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Vol. 31. Núm. 1.
Páginas 27-30 (janeiro 2012)
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Vol. 31. Núm. 1.
Páginas 27-30 (janeiro 2012)
Caso clínico
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Dispneia na estenose aórtica: nem tudo o que parece é
Dyspnea in aortic stenosis: Appearances can be deceptive
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Bruno Cordeiro Piçarraa,
Autor para correspondência
bcpicarra@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Rita Mirandab, Carlos Cotrimb, Ana Rita Almeidab, Luís Lopesb, Paula Fazendasb, Isabel Joãob, Hélder Pereirab
a Serviço de Cardiologia, Hospital Espírito Santo, Évora, Portugal
b Serviço de Cardiologia, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal
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Resumo

A estenose aórtica constitui a valvulopatia mais frequente na Europa. Embora recomendada, a realização de exames de esforço continua a ser pouco utilizada na sua avaliação. Doente do sexo masculino, de 60 anos, que, na sequência de um eletrocardiograma de rotina com alterações da repolarização ventricular, realiza prova de esforço positiva para isquémia do miocárdio e ecocardiograma que revelou estenose aórtica moderada. O cateterismo cardíaco revelou coronárias sem lesões angiograficamente aparentes e presença de gradiente intraventricular de 45mmHg. Perante a presença de gradiente intraventricular realizou ecocardiograma de esforço que documentou aumento do gradiente intraventricular de 30mmHg para 131mmHg. Repetiu ecocardiograma de esforço sob terapêutica com bisoprolol verificando-se um aumento do tempo do esforço e um gradiente intraventricular máximo no pico de esforço de 36mmHg. Os exames de esforço podem ter um papel importante na abordagem diagnóstica e terapêutica dos doentes com estenose aórtica.

Palavras-chave:
Estenose aórtica
Ecocardiograma de esforço
Gradiente intraventricular
Abstract

Valvular aortic stenosis is the most common valvular disorder in Europe. Although recommended, stress exams are still underused in its evaluation. We report the case of a 60-year-old man who, following a routine electrocardiogram with abnormal ventricular repolarization, underwent stress testing, which was positive for myocardial ischemia, and an echocardiogram that revealed moderate aortic stenosis. Cardiac catheterization showed no angiographic coronary lesions and an intraventricular gradient of 45mmHg. In view of the latter, stress echocardiography was performed, which documented an increase in the intraventricular gradient from 30mmHg to 131mmHg. Repeat stress echocardiography under treatment with bisoprolol showed an increase in test duration and a maximum intraventricular gradient at peak exercise of 36mmHg. Stress exams may have an important role in the diagnostic and therapeutic management of patients with aortic stenosis.

Keywords:
Aortic stenosis
Stress echocardiography
Intraventricular gradient
Texto Completo
Introdução

A estenose aórtica (EA) constitui a valvulopatia mais frequente na Europa, estimando-se uma prevalência entre 2 a 7% da população com mais de 65 anos. A cirurgia de substituição valvular é o tratamento de eleição para a EA grave sintomática apresentando uma reduzida mortalidade1.

Enquanto que a abordagem dos doentes sintomáticos se encontra bem definida nas últimas recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia, em relação aos doentes com EA assintomáticos permanece ainda muita controvérsia. Nestes casos a realização de testes de esforço, em ambiente vigiado, pode ser útil no desencadear de sintomas, assim como na estratificação prognóstica. Todavia, e apesar de recomendados na avaliação dos doentes com EA assintomáticos, eles continuam a ser pouco utilizados na prática clínica estimando-se, pelos dados do Euro Heart Survey, que apenas 5,7% destes doentes foram submetidos a um teste de esforço1,2.

Neste particular a realização de ecocardiograma de esforço, por ser um exame dinâmico e reprodutível da atividade física diária dos doentes, pode acrescentar informação prognóstica importante, auxiliar na adopção da melhor estratégia terapêutica e despistar outras possíveis etiologias para a sintomatologia dos doentes3.

Caso clínico

Doente do sexo masculino, de 60 anos, com antecedentes clínicos de dislipidemia, assintomático, que em consulta de rotina pelo seu médico assistente lhe é pedido um eletrocardiograma (ECG) que revelou ritmo sinusal com frequência de 95 batimentos por minuto (bpm); deficiente progressão de R¿s de V1-V3 e presença de alterações da repolarização ventricular com ondas T negativas de V5-V6, DI e aVL, não se constatando outras alterações significativas (Figura 1).

