O índice de resistência da microcirculação (IRM) permite o estudo quantitativo, invasivo e em tempo real do estado da microcirculação coronária. O objetivo principal foi a validação da técnica de determinação do IRM num modelo animal de grande porte. O objetivo secundário foi a comparação de duas doses de papaverina, 5 e 10 mg, para indução de hiperémia máxima e quanto à sua evolução temporal. Foram estudados oito porcos. Avaliou‐se a Pd e o Tmn em condições basais e com hiperémia máxima induzida pela injeção intracoronária de 5 ou 10 mg de papaverina e sucessivamente aos dois, cinco, oito e dez minutos. Para o compromisso da microcirculação foram injetadas microesferas de 40 μm de diâmetro. Em cada animal foram realizadas 14 determinações de IRM. Não se observaram diferenças significativas entre as duas doses de papaverina quanto às repostas da Pd e ao valor de IRM obtido, 11 ± 4,5 U com 5 mg de papaverina e de 10,6 ± 3 U com a dose de 10mg (p = 0,612). A evolução temporal dos valores de IRM foi semelhante, deixando de haver diferenças relativamente ao valor basal após cinco minutos. Com a injeção das microesferas houve uma elevação significativa do IRM (41 ± 16 U, p = 0,001). O IRM avalia em tempo real a resistência da microcirculação coronária. A administração intracoronária de 5 mg de papaverina é tão eficaz como a de 10mg para a indução de hiperémia máxima, com o retorno às condições basais a ocorrer cinco minutos após a sua administração.
The index of microcirculatory resistance (IMR) enables/provides quantitative, invasive, and real‐time assessment of coronary microcirculation status.
AimsThe primary aim of this study was to validate the assessment of IMR in a large animal model, and the secondary aim was to compare two doses of intracoronary papaverine, 5 and 10 mg, for induction of maximal hyperemia and its evolution over time.
MethodsMeasurements of IMR were performed in eight pigs. Mean distal pressure (Pd) and mean transit time (Tmn) were measured at rest and at maximal hyperemia induced with intracoronary papaverine, 5 and 10 mg, and after 2, 5, 8 and 10 minutes. Disruption of the microcirculation was achieved by selective injection of 40‐μm microspheres via a microcatheter in the left anterior descending artery.
ResultsIn each animal 14 IMR measurements were made. There were no differences between the two doses of papaverine regarding Pd response and IMR values – 11±4.5 U with 5 mg and 10.6±3 U with 10 mg (p=0.612). The evolution of IMR over time was also similar with the two doses, with significant differences from resting values disappearing after five minutes of intracoronary papaverine administration. IMR increased with disrupted microcirculation in all animals (41±16 U, p=0.001).
ConclusionsIMR provides invasive and real‐time assessment of coronary microcirculation. Disruption of the microvascular bed is associated with a significant increase in IMR. A 5‐mg dose of intracoronary papaverine is as effective as a 10‐mg dose in inducing maximal hyperemia. After five minutes of papaverine administration there is no significant difference from resting hemodynamic status.
Avanços na tecnologia dos sensores permitem atualmente a medição da pressão e da velocidade do fluxo coronário (por Doppler ou por termodiluição) através de um simples fio guia, possibilitando o estudo das condições hemodinâmicas de toda a circulação coronária1,2. Para a fisiopatologia de várias doenças cardíacas contribuem duas resistências: a das estenoses dos vasos epicárdicos e a da disfunção da microcirculação. Enquanto que para as primeiras existem parâmetros estabelecidos e com ampla utilização clínica (p. ex. fractional flow reserve, FFR), o estudo invasivo da microcirculação em tempo real e de forma exequível na prática clínica encontra‐se ainda numa fase inicial3.
A reserva de fluxo coronário (RFC) é o aumento máximo do fluxo acima do que está presente em repouso. O fluxo máximo é conseguido através da hiperémia máxima induzida farmacologicamente. A RFC tem a desvantagem de não ser independente das condições hemodinâmicas de base e de fornecer informação sobre o estado da circulação epicárdica e da microcirculação, não sendo possível diferenciá‐las4,5. O índice de resistência da microcirculação (IRM) ultrapassa estas limitações6. Este índice é avaliado durante a fase de fluxo máximo e é definido pela pressão coronária distal (Pd) dividida pelo inverso do tempo médio de trânsito (Tmn) durante a fase de hiperémia máxima. O Tmn é determinado por termodiluição. Após uma injeção intracoronária de 3ml de soro à temperatura ambiente, a qual é detetada pela parte proximal do fio que funciona como termístor proximal, o soro flui pela coronária até ao termístor distal, medindo‐se o tempo que o soro percorreu desde o sensor proximal ao distal em várias injeções temos o Tmn. Este índice é extremamente reprodutível e independente da frequência cardíaca, da pressão sanguínea e da contractilidade cardíaca7.
