãoO presente caso ilustra a necessidade de farmacovigilância adequada. Mesmo não sendo realizada administração desses fármacos no laboratório de eletrofisiologia, a sequência temporal de eventos e a presença de relatos prévios na literatura sugerem uma forte relação entre o uso do antigripal e o evento arrítmico.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.