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Vol. 32. Núm. 4.
Páginas 291-296 (abril 2013)
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Vol. 32. Núm. 4.
Páginas 291-296 (abril 2013)
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Evolução das características morfofuncionais do coração do atleta durante uma época desportiva
Morphological and functional changes in athletes’ hearts during the competitive season
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Nuno Cabanelasa,
Autor para correspondência
ncabanelas@gmail.com

Autor para correspondência.
, Secundino Freitasb, Lino Gonçalvesc
a Serviço de Cardiologia, Hospital Distrital de Santarém, Santarém, Portugal
b Departamento Médico, Associação Académica de Coimbra, Organismo Autónomo de Futebol, Coimbra, Portugal
c Serviço de Cardiologia, Hospitais da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
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Estatísticas
Tabelas (8)
Tabela 1. Parâmetros demográficos
Tabela 2. Composição do grupo quanto à etnia
Tabela 3. Variação dos parâmetros ecocardiográficos
Tabela 4. Significado estatístico das correlações entre as variações dos parâmetros
Tabela 5. Diferenças na variação dos parâmetros entre atletas de etnias diferentes
Tabela 6. Influência da idade na variação dos parâmetros
Tabela 7. Correlação entre a variação do espessamento do septo e a % de utilização
Tabela 8. Estudo de possíveis preditores da % de utilização em competição
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Resumo

A presente investigação tem por objetivo estabelecer quais as alterações cardiológicas morfofuncionais, que ocorrem ao longo de uma época desportiva, em atletas de alta competição com modificações adaptativas previamente induzidas.

Para tal, realizaram-se dois exames ecocardiográficos a cada um dos atletas do plantel sénior de uma equipa de futebol profissional, um no início da fase de treinos e outro no período de maior intensidade competitiva, considerado como o pico de esforço.

Demonstrou-se que, após o breve período de descondicionamento que correspondeu às férias desportivas, existe lugar a adaptações adicionais, mesmo em atletas com vários anos de prática profissional prévia.

Entre as duas avaliações, verificou-se o aumento significativo da espessura das paredes do ventrículo esquerdo e respetiva massa, e do diâmetro da aurícula esquerda, com manutenção do diâmetro telediastólico do ventrículo esquerdo, e dos parâmetros de função diastólica considerados. Uma maior extensão da hipertrofia da musculatura ventricular relacionou-se com maior utilização em competição por parte dos atletas em que ela ocorreu.

A principal limitação do estudo prende-se com o pequeno número de atletas estudados.

Palavras-chave:
Coração de atleta
Adaptações cardíacas ao esforço
Ecocardiografia em atletas
Abstract

This research aims to determine the cardiac morphological and functional changes that occur during the competitive season in elite athletes with previously-induced adaptive changes.

Two echocardiographic examinations were performed in each player of a senior professional football team, the first at the beginning of the training phase and the other at the peak of the competitive season.

It was demonstrated that after the brief period of deconditioning during the holiday period, further changes took place, even in these athletes with several years of prior professional activity.

There was a significant increase between the two assessments in left ventricular wall thickness and mass, and in left atrial diameter, but left ventricular diastolic diameter and the diastolic function parameters considered remained the same. Greater left ventricular wall hypertrophy was related to more competitive playing time in these players.

The main limitation of the study is the small number of athletes studied.

Keywords:
Athlete's heart
Cardiac adaptations to effort
Echocardiography in athletes
Texto Completo
Introdução

Durante a atividade, as necessidades metabólicas do tecido muscular aumentam massivamente, havendo necessidade de aumento do débito cardíaco. Se a prática desportiva for suficientemente intensa e prolongada, vão ser induzidas alterações morfológicas e funcionais no coração do praticante1, conhecidas genericamente como «coração do atleta».

A descrição clássica das características do coração do atleta tem como imagem de marca o remodelling do ventrículo esquerdo (VE), ocorrendo aumento da espessura parietal e aumento das dimensões da cavidade com preservação, e inclusivamente melhoria, das funções sistólica e diastólica2,3.

