A monitorização da atividade da doença e o melhor esquema terapêutico ainda têm sido um desafio em pacientes com arterite de Takayasu (AT). Em síndromes coronárias agudas (SCA) a melhor forma de tratamento intervencionista mantém-se indefinida. Dessa forma, descrevemos as características basais, as manifestações clínicas, os achados angiográficos, o tratamento definitivo adotado e a evolução a longo prazo de pacientes com AT que apresentaram SCA.
MétodosEntre 2004 e 2010, foram analisados retrospetivamente oito pacientes com AT que apresentaram SCA. Foram obtidas as seguintes informações: idade, sexo, manifestações clínicas e eletrocardiográficas, estado hemodinâmico, fatores de risco para SCA, marcadores de necrose miocárdica, clearance de creatinina, fração de ejeção de ventrículo esquerdo, marcadores inflamatórios, medicações utilizadas, achados angiográficos, tratamento definitivo adotado e evolução a longo prazo.
ResultadosOs 8 pacientes eram mulheres. A mediana de idade foi de 49 anos. A dor precordial típica esteve presente em 37,5%. Cerca de 85,7% apresentaram aumento de velocidade de hemossedimentação. O seguimento mais acometido foi o tronco da coronária esquerda em 62,5%. Em três casos optou-se pela revascularização cirúrgica, em dois pacientes realizou-se uma angioplastia com stent convencional, num outro com stent farmacológico e em dois doentes manteve-se o tratamento clínico. Registou-se uma mortalidade intra-hospitalar de 25% e em seguimento médio de 30 meses não houve mortes.
ConclusãoEm pacientes que sobreviveram ao quadro agudo e receberam alta hospitalar, foram obtidos bons resultados a longo prazo, principalmente com tratamento clínico ou cirúrgico. A velocidade de hemossedimentação parece estar mais relacionada com a ocorrência de quadros de SCA em pacientes com AT.
Monitoring of disease activity and the best therapeutic approach are a challenge in Takayasu arteritis (TA). When associated with acute coronary syndromes (ACS), the best interventional treatment has not been established. The objective of this study was to describe the baseline characteristics, clinical manifestations, treatment and long-term outcome of patients with TA and ACS.
MethodsWe retrospectively analyzed eight patients between 2004 and 2010. The following data were obtained: age, gender, clinical and electrocardiographic manifestations, Killip class, risk factors for ACS, markers of myocardial necrosis (CK-MB and troponin), creatinine clearance, left ventricular ejection fraction, inflammatory markers (C-reactive protein and erythrocyte sedimentation rate [ESR]), medication during hospital stay, angiographic findings, treatment (medical, percutaneous or surgical) and long-term outcome. Statistical data were expressed as percentages and absolute values.
ResultsAll eight patients were women, median age 49 years. Typical chest pain was present in 37.5%. Elevated ESR was observed in 85.7%. Three patients underwent coronary artery bypass grafting, three underwent percutaneous coronary angioplasty (two with bare-metal stents and one with a drug-eluting stent) and two were treated medically. In-hospital mortality was 25%. There were no deaths during a mean follow-up of 30 months.
ConclusionsIn our study, patients who were discharged home had good outcomes in long-term follow-up with medical, percutaneous or surgical treatment. ESR appears to be associated with ACS in TA.
