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Vol. 33. Núm. 3.
Páginas 147-154 (março 2014)
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Vol. 33. Núm. 3.
Páginas 147-154 (março 2014)
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Perfil de risco cardiovascular de adultos jovens saudáveis – evolução temporal
Cardiovascular risk profile of young adults: Changes over time
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António Tralhãoa,
Autor para correspondência
atralhao@gmail.com

Autor para correspondência.
, Pedro Jerónimo Sousab, António Miguel Ferreiraa, Mafalda Mirandac, José Carlos Mongeb, António Toméb, José Maria Duarted
a Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Oeiras, Portugal
b Centro de Medicina Aeronáutica, Força Aérea Portuguesa, Lisboa, Portugal
c Hospital das Forças Armadas, Lisboa, Portugal
d Direcção da Saúde, Força Aérea Portuguesa, Lisboa, Portugal
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Tabela 1. Caracterização das variáveis clínico‐demográficas
Tabela 2. Evolução do valor médio do score de Framingham modificado, HeartSCORE modificado, HeartSCORE modificado (com inclusão do HDL‐C) e risco relativo ao longo dos biénios
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Resumo
Introdução e objetivos

A elevada prevalência e a história natural da doença aterosclerótica tornam os jovens um alvo importante da prevenção cardiovascular. O objetivo deste trabalho foi caracterizar a evolução temporal do perfil de risco cardiovascular de uma população de adultos jovens saudáveis.

Métodos

Foram estudados retrospetivamente 923 candidatos às especialidades aeronáuticas da Força Aérea, entre 1991‐2007, divididos por biénios. Avaliaram‐se os fatores de risco cardiovascular, score de Framingham e HeartScore, para uma idade modificada de 65 anos. Utilizaram‐se os testes de Cochran‐Armitage e de Jonckheere‐Terpstra para tendência, em variáveis categóricas e contínuas, respetivamente.

Resultados

A idade média foi de 19,2±2,3 anos (p=0,34) e 55 (6%) dos candidatos eram do sexo feminino (p=0,56). O índice de massa corporal médio foi de 22,4±2,5kg/m2 (p para tendência=0,35). O número de fumadores decresceu ao longo dos biénios (11,6 versus 7,0%, p para tendência=0,02). Cento e vinte e dois (13,2%) dos candidatos eram hipertensos. A pressão arterial sistólica média foi de 127±12mmHg, observando‐se um aumento temporal significativo (122±13 versus 128±11mmHg, p para tendência <0,001). Cento e oito (11,7%) dos candidatos tinham hipercolesterolemia e o colesterol total melhorou (170±35mg/dL versus 155±26mg/dL, p para tendência <0,001). O score de Framingham modificado médio foi de 12,6±5,1 e melhorou ao longo dos biénios (12,9±5,9% versus 11,9±4,7%, p para tendência=0,006), não se observando alterações no valor médio do HeartSCORE modificado (3,2±1,4, p para tendência=0,10).

Conclusões

Na população estudada, excetuando os valores da pressão arterial sistólica, registou‐se uma melhoria global do nível de risco cardiovascular entre 1991‐2007. São necessários mais estudos para um melhor conhecimento da realidade portuguesa e otimização de estratégias preventivas nesta faixa etária.

Palavras‐chave:
Risco cardiovascular
Adultos jovens
Score de Framingham
HeartSCORE
Abstract
Background and Objective

The high prevalence and natural history of atherosclerosis make young people important targets for cardiovascular prevention. This study aimed to analyze changes over time in the cardiovascular risk profile of a population of healthy young adults.

Methods

We studied 923 Portuguese Air Force applicants between 1991 and 2007, divided into two‐year periods. In addition to cardiovascular risk factors, the Framingham score and HeartScore were calculated for age 65. Cochran‐Armitage and Jonckheere‐Terpstra tests for trend were used for categorical and continuous variables, respectively.

