Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 17,5 milhões de pessoas morrem todos os anos vítimas de doenças cardiovasculares (DCV), que constituem a primeira causa de morte no mundo. Um dos fatores de risco das DCV é a alimentação inadequada, que tem aumentado nos últimos anos1–5, e várias organizações, inclusive a OMS e a American Heart Association, têm recomendado uma diminuição no consumo de açúcares adicionados na dieta6, o que poderia diminuir em cerca de 20% a mortalidade por DCV até 20207,8. A relação direta que existe entre o consumo de produtos enriquecidos em açúcares e uma maior morbilidade e mortalidade cardiovascular impõe uma necessidade de definir e estabelecer estratégias preventivas que atuem no sentido de diminuir o consumo de açúcares, com especial atenção para as crianças, entre as quais esse problema poderá assumir proporções mais preocupantes.
Os açúcares incluem os monossacarídeos e dissacarídeos e dentro dos monossacarídeos mais comuns na dieta temos a frutose, a glicose e a galactose. A frutose é o açúcar que está naturalmente presente na fruta, mas também em sumos naturais ou néctares, e que é por vezes usado como adoçante, ou que pode estar adicionado a outros produtos alimentares, como refrigerantes e bolachas. O açúcar adicionado mais comum é o xarope de milho com alto conteúdo em frutose e a forma mais consumida desses açúcares são os sucos em lata. O metabolismo da frutose é diferente do dos outros açúcares e tem alguns subprodutos nocivos. Assim, a associação entre o consumo de frutose e o aparecimento de fatores de risco para desenvolvimento de doença DCV, como aumento da pressão arterial, obesidade, resistência à insulina, diabetes e síndrome metabólica, tem sido alvo de intensa investigação. Por outro lado, estudos em modelos animais mostram que uma dieta rica em frutose resulta num aumento de susceptibilidade do miocárdio à isquemia‐reperfusão9.
Vários estudos consideram que a ingestão elevada de frutose, por consequência do uso generalizado da frutose em muitos alimentos e bebidas, pode induzir a alterações do metabolismo, como o aumento de triglicerídeos, a resistência insulínica e a esteatose hepática, porém esses resultados não são conclusivos6. Nesse contexto, é imperativo investigar melhor os mecanismos e efeitos do consumo exagerado de frutose na saúde. Ramos et al.1 pretenderam avaliar qual o efeito do consumo crónico da frutose nos parâmetros bioquímicos e corporais de ratos. Os resultados obtidos mostraram que o consumo de frutose está associado à adiposidade abdominal e ao aumento dos triglicerídeos no soro dos animais. Por outro lado, o aumento do consumo de frutose associado a uma crescente incidência da obesidade na população mundial sugere que uma dieta rica em frutose pode ser um fator decisivo para o ganho de peso corporal. A obesidade e o excesso de gordura visceral são responsáveis diretos e indiretos por uma maior mortalidade cardiovascular, notadamente através de desequilíbrios no metabolismo lipídico e do aumento de peso, em grande parte devido a um aporte energético excessivo a que estão associados10. Por outro lado, a frutose não estimula a produção de insulina e leptina, responsáveis pela transmissão de informações para o sistema nervoso central. Assim, a frutose pode não induzir o nível de saciedade que é observado após uma refeição à base de glicose, pois a redução da produção de insulina e leptina pode contribuir para aumentar a ingestão de energia e o ganho de peso em animais e humanos. Por outro lado, o consumo de alimentos ricos em frutose aumenta a resistência à insulina, principal responsável pelos processos ateroembólicos que ocorrem em casos de obesidade7. Assim, torna‐se fundamental atuar precisamente nesse tipo de hábito prejudicial para a saúde. Nesse contexto, os resultados que Ramos et al. agora publicam1 parecem sugerir que o consumo de frutose leva a um aumento da gordura corporal na região abdominal e a alterações dos níveis de triglicerídeos, o que implica um aumento de risco de doenças cardiovasculares, mas não está diretamente associado ao aumento da massa corporal.
Conflitos de interesseA autora declara não haver conflitos de interesse.