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Vol. 32. Núm. 5.
Páginas 411-414 (maio 2013)
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Vol. 32. Núm. 5.
Páginas 411-414 (maio 2013)
Caso Clínico
Open Access
Síncope e padrão de Brugada intermitente
Syncope and intermittent Brugada ECG pattern
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Bruno Cordeiro Piçarraa,
Autor para correspondência
bcpicarra@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Pedro Silva Cunhab, Mário Oliveirab, Bruno Valenteb, Manuel Nogueira da Silvab, Sofia Santosb, Rui Cruz Ferreirab
a Serviço de Cardiologia, Hospital do Espírito Santo, Évora, Portugal
b Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Marta, Lisboa, Portugal
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Resumo

A síndrome de Brugada é uma síndrome rara, com uma prevalência aproximada na Europa de 1-5/10 000 habitantes, mas cuja apresentação clínica inicial pode ser morte súbita. Embora com um padrão eletrocardiográfico típico, este é por vezes intermitente. Os autores apresentam o caso clínico de um doente de sexo masculino, de 32 anos, sem fatores de risco pessoais conhecidos e história familiar de morte súbita, que recorre ao Serviço de Urgência por síncope sem pródromos. O primeiro eletrocardiograma (ECG) em ritmo sinusal documenta a presença de uma elevação isolada e inespecífica do segmento ST em V2. Da restante investigação diagnóstica realizada, salienta-se a repetição do ECG, que revelou a presença de padrão de Brugada tipo 1. Este mesmo padrão é exacerbado posteriormente numa situação de infeção respiratória. O doente foi submetido a estudo eletrofisiológico, seguido de implantação de cardiodesfibrilhador (CDI), tendo tido um episódio de fibrilhação ventricular convertido com choque via CDI 2 meses após a implantação.

Palavras-chave:
Síndrome de Brugada
Estudo eletrofisiológico
Cardioversor-desfibrilhador implantável
Abstract

Brugada syndrome is a rare syndrome, with an estimated prevalence in Europe of 1-5/10 000 population, whose initial clinical presentation can be sudden death. Although it has a characteristic electrocardiographic pattern, this can be intermittent. The authors present the case of a 32-year-old man, with no family history of syncope or sudden death, who went to the emergency department for syncope without prodromes. The initial electrocardiogram (ECG) in sinus rhythm documented an isolated and non-specific ST-segment elevation in V2. During further diagnostic studies, a repeat ECG revealed type 1 Brugada pattern. This pattern was later seen in a more marked form during a respiratory infection. The patient subsequently underwent electrophysiological study, followed by implantation of an implantable cardioverter-defibrillator (ICD), with an episode of ventricular fibrillation converted via ICD shock two months after implantation.

Keywords:
Brugada syndrome
Electrophysiological study
Implantable cardioverter-defibrillator
Texto Completo
Introdução

A síndrome de Brugada, descrita pela primeira vez em 1992, é uma síndrome rara, estimando-se uma prevalência na Europa de 1-5/10 000 habitantes, mas com um elevado impacto social e mediático, pois a sua primeira manifestação clínica pode ser a morte súbita. Trata-se de uma doença arritmogénica hereditária, caracterizada no eletrocardiograma (ECG) por padrão de bloqueio de ramo direito acompanhada de uma elevação, em rampa descendente, do segmento ST nas derivações precordiais direitas (V1-V3)1. Todavia, este padrão eletrocardiográfico é dinâmico, podendo ser revelado e mimetizado por diversas situações clínicas ou farmacológicas, como, por exemplo síndromes febris, hipo ou hipercaliémia ou antagonistas dos canais de sódio2.

Caso clínico

Doente do sexo masculino, de 32 anos sem antecedentes pessoais ou familiares de relevo do ponto vista de cardiovascular, que recorre ao Serviço de Urgência por episódio sincopal em repouso, sem pródromos ou outros sintomas prévios, com cerca de 2 min de duração e com recuperação espontânea. O exame objetivo não apresentava alterações relevantes, constando-se pressão arterial de 104/58mmHg e frequência cardíaca de 76 bpm.

O ECG convencional de 12 derivações na admissão revelava ritmo sinusal com frequência de 60 bpm, elevação do ponto J de cerca de 1mm com ST em rampa descendente em V1 e do segmento ST em rampa horizontal de 1mm em V2, sem outras alterações (Figura 1). Para esclarecimento do episódio sincopal, ficou monitorizado na Sala de Observação da urgência hospitalar, não se evidenciando nenhuma extrassístole ou outra arritmia no período subsequente.

Figura 1.

ECG revelando elevação do ponto J em V1 com ST em rampa descendente e elevação, em rampa horizontal, do segmento ST em V2.

(0.25MB).

Repetiu ECG cerca de 24 h depois, documentando-se a presença de ritmo sinusal com frequência de 60 bpm, presença de padrão de bloqueio incompleto de ramo direito com elevação, em rampa descendente do segmento ST em V1 e V2, compatível com padrão de Brugada tipo 1 (Figura 2).

Figura 2.

ECG com padrão de Brugada tipo 1.

(0.12MB).

Realizou ecocardiograma, que evidenciou: ventrículo esquerdo não dilatado, de paredes não espessadas, com boa função sistólica global e segmentar; aurícula esquerda e cavidades direitas não dilatadas; aparelho valvular e restante exame sem alterações relevantes.

Face à presença de síndrome de Brugada em doente com síncope, o doente foi encaminhado à nossa consulta de arritmologia. O ECG realizado no momento da consulta era sobreponível ao da Figura 1; todavia, o doente trazia outro ECG realizado no contexto de febre acompanhada de tosse e expetoração, onde se verificava uma exacerbação do padrão eletrocardiográfico de Brugada tipo 1 (Figura 3).