Results

Mean age was 19.2±2.3 years (p=0.34) and 55 applicants (6%) were female (p=0.56). Mean body mass index was 22.4±2.5 kg (p for trend 0.35). The number of smokers decreased over the study period (11.6 vs. 7.0%, p for trend 0.02). Of the total number of applicants, 122 (13.2%) were classified as hypertensive. Mean systolic blood pressure was 127±12 mmHg and increased significantly over time (122±13 vs. 128±11 mmHg, p for trend <0.001). Hypercholesterolemia was found in 108 applicants (11.7%) and total cholesterol showed an improvement (170±35 vs. 155±26 mg/dl, p for trend <0.001). The mean modified Framingham score was 12.6±5.1 and improved over the study period (12.9±5.9% vs. 11.9±4.7%, p for trend 0.006). The mean modified HeartScore was 3.2±1.4 and remained unchanged (p for trend 0.10).

Conclusions

In our population, except for an increase in systolic blood pressure values, there was an overall improvement in cardiovascular risk from 1991 to 2007. Further studies are needed to better assess the situation in Portugal and help devise preventive strategies in young people.

Keywords:
Cardiovascular risk
Young adults
Framingham score
HeartScore
Texto Completo
Introdução

Estatísticas da última década mostram que a doença cardiovascular aterosclerótica continua a ser a principal causa de morte em Portugal, sendo responsável por 31,9% dos óbitos em 20091. Apesar de se ter registado uma diminuição progressiva da mortalidade, quer por doença arterial coronária (DAC) quer por acidente vascular cerebral, os números absolutos da mortalidade atribuível permanecem elevados e justificam um esforço preventivo continuado1,2.

A fase subclínica do processo aterosclerótico começa muito antes da idade média das manifestações clínicas, como evidenciado por diversos estudos necrópsicos, que demonstraram a associação entre o aumento do número de fatores de risco cardiovascular (FRCV) e a gravidade de lesões coronárias e aórticas assintomáticas em adolescentes e adultos jovens3,4. Apesar destes resultados, é escasso o número de trabalhos realizados sobre o risco cardiovascular nos jovens e, particularmente, na utilização de scores de aferição de risco nesta população.

Neste âmbito, o objetivo deste trabalho foi analisar a evolução temporal recente dos principais FRCV numa população de adultos jovens saudáveis e estimar o seu grau de risco através de scores validados para o efeito: o HeartSCORE e o score de Framingham.

MétodosPopulação e desenho do estudo

Tratou‐se de um estudo observacional, descritivo e retrospetivo, de uma amostra de 923 candidatos às especialidades aeronáuticas da Força Aérea Portuguesa, entre 1991‐2007, divididos por biénios – 1991/2, 1996/7, 2001/2 e 2006/7 – denominados G1, G2, G3 e G4, respetivamente.

Definição de variáveis

Foram incluídas as seguintes variáveis: idade, género, índice de massa corporal (IMC), pressão arterial sistólica (PAs) e pressão arterial diastólica (PAd), glicemia em jejum (mg/dL), colesterol total (mg/dL), fração de colesterol LDL (mg/dL), fração de colesterol HDL (mg/dL), tabagismo (qualquer consumo de cigarros no último ano). A pressão arterial foi determinada com recurso a esfigmomanómetro de mercúrio. As medições foram efetuadas após cinco minutos de repouso, na posição sentada e no braço direito. A quantificação da glicose plasmática e lípidos plasmáticos foi realizada segundo método automatizado no laboratório da Força Aérea Portuguesa.

Scores de risco

Para o score de Framingham foi utilizado o calculador online para o risco absoluto de doença coronária a dez anos5. Para o HeartSCORE foi utilizado o modelo de risco absoluto de mortalidade cardiovascular a dez anos, para uma população de baixo risco6. O HeartSCORE é calculado com base nas seguintes variáveis: idade, género, pressão arterial sistólica, tabagismo e colesterol total. De acordo com a última revisão das recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia sobre a prevenção da doença cardiovascular, procedeu‐se também ao cálculo do HeartSCORE com inclusão do HDLC8. O score de Framingham considera ainda a presença ou ausência de diabetes mellitus, acrescida às variáveis anteriores.

Em ambos os scores de risco o limite inferior de idade é de 30 anos, pelo que se optou pelo cálculo do risco absoluto recorrendo a uma idade uniformizada de 65 anos, alternativa descrita em publicações anteriores7. Face às novas recomendações clínicas para a prevenção da doença cardiovascular nos jovens foi também estimado o risco relativo8.

