Caracterizar a distribuição dos níveis de colesterol total (CT), colesterol LDL (C-LDL), colesterol HDL (C-HDL) e triglicéridos nos utentes dos cuidados de saúde primários em Portugal.
MétodosEstudo transversal envolvendo 719 médicos de família, segundo distribuição estratificada e proporcional à densidade populacional de cada região. Os primeiros dois utentes adultos de cada dia de consulta foram convidados a participar independentemente do motivo de consulta. Foi utilizado um inquérito para recolha de dados sociodemográficos, clínicos e laboratoriais, incluindo o perfil lipídico avaliado nos 12 meses precedentes.
ResultadosForam avaliados 16.856 indivíduos (61,6% do sexo feminino, 58±15 anos), dispondo-se da determinação de CT, C-LDL, C-HDL e triglicéridos em 95,9% (N=16.159), 59,1% (N=9.956), 95,4% (N=16.074) e 97,9% (N=16.494), respetivamente. Detetou-se hipercolesterolemia (≥200mg/dl) em 47% e níveis aumentados de C-LDL (≥130mg/dl) em 38,4%. A hipertrigliceridemia (≥200mg/dl) e o C-HDL diminuído (<40mg/dl) foram menos prevalentes, afetando 13% da população. A dislipidemia foi mais frequente nos homens entre os 30-60 anos e nas mulheres pós-menopausa. Considerando a população com idade ≥40 anos, 54,1% dos indivíduos cumpriam critérios de elegibilidade para terapêutica hipolipidemiante e 44,7% estavam medicados com estatinas (mas apenas 16,0% desses apresentavam CT ≤175mg/dl).
ConclusõesA prevalência de dislipidemia é elevada entre os utentes adultos dos cuidados de saúde primários em Portugal. Além disso, é particularmente frequente nos homens entre os 30-60 anos e nas mulheres após a menopausa, que deverão constituir grupos-alvo nas estratégias preventivas de saúde pública.
To characterize the distribution of total cholesterol (TC), LDL cholesterol (LDL-C), HDL cholesterol (HDL-C) and triglycerides in primary health care users.
MethodsWe performed a cross-sectional study in a primary care setting, involving 719 general practitioners based on stratified distribution proportional to the population density of each region of Portugal.
The first two adult patients scheduled for an appointment on a given day were invited to participate. A questionnaire was applied to assess sociodemographic, clinical and laboratory data including lipid profile.
ResultsThe study included 16 856 individuals (mean age 58.1±15.1 years; 61.6% women). Data on TC, LDL-C, HDL-C and triglycerides were available for 95.9% (n=16 159), 59.1% (n=9956), 95.4% (n=16 074) and 97.9% (n=16 494) of the population, respectively. Hypercholesterolemia (TC ≥200 mg/dl) was detected in 47%, and 38.4% had high levels of LDL-C (≥130 mg/dl). Hypertriglyceridemia (≥200 mg/dl) and low HDL-C (<40 mg/dl) were less prevalent, affecting roughly 13% of the population. Dyslipidemia was more common in middle-aged men and in post-menopausal women. Of the population aged over 40, 54.1% met eligibility criteria for lipid-lowering therapy and 44.7% were medicated with statins, but only 16.0% of these had TC ≤175 mg/dl.
ConclusionsDyslipidemia is highly prevalent in primary health care users in Portugal. It is particularly common in middle-aged men and post-menopausal women, who should be considered target groups for preventive public health measures.
As doenças cardiovasculares (DCV) constituem a principal causa de morbilidade e mortalidade a nível mundial. Em Portugal, o problema é também relevante, não só no que respeita à doença coronária como particularmente no que concerne ao acidente vascular cerebral, cuja incidência é das mais elevadas em todo o mundo1,2. Além disso, a incidência destas doenças tem aumentado nos países ocidentais e em desenvolvimento, como consequência da modificação dos estilos de vida e do aumento da prevalência dos fatores de risco cardiovasculares3,4.
A dislipidemia é um fator de risco relevante para DCV, já que o colesterol é um elemento essencial na composição da placa de ateroma. Encontra-se claramente demonstrada a relação entre os níveis de colesterolemia e o risco de doença coronária ou doença cerebrovascular5,6. Estima-se que a hipercolesterolemia esteja implicada em 56% da ocorrência de doença coronária e 18% da ocorrência de doença cerebrovascular7,8. Por outro lado, tem sido demonstrado que a diminuição dos níveis de colesterol total (CT) e da sua fração de baixo peso molecular (colesterol-LDL [C-LDL]), nomeadamente com inibidores da HMG-coenzima A redutase (estatinas), reduz a incidência de DCV (prevenção primária9–11 e diminui o risco da sua recorrência [prevenção secundária12,13]). Os benefícios produzidos na mortalidade justificam que a avaliação do risco cardiovascular global assuma atualmente relevância primordial.
As sociedades médicas internacionais têm revisto sucessivamente os níveis de colesterol considerados ótimos na população geral e nos indivíduos com risco acrescido, e por conseguinte tem-se reduzido o limiar para o diagnóstico de hipercolesterolemia14–16. Aceita-se hoje que outras alterações do perfil lipídico predispõem a DCV em idade precoce. A dislipidemia aterogénica tem sido definida pela conjugação de níveis aumentados de triglicéridos (TG), apolipoproteína B e pequenas partículas LDL, associada a níveis diminuídos de colesterol-HDL (C-HDL). Além disso, a dislipidemia aterogénica está frequentemente associada a outros fatores de risco cardiovascular sob a forma de síndrome metabólica.