Introdução: Devido à raridade dos casos, a monitorização da atividade da doença e o melhor esquema terapêutico ainda têm sido um desafio em pacientes com arterite de Takayasu (AT). Em casos de síndromes coronárias agudas (SCA), a melhor forma de tratamento intervencionista mantém-se indefinida. Dessa forma, descrevemos as características basais, as manifestações clínicas, os achados angiográficos, o tratamento definitivo adotado e a evolução a longo prazo de pacientes com AT que apresentaram SCA. Métodos: Entre 2004 e 2010, foram analisados retrospetivamente oito pacientes com AT que apresentaram SCA. Foram obtidas as seguintes informações: idade, sexo, manifestações clínicas e eletrocardiográficas, estado hemodinâmico, fatores de risco para SCA, marcadores de necrose miocárdica, clearance de creatinina, fração de ejeção de ventrículo esquerdo, marcadores inflamatórios, medicações utilizadas, achados angiográficos, tratamento definitivo adotado e evolução a longo prazo. A análise estatística foi apresentada sob forma descritiva com percentagens e valores absolutos. Resultados: Os oito pacientes eram mulheres. A mediana de idade foi de 49 anos. A dor precordial típica esteve presente em 37,5%. Seis (75%) dos pacientes não apresentaram elevação de marcadores de necrose miocárdica. O eletrocardiograma mostrou-se sem alterações sugestivas de isquemia em 62,5% dos casos. Quatro (50%) pacientes apresentaram elevação de proteína-C reativa e 85,7% apresentaram aumento de velocidade de hemossedimentação. O seguimento mais acometido foi o tronco da coronária esquerda e a artéria coronária direita em 62,5% dos casos. Em três casos optou-se pela revascularização cirúrgica miocárdica, em dois pacientes realizou-se uma angioplastia com stent convencional, num outro com stent farmacológico e em dois doentes manteve-se o tratamento clínico. Registou-se uma mortalidade intra-hospitalar de 25% e em seguimento médio de 30 meses não houve mortes. Somente um paciente revascularizado cirurgicamente apresentou angina estável sem necessidade de reintervenção e um caso tratado com angioplastia por stent convencional apresentou angina instável com realização de nova abordagem intervencionista. Conclusão: O conhecimento de características clínicas, eletrocardiográficas e hemodinâmicas é fundamental para a definição do melhor tratamento. A melhor forma de intervenção ainda é controversa, dada a falta de casos relatados sobre o assunto. No nosso estudo, em pacientes que sobreviveram ao quadro agudo e receberam alta hospitalar, foram obtidos bons resultados a longo prazo, principalmente com tratamento clínico ou cirúrgico. A velocidade de hemossedimentação parece estar mais relacionada com a ocorrência de quadros de SCA em pacientes com AT.
IntroduçãoA arterite de Takayasu (AT) é uma doença inflamatória crónica de etiologia desconhecida que acomete grandes vasos, principalmente a aorta e os seus principais ramos, vasos pulmonares e coronárias1. Devido à raridade dos casos, a monitorização da atividade da doença e o melhor esquema terapêutico ainda têm sido um desafio para todos os que tratam estes pacientes. Especificamente em casos de síndromes coronárias agudas (SCA), a melhor forma de tratamento intervencionista mantém-se indefinida. Algumas séries de casos apresentam a sua experiência com angioplastia coronária (ATC) e/ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), porém com pouca consistência1. Nesse contexto, descrevemos uma série de casos com as características basais, as manifestações clínicas, os achados angiográficos, o tratamento definitivo adotado e a evolução a longo prazo de pacientes com AT que apresentaram SCA.
MétodosEntre os anos de 2004 e 2010, foram analisados retrospetivamente oito pacientes com AT que apresentaram SCA (angina instável e/ou infarto agudo do miocárdio). O diagnóstico de AT foi realizado com base nos critérios do American College of Rheumatology de 1990 e, portanto, estabelecido através da presença de idade menor que 40 anos, diferença de pressão arterial maior que 10mmHg entre membros, sopro aórtico e anormalidade no arteriograma (realizado por arteriografia, ultrassonografia com Doppler e/ou angiotomografia computadorizada)1.
Todos os pacientes com dor torácica típica foram imediatamente categorizados como SCA e estratificados de acordo com o risco de sua apresentação clínica. Aqueles com dor atípica e/ou sintomas de equivalente isquémico (como dispneia) foram submetidos a um protocolo de dor torácica permanecendo em observação por 12h e realizando ECG e marcadores de necrose miocárdica (troponina e CKMB) de 3 em 3h. Caso apresentassem alteração de ECG como infradesnível de ST ou inversão de onda T e/ou positivassem os marcadores de necrose, seria dado o diagnóstico de SCA e, portanto, seriam incluídos no estudo. Dos pacientes relatados, os três casos de dor típica apresentavam eletrocardiograma e marcadores de necrose miocárdica normais, e os outros cinco casos (com dor atípica e/ou dispneia) apresentavam alguma alteração de eletrocardiograma e/ou marcadores de necrose.
