Caracterizar, no nosso centro, a epidemiologia, fatores de risco e impacto prognóstico da insuficiência renal aguda no pós‐operatório cardíaco. Desenvolver um modelo de regressão logística para estimativa do risco de insuficiência renal aguda na população em estudo.
MétodosEstudo retrospetivo e monocêntrico em que foram incluídos doentes pediátricos consecutivos com cardiopatia congénita, submetidos a cirurgia cardíaca entre janeiro de 2010 e dezembro de 2012. Foram excluídos aqueles com doença renal prévia, história de diálise ou transplantação renal.
ResultadosForam incluídos 325 doentes, idade mediana=3 anos (um dia; 18 anos). Quarenta (12,3%) doentes desenvolveram insuficiência renal aguda no primeiro dia após a cirurgia. Nove (69%) dos 13 doentes falecidos no pós‐operatório integravam o grupo com insuficiência renal. A ocorrência de insuficiência renal aguda condicionou um aumento do tempo de internamento na unidade de cuidados intensivos, da duração da ventilação mecânica invasiva e da mortalidade intra‐hospitalar (p<0,01). Foi construído um modelo de regressão logística (variável dependente: insuficiência renal aguda pós‐operatória, variáveis preditoras: idade e valores séricos de creatinina, ureia e lactatos registados no primeiro dia de pós‐operatório). O modelo previu de forma significativa a ocorrência de insuficiência renal aguda pós‐operatória nesta população, com uma sensibilidade e especificidade máximas combinadas de 82,1 e 75,4%.
ConclusõesNo pós‐operatório cardíaco a insuficiência renal é comum e determina um mau prognóstico. A idade mais jovem e a elevação precoce da creatinina, ureia e lactatos séricos foram preditores robustos da ocorrência de insuficiência renal nesta população, permitindo a construção de um modelo analítico objetivo que poderá ser útil na estratificação de risco nestes doentes.
To characterize the epidemiology and risk factors for acute kidney injury (AKI) after pediatric cardiac surgery in our center, to determine its association with poor short‐term outcomes, and to develop a logistic regression model that will predict the risk of AKI for the study population.
MethodsThis single‐center, retrospective study included consecutive pediatric patients with congenital heart disease who underwent cardiac surgery between January 2010 and December 2012. Exclusion criteria were a history of renal disease, dialysis or renal transplantation.
ResultsOf the 325 patients included, median age three years (1 day‐18 years), AKI occurred in 40 (12.3%) on the first postoperative day. Overall mortality was 13 (4%), nine of whom were in the AKI group. AKI was significantly associated with length of intensive care unit stay, length of mechanical ventilation and in‐hospital death (p<0.01). Patients’ age and postoperative serum creatinine, blood urea nitrogen and lactate levels were included in the logistic regression model as predictor variables. The model accurately predicted AKI in this population, with a maximum combined sensitivity of 82.1% and specificity of 75.4%.
ConclusionsAKI is common and is associated with poor short‐term outcomes in this setting. Younger age and higher postoperative serum creatinine, blood urea nitrogen and lactate levels were powerful predictors of renal injury in this population. The proposed model could be a useful tool for risk stratification of these patients.
As cardiopatias congénitas representam a anomalia congénita mais frequente e ocorrem, globalmente, em cerca de 0,8% dos nados vivos. Estima‐se que metade destes doentes irão necessitar de correção cirúrgica e alguns deles poderão apresentar‐se em condição crítica, sobretudo no período neonatal1.
A insuficiência renal aguda (IRA) é comum no contexto da cirurgia cardíaca pediátrica, com uma prevalência estimada de 5‐33%2. Está‐lhe associada uma importante morbilidade e uma mortalidade que ronda os 20‐79%, dependendo da definição de IRA utilizada2. A patogénese da insuficiência renal neste contexto é ainda desconhecida, tendo provavelmente uma origem multifatorial que inclui o baixo débito cardíaco, a hipoxemia, a inflamação e a utilização de medicação nefrotóxica3. Estudos retrospetivos sugerem que a insuficiência renal associada à cirurgia cardíaca pode ter um impacto não apenas no prognóstico a curto prazo, mas também no desenvolvimento de insuficiência renal crónica4. A redução da incidência de IRA neste contexto requer, assim, um conhecimento profundo da sua patofisiologia e dos fatores de risco que lhe são inerentes.
