A síncope recorrente tem um impacto significativo na qualidade de vida. O desenvolvimento de escalas de medida de fácil aplicabilidade clínica para avaliar este impacto é fundamental. O objetivo do presente estudo é a validação preliminar da escala Impact of Syncope on Quality of Life, para a população portuguesa.
MétodosO instrumento foi submetido a um processo de tradução, validação, adequação cultural e cognitive debriefing. Participaram 39 doentes com história de síncopes recorrentes (>1ano de evolução), submetidos a teste de inclinação em mesa basculante (teste de tilt), que constitui uma amostra de conveniência, com idade de 52,1±16,4 anos (21‐83; 43,5% do sexo masculino), a maioria com uma situação profissional ativa (n=18) ou reformados (n=13). A versão portuguesa resultou numa versão semelhante unidimensional à original com 12 itens agregados num único somatório, tendo passado por validação estatística, com avaliação da fidelidade, validade e estabilidade no tempo.
ResultadosEm relação à fidelidade, a consistência interna da escala é de 0,9. Avaliámos a validade convergente, tendo obtido resultados estatisticamente significativos (p<0,01). Avaliámos a validade divergente tendo obtido resultados estatisticamente significativos. Relativamente à estabilidade no tempo foi efetuado um teste‐reteste do instrumento aos seis meses após o teste de inclinação com 22 doentes desta amostra não submetidos a intervenção clínica, que não mostrou alterações estatisticamente significativas da qualidade de vida.
ConclusõesOs resultados obtidos indicam a pertinência da utilização deste instrumento em contexto português na avaliação da qualidade de vida de doentes com síncope recorrente.
Recurrent syncope has a significant impact on quality of life. The development of measurement scales to assess this impact that are easy to use in clinical settings is crucial. The objective of the present study is a preliminary validation of the Impact of Syncope on Quality of Life questionnaire for the Portuguese population.
MethodsThe instrument underwent a process of translation, validation, analysis of cultural appropriateness and cognitive debriefing. A population of 39 patients with a history of recurrent syncope (>1 year) who underwent tilt testing, aged 52.1±16.4 years (21–83), 43.5% male, most in active employment (n=18) or retired (n=13), constituted a convenience sample. The resulting Portuguese version is similar to the original, with 12 items in a single aggregate score, and underwent statistical validation, with assessment of reliability, validity and stability over time.
ResultsWith regard to reliability, the internal consistency of the scale is 0.9. Assessment of convergent and discriminant validity showed statistically significant results (p<0.01). Regarding stability over time, a test‐retest of this instrument at six months after tilt testing with 22 patients of the sample who had not undergone any clinical intervention found no statistically significant changes in quality of life.
ConclusionsThe results indicate that this instrument is of value for assessing quality of life in patients with recurrent syncope in Portugal.
Segundo a Sociedade Europeia de Cardiologia, a síncope define‐se por uma perda de consciência momentânea devida a uma hipoperfusão cerebral global transitória caracterizada por uma instalação rápida, de curta duração, e por uma recuperação espontânea total1. Ainda segundo a mesma fonte, em algumas formas pode haver pródromos, isto é, sintomas como vertigens, náuseas, transpiração, fraqueza e perturbações visuais, entre outros, que precedem a mesma. O seu diagnóstico é elaborado mediante uma avaliação inicial e testes de diagnóstico onde se inclui o teste de Tilt. A síncope tem uma prevalência elevada na população em geral, ocorrendo os primeiros desmaios entre os 10 e os 30 anos, a maioria em mulheres2,3. As causas são diversas, sendo as mais comuns atribuídas a síncope reflexa (neuromediada), a hipotensão ortostática e de etiologia cardíaca4. Relativamente ao prognóstico, temos a considerar o risco de morte e a necessidade de prevenir eventos que ameacem a vida, a recorrência da síncope e o risco de lesão física1. A recorrência da síncope tem um grande impacto na qualidade de vida. O dano funcional é comparável com doenças crónicas como a artrite reumatoide, dores lombares e distúrbios do foro psiquiátrico5,6. Assim, o