A dimensão do problema da dislipidemia em Portugal foi previamente abordada em vários estudos epidemiológicos a nível regional17–19 e nacional20,21, e foi estimado em revisão sistemática22–24. No entanto, esses estudos apresentavam grande heterogeneidade nos critérios diagnósticos de dislipidemia, características metodológicas, populações-alvo e métodos laboratoriais de doseamento dos lípidos. Assumirá por isso especial relevância a presente análise do perfil lipídico nos utentes adultos avaliados nos cuidados de saúde primários em Portugal.
O presente estudo pretende caracterizar a distribuição dos níveis de CT, C-LDL, C-HDL e TG e estimar a prevalência de dislipidemia na população utente dos cuidados de saúde primários em Portugal. Adicionalmente, pretendeu-se determinar a prevalência da utilização de terapêutica hipolipidemiante e avaliar o controlo do perfil lipídico nesses doentes.
MétodosO estudo VALSIM foi desenhado como um estudo observacional transversal de utentes adultos dos cuidados de saúde primários em Portugal25. Participaram no estudo 719 médicos de família, segundo distribuição estratificada e proporcional por distrito e região de Portugal continental, Madeira e Açores. O estudo decorreu entre abril de 2006 e novembro de 2007.
Os dois primeiros utentes adultos que cumprissem os critérios de inclusão foram convidados a participar, independentemente do motivo da consulta e da presença de fatores de risco cardiovascular. O critério de inclusão foi a existência de doseamentos da glicemia em jejum, C-HDL e triglicéridos realizados no último ano. Constituiu critério de exclusão a presença de condições clínicas que pudessem condicionar o diagnóstico de síndrome metabólica, como disfunção tiroideia. Após a obtenção de consentimento informado, foi aplicado um questionário para caracterização sociodemográfica, antropométrica, clínica (antecedentes pessoais, medicação em curso, hábitos alimentares e prática de exercício físico) e laboratorial. A doença coronária foi definida pela existência desse diagnóstico assumido pelo médico assistente, sem que tenham sido exigidos exames confirmatórios e sem distinção do quadro clínico implicado (angina de peito, síndrome coronária aguda ou enfarte do miocárdio). O acidente vascular cerebral foi também definido pela existência desse diagnóstico assumido pelo médico assistente, sem que tenham sido exigidos exames confirmatórios e sem distinção do subtipo (AVC isquémico ou AVC hemorrágico). A diabetes mellitus foi definida pela presença de glicemia em jejum ≥126mg/dl ou abaixo desse limiar mediante terapêutica com antidiabéticos orais ou insulina.
O risco de morte por causa cardiovascular em dez anos foi estimado para a população com idade superior a 40 anos aplicando o sistema de estratificação SCORE na versão destinada a países com baixo risco de doença cardiovascular26. Os indivíduos com idade inferior a 40 anos não foram considerados nessa subanálise. Os indivíduos com idade superior a 65 anos foram incluídos na mesma e o seu risco foi estimado pela aplicação das fórmulas de cálculo para a idade de 65 anos. Considerou-se existir elevado risco cardiovascular a priori nos doentes com história de doença coronária, acidente vascular cerebral, diabetes mellitus ou hipercolesterolemia grave (CT ≥320mg/dl ou C-LDL ≥240mg/dl). Entre os restantes indivíduos, considerou-se existir elevado risco cardiovascular após estratificação naqueles cujo risco estimado de morte por causa cardiovascular em dez anos fosse ≥5%.
Tendo em vista a possibilidade de comparação com os estudos prévios realizados na população portuguesa, a prevalência de hipercolesterolemia foi determinada aplicando diferentes definições: (1) como a presença de níveis séricos de CT ≥200mg/dl; (2) pela presença de CT ≥200mg/dl ou abaixo desse limiar mediante terapêutica hipolipidemiante e (3) aplicando diferentes limiares em função do risco estimado de morte por causa cardiovascular aos dez anos. Relativamente a esta última classificação, considerou-se existir hipercolesterolemia: nos indivíduos com baixo risco cardiovascular que apresentassem CT ≥190mg/dl (5mmol/L); nos indivíduos com risco cardiovascular elevado (a priori ou após estratificação) que tivessem CT ≥175mg/dl (4,5mmol/L); e independentemente do risco cardiovascular estimado, em todos aqueles que estivessem medicados com fármacos hipolipidemiantes.
Consideraram-se elegíveis para terapêutica hipolipidemiante os doentes que apresentassem risco cardiovascular elevado e CT ≥175mg/dl (4,5mmol/L), bem como aqueles que já estivessem sob terapêutica hipolipidemiante.
