O estresse oxidativo é uma provável via crítica na patogênese da pré‐eclâmpsia. Evidências têm sugerido que o consumo adequado de antioxidantes é capaz de modular essa condição. Assim, o objetivo da presente pesquisa foi avaliar a ingestão e o coeficiente de variabilidade de nutrientes antioxidantes por gestantes com pré‐eclâmpsia (GCP).
MétodosEstudo transversal realizado na rede pública de saúde do município de Maceió através de inquérito dietético, com aplicação de: recordatórios alimentares de 24 horas, com posteriores ajustes dos nutrientes pelo método da EAR como ponto de corte, e questionário de frequência de consumo de antioxidantes.
ResultadosForam estudadas 90 GCP e 90 gestantes sem pré‐eclâmpsia (GSP), com médias de idade de 25,8±6,7 anos e 24,1±6,2 anos (p=0,519), respectivamente. Foram observadas baixas médias de consumo de antioxidantes (vitamina A, selênio, zinco e cobre) para GCP e GSP, apesar do maior consumo de vitamina A (p=0,045) e selênio (p=0,008) pelas GSP. Adicionalmente, foram observados elevados coeficientes de variabilidade de consumo para ambos os grupos (GCP versus GSP, respectivamente); no entanto, maiores para as GCP de vitamina C (p<0,001), vitamina A (p=0,006) e cobre (p=0,005).
ConclusõesO consumo de nutrientes antioxidantes pelas GCP é inadequado, somado às elevadas variações diárias no seu consumo, resultado que revela a necessidade do desenvolvimento de estratégias de educação nutricional, no sentido de adequar a ingestão, pois a dieta é, sem dúvida, um fator essencial na modulação do estresse oxidativo causado pela condição de pré‐eclâmpsia.
Oxidative stress appears to play a critical role in the pathogenesis of preeclampsia. Evidence suggests that adequate intake of antioxidants can modulate this condition. The objective of this study was to assess the intake of antioxidant nutrients and coefficients of variation in pregnant women with preeclampsia.
MethodsIn a cross‐sectional study in the public health network of the city of Maceió, Brazil, a dietary survey was performed consisting of 24‐hour food recalls, with subsequent adjustment of nutrients using the estimated average requirement as the cutoff point, and a questionnaire on frequency of consumption of antioxidants.
ResultsWe studied 90 pregnant women with preeclampsia (PWP) and 90 pregnant women without preeclampsia (PWoP) with mean ages of 25.8±6.7 years and 24.1±6.2 years (p=0.519), respectively. A low mean intake of antioxidants (vitamin A, selenium, zinc and copper) was observed in both PWP and PWoP, although intakes of vitamin A (p=0.045) and selenium (p=0.008) were higher in PWoP. In addition, we observed high coefficients of variation in nutrient intakes in both groups, which were higher for vitamin C (p<0.001), vitamin A (p=0.006) and copper (p=0.005) in PWP.
ConclusionsConsumption of antioxidant nutrients by pregnant women with preeclampsia is inadequate, with considerable daily variations in intake, which points to a need for nutrition education strategies aimed at improving intakes, because diet is without doubt a key factor in the modulation of oxidative stress caused by preeclampsia.
A pré‐eclâmpsia atualmente representa a primeira causa de mortalidade materna no Brasil, acometendo cerca de 3‐17% das gestações. Somado a isso, devido a sua gravidade, é considerada uma das causas mais importantes de internamento em unidades de terapia intensiva (UTI)1–3, estando relacionada com o aumento do risco de eventos maternofetais adversos4.
A doença consiste em uma desordem metabólica caracterizada por elevação da pressão arterial, que se desenvolve após a 20.a semana de gestação, associada à excreção urinária de proteína superior a 0,3g/dia nas últimas 24 horas, o que leva à lesão endotelial, agregação plaquetária, ativação do sistema de coagulação, aumento da resistência vascular generalizada e estresse oxidativo1,5–7.
O estresse oxidativo é definido como a injúria celular ocasionada pela oxidação de macromoléculas ou outros constituintes celulares, resultado do aumento de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio (ERON), entre outras, e/ou diminuição da defesa antioxidante, constituindo uma via crítica na patogênese da pré‐eclâmpsia, fenômeno detectável através de biomarcadores de estresse oxidativo8.
