Segundo as recomendações atuais para o tratamento do enfarte agudo do miocárdio com supra-desnivelamento do segmento ST a intervenção coronária percutânea deve ser efetuada dentro de 90min após o primeiro contacto médico e o tempo total de isquémia não deve exceder os 120min.
O objetivo deste trabalho foi analisar a adequação da implementação destas recomendações para o enfarte do miocárdio com supra-desnivelamento do segmento ST num centro terciário de intervenção coronária percutânea.
MétodosRegisto prospetivo de centro único de 223 doentes consecutivos referenciados para intervenção coronária percutânea primária entre 2003 e 2007.
ResultadosNesta população (idade média 60±12 anos, 76% de sexo masculino), a mediana do tempo total de isquémia foi 4h 30min (< 120min em 4% dos doentes). O intervalo de tempo com menor atraso foi desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG (mediana 8min, <10min em 59% dos doentes). Os intervalos com maior atraso foram: do início dos sintomas ao primeiro contacto médico (mediana 104min, <30min em 6% dos doentes) e do primeiro ECG à realização da intervenção coronária (mediana 140min, <90min em 16% dos doentes). O menor tempo total de isquémia associou-se a melhor fluxo TIMI final, melhor TIMI frame count final e maior resolução do segmento ST após angioplastia (p<0,03).
As três origens mais frequentes dos doentes foram: dois hospitais de localidades próximas e o sistema de emergência médica pré-hospitalar. No grupo pré-hospitalar verificou-se menor tempo total de isquémia do que nos hospitais A ou B (2h 45min versus 4h 44min e 6h 40min, p<0,05), com menor tempo desde o primeiro contacto médico até à angioplastia (89min versus 147 e 146min, p<0,05).
ConclusãoNesta população, apenas uma reduzida percentagem de doentes com enfarte agudo do miocárdio obteve tratamento adequado por angioplastia primária dentro dos tempos recomendados. Os doentes referenciados pelo sistema de emergência pré-hospitalar, embora em reduzida percentagem do total, foram os que obtiveram os melhores resultados na precocidade do tratamento. O cumprimento das recomendações traduz-se em melhores resultados na perfusão miocárdica obtida pela angioplastia primária.
According to the current guidelines for treatment of ST-elevation myocardial infarction (STEMI), percutaneous coronary intervention (PCI) should be performed within 90min of first medical contact and total ischemic time should not exceed 120min. The aim of this study was to analyze compliance with STEMI guidelines in a tertiary PCI center.
MethodsThis was a prospective single-center registry of 223 consecutive STEMI patients referred for primary PCI between 2003 and 2007.
ResultsIn this population (mean age 60±12 years, 76% male), median total ischemic time was 4h 30min (<120min in 4% of patients). The interval with the best performance was first medical contact to first ECG (median 8min, <10min in 59% of patients). The worst intervals were symptom onset to first medical contact (median 104min, <30min in 6%) and first ECG to PCI (median 140min, <90min in 16%).
Shorter total ischemic time was associated with better post-PCI TIMI flow, TIMI frame count and ST-segment resolution (p<0.03). The three most common patient origins were two nearby hospitals (A and B) and the pre-hospital emergency system. The pre-hospital group had shorter total ischemic time than patients from hospitals A or B (2h 45min vs. 4h 44min and 6h 40min, respectively, p<0.05), with shorter door-to-balloon time (89min vs. 147min and 146min, respectively, p<0.05).
ConclusionsIn this population, only a small proportion of patients with acute myocardial infarction underwent primary PCI within the recommended time. Patients referred through the pre-hospital emergency system, although a minority, had the best results in terms of early treatment. Compliance with the guidelines translates into better myocardial perfusion achieved through primary PCI.
Em doentes com enfarte do miocárdio com supra-desnivelamento do segmento ST (EAMEST) a reperfursão precoce é o tratamento de eleição. Se possível e atempada, a reperfusão miocárdica por intervenção coronária percutânea (ICP) primária deve ser a escolha, conforme demonstrado em múltiplos estudos que evidenciaram a sua superioridade, comparativamente à trombólise, obtendo-se melhores resultados imediatos e no seguimento a longo prazo1. Qualquer atraso na obtenção da reperfusão pode agravar o prognóstico. Quando a ICP primária é o modo de reperfusão escolhido, a mortalidade intra-hospitalar aumenta de 3,0 para 4,8% quando o tempo «porta-balão» passa de 30 para 180min2 e a mortalidade aos 12 meses aumenta 7,5% a cada 30min de atraso3.
