O tromboembolismo venoso (TEV) nas suas formas mais frequentes – trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP) – é um problema bem reconhecido nos doentes hospitalizados como a primeira causa de morte intra‐hospitalar evitável e como gerador de elevada morbilidade aguda e crónica1.
A aplicação das recomendações existentes sobre a prevenção do TEV assume assim grande importância nos doentes mais vulneráveis – os doentes cirúrgicos2.
O estudo europeu ENDORSE, realizado na década passada e que incluiu nove hospitais portugueses aleatoriamente selecionados, revelou que, nos nossos hospitais, 52,7% dos doentes internados tinham risco de TEV de acordo com as definições do American College of Chest Physicians (ACCP) (68,9% nos doentes cirúrgicos e 38,5% nos doentes médicos); 58,5% dos doentes em risco tiveram uma profilaxia de TEV adequada, mas também mais de um terço dos doentes internados, médicos ou cirúrgicos, efetuaram profilaxia do TEV sem haver indicação por não terem risco para TEV3,4.
O progressivo reconhecimento desta situação conduziu à realização de várias iniciativas por diferentes protagonistas nos anos mais recentes. A Direção Geral de Saúde (DGS) incluiu na norma sobre a Cirurgia Segura, Salva Vidas, a verificação perioperatória de indicação para tromboprofilaxia e produziu uma norma específica para a cirurgia ortopédica5. A ERS, conjuntamente com a Joint Comission, incluiu na avaliação de desempenho de várias áreas cirúrgicas a profilaxia tromboembólica6. De maior impacto foi a iniciativa da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia que apoiou a constituição de um grupo de trabalho multidisciplinar que produziu recomendações perioperatórias para a profilaxia do TEV7 e tendo como suporte uma revisão atualizada da bibliografia disponível bem como do 9.° Consenso do ACCP (2012)8 e das recomendações da NICE (2010, atualizadas em 2015)9. Estas recomendações foram adotadas por um grupo significativo de sociedades científicas nacionais.
O presente estudo TREVO constitui uma verdadeira probe a uma realidade clínica em evolução (2008‐2012) e que inclui uma amostra de 67635 doentes operados num hospital central e universitário10. Julgo que aí estará o seu maior valor. Apresenta grandes limitações concetuais, aliás, reconhecidas pelos seus autores, mas quer as suas debilidades quer os seus aspetos positivos constituem fontes de informação e ensinamento importantes:
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as rotinas de tromboprofilaxia no doente cirúrgico terão melhorado progressivamente ao longo do período de estudo (redução do risco global de TEV e neutralização do risco acrescido da cirurgia ortopédica);
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necessidade evidente de protocolos de avaliação de risco de TEV e de hemorragia em todos os doentes cirúrgicos;
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importância de uma abordagem multidisciplinar em que concorrem o risco do doente, o risco específico da cirurgia e o tipo de anestesia (neuroeixo versus geral, cateterismo venoso central);
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as dificuldades particulares com a prevenção em neurocirurgia, evidentes no texto, mas também em cirurgia cardíaca, e em que o risco hemorrágico exigirá medidas de prevenção diferenciadas11,12.
O autor declara não haver conflito de interesses.