Os fármacos antiagregantes plaquetários previnem eventos cardiovasculares ou eventos renais adversos em indivíduos com doença renal crónica?
Tipo e descrição do estudoRevisão sistemática de ensaios clínicos com meta-análise, avaliando indivíduos com doença renal crónica, comparando antiagregantes plaquetários com placebo ou ausência de tratamento, no que diz respeito a eventos cardiovasculares (enfarte do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais, mortalidade, hemorragia) ou associados à doença renal (doença renal terminal, perda de enxerto renal, rejeição de rim transplantado, eventos adversos associados ao acesso vascular)1.
ResultadosDe 1093 artigos identificados pela estratégia de pesquisa, 44 cumpriam critérios de elegibilidade para inclusão na revisão sistemática. Estes incluíram um total de 21 460 doentes. As medianas da amostra e do período de seguimento foram, respetivamente, 100 doentes por estudo (16-4087 doentes) e nove meses (1-61 meses). Foram incluídos estudos de avaliação primária de doentes com patologia renal, igualmente doentes com patologia coronária (aguda ou crónica), com avaliação do subgrupo com disfunção renal. Os principais antiagregantes estudados foram: ácido acetilsalicílico (11 estudos), dipiridamol (quatro estudos), ácido acetilsalicílico/dipiridamol (seis estudos), clopidogrel (cinco estudos), clopidogrel/ácido acetilsalicílico (um estudo), ticlopidina (oito estudos), inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa (sete estudos).
Os principais resultados estão presentes na Figura 1.
Resultados adaptados da revisão sistemática (Palmer et al.1). IC 95%: intervalo de confiança 95%.
Não houve diferenças significativas entre o efeito dos diferentes antiagregantes no que diz respeito à prevenção de enfarte do miocárdio (p=0,20), mortalidade global (p=0,46) e hemorragia major (p=0,88).
Considerando o grau de insuficiência renal, não houve diferenças significativas entre o efeito dos antiagregantes plaquetários em doentes sob diálise e naqueles sem doença renal em estádio terminal em relação à prevenção do enfarte do miocárdio (p=0,94), eventos fatais (p=0,30) e hemorragia major (p=0,12).
ConclusõesEsta revisão sistemática conclui que os fármacos antiagregantes plaquetários diminuíram significativamente o risco de enfarte do miocárdio em indivíduos com doença renal crónica. Contudo, este efeito é acompanhado por um aumento significativo de hemorragias major. O efeito benéfico desta classe farmacológica não foi transversal aos resultados mortalidade (global ou cardiovascular) e acidente vascular cerebral. Os antiagregantes não previnem a progressão para insuficiência renal terminal, contudo, promovem uma redução na proporção de doentes com perda do acesso vascular (por trombose ou ausência de patência), sem evidência de melhoria da maturação do acesso ou adequação para diálise1.
ComentárioA prevalência da doença renal crónica tem vindo a aumentar nos países desenvolvido sendo estimada em 10%. A epidemia de fatores de risco como a diabetes mellitus e hipertensão parece contribuir para o incremento do número de doentes com esta patologia2. Os graus de disfunção renal têm uma relação inversa com eventos cardiovasculares3. Foi sugerido que esta predisposição está associada a alterações típicas desta condição, nomeadamente, estado pró-inflamatório, dislipidemia, hiperhomocisteinemia, hipercoagulabilidade, anemia, hipertrofia ventricular esquerda, disfunção endotelial e aumento da rigidez vascular com calcificação arterial4.
Esta revisão sistemática conclui que a melhor evidência disponível mostra que os fármacos antiagregantes plaquetários reduzem significativamente o risco de enfarte do miocárdio. No entanto, a magnitude deste efeito protetor é de dimensão relativamente reduzida. Uma análise dos dados da meta-análise mostra uma redução do risco absoluto em 0,9% com um Number Needed to Treat (NNT) de 110 doentes. Existe também incerteza quanto à verdadeira magnitude deste efeito, uma vez que o intervalo de confiança é amplo e inclui valores próximo de 1 (IC 95% com risco relativo de 0,76-0,99). De considerar a ausência de diferenças na mortalidade cardiovascular global e mortalidade global (todas as causas). Adicionalmente, o referido benefício deve ser avaliado em função do risco hemorrágico, que é significativo com estes fármacos, e a ausência de benefício na prevenção de acidentes vasculares cerebrais ou eventos fatais (cardiovasculares ou globais). Os autores concluem que em doentes sem doença cardiovascular clinicamente significativa e com baixa probabilidade de eventos cardiovasculares (doença renal crónica em estádios mais precoces, por exemplo), os riscos podem superar os benefícios.
Estas conclusões devem ser interpretadas à luz das limitações da revisão sistemática com meta-análise e os respetivos estudos incluídos (estudos de prevenção primária e secundária), nomeadamente aspetos metodológicos: mais de 50% dos estudos incluídos não reportavam metodologias de ocultação e/ou aleatorização adequadas.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.