Manter o menor intervalo de tempo desde o início dos sintomas até à reperfusão é realçado nas guidelines atuais como uma prioridade. A Sociedade Europeia de Cardiologia sugere uma reperfusão por ICP primária tão precoce quanto possível em doentes com EAMEST que se apresentem nas primeiras 12h do início dos sintomas e que mantenham elevação do segmento ST (ou bloqueio completo de ramo esquerdo presumivelmente de novo) no electrocardiograma (ECG) de 12 derivações (recomendação classe i, nível de evidência A)4. O tempo recomendado desde o primeiro contacto médico até à ICP primária deve ser ≤ 2h em qualquer EAMEST e ≤ 90min em doentes que se apresentem com menos de 2h desde o início dos sintomas, com EAMEST anterior extenso e com baixo risco hemorrágico (recomendação classe i, nível de evidência B)4.
Igualmente, as recomendações do American College of Cardiology preconizam que os doentes com EAMEST que recorram aos hospitais com capacidade de realizar ICP primária devam ser tratados em 90min após o primeiro contacto médico (recomendação classe i, nível de evidência A), não devendo o tempo total de isquémia ultrapassar os 120min5.
Adicionalmente, dada a importância do ECG de 12 derivações neste contexto, este deve ser obtido em menos de 10min, desde o primeiro contacto médico, em doentes que apresentem desconforto torácico6. Recomendações semelhantes foram adotadas por sociedades nacionais. Em Portugal é indicado que o atraso na transferência de doentes para um centro com capacidade de realizar ICP primária não deve exceder os 30min7.
O objetivo deste trabalho foi analisar a adequação do tratamento dos doentes com EAMEST submetidos a ICP primária num centro terciário, examinando os tempos decorridos nas diferentes fases da abordagem dos doentes com enfarte até à ICP primária.
MétodosCom base no registo prospetivo (Angioplasty and Coronary Revascularization On Santa Cruz Hospital) (ACROSS) que inclui todos os doentes consecutivos submetidos a ICP num único centro de intervenção terciário desde 2002, selecionamos no período compreendido entre 2003 e 2007, 223 doentes consecutivos com EAMEST submetidos a ICP primária. O diagnóstico de EAMEST foi estabelecido em doentes com dor torácica aguda com duração superior a 30min e elevação do segmento ST em pelo menos 2 derivações contíguas no ECG de 12 derivações ou com bloqueio completo de ramo esquerdo de novo.
Os tempos totais e intercalares desde o início dos sintomas até à realização da ICP primária foram analisados e comparados com as recomendações.
Os intervalos de tempo foram definidos prospetivamente e comparados com os recomendados do seguinte modo: dor-médico - desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico (tempo recomendado (TR) - desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG diagnóstico (TR < 10min); ECG-centro ICP, desde a realização do ECG diagnóstico até à chegada ao centro com capacidade de ICP (TR < 30min); centro ICP-dispositivo, desde a chegada ao centro com capacidade para ICP até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização (TR < 50min); ECG-dispositivo, desde a realização do ECG diagnóstico até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização (TR < 80min); médico-dispositivo, desde o primeiro contacto médico até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização (TR < 90min); e tempo total de isquémia, desde o início dos sintomas até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização (TR < 120min). Estes limites de tempo foram definidos segundo recomendações nacionais e internacionais4–7. A população foi dividida em 3 grupos, de acordo com a sua origem: Hospital A (a 6km de distância do nosso centro), Hospital B (a 22km de distância do nosso centro) e sistema de emergência pré-hospitalar. Os intervalos de tempo avaliados foram comparados entre estes grupos.
Foram avaliados ainda os seguintes parâmetros relacionados com a perfusão miocárdica: o fluxo TIMI, o TIMI frame count e a resolução do segmento ST após a ICP. O fluxo TIMI e o TIMI frame count foram calculados de acordo com referências publicadas8,9. A resolução do segmento ST foi calculada com a soma de todas as derivações que apresentavam elevação ST no ECG diagnóstico. Estas variáveis foram usadas como marcadores indiretos do sucesso da ICP do seguinte modo: fluxo TIMI 3, TIMI frame count ≤ 24 e resolução do segmento ST ≥70%. Foram comparadas diferenças no tempo total de isquémia na presença e ausência destes marcadores indiretos de sucesso da ICP.