Os objetivos deste estudo foram os de (1) caracterizar, no nosso centro, a epidemiologia e fatores de risco associados à ocorrência de IRA no pós‐operatório cardíaco pediátrico e (2) determinar o seu impacto na duração da ventilação mecânica invasiva, duração do internamento na Unidade de Cuidados Intensivos Cardíacos (UCIC) e na mortalidade intra‐hospitalar.
Pretendemos ainda (3) desenvolver um modelo de regressão logística capaz de predizer o risco de IRA de forma controlada e objetiva, baseado em parâmetros clínicos e laboratoriais fáceis de obter.
MétodosDesenho do estudo e seleção da populaçãoEstudo monocêntrico, observacional e retrospetivo, a partir da recolha de dados nos processos clínicos de doentes consecutivos submetidos a cirurgia cardíaca no nosso centro, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2012.
Foram incluídos todos os doentes com cardiopatia congénita (CC) e idade inferior a 18 anos, e excluídos aqueles com doença renal prévia à cirurgia, história de diálise ou transplante renal.
Variáveis clínicas e laboratoriaisAs variáveis pré‐operatórias incluíram: idade à data da cirurgia, sexo, peso, altura, tipo de CC (classificada como cianótica/acianótica) e valor sérico de creatinina e ureia registado nas análises pré‐operatórias.
As variáveis intraoperatórias incluíram: tempo de bypass cardiopulmonar (minutos [min]), tempo de clampagem aórtica (min) e tempo de paragem cardiorrespiratória (min). Foi utilizado o score de Aristóteles na categorização da complexidade cirúrgica (1‐4)5.
As variáveis pós‐operatórias incluíram: valores séricos de creatinina, ureia e lactatos registados no primeiro dia de pós‐operatório.
O score inotrópico no pós‐operatório foi calculado de acordo com a fórmula proposta por Maarslet et al.: 1x dopamina (μg/kg/min)+1×dobutamina (μg/kg/min)+10×milrinona (μg/kg/min)+100× (μg/kg/min), e categorizado em dois grupos:<8 (score inotrópico baixo) e≥8 (score inotrópico alto)6.
Foram também incluídas a necessidade de ventilação mecânica invasiva>48h de pós‐operatório, duração de internamento na UCIC (dias), necessidade de diálise peritoneal e ocorrência de morte intra‐hospitalar.
Definição de insuficiência renal agudaA IRA foi definida de acordo com os critérios do Pediatric‐Modified Risk Injury Failure Loss and End‐Stage renal disease (p‐RIFLE), que se baseiam na redução pós‐operatória da taxa de filtração glomerural (TFG), relativamente à TFG basal7. Esta classificação derivou de consenso de especialistas e encontra‐se validada em crianças com CC8.
Foi utilizada a fórmula Schwartz modificada para o cálculo da TFG nestes doentes9,10. Foi considerado como valor basal de creatinina sérica aquele obtido nas análises pré‐operatórias (colhidas nas 48h que precederam a cirurgia). A TFG pós‐operatória foi calculada com base no valor de creatinina sérica registado no primeiro dia de pós‐operatório.
A cada doente foi atribuída uma classe de p‐RIFLE: risco de insuficiência renal (R), insuficiência renal (I) ou falência renal (F), de acordo com a variação pós‐operatória da sua clearance de creatininina.
As classes R, L e F correspondem a uma diminuição da TFG de respetivamente 25, 50 e 75% relativamente ao valor basal pré‐cirúrgico. Aos doentes com um valor pós‐operatório de TFG<35ml/min/1,73m2 foi atribuída a classe p‐RIFLE (F).
Todos os doentes incluídos nas classes I e F de p‐RIFLE foram considerados como tendo desenvolvido insuficiência renal pós‐operatória.
O débito urinário não foi utilizado como critério de insuficiência renal nesta coorte, por ser reconhecidamente influenciado por fatores intra e pós‐operatórios, tais como o uso de diuréticos.
Análise estatísticaAs variáveis contínuas são apresentadas como médias e desvio padrão quando obedecendo a distribuição normal, e como medianas, mínimo e máximo quando não obedecendo a distribuição normal. As variáveis categóricas são descritas de acordo com a sua frequência e percentagem.
Foram usados o teste T de Student ou o teste de Mann‐Whitney na análise univariada das variáveis contínuas, e o teste de χ2 ou o teste exato de Fisher na análise das variáveis categóricas.