No entanto, várias modificações morfofuncionais noutras estruturas cardíacas e vasculares são descritas em estudos com cada vez mais elevado número de atletas.

A relação E/A (relação entre a velocidade máxima do fluxo de enchimento passivo do VE em protodiástole e a velocidade máxima do fluxo de enchimento do VE provocada pela contracção auricular em telediástole, ambas medidas com Doppler pulsado na câmara de entrada do VE, na projecção apical 4C) apresenta valores ligeiramente superiores em atletas4,5. Valores maiores que dois são habitualmente encontrados em atletas treinados, principalmente em desportos com maior componente dinâmico6. Devido ao facto de a frequência cardíaca ser menor, com consequente maior duração da diástole e maior tempo de enchimento do ventrículo esquerdo, a contribuição relativa da contração auricular para o enchimento deste é menor7, o que diminui a velocidade-pico da onda A, aumentando a relação E/A.

Em grupos de indivíduos saudáveis não ligados à prática desportiva, é apontado o valor de 40mm para o diâmetro da aurícula esquerda, medido por ecocardiografia na projeção paraesternal longo-eixo8. No entanto, com base em estudos observacionais em atletas de alta competição, esses limites são mais altos9. Propõem-se valores de 46mm para mulheres e 50mm para homens. O principal determinante da magnitude do aumento da dimensão das aurículas parece ser o diâmetro telediastólico do ventrículo esquerdo (DtdVE), tendo sido estimado o aumento de 0,4mm de diâmetro auricular por cada milímetro de aumento do DtdVE9.

Foi proposto também que, dadas as forças geradas pela elevação crónica do volume ejetado pelo VE e o ligeiro aumento da tensão arterial durante o exercício, a prática desportiva provocasse a dilatação da raiz da aorta10.

Em resposta ao crónico aumento do volume intravascular circulante, um diâmetro da veia cava inferior aumentado é praticamente universal11 e independente do tipo de desporto praticado.

Durante o exercício, ocorre um aumento da pressão sistólica na artéria pulmonar (PSAP)12,13. No entanto, a informação disponível acerca dos efeitos crónicos do exercício repetitivo na PSAP é ainda escassa.

Os primeiros estudos que analisam o tipo e os limites das adaptações fisiológicas ao esforço físico incluíram, quase exclusivamente, atletas masculinos e caucasianos de idades compreendidas entre 18 e 35 anos14, sendo os limites das referidas adaptações daí inferidos universalmente utilizados como critérios orientadores da distinção com situações patológicas.

A extrapolação destes limites para a população de ascendência africana ou afro-caribenha carece de validação e pode inclusivamente introduzir erros diagnósticos com graves consequências clínicas e pessoais.

Num estudo que comparou os limites adaptativos entre grupos de atletas de alta competição de origem africana ou afro-caribenha e caucasianos15, foi demonstrado que, nos primeiros, o aumento médio da espessura do septo do VE foi 12% superior a dos segundos. No mesmo estudo, a prevalência de espessura do septo maior que 12mm foi 18 versus 4% e o valor máximo alcançado foi 16mm em afrodescendentes e 14mm nos caucasianos.

Apesar de grande parte das modificações induzidas no coração pela prática desportiva intensa e prolongada estar neste momento bem descrita, particularmente no que diz respeito ao ventrículo esquerdo, a dinâmica temporal dessas alterações carece de clarificação, nomeadamente no que respeita à resposta do miocárdio ao efeito das variações sazonais da intensidade do programa de exercício.

Objetivos

Constituem objetivos desta análise avaliar a dinâmica do padrão de adaptação cardíaca ao esforço ao longo da época desportiva em indivíduos com alterações adaptativas previamente induzidas, ou seja, se existe ou não modificação adicional nos aspetos ecocardiográficos analisados, entre o início da fase de treinos e o período considerado como pico competitivo; avaliar se há relação entre a magnitude das modificações induzidas em determinadas estruturas cardíacas com aquelas observadas noutras estruturas; e avaliar se esse padrão adaptativo tem características semelhantes em todos os atletas, isto é, se existem diferenças entre os atletas consoante a raça, a idade e a percentagem de utilização em competição (como indicador da performance desportiva).