Análise estatísticaAs variáveis categóricas apresentam-se como número / percentagem. As variáveis contínuas são apresentadas como média ± desvio padrão, exceto para os valores temporais, que se apresentam como mediana.
Diferenças entre variáveis contínuas foram testadas usando o teste de Mann-Whitney ou de Kruskal-Wallis. As diferenças observadas foram consideradas significativas quando p<0,05 (intervalo de confiança 0,95).
ResultadosNa população selecionada de 223 doentes, a idade média foi 60±12 anos, com 76% de doentes do sexo masculino. Os fatores de risco cardiovasculares presentes eram: diabetes em 17% dos doentes, tabagismo (ativo ou antigo) em 56%, hipertensão em 55% e dislipidémia em 50%. Na apresentação 7% tinham uma classe de Killip-Kimball ≥3 e 18% dos doentes tinham antecedentes de enfarte do miocárdio, 19% de ICP, 4% de cirurgia de revascularização miocárdica, 5% de doença cerebrovascular e 2% apresentavam insuficiência renal com necessidade de diálise.
Os intervalos de tempo totais e intercalares apresentam-se na Tabela 1 e Figura 1. A mediana do tempo total de isquémia foi 4h 30min, sendo que apenas 4% realizaram a ICP em menos de 120min.
Mediana dos tempos observados comparados com o máximo recomendado na população total
TR Max | Obs. | < TR Max (%) | |
Dor-médico | 0h30min | 1h45min | 6,0 |
Médico-ECG | 0h10min | 0h08min | 58,5 |
ECG-centro ICP | 0h30min | 1h34min | 7,0 |
Centro ICP-dispositivo | 0h50min | 0h30min | 75,2 |
ECG-Dispositivo | 1h20min | 2h03min | 18,3 |
Médico-dispositivo | 1h30min | 2h20min | 16,0 |
Tempo total de isquémia | 2hmin | 4h30min | 3,7 |
Mediana dos tempos totais e intercalares comparados com o máximo recomendado na população total.
Centro ICP-dispositivo: desde a chegada ao centro com capacidade para ICP até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Dor-médico: desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico; ECG-centro ICP: desde a realização do ECG diagnóstico até à chegada ao centro com capacidade de ICP; Médico-ECG: desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG diagnóstico; Recomendado: Tempo máximo recomendado; Total: população total.
Os intervalos com menor atraso foram o intervalo médico-ECG, com uma mediana de 8min (<10min em 59% dos doentes) e centro ICP-dispositivo, com uma mediana de 30min (<50min em 75% dos doentes). Os intervalos com maior atraso foram o intervalo dor-médico, com uma mediana de 104min (< 30min em 6% dos doentes) e médico-dispositivo com mediana de 140 min (<90min em 16% dos doentes).
A origem mais frequente foi o Hospital A (64%), seguida do Hospital B (15%) e sistema de emergência pré-hospitalar (9%). Os restantes 12% provieram de outras instituições de saúde ou recorreram diretamente ao nosso centro pelos seus próprios meios. Os tempos totais e intercalares de cada grupo apresentam-se na Tabela 2 e Figura 2. O grupo pré-hospitalar obteve menor tempo total de isquémia que o Hospital A ou B (2h45min versus 4h44h e 6h40min, p<0,05). Esta diferença resultou principalmente de um tempo dor-médico menor (75 versus 107 e 152min, p<0,05) e ECG-centro ICP também menor (36 versus 106 e 99min, p<0,05).
Mediana dos tempos observados comparados com o máximo recomendado de acordo com a proveniência dos doentes
TR Max | Pre-Hosp | Hosp-A | Hosp-B | ||||
Obs. | < TR Max (%) | Obs. | < TR Max (%) | Obs. | < TR Max (%) | ||
Dor-médico | 0h30min | 1h15min | 7,1 | 1h47min | 5,0 | 2h32min | 8,3 |
Médico-ECG | 0h10min | 0h07min | 71,4 | 0h13min | 48,3 | 0h06min | 64,7 |
ECG-centro ICP | 0h30min | 0h36min | 33,3 | 1h46min | 3,4 | 1h39min | 0 |
Centro ICP-dispositivo | 0h50min | 0h44min | 62,5 | 0h27min | 88,7 | 0h24min | 84,6 |
ECG-Dispositivo | 1h20min | 1h22min | 50,0 | 2h20min | 6,1 | 2h22min | 6,3 |
Médico-dispositivo | 1h30min | 1h29min | 64,3 | 2h27min | 2,0 | 2h26min | 4,3 |
Tempo total de isquémia | 2h00min | 2h45min | 6,7 | 4h44min | 1,0 | 6h40min | 0,0 |
< Max (%): percentagem de doentes em que o tempo observado foi inferior ao máximo recomendado; Centro ICP-dispositivo: desde a chegada ao centro com capacidade para ICP até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Dor-médico: desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico; ECG-centro ICP: desde a realização do ECG diagnóstico até à chegada ao centro com capacidade de ICP; ECG-dispositivo: desde a realização do ECG diagnóstico até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Médico-dispositivo: desde o primeiro contacto médico até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Médico-ECG: desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG diagnóstico; Obs.: Observado; Tempo total de isquemia: desde o início dos sintomas até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; TR Max: tempo máximo recomendado.