A análise multifatorial foi realizada através da construção de um modelo de regressão logística. A ocorrência de IRA pós‐operatória foi definida como variável dependente. Após a análise de modelos preliminares, foi construído um modelo que incluiu como variáveis preditoras (independentes, controladas): idade à data da cirurgia (anos) e valores séricos de creatinina (mg/dL), ureia (mg/dL) e lactatos (mg/dL), registados no primeiro dia de pós‐operatório. Cada uma das variáveis preditoras foi selecionada após confirmação da independência da sua associação univariada com a ocorrência de IRA pós‐operatória. A robustez do modelo foi avaliada através do teste de Hosmer‐Lemeshow.
Em todas as análises foi considerado estatisticamente significativo um valor de p<0,05. Foi utilizado na análise estatística o software SPSS® (v 20.0; IBM SPSS Software for Predictive Analytics; SPSS, Chicago, IL, EUA).
ResultadosEpidemiologia da insuficiência renal no pós‐operatório cardíacoForam incluídos 325 doentes, com uma mediana de idades de três anos [um dia; 18 anos], 7,7% de recém‐nascidos. Cento e setenta e quatro (53,5%) doentes eram do sexo masculino, 104 (32%) tinham uma CC cianótica e 283 (87%) foram submetidos a cirurgia cardíaca sob bypass cardiopulmonar. A maioria (68,9%) tinha um score de complexidade cirúrgica de Aristóteles ≥2.
Quarenta (12,3%) doentes desenvolveram IRA no primeiro dia de pós‐operatório. Destes, 31 foram classificados como classe I (Insuficiência renal) e nove como classe F (falência renal) de p‐RIFLE. A maioria (67%) dos seis doentes submetidos a diálise peritoneal integrava a classe F de p‐RIFLE. Nove (70%) dos 13 doentes falecidos no pós‐operatório pertenciam ao grupo com insuficiência renal (classe I ou classe F).
Fatores de risco para a ocorrência de insuficiência renalOs doentes que desenvolveram insuficiência renal no pós‐operatório eram mais jovens, mais leves e tinham um valor de creatinina sérica basal mais baixo (p<0,001). Scores de complexidade cirúrgica altos e tempo de bypass cardiopulmonar prolongado (p=0,001) estiveram associados de forma significativa à ocorrência de insuficiência renal nesta população. Pelo contrário, o tempo de clampagem aórtica não revelou uma associação significativa com a ocorrência de insuficiência renal (p=0,08) – Tabela 1.
Características das crianças submetidas a cirurgia cardíaca de acordo com a ocorrência de insuficiência renal
Sem IRA(n=285) | IRA(n=40) | p | |
---|---|---|---|
Idade à cirurgia (anos)Mediana (intervalo interquartis) | 3,9 (24,1) | 1,2 (14,1) | p<0,001 |
Sexo masculino, n (%) | 154 (88,5) | 20 (11,5) | – |
Sexo feminino, n (%) | 131 (86,8) | 20 (13,2) | |
Peso (kg)Mediana (intervalo interquartis) | 15,8 (74,4) | 7,2 (57,1) | p<0,001 |
CC cianótica, n (%) | 84 (80,8) | 20 (19,2) | p<0,001 |
Creatinina sérica pré‐operatória (mg/dL)Média±desvio padrão | 0,4±0,2 | 0,3±0,2 | p<0,001 |
Ureia sérica pré‐operatória (mg/dL)Média±desvio padrão | 29±12 | 25±9 | – |
TFG pré‐operatória (ml/min/1,73m2)Média±desvio padrão | 117,5±38,1 | 151,3±104,6 | p<0,01 |
Score complexidade cirúrgica, n (%) | |||
1 | 53 (100) | 0 (0) | p=0,004 |
2 | 151 (88,3) | 20 (11,7) | |
3 | 69 (81,2) | 16 (18,8) | |
4 | 12 (75) | 4 (25) | |
Tempo de bypass cardiopulmonar (min)Média±desvio padrão | 55±39 | 80±48 | p=0,001 |
Tempo de clampagem aórtica (min)Média±desvio padrão | 35±28 | 41±26 | – |
Score inotrópico, n (%) | |||
Alto (≥8) | 60 (71,4%) | 24 (28,6%) | p<0,001 |
Baixo (<8) | 225 (93,4%) | 16 (6,6%) |
CC: cardiopatia congenital; IRA: insuficiência renal aguda; TFG: taxa de filtração glomerular.