Análise estatística

A aplicação estatística Statistical Package for the Social Sciences®, V.21.0 (IBM SPSS Modeler) foi utilizada para o processamento de dados. Ao longo dos biénios, as variáveis categóricas foram analisadas através do teste do ¿2 para tendência (teste de Cochran‐Armitage), para um nível de significância de 5%. Para testar a hipótese nula da ausência de diferença com significado estatístico entre as médias das variáveis contínuas empregou‐se o teste de Jonckheere–Terpstra para tendência, para um nível de significância de 5%.

Resultados

Obteve‐se uma população de 923 candidatos, com idade média de 19,2±2,3 anos. Destes, 55 candidatos (6%) eram do sexo feminino. A distribuição etária e de género não variou significativamente ao longo dos anos (Tabela 1, p para tendência=0,34 e 0,56, respetivamente).

Tabela 1.

Caracterização das variáveis clínico‐demográficas

  G1 1991/2) (n=190)  G2 (1996/7) (n=133)  G3 (2001/2) (n=258)  G4 (2006/7) (n=342)  População (n=923)  p para tendência 
Idade (anos) (Média±Desvio padrão)  19,0±2,0  19,8±3,0  19,0±2,0  19,2±2,4  19,2±2,3  0,34 
Masculino (%)  90,0  99,2  94,6  93,9  94,0  0,56 
Fumadores (%)  11,6  14,3  13,6  7,0  10,8  0,02 
IMC (Kg/m222,5±2,5  22,4±2,3  22,8±2,8  22,2±2,5  22,4±2,5  0,35 
PAS (mmHg)  122±13  126±11  127±12  128±11  127±12  <0,001 
PAD (mmHg)  71,3±8,6  67,8±7,4  71,9±8,8  71,5±7,4  70,1±8,1  0,01 
Ch‐total(mg/dL)  170±35  164±30  165±32  155±26  162±31  <0,001 
LDL‐C (mg/dL)  116±34  110±29  105±30  97,5±23  106±29  <0,001 
HDL‐C (mg/dL)  46,1±10.2  48,0±9.6  52,4±10  53,0±10  50,4±10  <0,001 
Glicose em jejum (mg/dL)  87,2±8,0  83,1±8,1  81,4±8,1  83,3±6,6  83,6±7,8  <0,001 

A percentagem de fumadores decresceu, de forma estatisticamente significativa, desde 1991 a 2007 (p=0,02), obtendo‐se uma taxa global de 10,8%. O IMC manteve‐se relativamente constante ao longo dos anos, com um valor médio para a população total de 22,4±2,5kg/m2 (p para tendência=0,35). Cerca de 95% dos jovens apresentava um valor de IMC dentro da faixa do peso normal. Observando os valores obtidos para a pressão arterial, constatou‐se um valor médio global de 127±12mmHg com um aumento ao longo dos biénios, (p para tendência <0,001, Figura 1). A pressão arterial diastólica sofreu um descréscimo significativo (p para tendência=0,011, Figura 2).

Figura 1.

Variação da pressão arterial sistólica.

(0.06MB).
Figura 2.

Variação da pressão arterial diastólica.

(0.06MB).

De acordo com a classificação da European Society of Cardiology8, 23,4% dos 923 indivíduos apresentavam pressão arterial ótima, 33,4% normal, 30% normal‐alta, 12,6% HTA grau 1, 0,5% HTA grau 2 e 0,1% HTA grau 3 (Figura 3).

Figura 3.

Distribuição percentual dos valores de pressão arterial de acordo com a classificação da ESC.

(0.09MB).

Quanto aos valores dos lípidos plasmáticos, assistiu‐se a uma melhoria do perfil lipídico (Figura 4), traduzida numa diminuição do colesterol total p para tendência <0,001) e do LDL‐colesterol (p para tendência <0,001) e com elevação do HDL colesterol (p para tendência <0,001). A prevalência total de hipercolesterolemia foi de 11,7% (Figura 5), segundo a definição do National Cholesterol Education Plan – Adult Treatment Panel (NCEP‐ATPIII)9. Houve uma redução significativa da glicemia em jejum (p para tendência <0,001, Figura 6).

Figura 4.

Variação do colesterol total (A), HDL‐C (B) e LDL‐C plasmáticos (C).

(0.16MB).
Figura 5.