Análise estatísticaAs variáveis categóricas foram avaliadas com determinação da frequência absoluta e da frequência relativa, com intervalos de confiança a 95%. Na estimativa das prevalências procedeu-se à padronização das taxas com correção para o sexo e idade através do teorema da probabilidade total, tendo em conta a composição demográfica da população adulta residente em Portugal, por distrito e região, no ano 2000 (CENSUS 2001, INE). As variáveis categóricas foram comparadas com o teste do qui-quadrado. Em relação às variáveis numéricas, calculou-se o número de observações (N), média, desvio padrão, mediana e análise de variância (teste de Levene). As variáveis numéricas com distribuição normal (avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov) foram comparadas utilizando-se os testes t-Student e as variáveis com distribuição não normal foram comparadas mediante testes não paramétricos (Kruskal-Wallis). A análise estatística foi efetuada em SPSS, sendo considerado o nível de significância de 5% nas análises comparativas (p<0,05).
ResultadosCaracterização da populaçãoNo Estudo VALSIM foram avaliados 16 856 indivíduos (61,6% do sexo feminino) com a idade média de 58±15 anos. Dispôs-se de determinação dos níveis séricos de CT, C-LDL, C-HDL e TG em 95,9% (N=16 159), 59,1% (N=9956), 95,4% (N=16 074) e 97,9% (N=16 494) da população, respetivamente.
Entre os indivíduos avaliados, 14 251 tinham idade ≥40 anos (homens [H]: 5573; mulheres [M]: 8678). Nessa população, 29,5% (H: 34,4%; M: 25,4%) cumpriam pelo menos um critério para serem considerados como tendo elevado risco cardiovascular a priori: 8,2% dos doentes tinham doença coronária (H: 9,5%; M: 7,2%); 3,3% tinham história de doença cerebrovascular (H: 3,7%; M: 2,8%); 22,1% tinham diabetes mellitus (H: 25,3%; M: 19,4%) e 1,5% apresentavam hipercolesterolemia grave (CT ≥320mg/dl ou C-LDL ≥240mg/dl; H:1,8%; M: 1,2%). Adicionalmente, 3,7% foram alocados ao grupo de elevado risco após estratificação (H: 6,9%; M: 0,8%), visto o risco estimado aos dez anos ser ≥5%.
Níveis séricos dos lípidosNa população estudada a concentração média de CT foi de 206±41mg/dl. O CT médio ajustado para o sexo e idade foi de 200±40mg/dl, sem diferenças entre os sexos (H: 200±42mg/dl; M: 200±38mg/dl). A concentração média de C-LDL foi de 126±37mg/dl, traduzindo um nível ajustado para o sexo e idade de 122±36mg/dl (H: 123±37mg/dl; M: 120±35mg/dl). Os níveis de CT e C-LDL evoluíram com a idade em crescendo-decrescendo – Tabela 1 e Tabela 2. Até à 5.a década de vida, o CT e sua fração LDL foram mais elevados no sexo masculino. Entre os indivíduos mais idosos, foram mais elevados nas mulheres.
Distribuição da concentração sérica do colesterol na população, em função do sexo e grupo etário
Sexo e grupo etário | N | Colesterol (Média±DP) | Percentil selecionado | ||||||||
5° | 10° | 15° | 25° | 50° | 75° | 85° | 90° | 95° | |||
Homens | 6163 | 204±42 | 141 | 154 | 163 | 177 | 200 | 230 | 246 | 259 | 277 |
18-29 | 240 | 182±39 | 123 | 136 | 144 | 159 | 180 | 201 | 222 | 232 | 246 |
30-39 | 449 | 201±41 | 143 | 154 | 162 | 174 | 199 | 226 | 240 | 256 | 273 |
40-49 | 792 | 213±45 | 146 | 160 | 168 | 184 | 210 | 240 | 260 | 271 | 294 |
50-59 | 1348 | 211±44 | 146 | 159 | 169 | 181 | 207 | 237 | 255 | 265 | 288 |
60-69 | 1648 | 205±41 | 142 | 156 | 165 | 179 | 202 | 230 | 247 | 259 | 276 |
70-79 | 1346 | 198±40 | 138 | 151 | 159 | 173 | 195 | 220 | 239 | 248 | 264 |
≥80 | 317 | 195±40 | 134 | 148 | 157 | 169 | 191 | 218 | 235 | 249 | 265 |
Mulheres | 9889 | 207±40 | 148 | 160 | 168 | 180 | 203 | 230 | 246 | 258 | 277 |
18-29 | 521 | 183±37 | 132 | 141 | 149 | 160 | 179 | 204 | 215 | 224 | 246 |
30-39 | 824 | 189±35 | 136 | 148 | 155 | 168 | 187 | 208 | 224 | 232 | 250 |
40-49 | 1406 | 200±36 | 145 | 156 | 164 | 176 | 198 | 221 | 238 | 247 | 260 |
50-59 | 2146 | 213±39 | 156 | 167 | 175 | 187 | 210 | 237 | 251 | 265 | 283 |
