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Vol. 33. Núm. 7 - 8.
Páginas 431-437 (julho - agosto 2014)
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Vol. 33. Núm. 7 - 8.
Páginas 431-437 (julho - agosto 2014)
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Impacto da frequência posológica na adesão terapêutica em doenças cardiovasculares crónicas: revisão sistemática e meta‐análise
The impact of dosing frequency on medication adherence in chronic cardiovascular disease: Systematic review and meta‐analysis
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Daniel Caldeiraa,b,
Autor para correspondência
dgcaldeira@hotmail.com

Autor para correspondência.
, António Vaz‐Carneiroc,d, João Costaa,b,c,d
a Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
b Unidade de Farmacologia Clínica, Instituto Medicina Molecular, Lisboa, Portugal
c Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
d Centro Colaborador Português da Rede Cochrane Iberoamericana, Portugal
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Tabela 1. Principais características e resultados clínicos dos ensaios incluídos
Resumo
Introdução e objetivos

A não‐adesão à terapêutica constitui um problema de saúde importante. Na Europa, foi estimado que 9% dos eventos cardiovasculares podem ser atribuídos à não‐adesão terapêutica. A complexidade dos esquemas posológicos é um dos fatores apontados como contribuindo para esta problemática. Nesta revisão sistemática pretendemos avaliar o impacto, em doentes com patologia cardiovascular crónica, da frequência posológica na adesão terapêutica.

Métodos

Pesquisa na MEDLINE e Cochrane Library (Novembro 2013) de ensaios clínicos controlados e aleatorizados (RCT) que comparassem, em doentes com patologia cardiovascular crónica, diferentes tipos de regimes posológicos (administração única diária versus duas ou mais administrações) e que avaliassem adesão terapêutica. Foram apenas incluídos ensaios com uma duração de pelo menos cinco meses. Os resultados dos estudos foram agregados através de uma meta‐análise (efeitos aleatórios) e calculou‐se o risco relativo (RR) e respetivo intervalo de confiança 95% (IC 95%). A heterogeneidade estatística foi calculada com o teste do I2.

Resultados

Foram incluídos quatro RCT (2557 doentes). Os regimes posológicos com administração única diária estão associados a uma redução de 56% do risco de um doente ser não aderente à terapêutica (RR: 0,44; IC 95%: 0,35‐0,54; I2=25%).

Conclusões

Poucos ensaios clínicos de longo termo avaliaram o impacto da frequência posológica na adesão terapêutica em doentes com patologia cardiovascular crónica. A melhor evidência disponível sugere que a toma de medicamentos em posologia diária única diminui o risco de não‐adesão terapêutica em cerca de 50%. O impacto em termos de outcomes clínicos não está estudado.

Palavras‐chave:
Adesão medicamentosa
Adesão terapêutica
Compliance do doente
Doenças cardiovasculares
Doença crónica
Posologia de administração diária
Abreviaturas:
AAS
HCTZ
LDL
PA
PAM
Abstract
Introduction and Objective

Non‐adherence to drug treatment is a major health problem. In Europe, it has been estimated that 9% of cardiovascular events can be attributed to non‐adherence. The complexity of dosing regimens is one of the factors identified as contributing to non‐adherence. In this systematic review we aimed to assess the impact of dosing frequency on adherence to drug treatment in patients with chronic cardiovascular disease.

Methods

MEDLINE and the Cochrane Library (November 2013) were searched for randomized controlled trials (RCTs) comparing different dosing regimens (once‐daily administration vs. two or more daily administrations) and assessing adherence to therapy in patients with chronic cardiovascular disease. Only trials with at least five months of follow‐up were included. The results of the studies were pooled through a random effects meta‐analysis. Relative risk (RR) and 95% confidence interval (CI) were derived. Statistical heterogeneity was calculated using the I2 test.

Results

Four RCTs (a total of 2557 patients) were included. Dosing regimens with once‐daily administration were associated with a significant 56% reduction in risk of non‐adherence to drug therapy (RR: 0.44; 95% CI: 0.35‐0.54, I2=25%).

Conclusions

Few clinical trials have assessed the long‐term impact of dosing frequency on medication adherence in chronic cardiovascular disease. The best available evidence suggests that taking medication once daily decreases the risk of non‐adherence to treatment by approximately 50%. The impact on clinical outcomes remains to be established.