desenvolvimento de escalas de medida de fácil aplicabilidade clínica para avaliar este impacto é fundamental, para além do seu uso como instrumento de análise do outcome dos diversos tratamentos. Esta avaliação compreende medidas genéricas (aplicáveis a patologias diversificadas, cobrindo vários domínios da qualidade de vida) e específicas (permitem avaliar os domínios clínicos significativos para a síncope e identificar mudanças nos sintomas). O instrumento mais utilizado para avaliar a qualidade de vida na síncope é um instrumento generalista, o Medical Outcomes Study 36‐item short form health survey (SF‐36), que não permite avaliar os domínios clínicos significativos para a síncope. Outro instrumento generalista frequentemente encontrado para avaliar a qualidade de vida na síncope é o EuroQol EQ‐5D que tal como todos os instrumentos genéricos não mede as restrições no estilo de vida do doente e consequente apreensão deste na realização de certas atividades como conduzir7. Surge então a necessidade de instrumentos que meçam o impacto da síncope nas atividades da vida diária (medidas específicas). Um candidato é o Syncope Functional Status Health Questionnaire (SFSQ)8. No entanto, recentemente Van Dijk et al.9 vieram dizer que, embora este instrumento apresente uma consistência interna elevada, a validade externa é moderada e tem efeito de base amplo, referindo que estas limitações podem ser devido ao facto de a escolha dos itens para esta medida terem sido baseados em julgamentos dos clínicos. Também é importante referir a escassez de instrumentos específicos para avaliar a síncope. Como resultado, em 2009, foi desenvolvida uma escala específica para avaliar o impacto da síncope na qualidade de vida, a Impact of syncope on quality of life (ISQL), baseada no julgamento dos doentes7, ainda não traduzida para português, motivos pelo qual escolhemos este instrumento para validar para a população portuguesa. De facto, com a atual tendência à internacionalização dos ensaios farmacológicos e à comparação entre países dos resultados das intervenções clínicas, criou‐se uma necessidade de instrumentos traduzidos10. Contudo, e dado que estes instrumentos avaliam domínios que refletem a cultura, contendo expressões típicas, a sua aplicação direta em diferentes países afetará os resultados e a sua interpretação, impondo‐se uma validação transcultural. O objetivo deste estudo é a validação preliminar da escala ISQL para a população portuguesa.
MétodosPopulaçãoAmostra consecutiva de 39 doentes com história de síncopes recorrentes (>1ano de evolução), submetidos a teste de tilt. Demência, incapacidade de se expressar e ausência de vontade de participar neste estudo foram critérios de exclusão. A idade média era de 52,1±16,4 anos (21‐83), sendo 56,4% do sexo feminino e 43,6% do sexo masculino, e 69,2% casados, a maioria com uma situação profissional ativa (n=18) ou reformados (n=13) (Tabela 1).
Características gerais da amostra
Características da amostra | Tipologia | % |
---|---|---|
Estado civil | Solteiro/a | 15,4 |
Casado/a | 69,2 | |
Divorciado/a | 7,7 | |
Viúvo/a | 7,7 | |
Situação profissional | Ativo/a | 46,2 |
Desempregado/a | 17,9 | |
Reformado/a | 33,3 | |
Estudante | 2,6 | |
Sequelas da síncope recorrente | Traumatismo | 27,5 |
Fratura | 5,0 | |
Acidente | 2,5 | |
Não | 65 |
Foi utilizado um subgrupo desta amostra com 22 doentes, com características idênticas à da amostra global, que foram avaliados ao 6.° mês após o teste de inclinação, sem que tenham sido submetidos a intervenção terapêutica específica para o tratamento da síncope e que mantiveram sintomatologia recorrente. A idade média deste grupo era de 52,8±16,2 anos (entre 29‐78), sendo 63,6% do sexo feminino e 36,4% do sexo masculino.
MaterialEm 2009 foi desenvolvido um novo instrumento específico para avaliar o impacto da síncope na qualidade de vida por Rose et al., a ISQL. A versão original da ISQL é constituída por 12 itens agrupados numa dimensão, baseados na perceção do paciente acerca da sua condição clínica nas últimas quatro semanas, avaliando a interferência da síncope na vida do doente, medo, depressão e limitação física num único score, constituindo uma medida específica breve, ideal para ser utilizada em contexto clínico7. Aos participantes no estudo foi pedido que respondessem às 12 questões utilizando para o efeito escalas de Likert11.
