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Vol. 37. Núm. 2.
Páginas 175-177 (fevereiro 2018)
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Repercussão microvascular retineana e hipertensão noturna – alvos terapêuticos a não esquecer
Retinal microvascular damage and nocturnal hypertension: Therapeutic targets to bear in mind
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José Braz Nogueira
Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
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Tatiana Duarte, Sara Gonçalves, Raquel Brito, Catarina Sá, Rita Marinheiro, Marta Fonseca, Rita Rodrigues, Filipe Seixo, Anabela Guerreiro, Andreia Fernandes, Cristina Carradas, Isabel Silvestre, Leonel Bernardino, Rui Caria
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A avaliação da gravidade da hipertensão arterial (HTA) passa, obrigatoriamente, pelo estudo da repercussão nos órgãos‐alvo, entre os quais a retina. A fundoscopia é um exame importante, pois permite facilmente observar diretamente, in vivo, a microvasculatura retineana, que, sob o ponto de vista anatómico e fisiológico, tem semelhanças importantes com a cerebral, coronária e renal1,2. A relação entre as alterações da vasculatura retineana avaliadas qualitativamente por fundoscopia (classificações de Kate‐Warner e Barker ou de Scheie, por exemplo) e a elevação tensional, presente ou passada, está bem demonstrada, bem como o seu valor prognóstico relativamente a morbimortalidade cardiovascular e renal, muito em particular a retinopatia hipertensiva exsudativa1,3. Já as alterações menos graves (estreitamenteo arteriolar, reflexos aumentados, cruzamentos arteriovenosos) têm um valor preditivo mais discutível, dada a maior subjetividade da sua avaliação2,4. Ultimamente estudos computorizados semiautomáticos de fotografias de alta definição digitalizadas e fluxometria laser Doppler, entre outros, têm permitido um estudo mais pormenorizado não só qualitativo mas, especialmente, quantitativo, de uma série de parâmetros vasculares retineanos, como a relação espessura/lúmen arteriolar, calibre, tortuosidade e padrão das bifurcações de arteríolas e vénulas, relação entre os seus diâmetros e avaliação da vasomotricidade2,3,5,6. Foram, assim, estabelecidas ou reforçadas associações significativas entre essas alterações estruturais e funcionais mais precoces (ultrapassaram avaliações subjetivas de classificações anteriores) de fases mais iniciais da HTA, com doença coronária, insuficiência cardíaca, AVC, alterações cognitivas, microalbuminúria e disfunção renal, hipertrofia ventricular esquerda, espessura carotídea e índices de rigidez arterial2,3,5. Alguns trabalhos têm mesmo demonstrado o seu valor preditivo no futuro desenvolvimento (ou agravamento) da HTA2,3,7, tendo estudos genéticos evidenciado algun loci e polimorfismos genéticos relacionados com alterações de calibre arteriolar e associados, igualmente, a regulação ou elevação tensional8,9.

Curiosa, também, é a associação descrita por alguns autores entre o aumento do diâmetro das vénulas e a incidência de HTA e o risco de AVC nomeadamente lacunares2,3,7.

A medição ambulatória da pressão arterial (MAPA) permitiu evidenciar a grande importância de determinadas alterações do perfil circadiário da MAPA de 24 horas relativamente à repercussão orgânica e morbimortalidade cérebro e cardiovascular e renal, tanto em estudos de hipertensos como populacionais10. A não existência de dipping noturno ou a presença de hipertensão noturna são as alterações que, independentemente, com mais frequência se associam a risco acrescido de lesões nos órgão‐alvo e a pior prognóstico, tendo vários trabalhos evidenciado repercussões cardíacas, cerebrais, renais e macrovasculares mais graves nesses hipertensos10–12. Curiosamente, são escassos, e alguns deles contraditórios, os trabalhos que analisam a relação entre as alterações vasculares retineanas hipertensivas e a MAPA e seus padrões circadiários, muito especialmente pressão arterial noturna3–16.