O risco de desenvolver IRA foi cerca de 6,6 vezes superior nos recém‐nascidos do que nas crianças com idade>13 anos (odds ratio [OR] 7,615; intervalo de confiança [IC] 95%=0,977‐59,370); cerca do dobro nos doentes com CC cianótica (OR 2,125; IC 95%=1,197‐3, 774) e cerca de 3,3 vezes superior em doentes com um score inotrópico alto (OR 4,304; IC 95%=2,405‐7,7).
Impacto prognósticoA ocorrência de IRA no pós‐operatório cardíaco associou‐se significativamente a um prolongamento do internamento na UCIC e da ventilação mecânica invasiva (p<0,01).
No grupo que não desenvolveu IRA, a duração mediana do internamento na UCIC foi de três dias [um; 36 dias]. Cinquenta e cinco doentes (19,3%) permaneceram sob ventilação mecânica invasiva por um período superior a 48h e registaram‐se quatro óbitos (1,4%).
Por outro lado, o grupo que desenvolveu IRA no pós‐operatório cardíaco teve uma duração mediana de internamento na UCI de 6,5 dias [um; 30 dias]. Vinte e um doentes (52,5%) permaneceram sob ventilação mecânica invasiva por um período superior a 48h e registaram‐se nove óbitos (22,5%).
De facto, a ocorrência de IRA resultou num risco de mortalidade cerca de 13,3 vezes superior dos doentes com lesão renal aguda (OR 14,285; IC 95%=3,97‐51,45).
Modelo de regressão logísticaUm total de 307 casos foram incluídos na análise de regressão logística; 18 casos (5,5% da amostra) foram excluídos por informação incompleta, uma vez que o modelo não admite missings.
O modelo completo (que incluiu como variáveis preditoras: idade em anos e os valores séricos de creatinina [mg/dL], ureia [mg/dL] e lactatos [mg/dL] registados no primeiro dia de pós‐operatório) previu de forma significativa a ocorrência de IRA no pós‐operatório cardíaco (omnibus chi‐square, p<0,001) – Tabela 2.
Variáveis preditoras na equação de regressão logística
Variáveis preditoras | B | p (Wald) | Odds ratio ajustado (IC 95%) |
---|---|---|---|
Creatinina sérica (mg/dL) | 3,173 | 0,003 | 23,885 (3,023–188,691) |
Ureia sérica (mg/dL) | 0,059 | <0,001 | 1,060 (1,030–1,091) |
Lactatos séricos (mg/dL) | 0,014 | 0,081 | 1,014 (0,998–1,030) |
Idade (anos) | −0,249 | <0,001 | 0,780 (0,686–0,886) |
Constante | −5,976 |
A robustez do modelo foi avaliada através do teste de Hosmer‐Lemeshow (H=4,25; df=8; p=0.834). O modelo mostrou refletir com acuidade a verdadeira ocorrência de IRA na nossa amostra, uma vez que o valor de p neste teste foi consideravelmente>0,05. A área sob a curva ROC foi de 0,909 (IC 95%=0,866‐0,951), significando que 90,9% das previsões do modelo foram corretas – Figura 1.
O modelo encontra‐se expresso na equação: logit (IRA)=EXP (–5,976+3,173*creatinina+0,059*ureia+0,014*lactatos–0,249*idade).
DiscussãoPadrões de insuficiência renalEste estudo corrobora a evidência atual e mostra que a IRA no pós‐operatório cardíaco é frequente, com uma incidência de 12,3% nesta amostra. A insuficiência renal ocorre muito precocemente no decurso do internamento na UCIC, mais frequentemente nos dois primeiros dias de pós‐operatório.
De facto, Zapitelli et al. demonstraram, numa coorte de crianças submetidas a cirurgia cardíaca, que a insuficiência renal era infrequente naqueles em que não se verificasse elevação da creatinina sérica nos dois primeiros dias de pós‐operatório (com valores preditivos negativos de 87% em D1 e 98% em D2 de pós‐operatório)3.
Este padrão epidemiológico difere daquele registado na população adulta7 e sugere a importância do reconhecimento precoce dos doentes suscetíveis.
No nosso estudo, a escolha do valor de creatinina no primeiro dia de pós‐operatório como variável preditora teve como objetivos a sua uniformização e a diminuição do impacto de fatores de confundimento relacionados com a terapêutica instituída após a cirurgia.
Por outro lado, achou‐se interessante desenvolver uma ferramenta de screening que permitisse identificar de forma precoce os doentes vulneráveis a lesão renal.