60-69 | 2527 | 212±40 | 153 | 165 | 173 | 185 | 210 | 235 | 252 | 263 | 281 |
70-79 | 1982 | 210±40 | 151 | 163 | 172 | 183 | 207 | 233 | 250 | 263 | 282 |
≥80 | 449 | 209±41 | 152 | 163 | 170 | 183 | 206 | 232 | 251 | 261 | 283 |
Total | 16 159 | 206±41 | 145 | 158 | 166 | 179 | 202 | 230 | 246 | 258 | 277 |
Distribuição da concentração de colesterol LDL na população, em função do sexo e grupo etário
Sexo e grupo etário | N | Colesterol LDL (Média±DP) | Percentil selecionado | ||||||||
5° | 10° | 15° | 25° | 50° | 75° | 85° | 90° | 95° | |||
Homens | 3807 | 126±38 | 68 | 81 | 90 | 100 | 124 | 149 | 164 | 174 | 190 |
18-29 | 134 | 110±34 | 62 | 73 | 78 | 88 | 106 | 128 | 143 | 160 | 177 |
30-39 | 271 | 124±36 | 71 | 85 | 88 | 98 | 121 | 148 | 164 | 171 | 189 |
40-49 | 487 | 130±40 | 70 | 80 | 90 | 103 | 130 | 155 | 170 | 184 | 196 |
50-59 | 822 | 132±39 | 74 | 85 | 94 | 106 | 128 | 155 | 169 | 183 | 201 |
60-69 | 1019 | 127±38 | 68 | 82 | 93 | 101 | 126 | 150 | 164 | 174 | 186 |
70-79 | 852 | 121±35 | 67 | 79 | 87 | 98 | 120 | 141 | 157 | 166 | 180 |
≥80 | 210 | 120±36 | 55 | 72 | 86 | 100 | 118 | 145 | 157 | 168 | 182 |
Mulheres | 6085 | 126±37 | 71 | 82 | 90 | 101 | 124 | 148 | 162 | 173 | 190 |
18-29 | 294 | 103±29 | 60 | 68 | 75 | 84 | 100 | 121 | 131 | 137 | 157 |
30-39 | 456 | 114±35 | 64 | 73 | 79 | 91 | 110 | 133 | 149 | 156 | 178 |
40-49 | 841 | 120±34 | 67 | 79 | 86 | 97 | 119 | 142 | 155 | 164 | 178 |
50-59 | 1326 | 131±37 | 74 | 86 | 94 | 107 | 129 | 154 | 169 | 179 | 196 |
60-69 | 1624 | 131±36 | 76 | 87 | 96 | 107 | 129 | 152 | 166 | 178 | 192 |
70-79 | 1271 | 127±36 | 72 | 86 | 94 | 103 | 125 | 148 | 162 | 174 | 190 |
≥80 | 255 | 129±41 | 70 | 81 | 90 | 101 | 123 | 150 | 172 | 181 | 200 |
Total | 9956 | 126±37 | 70 | 81 | 90 | 101 | 124 | 149 | 162 | 173 | 190 |
Os valores médios dos TG ajustados ao sexo e idade foram 132±81mg/dl, tendo sido significativamente mais elevados nos homens (H: 146±96mg/dl vs. M: 119±69mg/dl; p <0,001). Os TG evoluíram com a idade em crescendo-decrescendo, tendo sido mais elevados no sexo masculino em todos os grupos etários – Tabela 3. Além disso, os valores médios mais elevados foram atingidos mais precocemente entre os homens.
Distribuição da concentração de triglicéridos na população, em função do sexo e grupo etário
Sexo e grupo etário | N | Triglicéridos (Média±DP) | Percentil selecionado | ||||||||
5° | 10° | 15° | 25° | 50° | 75° | 85° | 90° | 95° | |||
Homens | 6304 | 146±94 | 58 | 68 | 76 | 91 | 125 | 176 | 209 | 240 | 296 |
18-29 | 245 | 120±78 | 43 | 53 | 61 | 72 | 98 | 143 | 165 | 201 | 282 |
30-39 | 459 | 153±106 | 57 | 67 | 76 | 90 | 124 | 180 | 224 | 259 | 337 |
40-49 | 816 | 169±120 | 61 | 73 | 82 | 96 | 136 | 200 | 258 | 299 | 374 |
50-59 | 1388 | 157±105 | 62 | 74 | 83 | 96 | 137 | 188 | 218 | 250 | 326 |
60-69 | 1676 | 147±88 | 61 | 72 | 78 | 93 | 129 | 178 | 208 | 237 | 278 |
70-79 | 1374 | 128±66 | 54 | 64 | 70 | 82 | 113 | 157 | 187 | 207 | 241 |
≥80 | 323 | 126±60 | 59 | 64 | 69 | 87 | 111 | 150 | 180 | 197 | 235 |
Mulheres | 10 078 | 127±70 | 54 | 63 | 70 | 82 | 112 | 153 | 181 | 204 | 248 |
18-29 | 530 | 102±83 | 45 | 54 | 59 | 69 | 90 | 121 | 140 | 154 | 182 |
30-39 | 830 | 109±58 | 44 | 52 | 59 | 71 | 98 | 134 | 158 | 180 | 217 |
40-49 | 1434 | 117±66 | 47 | 56 | 61 | 73 | 102 | 142 | 168 | 192 | 245 |
50-59 | 2189 | 129±69 | 54 | 63 | 70 | 82 | 113 | 155 | 185 | 210 | 259 |
60-69 | 2579 | 135±75 | 60 | 69 | 76 | 89 | 119 | 161 | 190 | 215 | 263 |
70-79 | 2026 | 134±65 | 62 | 72 | 79 | 91 | 119 | 162 | 189 | 213 | 250 |
≥80 | 457 | 128±56 | 64 | 72 | 80 | 90 | 117 | 153 | 172 | 193 | 224 |
Total | 16 494 | 134±80 | 55 | 65 | 72 | 85 | 117 | 161 | 192 | 217 | 268 |
A concentração média de C-HDL ajustada ao sexo e idade foi 55±17mg/dl, tendo sido significativamente inferior no sexo masculino (H: 51±17mg/dl vs. M: 58±18mg/dl; p <0,001). Os níveis de C-HDL não variaram significativamente com a idade – Tabela 4.