O presente trabalho de Tatiana Duarte et al.17 analisa, precisamente, a relação eventualmente existente entre o perfil circadiário da MAPA de 24 horas e/ou pressão arterial noturna e a presença e gravidade de retinopatia hipertensiva avaliada qualitativamente por fundoscopia (segue a classificação de Scheie) num grupo de 46 hipertensos, a maioria medicados, mas só cerca de 1/3 controlados. Se bem que com as limitações devidamente assinaladas pelos autores, relacionadas em especial com o pequeno número de hipertensos analisados, o estudo demonstrou, além da grande percentagem de hipertensos com retinopatia, a importância primordial da pressão arterial noturna, em especial sistólica, na presença e gravidade da retinopatia hipertensiva. Houve, também, associação entre a presença de retinopatia e a idade e a duração da HTA como, aliás, tem sido descrito2,3, particularmente quando se usam classificações idênticas à usada e em que a fase esclerótica da retinopatia predominava (no presente estudo em 37 hipertensos). Relativamente aos valores tensionais médios diurnos e noturnos deste grupo de hipertensos, ressalta a particularidade de os valores noturnos, contrariamente ao que é usual, serem, em média, mais elevados do que os diurnos, o que levanta a hipótese, por exemplo, de haver um número importante de dippers invertidos, o que não era o caso, ou de haver vários hipertensos com apneia obstrutiva do sono ou com outra perturbação do sono, o que os autores não referem. Teria sido interessante saber os valores tensionais noturnos nos dipper e nos não dipper, já que, mesmo quando existe dipping noturno, os valores de pressão noturna poderem ser elevados18 e terem contribuído para a não existência de diferenças quanto à presença e gravidade da retinopatia nos dippers. Provavelmente pela pequena dimensão da amostra não se encontrou a associação entre a presença de retinopatia e repercussão cardíaca que tem sido descrita noutros estudos3. Da mesma maneira, nos hipertensos medicados e controlados não houve diferenças relativamente à presença ou ausência de retinopatia hipertensiva, embora esteja documentada melhoria das alterações vasculares retineanas estruturais e funcionais com o controle tensional3,19, particularmente com fármacos que interferem com o sistema renina‐angiotensina‐aldosterona e antagonistas do cálcio que também foram usados neste estudo. Essa regressão tem sido bem evidenciada especialmente em casos de retinopatia exsudativa (e neste estudo apenas um dos hipertensos apresentava essa alteração) e, em particular, quando a avaliação da retinopatia é não só qualitativa mas também quantitativa, através de metodologia computorizada mais complexa e rigorosa, que não foi usada neste trabalho. Assim, a aparente não existência de melhoria verificada poderia estar relacionada ou com a duração do controle tensional conseguido não ter sido suficiente para a induzir, ou com a metodologia usada na avaliação da retinopatia, ou mesmo com a idade dos hipertensos e antiguidade da HTA e consequente predomínio de alterações escleróticas mais difíceis de regredir. Teria sido curioso avaliar, se o número de hipertensos estudados o permitisse, se existiriam diferenças significativas entre os achados retineanos dos não medicados e os dos medicados mas não controlados e se haveria alguma diferença relativamente à pressão arterial noturna. Também o não terem sido revelados os valores tensionais de consultório não permitiu esclarecer se teria existido HTA mascarada e, caso existisse, se a retinopatia hipertensiva nesse grupo seria semelhante à dos outros hipertensos, como tem sido descrito para outras repercussões orgânicas10, e qual a sua relação com a pressão arterial noturna.

Em conclusão, o presente estudo, com as limitações assinaladas relativamente ao número de hipertensos estudados e à metodologia seguida na classificação dos achados fundoscópicos, tem o mérito de, por um lado, evidenciar a importância da pressão arterial noturna também nas alterações da rede microvascular retineana e, por outro, chamar a atenção para essas alterações, que muitas vezes não são devidamente valorizadas e poderão ser alvos terapêuticos a considerar ao desempenharem papel importante não só na definição mais ou menos precoce da gravidade e risco cardiovascular e renal da HTA como na monitorização da eficácia/cumprimento da terapêutica anti‐hipertensiva, podendo refletir, quando presentes e perante valores tensionais aparentemente normais, inadequado controle da pressão arterial noturna. Ficamos a aguardar trabalhos futuros que, com amostras maiores e estudo mais pormenorizado da arquitetura vascular retineana20, possam contribuir para uma mais ampla avaliação das alterações microvasculares hipertensivas, tanto arteriolares como venulares, e sua relação com as várias alterações do perfil circadiário da pressão arterial, eficácia terapêutica e, eventualmente, benefício da cronoterapia e, por exemplo em casos de hipertensão de bata‐branca, com a decisão de iniciar ou não terapêutica anti‐hipertensiva.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

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