Para o estudo pré‐clínico da microcirculação o estabelecimento de um modelo animal de grande porte é fundamental. O modelo suíno será o mais indicado, dado que a vascularização cardíaca, a anatomia coronária e a rede de colaterais entre a circulação epicárdica e a endocárdica, pobre em comparação com outros animais, são semelhantes à humana8,9, o que o torna no melhor modelo animal para estudar a microcirculação.
Um passo chave para a correta avaliação do IRM consiste na indução da hiperémia máxima, que é o resultado da vasodilatação generalizada da árvore coronária. Para a obtenção desta vasodilatação são utilizados fármacos vasodilatadores dos pequenos vasos, sendo a adenosina intravenosa ou a papaverina intracoronária os mais eficazes10. Contudo, os estudos em animais têm utilizado doses diversas destes fármacos, não estando ainda definida qual a correta ou se existe um efeito de dose a ser considerado na interpretação dos seus resultados.
A complexidade da investigação animal associada à da própria técnica de determinação do IRM aconselham uma necessária validação destes modelos antes da utilização do seu potencial para o estudo da fisiopatologia da doença cardíaca ou para a avaliação dos efeitos de determinada terapêutica na microcirculação.
ObjetivosO objetivo principal foi a validação da técnica de determinação do IRM num modelo animal de grande porte. O objetivo secundário foi a comparação de duas doses de papaverina, 5 e 10mg, para indução de hiperémia máxima, quanto ao valor de IRM obtido e à sua evolução temporal.
MétodosForam utilizados oito suínos cruzados machos Duroc e fêmeas F1 Large White X Landrace, com peso vivo entre 25‐40 Kg (32 ± 5 Kg). O estudo foi aprovado pela Comissão de ética e bem‐estar animal da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa e os animais foram tratados respeitando as normas de utilização humanitária e bem‐estar. Os animais utilizados neste estudo não foram sacrificados. Assim, durante o recobro de 24 horas foi feita analgesia com 2 mg/kg p.v. de carprofeno (Rimadyl, Pfizer) e antibioticoterapia com 15mg/kg p.v. de amoxicilina (Clamoxyl L. A., Pfizer), não tendo os animais manifestado quaisquer sinais de sofrimento.
Todos os animais foram mantidos em jejum nas 12 horas que antecederam o procedimento. Como medicação pré‐anestésica foram administrados a cada animal, por via intramuscular, 2 mg/kg de azaperona (Stresnil®), 1 mg de atropina e, após um período de 15 minutos, 20 mg/kg de cloridrato de quetamina (Imalgene 1000®). Já na sala de hemodinâmica foi colocado um cateter venoso de 22 G (Abbocath®) na veia marginal da orelha, através do qual se administraram 6 mg/kg de tiopental sódico 5% (Tiopental BRAUN®). Depois da confirmação da perda do reflexo de deglutição, procedeu‐se à intubação orotraqueal, após o que o animal foi colocado em ventilação controlada com volume corrente de 10 ml kg−1. Para a manutenção da anestesia utilizou‐se isoflurano a 2% (Isoflo®, Abbott Laboratories) em fluxo constante de O2. Os animais foram mantidos em infusão venosa contínua de solução salina 9% até ao final da intervenção e a sua temperatura assegurada com manta térmica.
Durante procedimento manteve‐se a monitorização hemodinâmica e eletrocardiográfica dos animais, tendo também sido realizados eletrocardiogramas de 12‐derivações no início e no final. Após a colocação dos introdutores (6 F) na artéria e veia femoral direitas, foram administradas 200 U kg−1 de heparina (Heparin Braun®). A pressão arterial na aorta e a pressão telediastólica foram determinadas com a utilização de um cateter pigtail (Cordis). Durante o procedimento manteve‐se a monitorização hemodinâmica e eletrocardiográfica dos animais. A cateterização seletiva da coronária esquerda foi realizada com um cateter guia Amplatz esquerdo 0,75, 6 F (Cordis), seguida de uma angiografia de base com injeção prévia de 0,5‐1 mg de dinitrato de isossorbido intracoronário (Isoket®, Schwarz Pharma Ac.).