Foram obtidas as seguintes informações: idade, sexo, manifestações clínicas e eletrocardiográficas, estado hemodinâmico (Killip), fatores de risco para SCA, marcadores de necrose miocárdica (CKMB e troponina), clearance de creatinina, fração de ejeção de ventrículo esquerdo, marcadores inflamatórios (proteína-C reativa e velocidade de hemossedimentação), medicações utilizadas no internamento, achados angiográficos, tratamento definitivo adotado (clínico, ATC e/ou cirúrgico) e evolução a longo prazo.
Foram também obtidas informações sobre lesões arteriais anatómicas relatadas através de angiografia e/ou angiotomografia computadorizada. Foram consideradas lesões significativas quando correspondiam a no mínimo 70% do diâmetro luminal do vaso, tanto do ponto de vista coronariano quanto sistémico.
Quando realizado o tratamento por ATC foram descritos os tipos de stent empregados (convencional ou farmacológico). Em relação às CRM realizadas, foram relatados todos os enxertos arteriais e/ou venosos utilizados.
A análise estatística foi apresentada sob a forma descritiva com percentagens e valores absolutos.
ResultadosOs oito pacientes eram mulheres. A mediana de idade foi de 49 anos. As características basais dos pacientes estão descritas na tabela 1. A apresentação clínica predominante foi a angina instável em 75% dos casos, com eletrocardiograma normal em 62,5% das vezes, conforme descrito na tabela 2.
Características basais dos pacientes com AT e SCA
Características basais | |
Tempo de internamento (média-dias) | 14 (2-43) |
Idade (mediana-anos) | 49 (30-55) |
Sexo feminino | 8 (100%) |
Fatores de risco | |
Hipertensão arterial sistémica | 2 (50%) |
Dislipidemia | 1 (25%) |
Diabetes mellitus | 0 |
Tabagismo | 2(25%) |
Antecedentes | |
FEVE (média) | 62,38% (55-71) |
IAM/DAC prévios | 3 (37,5%) |
CRM prévia | 1 (12,5%) |
Angina estável (CCS) | |
CCS I | 0 |
CCS II | 2 (25%) |
CCS III | 0 |
CCS IV | 0 |
Insuficiência cardíaca (NYHA) | |
CF I | 0 |
CF II | 2 (25%) |
CF III | 1 (12,5%) |
CF IV | 0 |
Exames laboratoriais (média) | |
Clearance de creatinina (ml/min/1,73m3) | 53,75 (39-> 60) |
Hemoglobina (g/dL) | 11,9 (10,1 - 14) |
Leucócitos (/mm3) | 9 421 (6 200 – 13 400) |
Plaquetas (/mm3) | 250 875 (199 000 – 345 000) |
LDL-colesterol (mg/dL) | 89 (53 - 136) |
HDL-colesterol (mg/dL) | 53 (39 - 90) |
Triglicérides (mg/dL) | 102 (54 - 163) |
Proteína-C reativa (mg/L) | 8,2 (1,2 - 25,8) |
VHS | 33,7 (8 - 55) |
Presença de autoanticorpos | |
FAN | 1 (12,5%) |
Fator reumatóide | 0 |
Anticardiolipina | 1 (12,5%) |
Anticoagulante lúpico | 1 (12,5%) |
ANCA | 0 |
ANCA: anticorpos anticitoplasma de neutrófilos; CCS: Canadian Cardiovascular Society; CF: classe funcional; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; DAC: doença arterial coronária; FAN: fator antinúcleo; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; IAM: infarto agudo do miocárdio; NYHA: New York Heart Association; VHS: velocidade de hemossedimentação.