As células apresentam múltiplos mecanismos de proteção contra o estresse oxidativo e obtêm sucesso na prevenção de danos celulares, na medida dessa efetividade antioxidante. O sistema antioxidante é classificado em enzimático e não enzimático, sendo esse último também conhecido como antioxidantes dietéticos, destacando‐se as vitaminas C, E e A, os oligoelementos zinco, selênio e cobre, os fitoquímicos, como os favonoides, entre outros9.
Conhecer a ingestão dietética de indivíduos não é tarefa fácil, pois as práticas alimentares estão mergulhadas nas dimensões simbólicas da vida social, envolvidas nos mais diversos significados, perpassando pelo âmbito cultural até as experiências individuais, conferindo a elas menos objetividade do que se espera ao abordá‐las por meio de métodos de investigação sobre consumo alimentar. No entanto, o inquérito dietético é uma ferramenta de grande valor para que se possa relacionar a alimentação à saúde e à doença10.
Sabendo‐se que os antioxidantes atuam na prevenção e na interceptação de ERON envolvidas na condição de estresse oxidativo, e que a pré‐eclâmpsia é caracterizada como uma condição onde há estresse oxidativo, o presente estudo tem como objetivo descrever a ingestão e o coeficiente de variabilidade de consumo de nutrientes antioxidantes por uma população de gestantes com pré‐eclâmpsia (GCP).
MetodologiaEstudo do tipo caso‐controle realizado no ano de 2014, na rede pública de saúde do município de Maceió, com GCP procedentes do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), centro de referência em gestações de alto risco no estado de Alagoas, e gestantes normotensas que realizavam pré‐natal em unidades básicas de saúde (UBS) do município. As gestantes não residentes no município, com incapacidade de locomoção, com problemas neurológicos, em estado grave e que não eram assistidas no HUPAA ou em UBS da capital, não foram incluídas no estudo.
O cálculo do tamanho da amostra foi realizado com o auxílio do programa Epi Info, versão 7.0, com base em uma prevalência de pré‐eclâmpsia de 17%11, considerando um nível de confiança de 90%, poder de 80% e razão de 1:1 (expostos e não expostos). O tamanho estimado da amostra foi de 178, dos quais 89 eram GCP e 89 gestantes sem pré‐eclâmpsia (GSP).
Foi aplicado questionário padronizado e previamente testado pelo grupo de pesquisa, incluindo dados socioeconômicos (renda, escolaridade e cor da pele referida), pessoais (história pessoal e familiar para pré‐eclâmpsia), antropométricos (peso pré‐gestacional, peso atual e altura) e dietéticos (recordatório alimentar de 24 horas [R24hs] e Questionário de Frequência de Consumo Alimentar [QFCA]).
A confirmação da presença da pré‐eclâmpsia foi feita em prontuário individualizado por meio de consulta aos pareceres médicos, sendo realizada pelo aparecimento de hipertensão arterial sistêmica (pressão arterial sistólica≥140mmHg e/ou pressão arterial diastólica≥90mmHg) e proteinúria (proteína urinária>300mg/24h) após a 20.a semana de gestação5.
Para avaliação antropométrica foram aferidas as variáveis de peso e altura com auxílio de balança digital da marca Filizola® e estadiômetro portátil, utilizados para o cálculo do índice de massa corporal (IMC), considerando os pontos de corte estabelecidos por Atalah Samur et al.12. Foram investigados também peso e IMC pré‐gestacional, bem como o ganho de peso durante a gravidez ajustado para a idade gestacional, esse último avaliado segundo as recomendações de meta ponderal estabelecidas pelo Instituto de Medicina (IOM)13.
Para a avaliação do consumo alimentar foram aplicados dois R24h, sendo o primeiro no momento da aplicação do questionário da pesquisa, e o segundo por telefone, feito duas semanas após a coleta inicial. Os recordatórios foram analisados por meio do sistema de avaliação e prescrição nutricional Avanutri 4.0®, com posteriores ajustes das calorias e dos nutrientes pelo método da Estimated Average Requirement (EAR) como ponto de corte14. A avaliação da adequação do consumo alimentar foi baseada nas recomendações existentes para pré‐eclâmpsia, no caso daqueles nutrientes que apresentavam recomendações específicas na doença5, e segundo a Dietary Reference Intakes (DRI)15 para os demais nutrientes. O consumo alimentar foi considerado adequado quando a frequência estabelecida pela média dos dois recordatórios alimentares coletados estava entre a EAR que corresponde a Ingestão Dietética de Referência e a Tolerable Upper Intake Level (UL), que é o limite superior tolerável de ingestão. Adicionalmente, para cada nutriente estudado, foi calculado o seu coeficiente de variabilidade de consumo alimentar, que representa a variabilidade de um determinado nutriente na dieta14.