Figura 1.

ECG basal.

(0.11MB).

Na sequência deste ECG, realiza:

  • -

    Prova de esforço interrompida aos 5 minutos por presença, assintomática, de infradesnivelamento do segmento ST de cerca de 2mm nas derivações de V5- V6;

  • -

    Ecocardiograma modo M, 2D, Doppler que evidenciou a presença de ventrículo esquerdo (VE) não dilatado, com hipertrofia concêntrica das paredes (septo interventricular: 13mm e parede posterior: 11mm); válvula aórtica calcificada com restrição da abertura condicionando gradiente transvalvular aórtico máximo de 73mmHg e médio de 34mmHg.

Face aos achados, o doente foi referenciado a Consulta de Cardiologia.

Na consulta, o doente encontrava-se assintomático e o exame objetivo evidenciava, em repouso, pressão arterial de 136/78mmHg, frequência cardíaca de 85 bpm e presença de sopro de ejeção aórtico de grau III/VI, com irradiação carotídea.

Perante a presença de prova de esforço positiva para isquemia miocárdica em doente assintomático e com EA moderada, optou-se por realizar cintigrafia de perfusão miocárdica, que revelou: dilatação ventricular esquerda após o esforço e ausência de defeitos de perfusão miocárdica.

Cerca de um ano depois, inicia queixas compatíveis com dispneia para esforços moderados, sem angor tendo-se decidido por realização de cateterismo cardíaco que revelou (Figura 2):

  • -

    Ausência de lesões angiograficamente significativas;

  • -

    Pressões telediastólicas aumentadas do VE (20mmHg);

  • -

    Gradiente transvalvular aórtico de 20mmHg (Figura 2A);

  • -

    Presença de gradiente intraventricular de 40mmHg entre o corpo do VE e o trato de saída do VE (Figura 2B).

Figura 2.

(A) Curvas hemodinâmicas registando o gradiente transvalvular aórtico de 20mmHg. (B) Curvas hemodinâmicas registando o gradiente intraventricular de 40mmHg entre o corpo do VE e o trato de saída do VE.

(0.12MB).

Posteriormente o doente mantém agravamento das queixas de dispneia de esforço, pelo que realiza ecocardiograma de esforço em tapete rolante com protocolo de Bruce Modificado (Figura 3) sendo as imagens ecocardiográficas primeiro registadas na posição supina e posteriormente na posição ortostástica durante o esforço. A prova foi interrompida aos 9 minutos por cansaço, tendo o doente atingido uma frequência cardíaca máxima de 160 bpm. Em relação ao ecocardiograma basal em posição supina constataram-se as seguintes alterações com o pico do esforço:

  • -

    Aumento do gradiente médio transvalvular aórtico de 40,3mmHg para 61,3mmHg (Figura 3A);

  • -

    Aumento do gradiente intraventricular de 30mmHg para 131mmHg (Figura 3B).

Figura 3.

(A) Aumento de 20mmHg do gradiente transvalvular aórtico com o esforço. (B) Aumento de 80mmHg do gradiente intraventricular.

(0.73MB).

Face à presença de gradiente intraventricular significativo, o doente foi medicado com bisoprolol 10mg/dia, tendo ocorrido melhoria das queixas de dispneia de esforço. Repetiu ecocardiograma de esforço, segundo o mesmo protocolo. Sob terapêutica, a prova foi interrompida aos 14 minutos por cansaço, tendo atingido uma frequência cardíaca máxima de 132 bpm. Do ponto de vista ecocardiográfico verificou-se, no pico do esforço, a presença de gradiente intraventricular máximo de 36mmHg, apenas mais 6mmHg que em supino (Figura 4) e um aumento de apenas 16mmHg no gradiente médio aórtico. Dois anos depois desta avaliação o doente mantinha-se assintomático e em seguimento médico. O aumento do gradiente médio de apenas 16mmHg sob terapêutica beta bloqueadora fundamentou esta orientação.

Figura 4.

Gradiente intraventricular máximo no pico do esforço sob terapêutica de 36mmHg.

(0.09MB).
Discussão

A EA constitui a principal valvulopatia nos países europeus, sendo que a sua prevalência aumenta com a idade. A sua apresentação clínica é por vezes dominada pela presença de sintomas subjetivos como dispneia, pelo que a sua avaliação deve ser complementada com a realização de exames complementares de diagnóstico, em especial mediante a realização de ecocardiograma. Este é o meio de eleição para a confirmação da suspeita clínica, bem como aferir a severidade e o prognóstico da valvulopatia1.