Distribuição da concentração de colesterol HDL na população, em função do sexo e grupo etário
Sexo e grupo etário | N | Colesterol HDL (Média±DP) | Percentil selecionado | ||||||||
5° | 10° | 15° | 25° | 50° | 75° | 85° | 90° | 95° | |||
Homens | 6161 | 51±18 | 33 | 36 | 38 | 42 | 48 | 57 | 63 | 68 | 76 |
18-29 | 237 | 51±15 | 32 | 35 | 37 | 42 | 49 | 58 | 61 | 65 | 70 |
30-39 | 448 | 50±16 | 32 | 36 | 37 | 40 | 47 | 55 | 60 | 65 | 75 |
40-49 | 794 | 50±16 | 32 | 35 | 36 | 40 | 47 | 56 | 61 | 68 | 74 |
50-59 | 1369 | 51±16 | 33 | 36 | 38 | 42 | 48 | 57 | 62 | 66 | 74 |
60-69 | 1635 | 52±18 | 33 | 37 | 39 | 42 | 49 | 58 | 64 | 68 | 76 |
70-79 | 1347 | 52±19 | 33 | 36 | 39 | 42 | 49 | 58 | 65 | 69 | 78 |
≥80 | 309 | 53±22 | 32 | 36 | 38 | 42 | 49 | 59 | 65 | 70 | 78 |
Mulheres | 9801 | 57±18 | 37 | 40 | 43 | 47 | 55 | 65 | 70 | 75 | 83 |
18-29 | 500 | 60±16 | 38 | 42 | 45 | 50 | 58 | 67 | 72 | 79 | 86 |
30-39 | 795 | 59±18 | 37 | 41 | 44 | 48 | 57 | 66 | 72 | 78 | 84 |
40-49 | 1382 | 58±18 | 37 | 41 | 44 | 47 | 56 | 65 | 70 | 76 | 84 |
50-59 | 2132 | 57±18 | 37 | 40 | 42 | 47 | 55 | 65 | 70 | 75 | 84 |
60-69 | 2529 | 56±17 | 37 | 40 | 42 | 47 | 54 | 63 | 69 | 74 | 81 |
70-79 | 1986 | 58±20 | 37 | 40 | 42 | 47 | 55 | 65 | 71 | 76 | 84 |
≥80 | 447 | 57±16 | 37 | 41 | 43 | 47 | 55 | 66 | 73 | 78 | 86 |
Total | 16 074 | 55±18 | 35 | 38 | 41 | 45 | 52 | 62 | 68 | 73 | 81 |
A prevalência estimada de hipercolesterolemia na população utente dos cuidados de saúde primários foi de 47,0% (prevalência não ajustada [PNA]=53,2%), considerando o limiar de CT de 200mg/dl. Cerca de 57,9% (PNA=64,4%) da população apresentou CT ≥190mg/dl e os níveis de CT foram ≥250mg/dl em 11,4% (PNA=13,4%). Em termos globais, a prevalência de hipercolesterolemia foi comparável nos dois sexos (Tabela), mas variou significativamente com a idade. Entre os indivíduos de meia-idade tendeu a ser maior no sexo masculino, enquanto nos grupos etários mais avançados tendeu a predominar entre as mulheres – Figura 1, Tabela 6. Detetou-se C-LDL elevado (≥130mg/dl) em 38,4% da população, tendo essa proporção sido comparável em ambos os sexos.
Detetou-se hipertrigliceridemia (≥200mg/dl) em 12,7% e C-HDL diminuído (<40mg/dl) em 12,8% da população. A hipertrigliceridemia foi mais frequente nos homens (OR: 1,43; IC 95% 1,37-1,48; p <0,001), o mesmo sucedendo com a ocorrência de C-HDL diminuído (OR: 1,59; IC 95% 1,55-1,63; p <0,001) – Tabela 5.
Distribuição da população em função do perfil lipídico (prevalências ajustadas ao sexo, idade e região de residência)
Variável | Homens % | Mulheres % | Total % |
Colesterol total | |||
<200mg/dl | 53,1 | 52,9 | 53,0 |
200-239mg/dl | 30,1 | 31,9 | 31,0 |
≥240mg/dl | 16,9 | 15,2 | 16,0 |
≥200mg/dl | 46,9 | 47,1 | 47,0 |
Colesterol-LDL | |||
<100mg/dl | 26,3 | 28,7 | 27,6 |
100-129mg/dl | 33,0 | 35,0 | 34,0 |
130-159mg/dl | 24,2 | 23,5 | 23,8 |
160-189mg/dl | 11,4 | 8,6 | 10,0 |
≥190mg/dl | 5,0 | 4,2 | 4,6 |
≥130mg/dl | 40,7 | 36,3 | 38,4 |
Triglicéridos | |||
<150mg/dl | 65,8 | 76,8 | 71,6 |
150-199mg/dl | 17,5 | 14,2 | 15,8 |
200-499mg/dl | 15,5 | 8,7 | 12,0 |
≥500mg/dl | 1,2 | 0,2 | 0,7 |
≥200mg/dl | 16,7 | 9,0 | 12,7 |
Colesterol-HDL | |||
≥60mg/dl | 20,2 | 40,6 | 30,9 |
40-59mg/dl | 60,9 | 52,2 | 56,3 |
<40mg/dl | 18,9 | 7,2 | 12,8 |
A prevalência das diversas anomalias do perfil lipídico evoluiu com a idade em crescendo-decrescendo – Figuras 2 e 3. As prevalências mais elevadas foram atingidas na 4.a década de vida nos homens (Tabela 6) e uma a duas décadas mais tarde nas mulheres (Tabela 7).