Um fio guia 0,014 PressureWireTMCertus (St. Jude Medical) foi posicionado com o sensor na união do terço médio com o distal da descendente anterior, após a equalização das pressões com o sensor na coronária imediatamente a seguir à extremidade do cateter. Sempre que a navegação deste guia na descendente anterior se revelou difícil esta foi feita com um guia BMW (Abbott Vascular) e os guias trocados com o auxílio de um microcateter FineCrossTM (Terumo Interventional Systems).
Foi utilizada uma consola RadiAnalyzer™ Xpress (St. Jude Medical) e o respetivo software para a determinação da Pd e do Tmn na descendente anterior. Para avaliação do Tmn foram feitas séries de injeções intracoronárias de 3 ml de soro fisiológico à temperatura ambiente, através do cateter guia. A média dos três valores mais próximos e com curvas temperatura/tempo semelhantes forneceu o Tmn. O valor de IRM é o quociente da divisão da Pd coronária pelo inverso do Tmn. Embora o IRM seja aquele que é avaliado em condições de hiperémia máxima, para efeito dos resultados apresentados neste estudo, e tendo em conta o seu objetivo, consideraram‐se todas as determinações como IRM e o avaliado em hiperémia máxima como o verdadeiro IRM.
Após a avaliação da Pd e do Tmn em condições basais, mantendo sempre o fio guia na mesma posição, foi determinado o IRM com hiperémia máxima induzida pela injeção intracoronária de 5 mg de papaverina, depois da confirmação da descida da pressão distal durante o primeiro minuto e sucessivamente aos dois, cinco, oito e dez minutos. A seguir a um intervalo de dez minutos (que permitiu a metabolização da papaverina anteriormente administrada), foi feita a injeção intracoronária de 10 mg papaverina e a mesma sequência de avaliações foi realizada.
Para comprometer a microcirculação coronária foram injetados 0,25 ml de solução de microesferas de 40 μm de diâmetro diluídas em contraste (aproximadamente 30 x 106 microesferas), Embozene®Microspheres (CeloNova BioSciences), através de um microcateter com a ponta colocada na descendente anterior, distal à primeira diagonal e proximal ao microsensor do fio de pressões, o qual foi mantido na mesma posição. Após cinco minutos avaliou‐se o IRM com hiperémia máxima induzida pela injeção intracoronária de 10 mg de papaverina durante o primeiro minuto e depois de confirmação da descida da pressão distal.
O pressuposto da normalidade foi validado com o teste Kolmogorov‐Smirnov com correção de Lillefors, usando o teste de Shapiro‐Wilk apropriado para amostras reduzidas. As variáveis categóricas são apresentadas como contagem e percentagem do total. As variáveis contínuas são expressas como média e desvio‐padrão. Para avaliar as diferenças entre as avaliações em condições basais e após os 5 e os 10 mg de papaverina, assim como após a injeção de microesferas, recorreu‐se ao teste t‐student para amostras emparelhadas. A análise estatística foi realizada com o programa SPSS 20.
ResultadosOs parâmetros hemodinâmicos de base foram: frequência cardíaca de 92 ± 10 bmp, pressão arterial média de 48 ± 5 mmHg e pressão telediastólica do ventrículo esquerdo de 6 ± 1,4 mmHg. Todos os animais mantiveram estabilidade hemodinâmica e eletrocardiográfica após as injeções de papaverina. Após o compromisso de microcirculação houve elevação do segmento ST em V1‐V3 em todos os animais, não havendo disritmias ventriculares ou instabilidade hemodinâmica na população estudada.
Em cada animal foram realizadas 14 determinações de IRM, num total de 112 na amostra avaliada. A variação do tempo de trânsito das três medições consideradas para o cálculo do IRM em cada avaliação em hiperémia máxima foi de 10%. A Pd média de base foi de 51 ± 9 mmHg. Na Tabela 1 estão apresentados os valores de Pd, que refletem a hiperémia máxima após a injeção de papaverina, não havendo diferenças entre as duas doses. Os valores de IRM para cada animal estão apresentados na Tabela 2. A média do verdadeiro IRM foi de 11 ± 4,5 U com 5 mg de papaverina e de 10,6 ± 3 U com a dose de 10 mg (p = 0,612).
Valores observados por animal do quociente da pressão distal média pelo inverso do tempo médio de trânsito em condições basais, após indução de hiperémia máxima com 5 e 10 mg de papaverina (IRM 5 e 10 mg) e após o compromisso da microcirculação com microesferas (IRM pós‐microesferas)
Animais | Pd/Tmn−1 basal | IRM (U) 5 mg | IRM (U) 10 mg | IRM (U) pós‐microesferas |
1 | 23 | 7 | 8 | 35 |
2 | 42 | 7 | 8 | 31 |
3 | 25 | 9 | 9 | 71 |
4 | 28 | 13 | 14 | 52 |
5 | 56 | 11 | 11 | 23 |
6 | 33 | 10 | 9 | 46 |
7 | 30 | 10 | 10 | 46 |
8 | 48 | 21 | 16 | 26 |
IRM: índice da resistência da microcirculação; Pd: pressão distal média; Tmn: tempo médio de trânsito.