Actualmente, o único tratamento definitivo para a EA sintomática é o cirúrgico, no entanto dúvidas permanecem quanto à abordagem dos doentes com EA assintomática, em especial no timing ideal para a intervenção cirúrgica. Nestes casos a utilização de exames de stress, apesar de fortemente recomendada pela Sociedade Europeia de Cardiologia, continuam ainda a ser pouco utilizados2,3.

Na realidade, os exames de stress podem revelar sintomas num terço dos doentes aparentemente assintomáticos podendo predizer o aparecimento de eventos cardíacos. A este respeito, Lancelotti et al., numa análise efectuada consecutivamente a 69 doentes com EA grave, verificou que a realização de ecocardiograma de esforço permitiu identificar três fatores preditores independentes para o aparecimento de eventos cardiovasculares, nomeadamente a presença de: um aumento do gradiente médio transaórtico igual ou superior a 18mmHg; uma resposta anormal ao exercício (definida como a ocorrência de angina, dispneia, depressão de ST ≥2mm ou uma queda ou aumento inferior a 20mmHg da pressão arterial sistólica) e uma área valvular aórtica < 0,75cm24. Já a presença de um exame de stress normal associa-se a um excelente prognóstico a um ano. No caso do nosso doente, verificou-se um aumento do gradiente médio transvalvular aórtico de 21mmHg com o esforço, todavia segundo Picano2 são necessários mais estudos prospetivos para valorizar este aumento como uma possível indicação para uma substituição valvular aórtica cirúrgica eletiva.

Dadas as potencialidades diagnósticas e prognósticas que os exames de stress podem apresentar na avaliação da EA, Piérard e Lancelloti recomendam a sua utilização rotineira na avaliação destes doentes, preferencialmente mediante esforço em tapete rolante ou cicloergómetro3.

No caso do nosso doente, inicialmente com EA assintomática com gradiente intraventricular verificada no cateterismo cardíaco, a avaliação por ecocardiograma de esforço, pelo método recomendado por Piérard e Lancelotti revelou um aumento muito significativo do gradiente intraventricular com o esforço (cerca de 100mmHg).

De facto, a presença de gradientes intraventriculares subvalvulares em doentes com EA encontra-se descrita, estimando-se uma prevalência em 48% destes doentes. Os mesmos autores verificaram que a realização de um teste de esforço era responsável por um aumento do gradiente intraventricular e que este aumento se relacionava de forma inversa com o débito cardíaco5.

Tradicionalmente os β-bloqueantes estão contraindicados na EA, no entanto a sua utilização no nosso doente permitiu uma melhoria sintomática, uma melhoria da capacidade funcional traduzida por um aumento da duração do tempo de esforço no ecocardiograma de esforço e uma redução significativa do gradiente intraventricular com o esforço. Este aparente paradoxo é explicado por Cotrim et al. que avaliaram a eficácia da utilização de β-bloqueantes em atletas sintomáticos com gradientes intraventriculares induzidos pelo esforço e verificou uma redução do gradiente intraventricular induzido pelo esforço e uma melhoria dos sintomas quando os atletas repetiam o ecocardiograma de esforço sob terapêutica com β-bloqueante6.

O presente caso clínico reforça a importância da realização dos exames de esforço na avaliação dos doentes com patologia valvular, revelando outras possíveis causas para os sintomas e orientando o seu tratamento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
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E. Picano, P. Pibarot, P. Lancelloti, et al.
The Emerging Role of Exercise Testing and Stress Echocardiography in Valvular Heart Disease.
J Am Coll Cardiol, 54 (2009), pp. 2251-2260
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Stress testing in valve disease.
Heart, 93 (2007), pp. 766-772
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P. Lancellotti, F. Lebois, M. Simon, et al.
Prognostic Importance of Quantitative Exercise Doppler Echocardiography in Asymptomatic Valvular Aortic Stenosis.
[5]
W.K. Laskey, W.G. Kussmaul.
Subvalvular Gradients in Patients with Valvular Aortic Stenosis: Prevalence, Magnitude and Physiological Importance.
Circulation, 104 (2001), pp. 1019
[6]
C. Cotrim, L. Lopes, A.R. Almeida, et al.
Efficacy of beta-blocker therapy in symptomatic athletes with exercise-induced intra-ventricular gradients.
Cardiovascular Ultrasound, 8 (2010), pp. 38
Copyright © 2010. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
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