Para avaliação do consumo específico de antioxidantes foi aplicado a cada voluntária do estudo o Questionário de Frequência Alimentar Semi‐Quantitativo (QFASQ), adaptado por Rohenkohl et al.16, estruturado em cinco grupos distintos: vitamina A, vitamina C, vitamina E, betacaroteno, selênio, flavonoides e coenzima Q‐10, onde nesse estudo foram considerados os alimentos fontes das vitaminas A e de seu precursor o betacaroteno, das vitaminas C e E e de selênio, pois foram os nutrientes antioxidantes estudados nas dietas. Em cada um dos grupos de alimentos, determinou‐se o consumo alimentar em frequência diária e semanal. A semanal foi subdividida em uma escala (0‐4), onde 0 corresponde a não consome nada; 1, menos de uma vez por semana; 2, de uma a duas vezes na semana; 3, de duas a três vezes na semana; e 4, mais do que cinco vezes na semana, onde essas frequências de consumo foram agrupadas em dois grandes grupos, sendo consumo frequente (>2 vezes na semana) e não consumo dos alimentos (≤2 vezes na semana). O QFASQ foi elaborado a partir de fontes alimentares com quantidades razoáveis destes nutrientes, mas que eram consumidos com frequência pela população, além de alimentos que continham esses antioxidantes caracterizados como principais fontes, com base em tabelas de composição de alimentos. O QFASQ foi aplicado individualmente, uma única vez. O consumo semanal foi avaliado selecionando primeiramente fontes alimentares mais ricas em antioxidantes. Foram consideradas: (1) fontes de vitamina A – manteiga, cenoura, óleo de peixe, queijo, fígado, ovos e leite; (2) fontes de vitamina C – pimentão, goiaba, kiwi, laranja, limão, couve, aspargo e acerola; (3) fontes de vitamina E – manteiga, gema de ovo, óleo de milho/girassol, maionese, avelã, amêndoa e gérmen de trigo; (4) fontes de betacaroteno – brócolis, damasco, papaia, manga, noz‐moscada, espinafre, tomate, batata‐doce, cenoura e vegetais verde‐escuros e alaranjados; e (5) fontes de selênio – castanha ou semente de girassol, fígado, ovos, frango, queijo, peixe e frutos do mar.
Os dados foram processados utilizando‐se o pacote estatístico Epi info versão 7.0. Foram utilizados os testes do qui‐quadrado e o teste T para comparação das frequências e médias, respectivamente, entre o consumo alimentar das GCP e GSP.
O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), sob processo de número 341.953.
ResultadosForam incluídas no estudo 90 GCP e 90 GSP, com médias de idade de 25,8±6,7 anos e 24,1±6,2 anos (p=0,519), respectivamente, e médias de idade gestacional no momento da entrevista de 30,1±8,3 semanas e 23,2±9,1 semanas, respectivamente.
Quanto às condições socioeconômicas do grupo estudado, GCP versus GSP: 17,8 versus 27,8% (p=0,096) tinham idade≤19 anos contra 8,9 versus 10,0% (0,592) com idade≥35 anos; 43,3 versus 45,5% (p=0,433) referiram escolaridade<4 anos de estudo e 30,0 versus 24,4% (p=407) eram de baixa renda (renda mensal<1 salário mínimo).
No que se refere ao estado nutricional, GCP versus GSP: 14,4 versus 17,7% (p=0,678) eram de baixo peso contra 40,1 versus 13,3% (p<0,001) obesas segundo o IMC gestacional, respectivamente; 45,5 versus 50,0% (p=0,705) tiveram ganho ponderal gestacional insuficiente contra 34,5 versus 16,7% (p=0,013) com ganho ponderal excessivo na gestação, respectivamente.
