Num comentário editorial recente1, Morais afirma, a propósito do artigo publicado nesse mesmo número da Revista Portuguesa de Cardiologia sobre a «Implementação de um sistema regional de resposta emergente ao acidente vascular cerebral»2, que «existe ainda um longo caminho a percorrer no sentido de otimizar o acesso dos doentes a estas unidades de saúde…» e que «este trabalho passa pela implementação de percursos clínicos dedicados dentro das instituições…».
Ora é justamente essa linha de raciocínio que está subjacente ao projeto implementado na região Norte e apresentado no artigo em questão, com excelentes resultados (Figura 1), e que resultam de: divulgação de sinais de alerta junto da população; formação dos operacionais de pré‐hospitalar; constituição de equipas dedicadas e disponíveis 24 horas em todos os hospitais com serviço de urgência polivalente e/ou médico‐cirúrgica; definição de percursos clínicos e laboratoriais dedicados dentro das instituições; garantia de acesso a TAC e relatório 24 horas; e existência de camas dedicadas a monitorização destes doentes. Refira‐se que o número de trombólises realizadas aumentou, em cerca de quatro anos, mais de 300%, o que representa, inequivocamente, mais e melhor acesso.
Por outro lado, quando cita um outro artigo, do mesmo autor, sobre «Implementação do Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa em Portugal»3 e afirma que a mesma tem sido «…associada a algum excesso de centralização, controlo e rigor legislativo, o que tem dificultado a colocação em larga escala e correspondente utilização de desfibrilhadores automáticos externos em locais de acesso público» e que «devem ser criados estímulos… para as empresas e sociedades, estatais ou não estatais, que pretendam por iniciativa própria envolver‐se no processo, adquirindo e colocando desfibrilhadores automáticos externos em locais de grande visibilidade e circulação de pessoas…», citando ainda o exemplo de Itália em que «demonstraram que uma estratégia de colocação de desfibrilhadores automáticos externos em locais públicos de grande concentração de pessoas, e utilizados por voluntários com treino mínimo ou mesmo leigos, demonstrou ser segura e associada a uma maior sobrevivência de vítimas de paragem cardíaca…»4, olvida, provavelmente, os importantes resultados apresentados no artigo em questão, com aumento exponencial de pessoas formadas em suporte básico de vida e desfibrilhação, bem como o aumento exponencial de locais públicos, de grande concentração de pessoas, que, durante o período em apreço, ficaram dotados de desfibrilhadores e pessoal formado para o seu manuseio (Figura 2). Em finais de 2010 existiam cerca de 100 viaturas de emergência pré‐hospitalar com capacidade de desfibrilhação e no final de 2012, eram já 442 viaturas. Quanto a espaços públicos com DAE, em finais de 2009 eram quatro e em finais de 2012 eram 322, incluindo aeroportos, centros comerciais, recintos desportivos, hotéis, etc., o que representa um crescimento de mais de 8.000%. Tudo isto em cerca de dois anos. E o artigo sobre o exemplo de Brescia, em Itália4, demonstra um processo idêntico ao descrito pelos autores: primeiro a desfibrilhação era um ato médico, depois legislaram e introduziram‐no nas ambulâncias e finalmente formaram pessoas (não profissionais de emergência) e colocaram DAE em espaços públicos para que essas pessoas, formadas e certificadas, os pudessem usar. No total implementaram 49 DAE em espaços públicos (versus os 463 já implementados em Portugal neste período) e formaram 366 indivíduos (versus os 6133 formados em Portugal até finais de 2012).
Sobre a questão legislativa, importa referir a evolução legislativa sobre esta matéria: até 2009 nada estava legislado sobre o assunto, constituindo a desfibrilhação um ato da responsabilidade exclusiva do médico; a partir dessa data passou a poder ser delegado em não médicos (um avanço considerável)5 e em 2012 a legislação é revista no sentido de tornar obrigatória (incentivo legal) a sua colocação em locais públicos com critérios de «grande visibilidade e circulação de pessoas»6. A par de tudo isto foi apresentada ao Governo uma proposta de introdução da formação em suporte básico de vida como obrigatória no 3.° ciclo escolar.
É desejável, e eventualmente expectável, que o próximo passo legislativo, quando houver massa crítica na sociedade para o sustentar, seja que o uso dos desfibrilhadores em locais públicos passe a ser mais «liberal», com menos controlo e centralização, podendo qualquer cidadão (mesmo que não certificado) utilizá‐lo. Mas para isso, eventualmente, vir a acontecer, estes passos prévios eram, na opinião do autor, imprescindíveis.
Na verdade, os bons resultados apresentados no artigo, conforme corroborados pelo Editor, mostram que o caminho percorrido até agora foi, no mínimo, aceitável, e compara‐se de forma muito positiva com outras experiências e resultados internacionais.
Portanto, a estratégia sugerida pelo Editor, em ambos os artigos que menciona, foi exatamente a que foi seguida pelo autor e que está bem explicita em ambos os artigos.