Com ambas as doses de papaverina o IRM verdadeiro foi observado ao primeiro minuto em cinco animais, logo após o primeiro minuto em dois e logo após os dois minutos em um animal. A evolução temporal dos valores de IRM foi semelhante com as duas doses (Figura 1), tendo o IRM deixado de ter diferenças em relação ao valor de base aos cinco minutos (p = 1 para os 5 mg e p = 0,98 para os 10 mg).
Com o compromisso da microcirculação após a injeção das microesferas houve uma elevação significativa do verdadeiro IRM em todos animais para um valor médio de 41,3 ± 16 U (Figura 2; p=0,002 com 5mg de papaverina; p=0,001 com 10 mg de papaverina). Com a dose de 10 mg de papaverina a elevação média do IRM verdadeiro foi de 310 ± 190%.
DiscussãoSão vários os motivos que tornam o estudo da microcirculação cardíaca cada vez mais pertinente. É nos pequenos vasos que se encontram importantes limitações à terapêutica de revascularização percutânea, bem representadas no no‐reflow coronário ou na manutenção de isquemia miocárdica após intervenção nos vasos epicárdicos, sobretudo no contexto de enfarte agudo do miocárdio11. É também na microcirculação que residem os processos fisiopatológicos de várias doenças cardíacas, desde a síndrome X12 à mal definida cardiomiopatia de stress ou síndrome de Takotsubo13. Por outro lado, existem novas estratégias terapêuticas em estudo para o tratamento das doenças cardíacas, como a terapia génica ou a terapia celular, que têm efeitos nos pequenos vasos por estimularem a angiogénese ou por utilizarem a via intracoronária para administração de células14,15.
O estabelecimento de um modelo pré‐clínico para o estudo da microcirculação é importante neste contexto, permitindo avaliar o efeito ou as limitações das terapêuticas atuais ou futuras. A vascularização cardíaca do porco é a que se aproxima mais da humana, apresentando uma anatomia coronária com morfologia e dimensões semelhantes, mesmo quanto ao diâmetro dos capilares16. Sendo um animal de utilização doméstica, acessível e de fácil manejo, o porco tornou‐se no modelo animal de eleição para os estudos pré‐clínicos da microcirculação cardíaca.
O estudo da resistência da microcirculação é realizado durante uma fase de dilatação máxima da árvore coronária, conseguida farmacologicamente através da administração de vasodilatadores da microcirculação e reflete a capacidade máxima existente para aumentar o fluxo coronário recrutando toda a rede circulatória disponível. Embora a adenosina seja o fármaco mais divulgado na prática clínica pela sua segurança, os estudos pré‐clínicos têm privilegiado a papaverina intracoronária. A papaverina é mais eficaz do que a adenosina17, sendo que esta última pode ter também limitações na sua capacidade vasodilatadora em animais de grande porte18.
A dose de papaverina utilizada nos estudos tem variado entre os 5 mg e os 20 mg (sendo esta a dose habitualmente usada no ser humano), não estando ainda definida qual a melhor dose ou se existem diferenças com significado na determinação do IRM. No nosso trabalho a dose menor de 5 mg teve um efeito semelhante à dose superior de 10 mg, quanto à descida da pressão distal e ao valor de IRM avaliado. Por outro lado, a dose superior mostrou‐se igualmente segura, não se associando a instabilidade hemodinâmica ou elétrica. Como a correta determinação do IRM depende da indução de hiperémia máxima, ou seja, da administração intracoronária da quantidade suficiente de fármaco, e podendo esta ser influenciada pela seletividade ou estabilidade do próprio cateter, será razoável supor que a dose de 10 mg pode ser a que garante uma melhor uniformidade dos resultados e aquela a utilizar sistematicamente.
O IRM foi validado num modelo suíno por Fearon et al.6. Utilizando nove animais observaram um IRM médio de 16,9 ± 6,5 U após indução de hiperémia com injeção intracoronária de 20 mg de papaverina. Este valor é ligeiramente mais elevado do obtido na nossa população o que poderá estar relacionado com a manipulação cirúrgica da descendente anterior a que os animais foram sujeitos nesse estudo. Estes valores são inferiores aos 21 U descritos em humanos sem doença coronária e esta diferença deverá fazer parte da extrapolação para o homem dos resultados dos estudos com modelo suíno16. Outro aspeto a ter em conta é a importância da correção do IRM com a pressão de encravamento coronário no contexto de doença da macrocirculação e da existência de circulação colateral19, o que não acontecia com o nosso modelo animal.