Mediana dos tempos totais e intercalares comparados com o máximo recomendado de acordo com a origem dos doentes.
Centro ICP-dispositivo: desde a chegada ao centro com capacidade para ICP até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Dor-médico: desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico; ECG-centro ICP: desde a realização do ECG diagnóstico até à chegada ao centro com capacidade de ICP; Médico-ECG: desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG diagnóstico; Pré-Hosp: sistema de emergência pré-hospitalar; Recomendado: Tempo máximo recomendado.
Do total da amostra, 203 doentes não foram referenciados diretamente pelo sistema de emergência pré-hospitalar para o nosso centro. Neste grupo, 63% foram transportados aos hospitais por meios próprios, enquanto os restantes 37% foram transportados de ambulância (em pelo menos 15% dos casos com avaliação médica pré-hospitalar) (Figura 3).
Considerando os resultados da ICP, o fluxo TIMI 3 foi obtido em 83% dos doentes, TIMI frame count ≤ 24 em 59% e a resolução do segmento ST ≥ 70 em 45% dos doentes. A obtenção destes marcadores indiretos de sucesso da ICP esteve associada a um menor tempo total de isquémia: em doentes com fluxo TIMI 3 a mediana do tempo total de isquémia foi 4h17m (versus 7h03min com fluxo TIMI 2, p=0,02); com TIMI frame count ≤24 a mediana do tempo total de isquémia foi 4h 11min (versus 5h00min com TIMI frame count > 24, p=0,03); e com resolução de ST ≥ 70% a mediana do tempo total de isquémia foi 3h59m (versus 5h12min com resolução de ST <70%, p=0,02) (Tabela 3).
Mediana do tempo total de isquémia observado de acordo com marcadores indiretos de sucesso da ICP
Tempo total de isquémia | p | |
TIMI 2 versus 3 | 7h03m versus 4h17m | 0,02 |
TIMI Frame count >24 versus ≤ 24 | 5h00m versus 4h11m | 0,03 |
Resolução de ST <70 versus ≥70% | 5h12m versus 3h59m | 0,002 |
TIMI: fluxo TIMI pós ICP; TIMI Frame Count: TIMI Frame Count corrigido pós-ICP.
A associação entre a duração da isquémia miocárdica e o prognóstico no contexto EAMEST do ECG está claramente estabelecido e é atualmente uma prioridade a obtenção da perfusão miocárdica no mais curto intervalo de tempo possível. De facto, nos últimos anos, o enfoque do tratamento do EAMEST tem sido na reorganização dos serviços de saúde de forma a promover o seu tratamento no mais curto intervalo de tempo possível.
Num estudo de Le May10 foram analisados tempos intercalares e os intervalos definidos de forma idêntica aos nossos foram: ECG-centro ICP (mediana observada de 38min), centro ICP-dispositivo (mediana observada de 57min), ECG-dispositivo (mediana observada de 104min) e tempo total de isquémia (mediana observada de 201min). Os tempos observados neste estudo foram menores do que os que encontrámos, exceto para o centro ICP-dispositivo, provavelmente consequência de um maior atraso na chegada dos doentes ao nosso centro, dando-nos mais tempo para preparar a logística e equipa para a ICP. Este estudo também comparou as diferenças de tempo em doentes referenciados diretamente do ambiente pré-hospitalar e de outros hospitais. Tal como nós, os tempos observados em cada intervalo foram significativamente menores quando os doentes foram referenciados diretamente do ambiente pré-hospitalar para a ICP primária. Neste subgrupo e em ambos os estudos, as medianas de tempos intercalares foram semelhantes, no entanto este autor reportou uma proporção significativamente maior de doentes referenciados do pré-hospitalar (39 versus 9% no nosso estudo). Esta diferença pode ter influenciado o maior atraso observado na nossa população.