Características clínicas e eletrocardiográficas dos pacientes com AT e SCA
Características clínicas e eletrocardiográfícas | |
Quadroclínico | |
Dor típica | 3 (37,5%) |
Dor atípica | 2 (25%) |
Ausência de dor | 3 (37,5%) |
Dispneia | 3 (37,5%) |
Eletrocardiograma | |
Supradesnível de ST | 0 |
Infradesnível de ST | 1 (12,5%) |
Inversão de onda T | 2 (25%0 |
Sem alterações | 5 (62,5%) |
Classificação da SCA | |
IAM com supradesnível de ST | 0 |
IAM sem supradesnível de ST | 2 (25%) |
Angina instável | 6 (75%) |
Classificação hemodinâmica - Killip | |
I | 8 (100%) |
II | 0 |
III | 0 |
IV | 0 |
Arritmias | |
FA/flutter atrial | 0 |
TVNS | 0 |
TV sustentada | 0 |
FV/TV sem pulso | 2 (25%) |
Medicações utilizadas (primeiras 48h) | |
β-Bloqueador | 5 (62,5%) |
Nitrato | 5 (62,5%) |
IECA | 5 (62,5%) |
ARA II | 1 (12,5%) |
Espironolactona | 0 |
Furosemida | 2 (25%) |
AAS | 7 (87,5%) |
Clopidogrel | 3 (37,5%) |
IGP IIbIIIa | 2 (25%) |
HNF | 2 (25%) |
Enoxaparina | 5 (62,5%) |
Estatina | 7 (87,5%) |
Mofetila | 1 (12,5%) |
MTX | 2 (25%) |
Corticoide | 3 (37,5%) |
Azatioprina | 1 (12,5%) |
AAS: ácido acetilsalicílico; ARA II:inibidor da angiotensina II; FA: fibrilação atrial; FV: fibrilação ventricular; HNF: heparina não fracionada; IAM: infarto agudo do miocárdio; IECA: inibidor da enzima conversora de angiotensina; IGP: inibidor da glicoproteína; MTX: metotrexate; SCA: síndrome coronária aguda; TV: taquicardia ventricular; TVNS: taquicardia ventricular não sustentada.
Os seguimentos arteriais mais acometidos foram a artéria subclávia e as artérias renais em 62,5% dos casos, seguidas por carótida e aorta em 50% dos pacientes e ilíaca em 25% dos doentes. Referente à anatomia coronária, o seguimento mais acometido foi o tronco da coronária esquerda e a artéria coronária direita em 62,5% dos casos, seguidos por artéria descendente anterior e circunflexa em 25% dos pacientes. Num (12,5%) caso de SCA não foi encontrada lesão obstrutiva coronária. A lesão ostial foi observada em 75% dos pacientes. Do total, três (37,5%) casos eram triarterias e dois (25%) biarteriais (Tabela 3).
Características angiográficas dos pacientes com AT e SCA
Achados angiográficos coronarianos | |
Artéria acometida | |
Tronco de coronária esquerda | 5 (62,5%) |
Descendente anterior | 2 (25%) |
Coronária direta | 5 (62,5%) |
Circunflexa | 2 (25%) |
Diagonal | 1 (12,5%) |
Ponte de veia safena | 1 (12,5%) |
Sem lesões | 1 (12,5%) |
Padrão arterial | |
Triarterial | 3 (37,5%) |
Biarterial | 2 (25%) |
Uniarterial | 3 (37,5%) |
Lesões ostiais | 6 (75%) |
Em três casos optou-se pela CRM, em dois pacientes realizou-se uma ATC com stent convencional, num outro com stent farmacológico, e em dois doentes manteve-se o tratamento clínico. Registou-se a mortalidade intra-hospitalar de 25% e em seguimento médio de 30 meses não houve mortes. Somente um paciente revascularizado cirurgicamente apresentou angina estável sem necessidade de reintervenção e um caso tratado com ATC com stent convencional apresentou angina instável com realização de nova abordagem terapêutica intervencionista (Tabela 4).