Métodos

Foram realizadas duas avaliações ecocardiográficas (bidimensional, modo M e Doppler) aos jogadores do plantel sénior de uma equipa profissional de futebol do mais alto escalão português, em duas fases distintas da temporada:

  • no início da fase de treinos, após um período de descondicionamento físico parcial, provocado pela ausência de treino orientado e prática competitiva durante o período de férias de verão (que foi, em média, de 41,24 d por atleta)

  • na fase considerada como o pico competitivo (fevereiro/março – 7.° e 8.° mês da época), por esta incluir o período de maior densidade temporal de jogos após o período de recondicionamento característico das semanas iniciais da época desportiva.

A escolha de uma equipa profissional deveu-se à necessidade de garantia de uma prática desportiva frequente, quotidiana, intensa, supervisionada e dirigida por elementos com experiência e competência na área da preparação para a competição. A categoria de «profissional» é garantia, neste caso, da existência de um elevado nível de condicionamento físico prévio, principalmente no âmbito cardiovascular, provocado por períodos prévios de duração considerável de treino e alta competição.

Todos os atletas em questão tinham previamente sido alvo de avaliação médico-desportiva exaustiva por parte do Departamento Clínico do clube, tendo todos sido considerados saudáveis.

Critérios de exclusão

Os atletas que saíram do plantel entre a primeira e a segunda avaliação foram excluídos, bem como os que foram admitidos no plantel entre as duas avaliações, devido à ausência de dados comparativos.

Os exames foram todos executados pelo autor, utilizando sempre o mesmo aparelho (Vivid i Cardiovascular Ultrasound System, General Electrics Healthcare Company®, Reino Unido).

Os parâmetros foram revistos a posteriori por um segundo observador, e aqueles nos quais não houve concordância entre as duas observações foram revistos novamente em conjunto e discutidos e foi obtido um valor consensual, por forma a eliminar a variabilidade interobservador inerente a este método de diagnóstico imagiológico.

Variáveis

Cada um dos jogadores foi caracterizado quanto à idade, altura, peso e índice de massa corporal (pela fórmula de Mosteller), etnia e número de anos de prática desportiva profissional no início da época. No final da época, foi contabilizado o tempo de utilização total em competição de cada um dos jogadores, bem como antes e depois da segunda avaliação ecocardiográfica. A percentagem de utilização em competição constitui um dos fatores, na avaliação do rendimento desportivo de um atleta, com quantificação exata possível.Os parâmetros ecocardiográficos avaliados foram: espessura das paredes do ventrículo esquerdo; massa ventricular esquerda, calculada pela fórmula de Devereux; diâmetro telediastólico do ventrículo esquerdo; diâmetro da aurícula esquerda; diâmetro da raiz da aorta; área das aurículas esquerda e direita; diâmetro do ventrículo direito no ponto de maior diâmetro; massa do ventrículo esquerdo; relação E/A; gradiente E/E’ (relação entre a velocidade máxima do fluxo de enchimento ventricular passivo, em protodiástole, obtido por Doppler pulsado, e a velocidade tecidular máxima do anel mitral na mesma fase de enchimento, obtido por Doppler tecidular); valor da velocidade de excursão sistólica do anel tricúspide; fração de ejeção, calculada pelo método de Simpson modificado; gradiente VD-AD (ventrículo direito - aurícula direita); diâmetro e cinética respiratória da veia cava inferior; e valor estimado da pressão sistólica na artéria pulmonar.

Compararam-se individualmente as variáveis obtidas no primeiro exame com aquelas obtidas no segundo. Numa segunda fase, avaliou-se a presença de relação entre a variação dos parâmetros obtidos por ecocardiografia e os parâmetros demográficos analisados, bem como com a percentagem de utilização em competição, pretendendo analisar a presença de particularidades do padrão de adaptação ao esforço nos respetivos subgrupos.