Distribuição percentual dos valores de colesterol total ao longo dos biénios, segundo os limites do NCEP‐ATPIII.

(0.06MB).
Figura 6.

Variação da glucose plasmática em jejum.

(0.05MB).

Dos 923 indivíduos estudados, apenas um apresentava uma glicemia em jejum igual ou superior a 126mg/dL, compatível com o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2 se mantida em 2.a análise, de acordo com os critérios da International Diabetes Federation10. Onze (1,2%) tinham uma glicemia em jejum entre 100‐126mg/dL, correspondendo a alteração da glicose em jejum.

O score de Framingham modificado (Tabela 2, Figura 7) apresentou um valor médio final de 12,6±5,1, com uma diminuição estatisticamente significativa ao longo dos biénios (p para tendência 0,006). Verificou‐se, para o HeartSCORE modificado, um valor final 3,20±1,4 (risco intermédio) sem variação significativa entre os grupos (p para tendência, 0,10). Quando aferido com a contribuição do HDL‐C, o HeartSCORE modificado mostrou‐se mais baixo (valor médio global 2,72±1,1) não sendo, contudo, a sua evolução temporal significativamente diferente (p para tendência=0,078) O risco relativo calculado com base no HeartSCORE mostrou um valor médio de 1,33±0,7 para toda a população (p para tendência=1,0).

Tabela 2.

Evolução do valor médio do score de Framingham modificado, HeartSCORE modificado, HeartSCORE modificado (com inclusão do HDL‐C) e risco relativo ao longo dos biénios

  Framingham Score modificado  HeartSCORE modificado  HeartSCORE modificado (incluindo HDL‐C)  Risco relativo 
G1 (1991/2) (n=190)  12,9±5,9  3,05±1,9  2,73±1,4  1,40±0,7 
G2 (1996/7) (n=133)  13,7±4,7  3,16±1,1  2,81±0,9  1,18±0,4 
G3 (2001/2) (n=258)  12,2±5,1  3,39±1,4  2,76±1,13  1,42±0,6 
G4 (2006/7) (n=342)  11,9±4,7  3,18±1,3  2,62±1,0  1,34±0,6 
População (n=923)  12,6±5,1  3,20±1,4  2,7±1,1  1,33±0,7 
Figura 7.

Evolução temporal dos scores de risco.

(0.08MB).
Discussão

Idealmente, a prevenção da doença aterosclerótica deve iniciar‐se na gravidez e prolongar‐se até ao fim da vida8. A exposição cada vez mais precoce aos FRCV, a tendência para a sua aglomeração e persistência na idade adulta e o aumento da longevidade tornam os jovens um alvo fulcral do esforço preventivo8,13–15.

Os resultados deste estudo mostram uma melhoria dos níveis de tabagismo, do perfil lipídico, IMC e glicose em jejum num período de tempo de 16 anos. Dentro dos scores de risco, o score de Framingham modificado decresceu significativamente. Estes resultados favoráveis estão em consonância com a redução da mortalidade cardiovascular observada na população portuguesa ao longo dos últimos anos1.

Diversos estudos evidenciaram a existência de lesões ateromatosas avançadas na vasculatura coronária em indivíduos jovens. O estudo PDAY mostrou que, em jovens norte‐americanos entre os 20‐24 anos, a prevalência de lesões coronárias complexas era de 2%4. Anteriormente, já Berenson et al. tinham demonstrado que estas lesões estavam ligadas a um maior número de FRCV, através do Bogalusa Heart Study3.

Em Portugal, estudos sobre a prevalência da hipertensão arterial (HTA), diabetes mellitus, tabagismo, dislipidemia ou obesidade na população portuguesa não selecionada revelam números que podem ser melhorados16–22. A prevalência da HTA foi estimada em 6,7% no grupo etário entre os 18 e os 29 anos, segundo o estudo VALSIM16. Na nossa população, a prevalência de HTA foi inesperadamente de 13,1%, cerca de duas vezes superior, maioritariamente de grau 1, constatando‐se um aumento estatisticamente significativo ao longo dos biénios. Num estudo análogo realizado em 508 cadetes espanhóis (estudo AGEMZA) entre os 17 e os 23 anos, divididos entre 1985‐7 e 2000‐3, a média da PAs foi de 125±15mmHg, sem diferença entre os grupos, mas semelhante ao valor de 126±11mmHg na nossa amostra23. Segundo Espiga de Macedo et al. a PAs e PAd médias na população portuguesa do sexo masculino entre os 18 e os 24 anos foram de 130 e 73mmHg, respetivamente24. Mas mesmo dentro dos valores ditos normais existe ainda margem para a diminuição do risco, se consideramos que se verificam diferenças na mortalidade por AVC a partir de 115/75mmHg25.