Keywords:
Medication adherence
Treatment adherence
Patient compliance
Cardiovascular disease
Chronic disease
Drug administration regimen
Texto Completo
Introdução

As doenças cardiovasculares estão no topo das causas de morte e perda de anos de vida ajustados pela incapacidade a nível mundial1. O tratamento, controlo e prevenção de consequências associadas a estas doenças dependem, para além da eficácia e tolerabilidade intrínsecas das intervenções, da adesão a essas mesmas intervenções. A adesão terapêutica compreende o comportamento do doente em relação às recomendações de profissionais de saúde, como sejam a alteração de estilos de vida, o seguimento de uma dieta ou a toma de medicamentos2,3.

A Organização Mundial de Saúde reconhece a não‐adesão terapêutica como um problema importante, pois contribui para a morbilidade e mortalidade, com os respetivos encargos económicos diretos e indiretos associados2–6. A dimensão do problema da não‐adesão terapêutica está estimada em 30‐50%7 e são múltiplos os motivos que podem levar à mesma: o envolvimento e estratégias utilizadas pelo profissional de saúde, as características individuais do doente, assim como o tipo de regime terapêutico (complexidade e custo)8.

Nesta revisão sistemática de ensaios clínicos pretendemos avaliar o impacto que o regime posológico de medicamentos (toma única diária versus duas ou mais tomas diárias) tem na adesão terapêutica em doentes com patologia cardiovascular crónica.

Métodos

A pesquisa bibliográfica foi realizada em novembro de 2013 nas bases de dados eletrónicas MEDLINE e Cochrane Library. A estratégia de pesquisa (disponível na tabela 1 suplementar online) foi baseada e adaptada de outros estudos nesta área e foi estendida à pesquisa da listagem de referências de outras revisões sistemáticas e dos estudos obtidos9.

Tabela 1.

Principais características e resultados clínicos dos ensaios incluídos

Ensaio  População  Intervenções e controlo  Tempo de seguimento (meses)  Definição de não‐adesão  Resultados clínicos 
Lee 1996  313 doentes hipertensos com disfunção renal ligeira  Toma 1x/dia anti‐hipertensores (alvo PAM <92mmHg) versus toma de anti‐hipertensores 2x/dia (alvo PAM 102‐107)  Toma de <80% dos comprimidos prescritos de acordo com monitorização eletrónica e contagem de comprimidos  Quer no grupo da intervenção quer no grupo controlo, 50% dos doentes com boa adesão atingiram o alvo terapêutico e 18% dos doentes não‐aderentes atingiram o objetivo 
Leenen 1997  190 doentes com hipertensão arterial ligeira  Amlodipina (1x/dia) versus diltiazem libertação lenta (2x/dia)  Toma de <80% dos comprimidos prescritos de acordo com monitorização eletrónica  A não‐adesão teve impacto negativo no controlo da pressão arterial no grupo diltiazem, mas não no grupo amlodipina 
Andrejak 2000  133 doentes com hipertensão arterial  Trandolapril (1x/dia) versus captopril (2x/dia)  Toma de <90% dos comprimidos prescritos de acordo com monitorização eletrónica  Não houve diferenças na proporção de doentes que necessitaram de diurético em add‐on e com PA controlada 
UMPIRE 2013  1.921 doentes com risco cardiovascular alto ou doença cardiovascular estabelecida  Combinação de AAS 75mg, sinvastatina 40mg, lisinopril 10mg e 50mg atenolol/12,5mg HCTZ em dose fixa ‐ polypill (1x/dia) versus toma destes fármacos de forma individual (toma multidiária dos fármacos individuais)  12  Ausência de toma de antiagregantes plaquetários, estatina e 2 anti‐hipertensores durante pelo menos 4 dias na semana que precede a avaliação  No grupo da intervenção (polypill) verificou‐se uma diminuição significativa da PA sistólica (–2,6mmHg) e colesterol LDL (–4,2mg/dL) 

AAS: ácido acetilsalicílico; HCTZ: hidroclorotiazida; LDL: low‐density lipoproteins; PA: pressão arterial; PAM: pressão arterial média.