Análise estatística

A análise estatística foi feita utilizando SPSS versão 13.0 para Windows (SPSS Inc. Chicago, Illinois, Estados Unidos da América).

As variáveis são caracterizadas por média e desvio-padrão. Utilizou-se o teste T de Student, teste de Wilcoxon, teste de Kruskall-Wallis, coeficiente de correlação de Spearman e de Pearson para comparação das variáveis e inferência de associações estatísticas. Considerou-se haver significado estatístico, quando p<0,05, com intervalo de confiança de 95%.

A partir da construção de um modelo de regressão, considerando como variável dependente a percentagem de utilização em competição entre o segundo ecocardiograma e o final da época e como variáveis independentes as variações da espessura do septo, do diâmetro da aurícula esquerda, do gradiente VD-AD e da velocidade do anel tricúspide, operou-se uma regressão linear para avaliar se as variáveis independentes, individualmente, eram preditoras de uma maior utilização em competição nesse período.

Resultados

Foram incluídos no estudo 27 atletas. Os resultados das análises efetuadas encontram-se nas Tabelas 1–8.

Tabela 1.

Parâmetros demográficos

Parâmetros demográficos  Média  Desvio-padrão  Mínimo  Máximo 
Idade (anos)  24,7  3,4  18  34 
Peso (kg)  74  65  84 
Área de superfície corporal (m21,917  0,088  1,745  2,061 
Anos de prática profissional prévia  6,2  2,9  14 
Tabela 2.

Composição do grupo quanto à etnia

Etnia  % 
Caucasiano  16  59,3 
Mestiço  11,1 
Afrodescendente  29,6 
Tabela 3.

Variação dos parâmetros ecocardiográficos

Parâmetros  1. exame (média±DE)  2.° exame (média±DE) 
Espessura do septo (mm)  11,08±0,97  12,51±1,37  < 0,001 
Espessura da parede posterior (mm)  10,82±1,16  12,50±1,61  < 0,001 
Massa VE/ASC (g/m2111,52±16,64  142,68±31,26  < 0,001 
Diâmetro telediastólico VE (mm)  50,43±4,19  50,90±4,23  0,47 
Fração de ejeção (%) (repouso)  60,25±5,99  61,26±6,45  ns 
Diâmetro da aur. esquerda (mm)  36,12±4,46  38,93±4,43  < 0,001 
Área aur. esquerda (cm219,26±3,59  19,56±3,70  0,50 
Diâmetro da raiz da aorta (mm)  28,02±3,45  29,13±2,92  0,06 
E/E’  6,82±1,4  6,68±1,4  ns 
E/A  1,57±0,12  1,55±0,11  ns 
Velocidade sistólica anel tric. (cm/s)  15,95±2,34  15,21±2,30  ns 
PSAP (mmHg)  19,95±6,49  22,68±7,48  0,22 
Tabela 4.

Significado estatístico das correlações entre as variações dos parâmetros

Correlações entre variações dos parâmetros analisadas  Valor de p 
Espessura do septo versus área da AE  0,95 
Espessura do septo versus diâmetro da AE  0,52 
Espessura do septo versus E/A  0,79 
Espessura do septo versus E/E’  0,35 
Diâmetro telediastólico VE versus área da AE  0,17 
Diâmetro telediastólico VE versus diâmetro da AE  0,17 
E/A versus diâmetro da AE  0,02 
E/A versus diâmetro telediastólico VE  0,74 
PSAP versus área AD  0,03 
PSAP versus vel. sistólica anel tricúspide  0,86 
PSAP versus área da AE  0,01 
PSAP versus diâmetro da AE  0,09 
Tabela 5.

Diferenças na variação dos parâmetros entre atletas de etnias diferentes

Diferenças étnicas versus variação dos parâmetros  Valor de p 
Etnia versus variação da espessura do septo  0,56 
Etnia versus variação da espessura da parede posterior  0,80 
Etnia versus variação da massa do VE  0,38 
Etnia versus variação do diâmetro telediastólico do VE  0,82 
Etnia versus variação do diâmetro da AE  0,01 
Tabela 6.