Distribuição da população do sexo masculino em função do perfil lipídico, por grupo etário
Variável | Grupo etário | |||||||
18-29 anos % | 30-39 anos % | 40-49 anos % | 50-59 anos % | 60-69 anos % | 70-79 anos % | ≥80 anos % | Total % | |
Colesterol total | ||||||||
<200mg/dl | 72,1 | 50,6 | 39,0 | 42,8 | 46,2 | 54,9 | 58,4 | 53,1 |
200-239mg/dl | 21,3 | 34,1 | 35,5 | 33,5 | 34,6 | 30,3 | 28,7 | 30,1 |
≥240mg/dl | 6,7 | 15,4 | 25,5 | 23,7 | 19,2 | 14,8 | 12,9 | 16,9 |
Colesterol-LDL | ||||||||
<100mg/dl | 40,3 | 27,3 | 22,4 | 17,8 | 22,0 | 25,9 | 24,3 | 26,3 |
100-129 mg/dl | 35,1 | 29,5 | 26,1 | 34,5 | 32,2 | 36,2 | 38,6 | 33,0 |
130-159mg/dl | 14,2 | 26,2 | 30,4 | 25,9 | 27,4 | 24,2 | 23,3 | 24,2 |
160-189mg/dl | 8,2 | 12,5 | 14,2 | 13,5 | 14,1 | 10,1 | 11,4 | 11,4 |
≥190mg/dl | 2,2 | 4,4 | 7,0 | 8,3 | 4,3 | 3,6 | 2,4 | 5,0 |
Triglicéridos | ||||||||
<150mg/dl | 77,1 | 63,8 | 57,7 | 58,1 | 61,4 | 71,1 | 73,7 | 65,8 |
150-199mg/dl | 13,1 | 15,0 | 17,3 | 21,2 | 21,1 | 17,0 | 17,0 | 17,5 |
200-499mg/dl | 9,8 | 19,2 | 22,3 | 19,4 | 16,7 | 11,5 | 9,3 | 15,5 |
≥500mg/dl | 0,0 | 2,0 | 2,7 | 1,4 | 0,8 | 0,4 | 0,0 | 1,2 |
Colesterol-HDL | ||||||||
≥60mg/dl | 21,9 | 17,4 | 18,1 | 19,6 | 21,7 | 22,9 | 23,0 | 20,2 |
40-59mg/dl | 59,5 | 60,9 | 58,1 | 60,9 | 61,8 | 60,2 | 58,9 | 60,9 |
<40mg/dl | 18,6 | 21,7 | 23,8 | 19,4 | 16,6 | 16,9 | 18,1 | 18,9 |
Distribuição da população do sexo feminino em função do perfil lipídico, por grupo etário
Variável | Grupo etário | |||||||
18-29 anos % | 30-39 anos % | 40-49 anos % | 50-59 anos% | 60-69 anos % | 70-79 anos% | ≥80 anos% | Total | |
Colesterol total | ||||||||
<200mg/dl | 72,4 | 64,2 | 52,4 | 39,3 | 39,3 | 42,6 | 43,9 | 52,9 |
200-239mg/dl | 21,7 | 28,0 | 33,4 | 38,3 | 38,9 | 36,8 | 35,9 | 31,9 |
≥240mg/dl | 6,0 | 7,8 | 14,2 | 22,4 | 21,8 | 20,6 | 20,3 | 15,2 |
Colesterol-LDL | ||||||||
<150mg/dl | 88,3 | 81,7 | 78,9 | 72,1 | 68,8 | 67,8 | 73,3 | 76,8 |
150-199mg/dl | 9,2 | 11,6 | 12,3 | 16,1 | 17,9 | 19,8 | 18,6 | 14,2 |
200-499mg/dl | 2,3 | 6,6 | 8,6 | 11,5 | 12,9 | 11,9 | 7,9 | 8,7 |
≥500mg/dl | 0,2 | 0,1 | 0,2 | 0,2 | 0,4 | 0,4 | 0,2 | 0,2 |
Triglicéridos | ||||||||
<100 mg/dl | 46,6 | 36,4 | 27,6 | 18,5 | 17,9 | 20,1 | 22,0 | 28,7 |
100-129mg/dl | 35,7 | 34,9 | 34,5 | 32,3 | 33,4 | 36,2 | 34,9 | 35,0 |
130-159mg/dl | 13,9 | 19,7 | 26,4 | 28,2 | 29,3 | 27,0 | 23,9 | 23,5 |
160-189mg/dl | 2,7 | 5,9 | 8,7 | 13,7 | 13,9 | 11,4 | 12,5 | 8,6 |
≥190 mg/dl | 1,0 | 3,1 | 2,9 | 7,3 | 5,6 | 5,3 | 6,7 | 4,2 |
Colesterol-HDL | ||||||||
≥60 mg/dl | 46,8 | 42,5 | 38,7 | 35,8 | 34,4 | 36,1 | 36,7 | 40,6 |
40-59 mg/dl | 47,4 | 50,3 | 54,1 | 55,3 | 56,9 | 55,0 | 55,9 | 52,2 |
<40mg/dl | 5,8 | 7,2 | 7,2 | 8,9 | 8,6 | 8,9 | 7,4 | 7,2 |
Se a hiperlipidemia for definida como a presença de CT ≥200mg/dl ou abaixo desse limiar mediante terapêutica hipolipidemiante, a sua prevalência atingiu 63,7% (PNA=73,5%), sem diferença significativa em função do sexo (H: 63,9%; M: 63,4%).
