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Vol. 33. Núm. 4.
Páginas 205-206 (abril 2014)
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Desnervação simpática renal – fenómeno ou númeno?
Renal sympathetic denervation – phenomenon or noumenon?
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Eduardo Infante de Oliveira
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Maria, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
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Hélder Dores, Manuel de Sousa Almeida, Pedro de Araújo Gonçalves, Patrícia Branco, Augusta Gaspar, Henrique Sousa, Angela Canha Gomes, Maria João Andrade, Maria Salomé Carvalho, Rui Campante Teles, Luís Raposo, Henrique Mesquita Gabriel, Francisco Pereira Machado, Miguel Mendes
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A desnervação simpática renal foi provavelmente a técnica percutânea que gerou mais expetativa nos últimos anos. A possibilidade de tratamento não farmacológico da hipertensão arterial suscitou interesse não só na comunidade médico‐científica, acabando por extravasar para os media generalistas e para a população geral. Os ensaios piloto1,2 apresentavam resultados que para muitos eram demasiado bons para serem reais, mas independentemente do ceticismo, os resultados eram demasiado bons para serem ignorados e a necessidade terapêutica existia em larga escala3,4. A técnica foi comercialmente disponibilizada em inúmeras áreas geográficas e aplicada primariamente em doentes com hipertensão arterial resistente. Estima‐se que, dois anos após a publicação do estudo SYMPLICITY HTN‐2, mais de 5000 doentes tinham sido já intervencionados. A experiência inicial dos centros foi semelhante à relatada nos ensaios piloto5,6, provavelmente com uma taxa de não respondedores mais elevada, mas ainda aceitável. Organizaram‐se registos cujos resultados preliminares conferiam robustez ao método7–9. Outro comportamento relevante foi o alargamento dos critérios de inclusão para formas menos graves de hipertensão, contrariamente às recomendações das sociedades científicas10–14. Contudo, até neste aspeto os resultados foram favoráveis, demonstrando segurança e benefício hemodinâmico15. Outros proveitos foram anunciados16 – melhoria do metabolismo glicídico com redução do status diabético, redução da massa ventricular esquerda, melhoria da função diastólica, redução da recorrência da fibrilhação auricular após isolamento das veias pulmonares, controlo de disritmia ventricular resistente a terapia médica, etc. Outras patologias, caracterizadas pela hiperativação simpática ou do sistema renina‐angiotensina‐aldosterona (p. ex. insuficiência cardíaca), foram apontadas como alvo terapêutico e ensaios clínicos foram iniciados16. Muitas companhias aderiram à febre do ouro e desenvolveram sistemas de desnervação por radiofrequência, ultrassons, crioablação ou neurotoxinas17. Múltiplos sistemas alternativos alcançaram o mercado europeu e os seus ensaios piloto demonstravam resultados sobreponíveis ao modelo original17.

O crescimento e o entusiasmo foram exponenciais até nove de janeiro de 201418. O anúncio do insucesso do ensaio SYMPLICITY HTN‐3 quanto ao objetivo primário de eficácia inverteu o processo. Aguarda‐se informação detalhada com dados numéricos. Apesar da escassez da informação, múltiplos ensaios clínicos foram interrompidos (HTN‐Japan, HTA‐India, SYMPLICITY HTN‐4), tal como a atividade de múltiplos centros. O ensaio SYMPLICITY HTN‐319 foi desenhado para corresponder às exigências da Food and Drug Administration de forma a possibilitar uma hipotética aprovação. Diferencia‐se dos estudos SYMPLICITY HTN prévios pela sua maior dimensão (530 doentes), utilização de medição ambulatória da pressão arterial na seleção dos doentes e realização de procedimento placebo no grupo controlo com ocultação para o doente e investigadores responsáveis pela medição da pressão arterial19. O objetivo primário de eficácia seria alcançado se verificada superioridade da desnervação simpática renal na redução da pressão arterial sistólica avaliada em consulta aos seis meses. Este objetivo não foi alcançado e muito se especula na ausência de dados adicionais. Uma particularidade relevante do ensaio é a quebra de ocultação aos seis meses, sendo oferecida a possibilidade de desnervação simpática renal aos doentes do grupo controlo. Este aspeto inviabiliza a comparação entre grupos num período mais alargado e possivelmente necessário para que o efeito placebo se atenue. Dados prévios sugerem que o efeito placebo pode controlar a hipertensão arterial em estádio 1 e 2 num terço dos doentes aos 12 meses, com taxa de efeitos adversos sobreponíveis ao tratamento ativo20. A taxa de episódios de elevação major da pressão arterial é superior, mas é necessário esperar além dos 12 meses em mais de 50% dos casos20. Ou seja, o efeito placebo parece perder a sua capacidade terapêutica ao longo do tempo e uma elevada taxa de crossover no SYMPLICITY HTN‐3 pode comprometer esta análise. Uma diferença insignificante entre a pressão sistólica basal e após seis meses no grupo da desnervação renal seria um resultado mais comprometedor quanto ao futuro da técnica. Mas este cenário colocaria em causa os resultados não só dos ensaios SYMPLICITY prévios, mas também do registo GLOBAL SYMPLICITY, ensaios‐piloto realizados com outros sistemas, registos e experiências de centro único como o publicado neste número da revista21. Qual a causa da disparidade? Na filosofia de Kant, os fenómenos constituem o mundo como nós o experimentamos, ao contrário do mundo como existe independentemente das nossas experiências (o númeno ou as coisas‐em‐si). Qual a importância da interpretação do doente, do viés do investigador e do procedimento em si? A desnervação simpática renal e redução da pressão arterial será númeno ou fenómeno?

Conflito de interesses

Consultor, palestrante e proctor das empresas Medtronic e Boston Scientific.

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