ProcedimentoNo presente estudo foi testada a validade transcultural da ISQL com uma amostra portuguesa. O instrumento foi submetido a um processo de tradução, revisão da tradução, discussão da validade de conteúdo e validade conceptual, verificação da complexidade das questões e da adequação cultural, cognitive debriefing e revisão geral da escala: numa primeira fase o instrumento passou por processos de tradução e retrotradução, realizados por dois profissionais de saúde bilingues, independentes, de que resultou uma versão portuguesa. Esta foi avaliada pelos autores no sentido da clareza dos enunciados, após o que foi elaborado um formulário destinado ao corpo de juízes, que incluiu os itens na sua versão portuguesa. O corpo de juízes, constituído por dois cardiologistas e dois psicólogos clínicos, verificou a sua adequação à população com síncope. Os resultados foram analisados, observando‐se o número de concordâncias/discordâncias do corpo de juízes, reformulando‐se a versão com as sugestões que se entenderam pertinentes. Surgiu assim a versão piloto, que foi aplicada a um grupo de dez indivíduos (de ambos os sexos e de vários escalões etários), com características semelhantes à população‐alvo, no sentido de verificar se o questionário era de fácil compreensão para a população em causa. Verificou‐se não ser relevante efetuar novos acertos na redação de qualquer item, tendo, de um modo geral, o instrumento sido considerado interessante e acessível pelos participantes. Desta forma, a versão final do instrumento pode ser considerada clara e compreensível. Ficou então elaborada a versão portuguesa da escala ISQL (anexo 1). A versão portuguesa resultou numa versão unidimensional semelhante à original com 12 itens agregados num único somatório, tendo passado por validação estatística, com avaliação da fidelidade, validade e estabilidade no tempo. Foram contactados doentes com história de síncopes recorrentes (>1 ano de evolução), após serem submetidos a teste de inclinação no Hospital de Santa Marta, tendo acedido a participar num primeiro momento um total de 39 doentes, que completaram o questionário. Destes, 22 doentes completaram o questionário uma segunda vez, seis meses após o teste de inclinação, não tendo sido submetidos a nenhuma terapêutica específica para a síncope neste período.
Análise estatísticaOs dados recolhidos foram reunidos, constituindo uma amostra única. Na descrição da população e para as medidas em escala nominal (sexo, estado civil, situação profissional e sequelas da síncope recorrente) recorreu‐se a estatística descritiva usando a frequência. Para as medidas contínuas (idade, número de síncopes), recorreu‐se a estatística descritiva usando medidas de tendência central (média), medidas de dispersão (desvio‐padrão), máximo e mínimo. Na avaliação das propriedades psicométricas recorreu‐se ao teste Alpha de Cronbach para medir a fidelidade do questionário. Para aferir a validade recorreu‐se aos seguintes testes estatísticos: correlação de Pearson para a validade convergente (correlação entre a ISQL e a avaliação da perceção da saúde do SF‐36 e com a escala visual numérica do MSQOL‐54) e ANOVA para a validade divergente (comparação da ISQL com a idade e o estado civil). Para avaliar a estabilidade no tempo recorreu‐se à correlação teste‐reteste aos seis meses. A análise estatística recorreu ao programa SPSS (versão 17).
ResultadosA análise das propriedades psicométricas do instrumento incidiu sobre a fidelidade, validade e estabilidade no tempo.
Em relação à fidelidade, a consistência interna da escala é de 0,9.
Avaliámos a validade convergente relacionando a ISQL com um item de avaliação da perceção da saúde do SF‐36 e com a escala visual numérica do MSQOL‐54, usadas como escala de medida da qualidade de vida, tendo obtido correlações estatisticamente significativas entre a ISQL e o item do SF‐36 (r[39]=0,45; p<0,01), e entre a ISQL e a escala visual numérica do MSQOL‐54 [r(39]=–0,44; p<0,01).
Avaliámos a validade divergente comparando a ISQL com a idade e estado civil, não tendo obtido resultados estatisticamente significativos.
Relativamente à estabilidade no tempo, foi efetuada uma correlação teste‐reteste da ISQL aos seis meses após o teste de inclinação com 22 doentes desta amostra não submetidos a intervenção clínica, obtendo uma correlação estatisticamente significativa (r[22]=0,46; p<0,05).
DiscussãoOs resultados obtidos pela avaliação das propriedades psicométricas deste estudo de validação sugerem que a versão portuguesa, à semelhança da escala original, parece ser um instrumento válido e fiável para a avaliação da qualidade de vida e o grau de limitação resultante da síncope recorrente. No presente trabalho, a ISQL revelou‐se um instrumento simples de aplicar.
A fidelidade é indiscutível dado o elevado valor obtido na consistência interna deste instrumento. Esta propriedade não foi avaliada pelo estudo original, tendo sido apontada como uma limitação do mesmo7.