Quanto a presença de doenças, GCP versus GSP: 35,5 versus 0,0% delas eram portadoras de doenças crônicas (p<0,001), com 29/90 (32,2%) casos de hipertensão arterial crônica; 12/90 (13,3%) casos de diabetes e 1/90 (1,1%) caso de anemia falciforme. Já em relação aos antecedentes obstétricos (GCP versus GSP), 40,0 contra 42,2% (p=0,762) delas estavam na sua primeira gestação; 38,9 versus 1,1% (p<0,001) apresentavam história pessoal para pré‐eclâmpsia; 25,6 versus 22,2% (p=0,600) referiram aborto (s) em gestações anteriores, com apenas um caso de gestação múltipla passada relatada por uma gestante não hipertensa.
As médias de ingestão de nutrientes das gestantes estudadas encontram‐se na Tabela 1. Foram observadas médias de consumo abaixo das recomendações nutricionais para ambos os grupos estudados, GCP e GSP, de: calorias, vitamina A, e para os minerais selênio, zinco, cobre, magnésio, potássio e cálcio, apesar do maior consumo de vitamina A (p=0,045), selênio (p=0,008), magnésio (p=0,001) e cálcio (p=0,006) pelas GSP quando comparadas com GCP. Por outro lado, foram observadas médias de consumo adequadas para ambos os grupos de vitamina C, e para as GSP de proteína, vitamina E e sódio. Contrariamente, GCP apresentaram média de consumo desse último nutriente (sódio) acima das recomendações nutricionais.
Ingestão de nutrientes e coeficiente de variabilidade de consumo alimentar de gestantes com e sem pré‐eclâmpsia de Maceió, Alagoas, 2014
Variável | Recomendações nutricionais | Consumo (média±desvio‐padrão) | p* | Consumo adequado (%) | p** | Coeficiente de variabilidade (%) | p** | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
GCP (n=90) | GSP (n=90) | GCP (n=90) | GSP (n=90) | GCP (n=90) | GSP (n=90) | |||||
Calorias | 2220,9±9 | 1886,0±736,4 | 1844,0±463,7 | 0,948 | 47,8 | 14,4 | <0,001 | 17,4 | 16,1 | 0,137 |
Macronutrientes | ||||||||||
Proteína (g/Kg de peso corporal/dia) | GCP=≥2/GSP=1,1 | 1,2±0,5 | 1,1±0,6 | 0,002 | 4,4 | 18,9 | 0,003 | 16,1 | 16,1 | 0,810 |
Carboidrato (%) | 55‐75 | 58,8±5,6 | 59,0±9,0 | 0,050 | 84,4 | 76,7 | 0,187 | 21,5 | 21,6 | 0,269 |
Lipídio (%) | 15‐30 | 24,5±5,4 | 23,9±6,4 | 0,062 | 76,7 | 66,7 | 0,137 | 12,2 | 13,9 | 0,904 |
Micronutrientes | ||||||||||
Vitamina C (mg) | 70‐2000 | 176,5±290,6 | 189,6±287,7 | 0,681 | 46,7 | 46,7 | 1,000 | 426,7 | 70,7 | <0,001 |
Vitamina A (μg) | 550‐3000 | 430,7±277,5 | 548,6±1139,2 | 0,045 | 27,8 | 24,4 | 0,611 | 130,8 | 49,8 | 0,006 |
Vitamina E (mg) | 12‐1000 | 6,8±3,4 | 13,3±49,8 | 0,091 | 10,0 | 15,6 | 0,261 | 228,8 | 59,0 | 0,062 |
Selênio (μg) | 49‐400 | 37,4±18,6 | 40,1±31,9 | 0,008 | 17,8 | 23,3 | 0,356 | 68,2 | 45,6 | 0,067 |
Zinco (mg) | 9,5‐40 | 6,3±2,6 | 7,2±5,9 | 0,123 | 10,0 | 15,6 | 0,264 | 58,4 | 41,5 | 0,131 |
Cobre (mg) | 0,8‐1,0 | 0,7±0,5 | 0,7±0,6 | 0,640 | 0,0 | 0,0 | ___ | 64,2 | 45,5 | 0,005 |
Magnésio (mg) | 290‐350 | 124,8±46,1 | 126,7±68,6 | 0,001 | 0,0 | 1,1 | 0,316 | 39,1 | 50,2 | <0,001 |
Potássio (mg) | 4700 | 1071,3±347,9 | 1209,3±550,1 | 0,001 | 0,0 | 0,0 | ___ | 32,2 | 26,8 | 0,021 |
Cálcio (mg) | 1000‐2500 | 336,1±128,0 | 373,8±182,1 | 0,006 | 0,0 | 3,3 | 0,081 | 50,8 | 42,4 | 0,013 |
Sódio (mg) | GCP=800‐1200/GSP=1500‐2300 | 1242,2±663,8 | 1516,8±1072,9 | 0,007 | 15,6 | 24,4 | 0,136 | 114,2 | 33,0 | 0,001 |
GCP: gestantes com pré‐eclâmpsia; GSP: gestantes sem pré‐eclâmpsia.