Influência da idade na variação dos parâmetros

Idade versus variação dos parâmetros  Valor de p 
Idade versus variação da espessura do septo  0,63 
Idade versus variação do diâmetro telediastólico do VE  0,68 
Idade versus variação da massa do VE  0,64 
Tabela 7.

Correlação entre a variação do espessamento do septo e a % de utilização

Correlação espessamento do septo versus % utilização  Valor de p 
Δ espessura do septo versus % utilização no total da época  0,04 
Δ espessura do septo versus % utilização antes do 2.° exame  0,28 
Δ espessura do septo versus % utilização entre o 2.° exame e o final da época  0,001 
Tabela 8.

Estudo de possíveis preditores da % de utilização em competição

  Valor de p 
Espessura do septo versus variável dependente  0,006 
Diâmetro da AE versus variável dependente  0,796 
Gradiente VD-AD versus variável dependente  0,144 
Vel. sistólica anel tricúspide versus variável dependente  0,012 

A partir da construção de um modelo de regressão, considerando como variável dependente a percentagem de utilização em competição entre o segundo exame e o final da temporada, e como variáveis independentes a variação da espessura do septo, a variação do diâmetro da AE, a variação do gradiente VD-AD e a variação anel tricúspide (selecionadas pelo método de Stepwise), obtiveram-se os seguintes resultados que constam na Tabela 8:

Discussão

Ao longo da época, verificou-se a ocorrência de espessamento significativo das paredes do ventrículo esquerdo. No pico competitivo, 66,6% dos atletas apresentaram valores de espessura septal > 12mm, e 33,3% > 13mm. O limite máximo foi de 15,18mm num atleta de origem africana. A diferença verificada neste parâmetro, relativamente a outros estudos17, pode estar relacionada com o tipo específico de desporto praticado, mas também com o período competitivo em que o segundo ecocardiograma foi realizado, considerado o pico de esforço.

O facto de não ter havido diferença estatisticamente significativa ao longo da época no que se refere ao DtdVE sugere a necessidade de um período de maior latência para se observarem modificações deste parâmetro no ecocardiograma realizado em repouso.

Assim, neste tipo de população já cronicamente sujeita a intensas cargas de treino e com profundas alterações adaptativas previamente estabelecidas, as variações sazonais, de curta duração, na intensidade do treino, provocam modificações no ventrículo esquerdo, que se expressam essencialmente através de variações na espessura das paredes e menos na variação do volume da cavidade.

Relativamente à massa ventricular esquerda, parâmetro derivado da espessura parietal e do DtdVE, verificou-se igualmente que houve aumento da primeira para a segunda determinação.

Conforme esperado, o mesmo aconteceu com a massa ventricular esquerda corrigida para a área de superfície corporal (ASC). Na primeira determinação, 63,0% dos atletas tinham valores de massa VE/ASC acima do valor considerado como limite superior do normal (102g/m2)8, sendo que 11,1% tinham critérios para hipertrofia ventricular esquerda grave. Após a segunda determinação, apenas um atleta tinha valor de massa VE/ASC abaixo do limite superior do normal e 55,5% tinham hipertrofia grave do ventrículo esquerdo. O valor máximo para massa ventricular esquerda no início da temporada foi de 279g e no pico de esforço foi 458g.

A fração de ejeção não variou significativamente, dado que ambas as medições foram efetuadas sob as mesmas condições de demanda circulatória que não exigiam condições distintas de pré-carga e contratilidade.

O coração do atleta caracteriza-se pela normalidade da função diastólica, apesar da hipertrofia que pode ocorrer. Nesta análise, realça-se novamente que a hipertrofia ventricular verificada entre as duas medições não cursou com qualquer prejuízo da função diastólica.

Atuando durante a diástole como um conduto entre as veias pulmonares e o VE e, durante a sístole, como um reservatório, a aurícula esquerda é uma estrutura com parede bem menos espessa do que a do ventrículo esquerdo e, como tal, é bem mais complacente e suscetível a pequenas variações crónicas no seu volume de enchimento. Nesta amostra de atletas houve um significativo aumento do diâmetro auricular esquerdo entre as duas medições. Esta cavidade não é uma cavidade simétrica16 e, como tal, não se verificou similaridade na magnitude do aumento de dimensão quando se analisa o diâmetro e a área.