A melhoria do perfil lipídico ao longo dos biénios é transversal ao colesterol total, LDL‐C e HDL‐C. É de destacar, todavia, alguma heterogeneidade nos estudos da literatura portuguesa, em parte explicada pelos diferentes cut‐offs utilizados para a definição de hipercolesterolemia21. Segundo dados de 201026, de um estudo na população escolar portuguesa entre os 15 e os 18 anos, a média do colesterol total em indivíduos de 18 anos foi de 159mg/dL, apurando‐se 5% dos indivíduos com hipercolesterolemia (valor ≥190mg/dL). Na nossa população, a mediana do colesterol total foi de 162mg/dL e a prevalência de hipercolesterolemia de 14,4%. Ainda no estudo AGEMZA, as medianas do colesterol LDL e HDL foram de 90,4±27 e 56,1±11mg/dL, respetivamente, contrastando com os 106±29 e 50,4±10mg/dL da nossa população, salientando‐se ainda uma evolução negativa no perfil lipídico nesse estudo23. Os dados mais recentes da população norte‐americana entre os 6 e os 19 anos mostram uma tendência semelhante à do presente estudo, verificando‐se um decréscimo do colesterol total e LDL‐C e aumento do HDL‐C entre 1988‐201027.

No que diz respeito à obesidade, para além de uma reduzida prevalência (0,7%) observámos uma estabilidade do IMC ao longo dos biénios, o que difere de um estudo nacional de Padez et al., que mostrou uma prevalência de 4,2% de obesidade (IMC maior do que 30kg/m2) e um aumento no número de homens obesos entre os recrutas do extinto serviço militar obrigatório, entre 1996‐200028.

O perfil glicémico da população do estudo foi favorável. Para além de uma descida significativa do primeiro grupo comparativamente aos biénios restantes, a prevalência de alteração da glucose em jejum e de diabetes mellitus foi de 1,2 e 0,1%, respetivamente. Dados do estudo PREVADIAB mostraram uma prevalência, em 2009, de 2,4 e 1,7% de diabetes mellitus e alteração da glicose em jejum no grupo etário entre os 20 e os 39 anos, resultados similares aos obtidos no estudo VALSIM17,18, com as limitações comparativas decorrentes de um intervalo etário mais alargado.

O significativo decréscimo do número de fumadores ao longo dos grupos difere da tendência da população portuguesa entre os 15 e os 24 anos, onde se assistiu a um aumento da prevalência de fumadores entre 1994‐200620 de 26,6 para 31,4%, globalmente cerca de três vezes superior à da população desta análise.

O controlo dos FRCV modificáveis é responsável por entre 44‐76% da redução da mortalidade atribuível à DAC, demonstrando um impacto superior ao efeito da terapêutica farmacológica11. Embora exista uma diminuição da mortalidade na população geral, uma análise de Ford et al. mostrou, na população norte‐americana, um abrandamento e inversão desta tendência nos adultos entre os 35 e os 54 anos, observando‐se um aumento da mortalidade entre 1980‐2002, neste segmento etário12.

A importância epidemiológica dos FRCV está relacionada com o número de fatores, magnitude da sua alteração e persistência no tempo dos mesmos3. Além da sua identificação, a noção que os FRCV tendem a ocorrer em conjunto foi transmitida inicialmente pelo estudo Framingham15. A sua agregação reforça a influência de cada um quando considerado individualmente e aumenta o risco cardiovascular global14. A persistência no tempo e a progressão, relativamente lenta, da doença cardiovascular constituem fundamentos para a utilização de scores preditores de eventos ou de mortalidade cardiovascular a partir dos FRCV e sobre os quais assentam as estratégias de diagnóstico e terapêutica atuais. O coorte inicial de Framingham gerou o primeiro modelo capaz de estratificar o risco global de morbimortalidade cardiovascular15. Contudo, para além de não ter incluído indivíduos com idade inferior a 30 anos, o risco absoluto obtido a partir do score de Framingham é necessariamente baixo, não havendo combinações que coloquem um indivíduo numa categoria de risco aumentado. Para quase todas as combinações de FRCV, mesmo com valores extremos, homens não fumadores com menos de 45 anos e essencialmente todas as mulheres com menos de 65 anos têm um risco calculado inferior a 10%29.