Quanto aos critérios de elegibilidade dos estudos, incluímos para análise ensaios clínicos aleatorizados e controlados comparando fármacos com regimes posológicos diários diferentes (uma toma diária versus duas ou mais tomas diárias) em doentes com patologia cardiovascular crónica (doença coronária, hipertensão arterial, dislipidemias ou arritmias persistentes) e que disponibilizassem dados sobre a adesão terapêutica. Para estimar a adesão/não‐adesão a longo termo, definimos, de forma arbitrária, que o tempo mínimo de seguimento dos doentes nestes ensaios teria que ser de cinco meses. Os ensaios controlados com placebo, assim como os ensaios com um desenho double‐dummy, foram excluídos por não permitirem avaliar o impacto da frequência posológica na adesão terapêutica.

A consistência e interpretabilidade dos resultados agregados das intervenções terapêuticas é facilitada pela capacidade de evicção de eventos adversos causados pelas mesmas10. Neste contexto, o outcome primário selecionado foi a não‐adesão terapêutica (em vez de adesão terapêutica). Esta foi definida como a toma de menos de 80‐90% dos comprimidos prescritos11, tendo sido considerado o próprio critério de não‐adesão definido pelos investigadores dos estudos individuais quando este dado não era reportado. Os resultados para a descontinuação terapêutica nos ensaios clínicos não foram considerados como dados substitutivos de não‐adesão, uma vez que existem múltiplas razões para abandono do estudo por motivos farmacológicos que não estão relacionados com a complexidade do esquema terapêutico (por exemplo, perfil de tolerabilidade do fármaco).

Os estudos potencialmente elegíveis foram selecionados de forma independente por dois dos autores (DC e JC) após avaliação sequencial do resumo e texto completo. Dos estudos elegíveis, foram extraídas independentemente, para uma folha sistemática de recolha de dados, as características das populações, intervenções e resultados de interesse. Em caso de disparidade nas avaliações, estas foram resolvidas por consenso. O risco de viés metodológico dos estudos incluídos foi avaliado qualitativamente conforme preconizado pela Cochrane no instrumento The Cochrane Collaboration's tool for assessing risk of bias12.

Os resultados dos estudos independentes foram agregados através de uma meta‐análise (software RevMan versão 5.2.6; The Nordic Cochrane Centre, The Cochrane Collaboration, 2012) para determinar o impacto da frequência posológica no risco de não‐adesão terapêutica. A estimativa de risco do resultado agregado e dos estudos individuais foi expressa em risco relativo (RR). Os resultados foram avaliados através de uma medida de efeito relativo, e não absoluto, porque os resultados de estimativas relativas são mais consistentes entre estudos com diferentes desenhos, populações e durações de follow‐up13,14. Para o conjunto das variáveis estudadas foram apresentados os intervalos de confiança de 95% (IC 95%) para o RR estimado. A estimativa global da dimensão do efeito foi calculada com base no método do inverso da variância. No caso de a estimativa ser significativa, foi também estimada uma medida de esforço absoluta, nomeadamente o number needed to treat to benefit (NNTB)15.

A heterogeneidade estatística entre os resultados dos diferentes estudos foi avaliada com o teste I216. O I2 é uma medida da percentagem da variação global entre os estudos que é devida à heterogeneidade. No caso de existir heterogeneidade significativa entre os resultados dos estudos (I250%)17, considerámos explorar se diferenças entre as características clínicas (tipo de intervenção, tipo de patologia de base, duração do estudo) ou metodológicas (qualidade dos estudos, desenho dos estudos, tipo de controlo) poderiam, pelo menos de forma parcial, explicar a origem da heterogeneidade. A estimativa global da dimensão do efeito foi efetuada por defeito pelo método de DerSimonian (método de efeitos aleatórios)18, independentemente da presença ou não de heterogeneidade. O método de efeitos aleatórios assume que os resultados de cada estudo são independentes entre si, no sentido em que cada estudo estima um efeito diferente do tratamento. Esta abordagem é mais conservadora do que a utilização do método de efeitos fixos, o qual assume que o efeito de uma intervenção (quer em magnitude quer na direção) é o mesmo nos diferentes estudos e, portanto, que as diferenças observadas entre os estudos são devidas ao acaso.

O risco de enviesamento associado a publicação foi avaliado com o teste de Egger19.

Resultados

De acordo com os critérios de elegibilidade, incluímos para análise quatro ensaios20–23. A figura 1 mostra o resultado do processo de avaliação e seleção dos estudos. No total, estes ensaios clínicos avaliaram 2557 doentes com doença cardiovascular crónica, incluindo doentes hipertensos e/ou com dislipidemia e com risco cardiovascular elevado. O tamanho da amostra variou entre 133‐1921 doentes. O tempo de seguimento médio variou entre 5‐12 meses. Num dos estudos, a intervenção foi a polypill (versus terapêutica habitual)23. Nos restantes, a intervenção estudada foi a terapêutica anti‐hipertensora.