Quanto às adequações de consumo de nutrientes, também vistas na Tabela 1, foram observados, para ambos os grupos, que os carboidratos (84,4 versus 76,7%, p=0,187) e os lipídios (76,7 versus 66,7%, p=0,137) foram os nutrientes cujas gestantes apresentaram maiores porcentagens de consumo adequado. Em contrapartida, as menores porcentagens de gestantes com consumo adequado foram atribuídas aos nutrientes, GSP versus GCP, respectivamente: potássio (0,0 versus 0,0%), cobre (0,0 versus 0,0%), magnésio (0,0 versus 1,1%, p=0,316) e cálcio (0,0 versus 3,3%, p=0,081), com as GCP apresentando menores porcentagens de adequação de consumo quando comparadas com aquelas GSP, respectivamente, de proteína (4,4 versus 18,9%, p=0,003), e maior adequação de consumo de calorias (47,8 versus 14,4%, p<0,001), apesar de também terem sido nutrientes com baixas porcentagens de gestantes com consumo adequado.
Quanto a variação de consumo de nutrientes, medida pelo coeficiente de variabilidade, observaram‐se elevadas variações de consumo para ambos os grupos (GCP versus GSP, respectivamente); no entanto, maiores para as GCP de: vitamina C (426,7 versus 70,7%, p<0,001), vitamina A (130,85 versus 49,8%, p=0,006), cobre (64,2 versus 45,5%, p=0,005), cálcio (50,8 versus 42,4%, p=0,013) e sódio (114,2 versus 33,0%, p=0,001), apesar da menor variação no consumo de magnésio das GCP (39,1 versus 50,2%, p=0,001).
Por fim, a Tabela 2 apresenta a porcentagem de gestantes com consumo frequente de alimentos fontes de antioxidantes, onde maiores frequências de consumo frequente foram atribuídas, sem diferença significativa entre GCP versus GSP, a: fontes de vitamina A – leite (91,1 versus 93,3%, p=0,578), ovos (83,3 versus 86,7%, p=0,531) e manteiga (81,1 versus 78,9%, p=0,709); fontes de vitamina C – goiaba (100,0 versus 100,0%, p=1,000), acerola (78,9 versus 80,0%, p=0,854) e laranja (78,9 versus 78,9%, p=1,000); fontes de vitamina E – manteiga (81,1 versus 78,9%, p=0,709), gema de ovo (47,8 versus 60,0%, p=0,100) e maionese (18,9 versus 14,4%, p=0,424); fontes de betacaroteno – tomate (77,8 versus 76,7, p=0,859), manga (70,0 versus 81,1%, p=0,083) e vegetais verde‐escuros e alaranjados (70,0 versus 76,7%, p=0,312); e fontes de selênio – frango (86,7 versus 87,8%, p=0,823), ovos (83,3 versus 86,7%, p=0,531) e peixes (67,8 versus 55,6%, p=0,092).