Tendo em consideração simultaneamente a estratificação do risco cardiovascular aos dez anos e os níveis séricos de CT, a prevalência de hipercolesterolemia na população atingiu 82,2% (H: 83,1%; M: 81,4%; p <0,001).
Terapêutica hipolipidemianteConsiderando a população com idade ≥40 anos, 54,1% dos indivíduos cumpriam critérios de elegibilidade para terapêutica hipolipidemiante (H: 57,8%; M: 50,8%). A elegibilidade para terapêutica hipolipidemiante foi significativamente mais frequente nos homens (OR: 1,45; IC 95% 1,31-1,61; p <0,001) e aumentou com a idade – Figura 4.
Entre os indivíduos com idade ≥40 anos, 44,7% estavam medicados com estatinas (H: 45,4%; M: 44,0%). Entre os doentes com indicação potencial para terapêutica hipolipidemiante, 77,7% estavam medicados, tendo essa proporção sido maior no sexo feminino (H: 73,6%; M: 81,4%).
Entre os doentes medicados com estatinas, apenas 16,0% apresentavam CT em níveis ótimos de controlo (≤175mg/dl) – H: 18,6%; M: 13,8%. Além disso, apenas 12,8% apresentavam controlo simultaneamente dos níveis de CT (≤175mg/dl) e C-LDL (<100mg/dl) – H: 15,1%; M: 10,8%.
DiscussãoO presente estudo mostrou que a prevalência de dislipidemia é elevada entre os utentes adultos dos cuidados de saúde primários em Portugal. Assim, detetou-se hipercolesterolemia (considerando o limiar de CT de 200mg/dl) em 47% da população e 38,4% dos indivíduos possuíam níveis de C-LDL ≥130mg/dl. A hipertrigliceridemia (≥200mg/dl) e o C-HDL diminuído (<40mg/dl) foram menos prevalentes, afetando menos de 13% da população.
A prevalência das doenças cardiovasculares tem aumentado progressivamente, inicialmente nos países desenvolvidos e mais recentemente naqueles em vias de desenvolvimento, a par com a modificação dos estilos de vida e o aumento do peso da população. Em Portugal, a prevalência da obesidade aumentou também na última década27,28, estimando-se que afete atualmente 16,8% dos homens e 21,8% das mulheres29. O impacto epidemiológico desfavorável dos fatores de risco cardiovasculares só não será provavelmente maior porque têm sido implementadas estratégias preventivas que têm melhorado o controlo de vários deles. Assim, a melhoria da deteção e tratamento da hipertensão arterial conduziu à redução progressiva dos valores médios de pressão arterial a nível mundial nas últimas três décadas30. Porém, o efeito das diversas intervenções sobre o perfil lipídico das populações tem sido provavelmente mais limitado. Não obstante estarem disponíveis fármacos hipolipidemiantes muito potentes e apesar de os mesmos serem utilizados generalizadamente, a concentração média de CT permaneceu praticamente inalterada a nível mundial durante o mesmo período de tempo31. Por isso, assume especial relevância a avaliação do perfil lipídico da população e a determinação do controlo da dislipidemia.
A concentração média de CT ajustada ao sexo e idade por nós estimada nos utentes adultos dos cuidados de saúde primários em Portugal (200±40mg/dl) é comparável àquelas atualmente registadas nos países desenvolvidos da Europa Ocidental, América do Norte e Sudoeste Asiático (H: 203mg [196-208mg]; M: 202mg [195-210mg]30). Apesar de os valores médios de CT terem sido globalmente similares dos dois sexos, diferiram significativamente na sua evolução em função da idade. Os níveis de CT, C-LDL e TG aumentaram com a idade até valores máximos atingidos nos homens aos 40-49 anos e nas mulheres aos 50-59 anos. Nas faixas etárias mais jovens, as diferenças entre os sexos foram muito acentuadas, sendo os níveis lipídicos significativamente mais elevados entre os homens. Nos indivíduos mais idosos a diferença entre os sexos atenuou-se e tendeu a ocorrer inversão da relação, com valores discretamente mais elevados entre as mulheres. A variação observada do perfil lipídico com a idade está também de acordo com as observações noutros estudos32.