Figura 3.

ECG com padrão de Brugada no contexto de uma infeção respiratória.

(0.12MB).

Posteriormente, realizou estudo eletrofisiológico (EEF) para estratificação de risco, tendo-se verificado:

  • -

    Intervalos: AH: 96 ms; HH: 31 ms; HV: 51 ms;

  • -

    Sem indução de disritmias ventriculares mediante a aplicação de estimulação ventricular apical direita com introdução de extraestímulos até S4 (200ms).

Apesar de não se terem induzido disritmias ventriculares no EEF, de acordo com as recomendações atuais, a presença de síncope em doente com padrão eletrocardiográfico espontâneo de Brugada tipo 1 deve levar à implantação de CDI1. Assim sendo, o doente foi submetido a implantação de cardiodesfibrilhador (CDI) Biotronik® Lumax 340 Vr-T xi para prevenção primária.

Cerca de 2 meses após a implantação do CDI, o doente teve um episódio de fibrilhação ventricular (FV) (Figura 4) revertido com aplicação de um choque de 40 J via CDI.

Figura 4.

Traçado de Home Monitoring documentando o início de fibrilação ventricular.

(0.21MB).
Discussão

A síndrome de Brugada define-se por ser um distúrbio elétrico primário em doentes com corações estruturalmente normais que se associa frequentemente a morte súbita cardíaca. Trata-se de uma doença hereditária de transmissão autossómica dominante3, estando identificadas mutações genéticas no gene SCN5A (responsável pelos canais de sódio cardíacos) em cerca de ¼ dos doentes. A expressão fentotípica destas alterações caracteriza-se pela presença no ECG de padrão de bloqueio de ramo direito, acompanhada de uma elevação, em rampa descendente, do segmento ST nas precordiais direitas1,3. Todavia, este padrão eletrocardiográfico apresenta um caráter intermitente, podendo ser desencadeado por diversos fatores clínicos ou farmacológicos, em especial situações que afetem as correntes dos canais de sódio cardíacos2.

Esta característica intermitente foi observada no caso do nosso doente. De facto, o primeiro ECG realizado no Serviço de Urgência apresentava uma elevação do ponto J de 1mm com ST em rampa descendente em V1 e elevação de 1mm, em rampa horizontal, do segmento ST em V2 (sem critérios clássicos para síndrome de Brugada), sendo que apenas no segundo ECG se verificou o padrão típico de Brugada tipo 1. Este mesmo padrão de Brugada foi encontrado, de forma exacerbada, neste doente no contexto de uma infeção respiratória. A este respeito, estão descritos alguns casos de padrões de Brugada precipitados por síndromes febris ou hipo/hipercaliémia2,4.

De acordo com as recomendações efetuadas por Brugada sobre a abordagem de síndrome de Brugada, a presença de síncope em doente com padrão eletrocardiográfico de Brugada tipo 1 deverá implicar a implantação de CDI, tal como foi efetuado no nosso doente.

O doente realizou ainda, antes da implantação de CDI, EEF que não desencadeou arritmias ventriculares. Na realidade, a realização de EEF em doentes com síndrome de Brugada continua a ser um motivo de controvérsia, não existindo consenso quanto às indicações para a sua realização, assim como para a interpretação do valor prognóstico dos resultados obtidos neste exame. Algumas das possíveis razões para este facto poderão residir na ausência de um protocolo standard de estimulação elétrica, que deve ser adotado nos estudos eletrofisiológicos em doentes com síndrome de Brugada5. Assim sendo, a indução de taquicardia ventricular (TV) e/ou FV em doentes com síndrome de Brugada constitui, segundo Brugada et al., um forte fator predizente da ocorrência de TV/FV e morte súbita6. Este valor predizente do EEF na estratificação dos doentes com síndrome de Brugada foi também encontrado por Giustetto et al., que estudaram prospetivamente a incidência de eventos arrítmicos em 166 doentes com padrão eletrocardiográfico de Brugada tipo 1, tendo verificado que os únicos fatores predizentes foram a presença de síncope, de morte súbita abortada e de EEF positivo7. Pelo contrário, Priori et al. verificaram que a que a indutibilidade de TV/FV no EEF não prediz a ocorrência de arritmias malignas ou morte súbita8. Na mesma sequência, Gehi et al. concluíram que a realização de EEF não acrescenta informações importantes na abordagem dos doentes com síndrome de Brugada9. Mais recentemente, a análise multivariada do maior registo de doentes com síndrome de Brugada, o FINGER Brugada Syndrome Registry, evidenciou que os resultados do EEF não eram predizentes do tempo para a ocorrência do primeiro evento arrítmico destes doentes10.

Esta ausência de consenso é verificada na prática no nosso doente, que, apesar de um EEF sem indução de TV ou FV, implantou CDI, tendo-se verificado, cerca de 2 meses após a implantação deste dispositivo, a ocorrência de um episódio de FV convertido com um choque de 40 J via CDI.

O presente caso clínico vem realçar que o padrão eletrocardiográfico de Brugada se apresenta muitas vezes de modo intermitente, podendo ser precipitado por diversas situações, como a presença de uma síndrome febril. Além disso, o facto de este doente ter tido um episódio de FV quando o EEF realizado previamente não tinha desencadeado nenhuma arritmia revela na prática a controvérsia sobre a aplicabilidade prognóstica deste exame na estratificação de risco em doentes com síndrome de Brugada, reforçando também a necessidade de uniformização tanto na seleção dos doentes, como nos protocolos de estimulação adotados no estudo eletrofisiológico.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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