A validade convergente medida pela relação da ISQL com dois itens de medida da qualidade de vida foi estatisticamente significativa, comprovando a avaliação da qualidade de vida por este instrumento, à semelhança do estudo original7.
A validade divergente medida pela comparação entre a ISQL e duas variáveis da caracterização da amostra não foi estatisticamente significativa, tal como no estudo original7, reforçando a orientação deste instrumento de avaliação para outras variáveis, como a presente na validade convergente, ou seja, validando o impacto da síncope recorrente na qualidade de vida.
Comprovámos ser uma medida estável no tempo ao apresentar uma correlação moderada da qualidade de vida num período de seis meses após o teste de inclinação em pacientes estáveis (não sujeitos a intervenção clínica durante este período). A ausência desta avaliação que aqui apresentamos foi apontada como limitação do estudo original7.
Tal como os autores do estudo original, reforçamos a necessidade de avaliar a sensibilidade à alteração da condição clínica com um grupo submetido a intervenção clínica durante o follow‐up7, dada ser essa uma das utilidades deste tipo de medidas que abrangem a perceção do doente acerca do seu estado de saúde, permitindo em contexto clínico quantificar de forma direta os benefícios percebidos pelos doentes em relação às intervenções a que são sujeitos, eliminando a variabilidade interobservador.
Outras limitações do presente estudo prendem‐se com o reduzido número de elementos da amostra por acontecimentos alheios aos autores e o facto de aos seis meses após o teste de inclinação apenas 22 indivíduos terem acedido a preencher novamente a escala. De referir também a não quantificação de episódios sincopais nas quatros semanas prévias à aplicação da escala (framing temporal considerado neste) tanto aquando do teste de inclinação como seis meses após este, apesar da ausência de intervenção terapêutica e consequente manutenção da sintomatologia.
Seria interessante a tradução deste instrumento por outros países de forma a permitir estudos multiculturais e a sua aplicação a um número elevado de doentes com síncope de forma a reforçar o poder estatístico das suas propriedades psicométricas.
ConclusõesApós esta reflexão e dados os resultados apresentados no presente estudo, concluímos da pertinência da utilização da ISQL em contexto português na avaliação da qualidade de vida de doentes com síncope recorrente.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
As seguintes perguntas referem‐se às dificuldades que tem sentido em consequência dos desmaios e tonturas. Por favor responda a cada pergunta assinalando com um X uma das caixas. Se estiver com dúvidas sobre como responder, é favor procurar a melhor resposta possível.
Como resultado dos desmaios e das tonturas, com que frequência no último mês | Sempre | Quase sempre | A maior parte do tempo | Algumas vezes | Poucas vezes | Nunca |
---|---|---|---|---|---|---|
se sentiu cansado e esgotado? | □ | □ | □ | □ | □ | □ |
se sentiu frustrado? | □ | □ | □ | □ | □ | □ |
se sentiu limitado no tipo de trabalho que exerce? | □ | □ | □ | □ | □ | □ |
se tem preocupado em desmaiar? | □ | □ | □ | □ | □ | □ |
tem sentido medo de desmaiar? | □ | □ | □ | □ | □ | □ |
os desmaios e as tonturas têm interferido na capacidade de fazer atividades físicas mais intensas (exercício, corrida, bicicleta e desportos)? | □ | □ | □ | □ | □ | □ |
Pense no último mês e indique o quanto concorda com as seguintes afirmações: | Concordo | Concordo mais ou menos | Nem concordo nem discordo | Discordo mais ou menos | Discordo |
---|---|---|---|---|---|
Em consequência dos desmaios, realizo menos do que queria. | □ | □ | □ | □ | □ |
Ninguém percebe o efeito que os desmaios têm na minha vida. | □ | □ | □ | □ | □ |
Os desmaios deixam‐me confuso. | □ | □ | □ | □ | □ |
Pense no último mês e indique com que frequência tem evitado | Sempre | Quase sempre | A maior parte do tempo | Às vezes | Poucas vezes | Nunca |
---|---|---|---|---|---|---|
conduzir um veículo | □ | □ | □ | □ | □ | □ |
ficar em pé durante longos períodos de tempo (por exemplo mais que 5 minutos) com receio de desmaiar. | □ | □ | □ | □ | □ | □ |
estar em ambientes quentes ou abafados com receio de desmaiar. | □ | □ | □ | □ | □ | □ |