A prevalência da dislipidemia em Portugal foi previamente abordada em vários estudos epidemiológicos a nível regional17–19 e nacional20,21 e foi estimada em revisão sistemática22–24. 71% por cento desses estudos utilizaram como critério de hipercolesterolemia um valor de CT ≥200mg/dl e estimaram uma prevalência entre 47-75%22–24. O estudo BECEL (Projeto Epidemiológico de Caracterização do Perfil Lipídico da População Portuguesa), conduzido em 2001, incluiu 1500 indivíduos com idades entre os 18-96 anos22–24. Foi observada hipercolesterolemia (definida por CT ≥190mg/dl) em 68,5% (66,4-70,5; 95% IC) e 23,4% dos indivíduos tinham CT ≥240mg/dl. Nesse estudo, 71% dos indivíduos apresentavam C-LDL ≥115mg/dl. O estudo ALTO-MAR (2001) incluiu 16.763 indivíduos. Nesse estudo, 23,4% dos indivíduos apresentavam CT ≥240mg/dl e em 21,8% foi ≥250mg/dl (22-24). A comparação dos resultados destes estudos é dificultada pela aplicação de diferentes definições de dislipidemia, justificada pela diversidade de limiares diagnósticos propostos pelas sociedades científicas internacionais. O estudo VALSIM foi desenhado tendo por base as recomendações NCEP ATP-III15 e os resultados constantes neste artigo são sumarizados de acordo com esses limiares. No entanto, para facilitar a comparação com estudos epidemiológicos baseados noutras definições, apresentámos também estimativas de prevalência considerandos os outros limiares mais frequentemente empregues. Os nossos resultados sugerem menores valores de prevalência da dislipidemia entre os utentes dos cuidados de saúde em Portugal: 47% dos indivíduos exibiam CT ≥200mg/dl e 16% apresentaram CT ≥240mg/dl. Estes valores estão em linha com as estimativas de prevalência de hipercolesterolemia nos países próximos. Em particular, em Espanha estima-se que 20% dos adultos apresentem CT >250mg/dl e 50% tenham CT ≥200mg/dl33,34.
O nosso estudo indica ainda que 44,7% dos utentes dos cuidados de saúde primários com idade superior a 40 anos estarão medicados com estatinas. Estes resultados estão de acordo com a evolução da despesa com fármacos hipolipidemiantes em Portugal. De acordo com o estudo de Teixeira et al.35, o número de doses diárias definidas por 1000 habitantes/dia passou de 10,21 em 1995 para 67,93 em 2004. Assim, a utilização de estatinas teve um crescimento médio anual de 34,5% e a despesa com fármacos hipolipidemiantes atingiu 5% dos encargos com medicamentos em ambulatório (123 milhões de euros em 2003).
A documentação de uma prevalência de hipercolesterolemia tão elevada e da insuficiência do seu controlo justificam a necessidade de se implementarem medidas de estratégia populacional, em particular no âmbito de uma alimentação saudável, que complementem as medidas farmacológicas destinadas aos subgrupos populacionais de alto risco.
LimitaçõesO presente estudo foi realizado no contexto dos cuidados de saúde primários, uma vez que em estudos populacionais esta é uma forma de fidedigna de recrutar grandes números de indivíduos, representativos das várias regiões de um país. No entanto, o desenho do estudo obriga a grande precaução na extrapolação dos resultados para a realidade populacional global, já que poderão existir diferenças relevantes entre a população seguida nos cuidados de saúde primários e os demais indivíduos. Além disso, o método de seleção (os primeiros dois utentes de cada dia de consulta), pretendendo-se aleatório, pode ser afetado pelas limitações no acesso aos serviços de saúde.
Atendendo à dimensão do estudo, as determinações analíticas não foram efetuadas num laboratório central. No entanto, em Portugal, os laboratórios de análises estão sujeitos a processos de certificação e controlo de qualidade, o que limita a variabilidade dos valores de referência e torna aceitável a comparação dos resultados.
Para o cálculo do risco de morte por causa cardiovascular em dez anos foi considerada apenas a população com idade superior a 40 anos, sem que fosse estabelecido limite superior de idade. Para o efeito, os indivíduos com idade superior a 65 anos foram avaliados pela aplicação das fórmulas de cálculo para a idade de 65 anos. Admite-se que esta opção metodológica poderá subestimar o risco cardiovascular efetivo no subgrupo dos indivíduos mais idosos, mas não comprometerá a interpretação global dos resultados.
Na avaliação da prevalência da medicação com terapêutica hipolipidemiante considerou-se que todos os doentes sob medicação eram elegíveis para a mesma. Com efeito, este estudo não pretendeu avaliar a adequação da decisão de instituição de terapêutica hipolipidemiante pelos médicos assistentes.
ConclusõesA prevalência de dislipidemia é elevada entre os utentes adultos dos cuidados de saúde primários em Portugal, detetando-se níveis aumentados de CT (≥200mg/dl) em 47%. Estes dados contribuirão para a melhor caracterização epidemiológica do risco cardiovascular na população portuguesa, imprescindível para o adequado planeamento das estratégias preventivas de saúde pública. Além disso, atualizam as estimativas de prevalência fornecidas pelos estudos prévios e fornecem a determinação das frequências por sexo e idade com base nos diferentes limiares diagnósticos.
FinanciamentoO estudo Valsim recebeu o patrocínio científico da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, da Direcção Geral de Saúde, da Associação Portuguesa de Médicos de Clínica Geral e o patrocínio financeiro do Laboratório Novartis Farma.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.