Apesar das vantagens do IRM, a sua determinação depende de uma metodologia consistente, que cuide da correta calibração e posicionamento do guia de pressões, da indução eficaz da hiperémia máxima, da injeção intracoronária do soro fisiológico à temperatura ambiente e da interpretação das curvas tempo/temperatura durante a fase de fluxo máximo. A curta existência do IRM e a sua utilização por um número ainda limitado de investigadores leva que nem todos estes aspetos metodológicos estejam esclarecidos ou definidos.
A avaliação da evolução temporal das variáveis hemodinâmicas após a injeção da papaverina tem implicações práticas importantes. O IRM poderá ser útil no estudo do efeito imediato na microcirculação de várias terapêuticas, sendo relevante saber quando é que ocorre o regresso às condições hemodinâmicas basais. No nosso estudo o IRM deixou de ter diferenças significativas aos cinco minutos após a injeção de papaverina, em ambas as doses. Desta forma, é aconselhável que qualquer intervenção planeada para ser realizada em condições basais seja realizada depois deste intervalo de tempo. Os nossos resultados apontam também para uma variabilidade interindividual do tempo em que ocorre a hiperémia máxima, com a maioria dos animais, mas não todos, a apresentar esta resposta no primeiro minuto. É necessário ter presente esta variabilidade e efetuar várias séries de medições do tempo de trânsito até ocorrer um nadir, o qual corresponderá ao verdadeiro IRM, caso contrário este poderá ser sobrevalorizado.
Os capilares coronários têm um diâmetro médio de 10 μm. A injeção intracoronária de microesferas com 40 μm compromete previsivelmente a microcirculação ao obstruir a circulação a jusante das pequenas arteríolas. No nosso estudo utilizou‐se a quantidade de microesferas que permite manter o fluxo coronário, evitando o fenómeno de no reflow, o que na nossa experiência ocorre com doses superiores. A consistente e significativa elevação observada do IRM após a obstrução da microcirculação, estando o fluxo do vaso epicárdico livre de compromisso, demostra bem a capacidade deste método e o valor do IRM na avaliação do estado da microcirculação coronária.
A determinação do IRM baseia‐se numa metodologia complexa, o que obriga ao refinamento prévio da técnica. Para manter uma baixa variação das suas determinações existem alguns aspetos importantes a ter em consideração. Além do óbvio, como a seletividade da cateterização coronária, a cuidada equalização das pressões, a constância da velocidade das injeções de soro fisiológico, o correto posicionamento do fio de pressões, o cuidado na indução e na escolha do momento de hiperémia máxima, encontrámos na nossa experiência fatores ainda não descritos que influenciam ou inviabilizam a determinação do IRM. Os vasos epicárdicos do porco (com o peso habitualmente utilizado em investigação), são de menor calibre, dificultando a navegação com o fio de pressões, sendo frequente dobrar a sua ponta floppy. As determinações efetuadas com a ponta do fio dobrada resultam em valores de IRM incorretos e anormalmente elevados. Outras vezes, apesar do fio estar direito, a sua ponta está presa ou encostada a um pequeno vaso, levando o fio a fazer uma dobra durante a sístole, o que se traduz numa maior variabilidade das curvas tempo/temperatura obtidas com a injeção intracoronária de soro, comprometendo a determinação correta do IRM. É pois fundamental manter o fio de pressões direito e livre dentro da coronária, sendo que, para tal, o nosso grupo passou a utilizar um microcateter previamente introduzido na descendente anterior com um fio standart (p. ex. BMW) como a forma mais rápida e eficaz de colocar o guia de pressões sem ter uma curva excessiva na sua ponta. A descrição e publicação de todos os pormenores ou soluções que possam contribuir para uma melhoria da técnica é essencial para o seu refinamento e deve ser encorajada nos trabalhos que utilizem o IRM.
ConclusãoNo modelo animal suíno a determinação do IRM permite a avaliação do estado da microcirculação coronária, associando‐se a sua obstrução a uma significativa elevação dos seus valores. Para a necessária indução de hiperémia máxima a dose de 5 mg de papaverina é tão eficaz como a de 10 mg. Existe variabilidade interindividual quanto ao tempo em que ocorre a hiperémia máxima, sendo que o retorno a condições hemodinâmicas semelhantes às basais ocorre após cinco minutos da injeção de papaverina.
Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animaisOs autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.