O HeartSCORE mais recente e construído a partir de dados de mais de 200 000 europeus, apesar de padecer da mesma limitação no risco absoluto, permite a estimativa do risco relativo de um indivíduo jovem como «x vezes mais elevado» do que outro com um perfil ideal de risco, possibilitando uma melhor avaliação, comunicação e consciencialização do risco por parte desta população3,30.

A idade adotada para a projeção do risco, embora excedendo o valor de 60 anos proposto por de Backer et al., corresponde ao limite superior das tabelas de risco do HeartSCORE e representa a idade onde o risco atinge a sua taxa de progressão máxima. Trata‐se, no entanto, de um ponto temporal subjetivo e sujeito à variabilidade evolutiva do risco e como tal imperfeito7,31. Uma outra abordagem consiste na determinação do risco vitalício (lifetime risk) como medida mais real do verdadeiro risco, tentando assim ultrapassar a limitação da influência da idade. No entanto, tal metodologia não foi ainda suficientemente validada para permitir uma utilização fiel na prática clínica diária26,30.

Com base nos cut‐offs quer para o score de Framingham ou HeartSCORE modificados, a população deste estudo manteve‐se sempre na categoria de risco intermédio (10‐20% ou 1‐5%, respetivamente). A inclusão do HDL‐C no cálculo do HeartSCORE, embora conferindo um risco mais baixo, não detetou uma evolução positiva ao longo dos biénios. O score de Framingham modificado foi o único que conseguiu identificar uma descida no perfil de risco, embora o significado deste facto seja difícil de fundamentar, podendo estar relacionado com uma capacidade de captura de diferenças, por prever eventos não fatais e não apenas mortalidade e pela inclusão da glicemia em jejum. Com base no risco calculado e em média, um indivíduo extraído desta população não iniciaria tratamento imediato, por exemplo para hipercolesterolemia, mesmo na idade de 65 anos. O risco relativo foi reduzido e não permitiu estratificação adicional.

De todos os FRCV estudados, a pressão arterial sistólica foi o único que piorou ao longo do tempo, contrariando a melhoria do perfil lipídico, glicemia em jejum, IMC, tabagismo e pressão arterial diastólica. Adicionalmente, a evolução da pressão arterial noutros estudos realizados em jovens também apresentou resultados díspares32,33. É reconhecido que a existência de «hipertensão sistólica isolada» no adulto jovem poderá não acarretar significado prognóstico ou implicar maior risco de desenvolvimento de hipertensão arterial nos indivíduos com pressão aórtica central normal, traduzindo apenas uma amplificação periférica da onda de pulso34. No entanto, deve ser ressalvada a importância da HTA como problema de saúde pública em Portugal e cuja prevalência nos jovens não deve ser subvalorizada35. Um dos fatores causais poderá estar em relação com o elevado consumo nacional de sal, o dobro do recomendado pela OMS36.

O presente estudo apresenta algumas limitações. A amostra obtida é reduzida e o sexo feminino está subrepresentado. Pelo fim a que se destinou, a amostra selecionada poderá ter um perfil de risco mais favorável comparativamente àquele proveniente da população portuguesa jovem indiscriminada, nomeadamente no que diz respeito aos níveis de obesidade e tabagismo, impedindo extrapolações. Por outro lado, trata‐se de uma amostra de conveniência de jovens provenientes de diferentes regiões do território português, o que também acarreta discrepâncias inerentes. Finalmente, estes achados devem ser considerados à luz da recente evolução favorável da mortalidade cardiovascular da população portuguesa, o que a longo prazo poderá significar um risco menor.

Neste sentido, os resultados obtidos sendo encorajadores, sublinham a necessidade de um conhecimento mais profundo deste grupo etário, permitindo aperfeiçoar medidas preventivas que se traduzam numa redução efetiva do risco.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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