Figura 1.

Fluxograma da selecção dos estudos para análise.

(0.26MB).

De acordo com a pergunta da revisão e os critérios de inclusão estabelecidos, o desenho em aberto dos ensaios incluídos constitui o principal fator de risco de enviesamento metodológico, transversal a todos os estudos. O estudo Use of a Multidrug Pill in Reducing Cardiovascular Events (UMPIRE) foi o único que apresentou ocultação dos avaliadores dos resultados do tratamento23. Contudo, este ensaio clínico utilizou um método de quantificação de adesão/não‐adesão baseado na notificação do próprio doente, o que constitui um outro tipo de risco de viés23. A avaliação qualitativa dos estudos está disponível na figura 1 suplementar (disponível online).

As principais características e resultados clínicos dos estudos incluídos estão resumidas na tabela 1.

Risco de não‐adesão terapêutica

Os regimes posológicos com administração única diária estão associados a uma redução significativa de 57% do risco de um doente com doença cardiovascular crónica ser não aderente à terapêutica (RR para não‐adesão: 0,44; IC 95%: 0,35‐0,54). Não se verificou heterogeneidade significativa entre os resultados dos estudos (I2=25%). A figura 2 mostra o resultado da meta‐análise.

Figura 2.

Impacto da administração diária única no risco de não‐adesão terapêutica.

(0.19MB).

Em termos absolutos, esta redução traduz‐se por uma diferença de 19% na percentagem de doentes não aderentes à terapêutica (IC 95%: 12‐26%; I2=50%). Foi também calculado o número médio de doentes necessário tratar para evitar que um seja não aderente à terapêutica (NNTB). O cálculo foi ajustado ao risco basal dos doentes não aderentes sem terapêutica com posologia diária única, utilizando as medidas de risco relativas obtidas previamente. O NNTB obtido foi de cinco doentes (IC 95%: 4‐6) durante um período médio de nove meses.

Apesar de não se ter verificado heterogeneidade significativa entre os resultados, no estudo de maior dimensão e com maior peso na análise (UMPIRE 2013)23 os dados foram obtidos através de um questionário (self‐report) e, portanto, sujeito a diferentes tipos de viés de informação24,25. Adicionalmente, nem sempre existe um elevado grau de concordância entre as estimativas de não‐adesão obtidas por diferentes métodos (nomeadamente questionários e monitorização eletrónica)26.27. Neste contexto, realizámos uma análise de sensibilidade em que excluímos da análise principal os resultados do estudo UMPIRE com o objetivo de avaliar a consistência dos resultados. O resultado desta análise foi semelhante (RR de não‐adesão: 0,50; IC 95%: 0,38‐0,67), sem heterogeneidade estatística (I2=0%).

O resultado do teste de Egger não sugere a existência de viés de publicação (p=0,335), pese embora o pequeno número de estudos não permita excluir essa possibilidade.

Discussão

Nesta revisão sistemática e meta‐análise de ensaios clínicos verificámos que uma menor frequência posológica (uma toma diária versus duas ou mais tomas diárias) está associada a uma diminuição de cerca de 50% do risco de não‐adesão terapêutica. Pese embora esta temática já tenha sido amplamente estudada noutras áreas, como a psiquiatria e a infeção VIH/SIDA28,29, verificámos que, em relação à patologia cardiovascular crónica, existem poucos ensaios clínicos de médio/longo termo (≥5 meses) que tenham avaliado o impacto da frequência posológica na adesão terapêutica.

À semelhança do verificado nessas outras áreas e com base na análise dos quatro ensaios aleatorizados incluídos, também nas doenças cardiovasculares crónicas a menor frequência posológica está associada a uma diminuição significativa do risco de não‐adesão terapêutica.

No entanto, com base na melhor evidência disponível, é ainda difícil estimar com precisão qual o impacto clínico em termos de doença cardiovascular da maior adesão à terapêutica verificada com os regimes posológicos de menor frequência de administração.