Tratamento e evolução a longo prazo dos pacientes com AT e SCA
Tratamento e evolução a longo prazo | |
Evolução geral a longo prazo | |
Seguimento (meses) | 30,67 (6-66) |
AVC no internamento | 1 (12,5%) |
Mortalidade após alta | 0 |
Mortalidade intra-hospitalar | 2 (25%) |
SCA | 1 (16,67%) |
Angina estável | 1 (16,67%) |
Assintomático | 4 (66,67%) |
Pacientes submetidos à CRM | |
Número de casos | 3 (37,5%) |
Enxertos utilizados | |
Mamaria E in situ | 2 |
Veia safena | 2 |
Artéria Esplênica | 1 |
Seguimento | |
Tempo (meses) | 20,67 (6-50) |
SCA | 0 |
Angina estável | 1 (33,34%) |
Assintomático | 2 (66,67%) |
Necessidade de reintervenção | 0 |
Mortalidade | 0 |
Pacientes submetidos à ATC - Stent convencional | |
Número de casos | 2 (25%) |
Artérias submetidas à ATC | |
CD | 1 (50%) |
TCE | 1 (50%) |
Seguimento | |
Tempo (meses) | 20 (6-34) |
SCA | 0 |
Angina estável | 0 |
Assintomático | 2 (100%) |
Necessidade de reintervenção | 1 (50%) |
Mortalidade | 0 |
Estenose intrastent | 1 (50%) |
Pacientes submetidos à ATC - Stent farmacológico | |
Número de casos | 1 (12,5%) |
Artérias submetidas à ATC | |
TCE | 1 (100%) |
Seguimento | |
Tempo (meses) | 6 |
SCA | 1 (100%) |
Angina estável | 0 |
Assintomático | 0 |
Necessidade de reintervenção | 1 (100%) |
Mortalidade | 0 |
Estenose intrastent | 1 (100%) |
Pacientes submetidos à tratamento clínico | |
Número de casos | 2 (25%) |
Artérias acometidas | |
CD | 1 (50%) |
Sem lesões | 1 (50%) |
Seguimento | |
Tempo (meses) | 38 (10-66) |
SCA | 0 |
Angina estável | 0 |
Assintomático | 0 |
Necessidade de reintervenção | 0 |
Mortalidade | 0 |
ATC: angioplastia coronária; AVC: acidente vascular cerebral; CD: coronária direita; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; E: esquerda; SCA: síndrome coronária aguda; TCE: tronco de coronária esquerda.
A AT acomete principalmente mulheres (90% dos casos) com idades entre os 10 e os 40 anos. Na literatura é descrita a presença de alguma forma de doença coronária em 6 a 30% dos pacientes com AT1–4. A sua patogénese ainda não está completamente elucidada, sendo atualmente considerada resultado da inflamação autoimune crónica em grandes artérias, além de estarem associados outros fatores envolvidos como agentes infecciosos e predisposição genética. O desenvolvimento da doença parece ocorrer em duas fases: um primeiro período em que há elevação dos marcadores inflamatórios, seguido por uma fase crónica com o desenvolvimento de insuficiência vascular3.
Não se sabe com exatidão o momento da ocorrência de lesões coronarianas. A maior parte dos estudos afirma que há correlação entre quadros de SCA e elevação de marcadores inflamatórios com proteína-C reativa e/ou velocidade de hemossedimentação1. No entanto, alguns relatos de casos referem não haver relação direta entre a inflamação ativa e o sintoma coronariano5. Na série de casos apresentada, observamos uma elevação da proteína-C reativa em 50% dos pacientes e da velocidade de hemossedimentação em 87% dos pacientes, sugerindo uma maior relação deste último marcador inflamatório com a ocorrência de SCA em pacientes com AT.
A agressão pela doença pode ocorrer desde a angina estável até ao infarto agudo do miocárdio, devendo ser rapidamente reconhecida para estabelecimento de adequada imunossupressão junto à terapêutica cardiológica específica, sendo capaz de alterar o prognóstico4. As descrições de casos na literatura científica são poucas, apesar de a isquemia miocárdica ser uma das principais causas de morte pela doença, podendo a mortalidade chegar a 50% até cinco anos de seguimento3. Observamos em nossa casuística que apenas três (37,5%) dos doentes apresentaram dor torácica típica e que em cinco (62,5%) o eletrocardiograma não apresentava alterações isquémicas agudas. O diagnóstico de infarto agudo do miocárdio foi constatado em apenas dois (25%) pacientes, sendo a maioria dos doentes categorizados como angina instável. Encontramos mortalidade de 25% intra–hospitalar, sendo os dois casos por choque cardiogénico. Nenhum paciente morreu no seguimento médio de 30 meses, diferentemente de achados previamente descritos na literatura, porém de difícil comparação devido à casuística limitada. Acreditamos que a mortalidade intra–hospitalar elevada apresenta uma correlação com a presença de lesões ostiais no tronco da coronária esquerda, o que implica uma maior gravidade. Além disso, o facto de não haver mais mortes a longo prazo pode, em parte, estar relacionado com um melhor controlo inflamatório da AT dos pacientes após o episódio de SCA.