Noutro estudo, que analisou doentes com EAMEST referenciados para ICP primária por equipas pré-hospitalares observou que em 66,7% dos casos o tempo desde o primeiro contacto médico à realização de ICP foi < 90min11. Este valor é semelhante ao tempo médico-dispositivo que encontrámos no grupo pré-hospitalar.
Outro estudo multicêntrico, combinando informação de 30 países diferentes12 registou um intervalo de tempo desde o início dos sintomas ao primeiro contacto médico (definido como a realização do ECG diagnóstico) compreendido entre 60 e 210min e desde o primeiro contacto médico à ICP entre 60 e 177min. Os intervalos que observámos encontram-se aproximadamente no centro dos apresentados neste estudo.
Um trabalho nacional por Trigo et al.13 reportou uma mediana da demora pré-hospitalar que variou entre 3h31min e 4h05min, tempos ligeiramente acima dos que observámos. Por outro lado, a mediana da demora intra-hospitalar variou entre 1h26min e 2h15min, tempos ligeiramente abaixo dos que apresentámos. Estas diferenças podem estar relacionadas com diferenças na organização dos 2 centros: a nossa área de referenciação é menor (logo com tempos pré-hospitalares menores) mas não tem departamento de urgência no local, sendo maioritária a referência de outros hospitais (logo com maiores tempos intra-hospitalares). Outro estudo, por Ribeiro et al.14 analisou somente a demora pré-hospitalar neste contexto, obtendo uma mediana de 2,16h, semelhante ao que encontrámos. Finalmente, um estudo de Ramos et al.15 observou uma mediana de tempo total de isquémia de 7,64h (12,1h se o doente se apresentasse em choque cardiogénico), tempos ligeiramente acima dos nossos.
Observámos demoras menores em doentes referenciados para ICP pelo sistema de emergência médica. Contudo, no restante grupo, houve uma proporção importante de doentes que tinham sido avaliados por profissionais de saúde antes de serem transportados para um hospital sem capacidade de ICP. Estes doentes foram transportados sem a realização pré-hospitalar de ECG ou se este foi realizado não se chegou ao diagnóstico de EAMEST.
A análise dos marcadores indiretos de perfusão miocárdica com sucesso, após ICP, revelou uma associação entre a presença de um melhor fluxo TIMI final, de um menor TIMI frame count final e de uma maior resolução do segmento ST com um tempo total de isquémia menor. Estes dados sugerem que um tempo de isquémia menor se associa a uma maior probabilidade de sucesso da ICP. Dados semelhantes foram observados noutros trabalhos onde se verificou uma associação entre menor tempo de isquémia e um melhor resultado de ICP primária avaliada pelo TIMI frame count corrigido16. Não encontramos referências relativamente à associação entre um tempo de isquémia menor e um fluxo TIMI pós-ICP melhor ou uma maior resolução do segmento ST no contexto de ICP primária por EAMEST. No entanto, estes dados estão bastante estudados como marcadores de sucesso da ICP17,18. A associação que encontramos entre um melhor resultado da ICP por este meio e um menor tempo de isquémia reforçam a importância da precocidade da reperfusão no EAMEST.
ConclusãoEste estudo evidencia que, apesar da disponibilidade de um sistema de emergência médica pré-hospitalar disponível 24h, e que os doentes com enfarte agudo que a ele recorrem apresentarem tempos de isquémia totais significativamente menores, apenas uma pequena percentagem de doentes o faz, confirmando que a atitude dos doentes com EAMEST tem um papel decisivo nos resultados obtidos e no consequente cumprimento das recomendações. De facto, os intervalos com maior atraso foram o intervalo dor-médico e médico-dispositivo sendo este último imputado à organização interna dos hospitais.
Nesta população apenas uma minoria de doentes com enfarte do miocárdio com supradesnivelamento ST foram revascularizados dentro da janela temporal recomendada. A responsabilidade nos atrasos observados parece ser multifatorial, relacionada não só com uma atitude inadequada dos doentes aquando do seu primeiro pedido de ajuda, como podendo ser atribuída a aspetos organizacionais dos diferentes sistemas de saúde envolvidos.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.