Uma revisão sistemática e meta‐análise de estudos epidemiológicos recentemente publicada estimou que, na Europa, cerca de 9% dos eventos cardiovasculares podem ser atribuídos à não‐adesão à terapêutica30. Os resultados do estudo de maior dimensão incluído na presente revisão sistemática (UMPIRE 2013), provavelmente o único com poder estatístico para mostrar diferenças entre os grupos de tratamento em termos de outcomes clínicos, mostram um melhor controlo tensional e da hipercolesterolemia nos doentes tratados com a polypill.

Em 2010 foi realizado em Portugal um estudo especificamente sobre adesão terapêutica31.

Dos 561 doentes crónicos inquiridos, um terço apresentava doença cardiovascular. Segundo os resultados dos questionários aos doentes, o principal motivo para a não‐adesão por razões intrínsecas aos medicamentos são os efeitos adversos e a melhoria sintomática (e suspensão do medicamento). A toma de muitos medicamentos/complexidade do esquema terapêutico correspondeu em 8,7% dos casos à principal razão referida pelos doentes para não‐adesão. Para os doentes que não elegeram este motivo como principal, a complexidade terapêutica foi considerada como motivo relevante, e com interferência na adesão, por mais de 40% dos doentes. A complexidade do esquema terapêutico é, portanto, para a população portuguesa, um fator de risco não negligenciável para não‐adesão terapêutica.

Embora a evidência disponível não identifique grupos farmacológicos mais propensos a não‐adesão32, esta revisão incluiu apenas ensaios clínicos com fármacos que visavam a diminuição do risco cardiovascular associado à pressão arterial e dislipidemia. Embora o estudo UMPIRE considere a antiagregação plaquetária, os resultados clínicos avaliados foram os níveis de lípidos séricos e o perfil tensional23. Apesar da existência de um elevado número de ensaios clínicos recentes com fármacos antitrombóticos e antiarrítmicos, a maioria destes recorre a técnicas de double‐blind e double‐dummy e muitos utilizam placebo como controlo. Nestes casos, não é possível avaliar o impacto da frequência posológica na adesão terapêutica porque todos os braços do estudo têm a mesma frequência posológica (mesmo que em algumas tomas seja administrado placebo). Os poucos estudos com um desenho open‐label que identificámos não reportavam dados de adesão terapêutica.

Pelos objetivos inerentes à presente revisão da literatura, não incluímos ensaios clínicos com seguimento curto dos doentes ou estudos observacionais, pois a inclusão de estudos com esta heterogeneidade, na ausência de fatores unificadores, coloca várias questões de índole metodológica e dificulta a interpretabilidade dos resultados. Não obstante, Coleman et al. publicaram recentemente uma revisão sistemática que incluiu 29 estudos (68% ensaios clínicos de curto termo, incluindo estudos controlados com placebo, e 32% estudos observacionais) em patologias cardiovasculares crónicas e onde os autores avaliaram o impacto da frequência posológica na adesão terapêutica33. Estes autores, incluindo diferentes tipos de estudos da presente revisão, concluíram também que a administração única diária estava associada a maior adesão terapêutica33.

Limitações

O presente estudo é uma revisão sistemática com meta‐análise de ensaios clínicos e não uma análise de dados de doentes individuais. A inclusão numa avaliação analítica quantitativa (meta‐análise) de estudos com diferentes tipos de população (dislipidemia, hipertensão arterial, risco cardiovascular elevado), de intervenções e definições de adesão terapêutica, pode ser fonte de viés e heterogeneidade e, portanto, limitar as conclusões. Não obstante, a baixa heterogeneidade encontrada entre os resultados dos estudos e a consistência dos resultados da análise de sensibilidade, sugerem a existência de coerência metodológica.

Conclusões

Poucos ensaios clínicos de longo termo avaliaram o impacto da frequência posológica na adesão terapêutica e em outcomes clínicos, em doentes com patologia cardiovascular crónica. A melhor evidência disponível sugere que a toma de medicamentos em posologia diária única diminui o risco de não‐adesão terapêutica em cerca de 50%.

Conflito de interesses

Caldeira não tem qualquer conflito de interesse. Vaz Carneiro e Costa são respetivamente o Diretor e o Diretor Adjunto do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) da Faculdade da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, o qual prestou, ao longo dos últimos anos, serviços de consultoria na área da avaliação de novas tecnologias da saúde. Nenhuma das empresas com quem o CEMBE colaborou interferiu, direta ou indiretamente, em qualquer etapa deste projeto.

Agradecimentos

Centro Colaborador Português da Rede Cochrane Iberoamericana.

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