Gestantes com e sem pré‐eclâmpsia (%), com consumo frequente de alimentos fontes de antioxidantes. Maceió, Alagoas, 2014
Alimento | GCP (n=90) | GSP (n=90) | p* |
---|---|---|---|
Fontes de vitamina A | |||
Cenoura | 66,7 | 63,3 | 0,565 |
Óleo de peixe | 0,0 | 0,0 | ___ |
Manteiga | 81,1 | 78,9 | 0,709 |
Queijo | 57,8 | 43,3 | 0,053 |
Fígado | 53,3 | 43,3 | 0,179 |
Ovos | 83,3 | 86,7 | 0,531 |
Leite | 91,1 | 93,3 | 0,578 |
Fontes de vitamina C | |||
Pimentão | 77,8 | 74,4 | 0,600 |
Goiaba | 100,0 | 100,0 | 1,000 |
Kiwi | 4,4 | 2,2 | 0,414 |
Laranja | 78,9 | 78,9 | 1,000 |
Limão | 26,7 | 27,8 | 0,867 |
Couve | 25,6 | 22,2 | 0,600 |
Aspargo | 0,0 | 0,0 | ___ |
Acerola | 78,9 | 80,0 | 0,854 |
Fontes de vitamina E | |||
Manteiga | 81,1 | 78,9 | 0,709 |
Gema de ovo | 47,8 | 60,0 | 0,100 |
Óleos de milho e girassol | 0,0 | 0,0 | ___ |
Maionese | 18,9 | 14,4 | 0,424 |
Avelã | 0,0 | 0,0 | ___ |
Amêndoa | 0,0 | 0,0 | ___ |
Gérmen de trigo | 0,0 | 0,0 | ___ |
Fontes de betacaroteno | |||
Brócolis | 11,1 | 7,8 | 0,445 |
Damasco | 0,0 | 0,0 | ___ |
Papaia | 46,7 | 57,8 | 0,136 |
Manga | 70,0 | 81,1 | 0,083 |
Noz moscada | 0,0 | 0,0 | ___ |
Espinafre | 0,0 | 0,0 | ___ |
Tomate | 77,8 | 76,7 | 0,859 |
Batata‐doce | 66,7 | 55,6 | 0,126 |
Cenoura | 66,7 | 63,3 | 0,565 |
Vegetais verde‐escuros e alaranjados | 70,0 | 76,7 | 0,312 |
Fontes de selênio | |||
Castanha ou semente de girassol | 8,9 | 7,8 | 0,787 |
Fígado | 53,3 | 43,3 | 0,179 |
Ovos | 83,3 | 86,7 | 0,531 |
Frango | 86,7 | 87,8 | 0,823 |
Queijo | 57,8 | 43,3 | 0,053 |
Peixe | 67,8 | 55,6 | 0,092 |
Frutos do mar | 17,8 | 15,6 | 0,689 |
GCP: gestantes com pré‐eclâmpsia; GSP: gestantes sem pré‐eclâmpsia.
É sabido que a intervenção nutricional é de extrema importância na pré‐eclâmpsia, pois pode contribuir para um bom prognóstico da doença, especialmente aqueles nutrientes que apresentam ação antioxidante, devido a provável relação entre a doença e o aumento do estresse oxidativo8.
Como pode ser observado, o grupo estudado apresenta condições socioeconômicas desfavoráveis, característico de populações assistidas pela rede pública de saúde17. Estudos têm mostrado que, em populações menos favorecidas, normalmente existe uma menor disponibilidade de alimentos nutricionalmente adequados e seguros, devido à baixa capacidade para aquisição dos mesmos18. Isto pode justificar nessa pesquisa a pouca diversidade de consumo dos principais grupos alimentares, comprovada pelas baixas médias de consumo e elevadas porcentagens de inadequações para a maioria dos nutrientes estudados, vistas em geral de forma independente da condição de pré‐eclâmpsia, no entanto, para alguns nutrientes, mais fortemente naquelas GCP (Tabela 1).
Dentre o consumo das vitaminas antioxidantes pelas GCP, foram observadas médias de consumo abaixo das recomendações, com elevados coeficientes de variabilidade e baixas adequações de consumo para as vitaminas A e E. Esse fato é de extrema preocupação, pois além do baixo consumo dessas vitaminas, as elevadas porcentagens de variação diária de consumo mostram uma alta variação sobre a adequação do consumo individual desses nutrientes nesse grupo estudado14. Adicionalmente, os alimentos mais consumidos fontes de vitamina E, independente da presença da pré‐eclâmpsia, foram: a manteiga, a gema de ovo e a maionese; e de vitamina A, o leite, o ovo e a manteiga, sendo a manteiga, o leite e a maionese alimentos que também apresentam elevadas quantidades de gorduras saturadas e trans, que apresentam potencial aterogênico19. Por outro lado, nesse estudo, observou‐se um consumo mais frequente de manga, tomate e vegetais verde‐escuros e alaranjados pelas gestantes estudadas (GCP e GSP) como fontes naturais de betacaroteno, que além de apresentar atividade antioxidante20 é considerando precursor de vitamina A no organismo humano21.