Por outro lado, observou-se uma estreita relação entre o aumento do valor de E/A e o aumento do diâmetro auricular esquerdo (coef. de Spearman 0,44, p=0,02), facto que sugere que quanto maior é a aurícula esquerda, maior é a quantidade de sangue nela armazenado durante a sístole ventricular e maior será a onda E da fase protodiastólica de enchimento rápido do VE. Como a maior parte do enchimento ventricular ocorre nesta fase, a repercussão do maior volume intra-auricular sobre a onda A não resulta num aumento tão marcado como acontece para a onda E, o que torna maior a relação E/A. Além disso, conforme foi dito atrás, a contração auricular em atletas treinados contribui menos para o enchimento ventricular do que em controlos sedentários, dada a menor frequência cardíaca nos primeiros e, consequentemente, o maior tempo de diástole.

Comparando as duas medições de PSAP em atletas já adaptados em repouso (com condições semelhantes de pré-carga), o aumento não foi estatisticamente significativo do primeiro para o segundo exame, apesar de se ter notado uma tendência para maior regurgitação tricúspide.

A nível de diferenças raciais detetadas, verificou-se que, no início da época, a espessura das paredes do VE dos jogadores de origem africana era maior. No decorrer da época, o espessamento nos primeiros também foi maior; no entanto, dada a pequena amostra considerada os valores, não foram estatisticamente significativos.

A idade dos atletas também não mostrou ter influência na ocorrência de padrões específicos de adaptação adicional, observação essa, mais uma vez, limitada pelo curto número de atletas analisados.

Assim, de entre os resultados obtidos, a hipertrofia das paredes do VE constitui a marca deste padrão de adaptação adicional ocorrida entre o início da fase de treinos e o pico competitivo.

Neste contexto, adquire particular relevância a forma como este marcador se relaciona com o rendimento desportivo. Pelo modelo de regressão linear construído, o aumento da espessura do septo foi considerado fator preditor independente de uma maior utilização em competição após o segundo exame (valor de p, pelo teste F=0,008).

Conclusão

As diferenças encontradas entre os primeiros e os segundos exames foram ténues, uma vez que se comparam os mesmos indivíduos numa fase em que grande parte das alterações estruturais que ocorrem no «coração do atleta» já se manifestaram, tendo em conta o longo passado de prática de competição. Notaram-se apenas modificações nas características cuja cinética de aparecimento/desaparecimento é mais rápida.

Uma das conclusões mais importantes que se podem retirar desta análise é que há lugar para adaptações adicionais entre períodos da época em que o nível de atividade física é diferente. Estas consistem essencialmente na hipertrofia das paredes do ventrículo esquerdo, com consequente aumento da sua massa normalizada para a área de superfície corporal, e no aumento das dimensões da aurícula esquerda. Por outro lado, variáveis como o DtdVE, a fração de ejeção e os parâmetros Doppler de função diastólica não se alteraram significativamente.

O grau de espessamento do septo demonstrou comportar-se como preditor independente de maior utilização em competição. Isto sugere que uma melhor evolução adaptativa a nível cardiovascular se enquadra num melhor condicionamento físico global, com reflexo a nível do rendimento desportivo.

Não houve subgrupos em que determinada característica, nomeadamente padrões específicos de hipertrofia ou dilatação cavitária, se modificasse de forma mais ampla do que noutros.

Em suma, as características do «coração do atleta» não são irreversíveis ou estáticas, antes se modificam consoante as exigências sazonais que lhe são impostas. Essa dinâmica adaptativa não é a mesma para todos os parâmetros analisados.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

  • -

    Ao Departamento Médico da Associação Académica de Coimbra, O.A.F.

  • -

    Ao Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Coimbra

  • -

    Ao Centro Nacional de Coleção de Dados em Cardiologia da Sociedade Portuguesa de Cardiologia

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