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Vol. 33. Núm. 12.
Páginas 817-818 (dezembro 2014)
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Lutar contra a mortalidade por doenças cardiovasculares: um desafio para a sociedade – apenas depois dos profissionais de saúde definirem o seu rumo
Fighting mortality from cardiovascular disease: A challenge to society – but only after health professionals have shown the way
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Miguel Soares‐Oliveira
Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Lisboa, Portugal
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Num comentário editorial recente1, Morais afirma, a propósito do artigo publicado nesse mesmo número da Revista Portuguesa de Cardiologia sobre a «Implementação de um sistema regional de resposta emergente ao acidente vascular cerebral»2, que «existe ainda um longo caminho a percorrer no sentido de otimizar o acesso dos doentes a estas unidades de saúde…» e que «este trabalho passa pela implementação de percursos clínicos dedicados dentro das instituições…».

Ora é justamente essa linha de raciocínio que está subjacente ao projeto implementado na região Norte e apresentado no artigo em questão, com excelentes resultados (Figura 1), e que resultam de: divulgação de sinais de alerta junto da população; formação dos operacionais de pré‐hospitalar; constituição de equipas dedicadas e disponíveis 24 horas em todos os hospitais com serviço de urgência polivalente e/ou médico‐cirúrgica; definição de percursos clínicos e laboratoriais dedicados dentro das instituições; garantia de acesso a TAC e relatório 24 horas; e existência de camas dedicadas a monitorização destes doentes. Refira‐se que o número de trombólises realizadas aumentou, em cerca de quatro anos, mais de 300%, o que representa, inequivocamente, mais e melhor acesso.

Figura 1.

Evolução do número de trombólises endovenosas realizadas no período.

(0.07MB).

Por outro lado, quando cita um outro artigo, do mesmo autor, sobre «Implementação do Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa em Portugal»3 e afirma que a mesma tem sido «…associada a algum excesso de centralização, controlo e rigor legislativo, o que tem dificultado a colocação em larga escala e correspondente utilização de desfibrilhadores automáticos externos em locais de acesso público» e que «devem ser criados estímulos… para as empresas e sociedades, estatais ou não estatais, que pretendam por iniciativa própria envolver‐se no processo, adquirindo e colocando desfibrilhadores automáticos externos em locais de grande visibilidade e circulação de pessoas…», citando ainda o exemplo de Itália em que «demonstraram que uma estratégia de colocação de desfibrilhadores automáticos externos em locais públicos de grande concentração de pessoas, e utilizados por voluntários com treino mínimo ou mesmo leigos, demonstrou ser segura e associada a uma maior sobrevivência de vítimas de paragem cardíaca…»4, olvida, provavelmente, os importantes resultados apresentados no artigo em questão, com aumento exponencial de pessoas formadas em suporte básico de vida e desfibrilhação, bem como o aumento exponencial de locais públicos, de grande concentração de pessoas, que, durante o período em apreço, ficaram dotados de desfibrilhadores e pessoal formado para o seu manuseio (Figura 2). Em finais de 2010 existiam cerca de 100 viaturas de emergência pré‐hospitalar com capacidade de desfibrilhação e no final de 2012, eram já 442 viaturas. Quanto a espaços públicos com DAE, em finais de 2009 eram quatro e em finais de 2012 eram 322, incluindo aeroportos, centros comerciais, recintos desportivos, hotéis, etc., o que representa um crescimento de mais de 8.000%. Tudo isto em cerca de dois anos. E o artigo sobre o exemplo de Brescia, em Itália4, demonstra um processo idêntico ao descrito pelos autores: primeiro a desfibrilhação era um ato médico, depois legislaram e introduziram‐no nas ambulâncias e finalmente formaram pessoas (não profissionais de emergência) e colocaram DAE em espaços públicos para que essas pessoas, formadas e certificadas, os pudessem usar. No total implementaram 49 DAE em espaços públicos (versus os 463 já implementados em Portugal neste período) e formaram 366 indivíduos (versus os 6133 formados em Portugal até finais de 2012).

Figura 2.

Licenciamento de Programas de DAE em locais de acesso público.

(0.1MB).

Sobre a questão legislativa, importa referir a evolução legislativa sobre esta matéria: até 2009 nada estava legislado sobre o assunto, constituindo a desfibrilhação um ato da responsabilidade exclusiva do médico; a partir dessa data passou a poder ser delegado em não médicos (um avanço considerável)5 e em 2012 a legislação é revista no sentido de tornar obrigatória (incentivo legal) a sua colocação em locais públicos com critérios de «grande visibilidade e circulação de pessoas»6. A par de tudo isto foi apresentada ao Governo uma proposta de introdução da formação em suporte básico de vida como obrigatória no 3.° ciclo escolar.

É desejável, e eventualmente expectável, que o próximo passo legislativo, quando houver massa crítica na sociedade para o sustentar, seja que o uso dos desfibrilhadores em locais públicos passe a ser mais «liberal», com menos controlo e centralização, podendo qualquer cidadão (mesmo que não certificado) utilizá‐lo. Mas para isso, eventualmente, vir a acontecer, estes passos prévios eram, na opinião do autor, imprescindíveis.

Na verdade, os bons resultados apresentados no artigo, conforme corroborados pelo Editor, mostram que o caminho percorrido até agora foi, no mínimo, aceitável, e compara‐se de forma muito positiva com outras experiências e resultados internacionais.

Portanto, a estratégia sugerida pelo Editor, em ambos os artigos que menciona, foi exatamente a que foi seguida pelo autor e que está bem explicita em ambos os artigos.

Bibliografia
[1]
C. Morais.
Lutar contra a mortalidade por doenças cardiovasculares: um desafio para a sociedade.
Rev Port Cardiol., 33 (2014), pp. 337-338
[2]
M. Soares-Oliveira, F. Araújo, Grupo de AVC da Administração Regional de Saúde do Norte.
Implementação de um sistema regional de resposta emergente ao acidente vascular cerebral. Primeiros resultados.
Rev Port Cardiol., 33 (2014), pp. 329-335
[3]
M. Soares-Oliveira, R. Ramos.
Implementação do Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa em Portugal.
Rev Port Cardiol., 33 (2014), pp. 323-328
[4]
R. Cappato, A. Curnis, Marzollo, et al.
Prospective assessment of integrating the existing emergency medical system with automated external defibrillators fully operated by volunteers and laypersons for out‐of‐hospital cardiac arrest: the Brescia Early Defibrillation Study (BEDS).
Eur Heart J., 27 (2006), pp. 553-561
[5]
Decreto‐lei n(188/2009. Diário da Republica 1 a série, 12 de Agosto de 2009: 5247‐52.
[6]
Decreto‐lei n(184/2012. Diário da Republica 1 a série, 8 de Agosto de 2012: 4182‐83.
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