Diferentemente, observou‐se média de consumo dentro das recomendações para a vitamina C, apesar da baixa porcentagem de gestantes com consumo adequado e do alto coeficiente de variabilidade, inclusive este último bem maior quando comparado com as GSP (426,721 70,7%, p<0,001). O consumo médio adequado da ingestão dessa vitamina pelas gestantes estudadas pode ser explicado, pois geralmente a recomendação de vitamina C é facilmente alcançada quando o consumo de uma fruta fonte desse nutriente faz parte da ingestão habitual, sendo confirmada por análise qualitativa e quantitativa das dietas estudadas, que mostraram o consumo frequente de algumas frutas ricas nessa vitamina e comuns na região, como a goiaba, a acerola e a laranja. No entanto, foi encontrado para essa vitamina um coeficiente de variabilidade bastante elevado, sugerindo que a ingestão do grupo teve uma grande variação, pois quanto maior for esse coeficiente, maiores serão as variações de valores possíveis para a recomendação individual do nutriente e, portanto, maior a incerteza sobre a adequação da recomendação individual14.
Existe um interesse considerável na investigação da suplementação com antioxidantes na pré‐eclâmpsia, em especial o uso das vitaminas C e E como uma estratégia potencial para a prevenção e controle da doença. No entanto, os resultados dos estudos são contraditórios, portanto, recomenda‐se que gestantes portadoras da doença consumam estes nutrientes dentro do contexto de uma alimentação saudável22. Adicionalmente, resultados de uma recente revisão sistemática sugerem um efeito benéfico de uma dieta rica em frutas e legumes sobre a pré‐eclâmpsia23, já que esses alimentos são fontes naturais de antioxidantes, reforçando a hipótese da importância da alimentação balanceada e equilibrada no contexto da doença.
No presente estudo também houve elevadas inadequações de consumo de selênio, zinco e cobre com elevadas variações de consumo diário, com a média de consumo de selênio ainda menor nas GCP (p=0,008). Dentre os alimentos fontes do mineral consumidos pelas gestantes estudadas, destaque para o frango, o ovo e os peixes. Esses minerais atuam como antioxidantes por serem componentes‐chave de enzimas antioxidantes, como a glutationa peroxidase (GPx), que é dependente de selênio, e a superóxido dismutase (SOD), que é dependente de cobre e zinco (SOD‐Cu/Zn)9. Em um estudo caso controle, que teve como objetivo avaliar os níveis de zinco, cobre e selênio e das enzimas GPx e SOD em sangue do cordão umbilical de mães com pré‐eclâmpsia, quando comparadas com aquelas normotensas, foram observados níveis reduzidos desses elementos associados com quantidades inadequadas dessas enzimas antioxidantes24, reforçando a importância do consumo adequado desses oligoelementos na prevenção das complicações da doença e da relação dos mesmos com o adequado funcionamento dessas enzimas antioxidantes.
Além dos antioxidantes citados, outros nutrientes estudados nessa pesquisa também são fundamentais para o controle da pré‐eclâmpsia e, por isso, também merecem destaque, como o magnésio, o potássio e o cálcio22, onde independentemente da presença da pré‐eclâmpsia, as gestantes estudadas apresentaram baixas médias de consumo desses nutrientes, no entanto, sendo ainda menores naquelas GCP. Somado a isso, nenhuma GCP apresentou consumo adequado desses nutrientes, e ainda foram observadas maiores variações de consumo de cálcio (50,8 versus 42,4%, p=0,013) e potássio (33,3 versus 26,8%, p=0,021) pelas GCP.