O acometimento de óstios das artérias coronárias direita e esquerda são os achados mais comuns, encontrados em 87,5% dos casos de AT com comprometimento coronário. Nesses casos, a obstrução luminal é causada pela extensão da proliferação intimal e contração fibrótica das camadas média e adventícia da aorta ascendente. No nosso estudo, encontramos 75% de acometimento ostial, reforçando os dados da literatura. No entanto, lesões coronárias podem também ocorrer em segmentos mais distais, uma vez que a inflamação crónica da AT possa contribuir com o desenvolvimento de aterosclerose precoce, como observado em 50% dos pacientes na casuística apresentada4. O diagnóstico é geralmente realizado pelo quadro clínico associado à cineangiocoronariografia, porém estudos recentes têm demonstrado uma excelente acurácia com a angiotomografia coronária em casos de AT4.
O implante de stent convencional em pacientes com AT pode levar à reestenose até 78% das vezes. As descrições de uso de stents farmacológicos nesse grupo de doentes são raras, no entanto, os resultados apresentados também demonstram elevados índices de reestenose no seguimento a curto e a longo prazo, questionando a segurança de seu uso em pacientes com AT. Alguns autores sugerem que esse tipo de stent poderia ser usado apenas como ponte até que se alcance uma melhor imunossupressão do doente e seja efetuada a CRM no momento adequado2,4,6,7. Yokota et al.4 relataram um caso de uma mulher de 52 anos de idade submetida a quatro angioplastias coronárias de artéria descendente anterior, sendo a primeira com stent convencional e as outras três com stent farmacológico. Observou-se a reestenose por três vezes, sendo que somente na última tentativa a paciente evoluiu sem novas obstruções. Segundo os autores, a associação de doses mais altas de corticoide pode ter sido responsável pela patência do vaso neste último procedimento4,8. Porém, na nossa série, mostramos a ocorrência de reestenose intrastent num de dois casos, mesmo com a presença de atividade inflamatória discreta, ratificando a controvérsia sobre o implante de stents convencional e farmacológico nesses pacientes. Novamente, há uma enorme dificuldade de estabelecer correlações entre o uso de stents nesses doentes e a evolução devido à limitada casuística observada.
Em relação à CRM, o método de revascularização ideal ainda não foi estabelecido. A presença de lesão ostial com comprometimento da aorta e possível acometimento de artérias subclávias torna a decisão complexa. Em contraste com a maioria das CRM realizadas, nos pacientes com AT o principal enxerto utilizado é a veia safena, exceto quando há muita calcificação na aorta. A sobrevida relatada com esse tipo de implante anastomosado à artéria descendente anterior chega a 80% em 10 anos, com sobrevida livre de eventos de 77%. O uso da artéria torácica interna in situ não é proibitivo, mas deve ser evitado e, quando realizado, deve avaliar-se a patência das artérias subclávias com exames de imagem antes da CRM1,9. Descrevemos neste estudo dois casos em que, apesar do uso da artéria torácica interna esquerda in situ, os pacientes evoluíram sem sintomas após seguimento médio de 20 meses. Observamos apenas um caso com lesão em ponte de veia safena, porém sem necessidade de reintervenção.
ConclusãoO acometimento dos vasos coronarianos na AT é raro, porém extremamente grave devido à complexidade das lesões. O conhecimento de características clínicas, eletrocardiográficas, angiográficas e hemodinâmicas é fundamental para a definição do melhor tratamento. A melhor forma de intervenção ainda é controversa dada a falta de casos relatados sobre o assunto. No nosso estudo, em pacientes que sobreviveram ao quadro agudo e receberam alta hospitalar, foram obtidos bons resultados a longo prazo.
Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animaisOs autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsínquia.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado, por escrito, para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.