A análise dos fatores de risco pré‐operatórios demonstrou que as crianças mais jovens apresentam um superior risco de desenvolvimento de insuficiência renal. Este achado é facilmente justificado pelo facto da TFG máxima só ser atingida por volta dos dois anos de idade. Assim, crianças com idade inferior são mais suscetíveis às agressões isquémicas e inflamatórias decorrentes da cirurgia cardíaca2.
Na nossa amostra, o grupo que desenvolveu IRA apresentava uma creatinina sérica pré‐operatória mais baixa, provavelmente resultante da idade mais jovem, menor massa muscular e pior estado nutricional destas crianças.
A definição de insuficiência renal por nós usada apoia‐se na variação, relativamente ao valor basal, da TFG estimada. Apesar de ser uma definição globalmente aceite7, a creatinina tem limitações como biomarcador de insuficiência renal, sobretudo em crianças pequenas. Nesta coorte, o débito urinário não foi utilizado como critério de insuficiência renal por ser reconhecidamente influenciado por fatores intra e pós‐operatórios. Numa população pediátrica, Akcan‐Arikan et al. demonstraram que a classificação de insuficiência renal baseada na variação da TFG não se alterava substancialmente pela adição do critério de débito urinário7. Por outro lado, Mammen et al. mostraram que as variações da creatinina sérica são mais sensíveis do que o débito urinário na identificação de insuficiência renal inicial4.
A etiologia da insuficiência renal no contexto de bypass cardiopulmonar prende‐se com a hipoperfusão, a inflamação e a não pulsatilidade do fluxo renal, causadoras de vasocontrição e isquemia. Consistente com o exposto, este estudo revelou uma maior incidência de insuficiência renal em doentes com um score de complexidade cirúrgica mais elevado e um tempo de bypass mais prolongado. Apesar disto, mesmo doentes submetidos a cirurgia cardíaca sem circulação extracorporal partilham o risco aumentado de desenvolver IRA, sugerindo a existência de mecanismos patológicos alternativos11.
A ocorrência de IRA no pós‐operatório cardíaco associou‐se a um prolongamento do tempo de internamento na UCIC e da ventilação mecânica invasiva, sugerindo a relação com um maior consumo de recursos hospitalares e aumento dos custos. Por último, a IRA aumentou significativamente o risco de morte intra‐hospitalar.
Modelo de regressão logísticaA estratificação do risco de IRA pode apoiar‐se em variáveis clínicas e laboratoriais de fácil obtenção, sendo razoável admitir uma melhoraria no prognóstico destes doentes com uma intervenção clínica mais precoce.
De facto, o modelo de regressão logística demonstrou‐se robusto na predição do risco de IRA, com uma sensibilidade e especificidade máximas combinadas de 82,1 e 75,4%. Apesar do modelo ter validade interna, será necessário ser testado numa população distinta daquela a partir da qual foi desenvolvido, para comprovar a sua validade ecológica. Os nossos planos de investigação futura passam, assim, por uma validação prospetiva do modelo.
Limitações do estudoAs limitações deste estudo são inerentes ao seu desenho retrospetivo, o que faz com que as associações encontradas possam não ter necessariamente um nexo de causalidade. Por outro lado, os OR calculados representam apenas uma aproximação do real risco relativo – que apenas poderá ser calculado com metodologias prospetivas.
É por isto vital o estudo prospetivo dos fatores de risco potencialmente reversíveis da insuficiência renal no pós‐operatório cardíaco, de forma a ser viável uma avaliação mais precisa do risco e da causalidade para as variáveis independentes consideradas. Por outro lado, o facto de o estudo ser monocêntrico condiciona a inclusão de um número reduzido de doentes, nomeadamente de recém‐nascidos, o grupo mais suscetível ao desenvolvimento de lesão renal no pós‐operatório cardíaco. Tal reforça a importância do desenho de metodologias multicêntricas no estudo desta patologia.
ConclusãoNo pós‐operatório cardíaco a insuficiência renal é comum e determina um mau prognóstico, com aumento significativo do tempo de internamento, ventilação mecânica invasiva e mortalidade. A idade mais jovem e a elevação precoce da creatinina, ureia e lactatos séricos foram preditores robustos da ocorrência de insuficiência renal nesta população.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Os autores agradecem ao Dr. Tiago Costa e ao Centro de Investigação do Centro Hospitalar de Lisboa Central pela assistência na análise estatística dos dados.