Xu et al.25, avaliando mulheres com pré‐eclâmpsia, encontraram um baixo consumo alimentar de magnésio, corroborando com os achados dessa pesquisa. A suplementação de magnésio também tem sido recomendada para prevenir e tratar a pré‐eclâmpsia e eclâmpsia com alguma eficácia. Estudos que avaliaram os níveis de magnésio em gestantes saudáveis e gestantes com a doença demonstraram que existem diferenças importantes na homeostase desse mineral em gestações normais e aquelas complicadas por pré‐eclâmpsia, sugerindo que o magnésio pode ter um papel relevante para a prevenção e/ou tratamento da síndrome hipertensiva. Um possível mecanismo, que pode explicar sua relação com a melhora do quadro clínico da doença, é provavelmente sua atuação como agente anti‐inflamatório, uma vez que estudos demonstram que o magnésio diminui a produção de citocinas inflamatórias, que é uma característica da fisiopatologia da pré‐eclâmpsia e eclâmpsia. Outros estudos apontam que o mineral pode reduzir a pressão arterial alterando a síntese de óxido nítrico, e tem sido sugerido que a ingestão diminuída de magnésio pode diminuir a proporção de prostaciclina e tromboxano, e, assim, influenciar na pré‐eclâmpsia. No entanto, apesar de alguns estudos mostrarem efeitos benéficos da suplementação de magnésio durante a gravidez, estudos adicionais são necessários antes que recomendações gerais de suplementação de magnésio possam ser justificadas26,27.
O papel do cálcio na etiologia da pré‐eclâmpsia foi evidenciado por estudos epidemiológicos que demonstraram associação entre baixa ingestão desse nutriente e alta prevalência da doença. A suplementação de cálcio com 2g/dia esteve associada a menor risco de pré‐eclâmpsia e redução dos valores pressóricos em gestantes hipertensas. Em conjunto com outros íons (sódio, magnésio e potássio), o cálcio participa da manutenção da pressão sanguínea normal. Tanto para a prevenção quanto para o tratamento da doença, a suplementação de cálcio deve ser avaliada pelo profissional, levando em consideração a relação custo/benefício, a biodisponibilidade dessa suplementação e a própria ingestão alimentar pela gestante desse nutriente28,29.
Chama a atenção nesse estudo a baixa porcentagem de GCP (15,6%) com consumo de sódio dentro das recomendações estabelecidas para portadoras da doença, somada a elevada variação no seu consumo por essas gestantes, quando comparadas com aquelas normotensas (114,2 versus 33,0%, p=0,001) onde a base do controle dietético na pré‐eclâmpsia consiste no controle do consumo desse eletrólito5,22. Apesar de ser um nutriente indispensável para o controle do fluído extracelular, na pré‐eclâmpsia contribui para a redução da taxa de filtração glomerular, aumento da sensibilidade à angiotensina, e apresenta ação vasoconstritora e redutora do volume natriurético atrial5,22,23.
Em relação ao consumo proteico, nesse estudo, apesar da maior média de seu consumo pelas GCP (1,2±0,5 versus 1,1±0,6, p=0,002) observou‐se uma menor porcentagem de GCP com consumo adequado quando comparadas as GSP (4,4 versus 18,9%, p=0,002), podendo ser reflexo da utilização do ponto de corte específico para recomendação de dieta hiperproteica (≥2g/Kg de peso corporal/dia) na doença, que visa à correção da hipoproteinemia e o adequado desenvolvimento fetal22. A dieta hiperproteica, com porcentagem elevada de proteína de alto valor biológico, tem por objetivo facilitar a síntese endógena de albumina, proteína responsável pelo equilíbrio hídrico entre os compartimentos celulares. Acredita‐se que o efeito dos níveis normais de albumina na pré‐eclâmpsia é mais eficaz na redução do edema e, consequentemente, na diminuição da pressão arterial do que a restrição de sódio. A dieta hiperproteica também é recomendada por desempenhar funções essenciais na gestação, além do equilíbrio hidroeletrolítico, como o transporte de lipídeos e a síntese tecidual22,23.
Dentre as limitações desse estudo, destaca‐se a impossibilidade de aplicação de mais de dois R24hs por gestante estudada, apesar de ser o mínimo recomendado14, bem como o tipo de estudo, transversal, o que impossibilita o estabelecimento de relações causais entre a pré‐eclâmpsia e os fatores nutricionais estudados.
ConclusãoO consumo de nutrientes antioxidantes pelas GCP é inadequado, somado as elevadas variações diárias no seu consumo, resultado que revela a necessidade do desenvolvimento de estratégias de educação nutricional, no sentido de adequar a ingestão alimentar, pois a dieta é, sem dúvida, um fator de grande importância na modulação do estresse oxidativo característico da doença.
Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animaisOs autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.