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Vol. 35. Núm. 2.
Páginas 79-81 (fevereiro 2016)
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Avaliação do risco e uso apropriado da intervenção coronária percutânea. Portagem manual ou via verde eletrónica automática?
Risk assessment in percutaneous coronary intervention and appropriate use criteria: Manual or automatic?
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Rui Campante Telesa,b
a Unidade de Intervenção Cardiovascular (UNICARV), Hospital de Santa Cruz, CHLO, Carnaxide, Portugal
b Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC), Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal
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Ana T. Timóteo, André V. Monteiro, Guilherme Portugal, Pedro Teixeira, Helena Aidos, Maria L. Ferreira, Rui C. Ferreira
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A doença coronária é a principal causa de morte nos países desenvolvidos. A intervenção coronária percutânea (ICP) alivia os sintomas dos doentes e, em muitos casos, reduz a mortalidade nos quadros de descompensação cardíaca, designadamente nas síndromas coronárias agudas (SCA)1.

Em três décadas de desenvolvimento da ICP em Portugal, observa‐se uma expansão das suas indicações a situações mais complexas e de maior risco, resultante do aperfeiçoamento da técnica e da melhoria concomitante dos resultados. Falamos da evolução dos stents farmacológicos, da terapêutica adjuvante, dos acessos arteriais e do conhecimento imagiológico e fisiológico2.

O benefício da ICP é balizado pelo risco associado à intervenção, dependendo o mesmo, genericamente, de variáveis clínicas e angiográficas. A capacidade de prever o prognóstico de um doente submetido a angioplastia, antes e após o procedimento, é de extrema utilidade3–5:

  • na predição do risco individual;

  • no aconselhamento dos doentes e familiares;

  • no planeamento das estratégias de revascularização;

  • na identificação de oportunidades de melhoria da qualidade;

  • na comparação dos resultados dos centros e operadores.

Os principais requisitos de uma pontuação preditiva do risco cardiovascular são a acessibilidade, a facilidade e rapidez de aplicação, a integração nos programas informáticos institucionais e o baixo custo. A sua validação é crucial e, idealmente, deve ser conseguida tanto no curto como no longo‐prazo até aos cinco anos.

A maioria das pontuações existentes no contexto da ICP têm limitações importantes. A mais popular na cardiologia de intervenção é o SYNTAX score, na sua versão original e no seu sucedâneo clínico (Clinical SYNTAX Score [CSS]). Está reconhecida nas recomendações europeias, mas exige uma elevada diferenciação e é morosa. O EuroSCORE II possui variáveis clínicas e é facilmente calculado, tendo ambos extensa validação externa6–11. Há diversas pontuações interessantes desenvolvidas, cujas maiores limitações são a sua aplicabilidade, a validação externa – designadamente em populações europeias – e o prognóstico circunscrito a eventos adversos intra‐hospitalares12.

O artigo de Ana T. Timóteo é atual e debruça‐se abertamente sobre estas limitações, analisando o papel de pontuações desenvolvidas a partir de populações com SCA13. Conclui que a pontuação do Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE) é útil e preferível à do Mayo Clinic Risk Score (MCRS) e à do National Cardiovascular Data Registry (NCDR) na predição da mortalidade intra‐hospitalar, numa população nacional de doentes que realizaram ICP, predominantemente em contexto de enfarte agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de ST (EAMSST).

Trata‐se uma população de dimensão assinalável, refletindo a experiência de um centro de referência desde janeiro de 2005 até outubro de 2013.

A predominância de 70,9% de EAMSST é relevante e explica as diferenças demográficas e clínicas desta população relativamente a outras, nacionais e internacionais, com uma menor prevalência de algumas comorbidades que, geralmente, se associam a maior complexidade clínica14–16.

O registo, prospetivo e observacional, foi metodologicamente focado na assinalável robustez da análise estatística comparativa das várias pontuações, cujo cálculo foi realizado retrospetivamente.

O estudo apresentado é meritório porque permite comparar as três pontuações, validando numa população portuguesa alguns dos principais requisitos de um score: a sua acessibilidade é aberta, permite a sua utilização por qualquer utilizador e sem custos. A facilidade de cálculo não foi analisada, provavelmente porque é conhecida a disponibilidade do GRACE em computadores e dispositivos móveis, permitindo o seu cálculo com base em oito variáveis de uma forma rápida mas manual17. O MCRS é mais complexo e o seu cálculo é manual, resultando algo moroso e menos prático18. Relativamente ao NCDR, presume‐se que se tenha utilizado a versão três simplificada com oito variáveis, estando atualmente disponível a versão quatro simplificada que incorpora 13 variáveis clínicas, sendo que apenas na versão completa se incluem variáveis angiográficas impactantes, como o tratamento das oclusões crónicas e da trombose de stent19.

O trabalho incide primariamente sobre a mortalidade intra‐hospitalar, situada em 4,5%. Dados os critérios de inclusão utilizados, estão excluídos os doentes das franjas do risco, como sejam aqueles que não fizeram angiografia, os com doença angiográfica minor e também os que vieram a necessitar de cirurgia ou não sobreviveram para poder beneficiar da ICP. A validação das pontuações para eventos orientados para os doentes aos 30 dias ou no longo‐prazo seria extremamente útil, pois é nesta distância que há mais lacunas do conhecimento e interesse para os doentes. Nesta perspetiva, a inclusão de biomarcadores poderá ter valor acrescentado20,21.

A questão fulcral, parece‐me, é a da operacionalização e utilidade da avaliação do risco. Em primeiro lugar, porque estas pontuações devem ser disponibilizadas à cabeceira do doente, automaticamente, preferencialmente nos programas informáticos das instituições, de modo a preceder a decisão de cateterismo e influenciar a estratégia terapêutica. Tal é tanto mais importante quando é fácil admitir que, para eventos a longo prazo, a acuidade e descriminação de modelos informáticos mais complexos e integrados supere a dos modelos simplificados. Em segundo lugar, porque neste estudo, apresentando dois terços dos doentes EAMSST e tendo estes sido revascularizados, seria extremamente interessante analisar o que se poderia fazer para reduzir a mortalidade intra‐hospitalar. É natural que as complicações descritas (cerebrovasculares, hemorrágicas e mecânicas) se associem aos óbitos e tal remete‐nos para o papel do uso apropriado da ICP, da terapêutica adjuvante e dos acessos arteriais, segundo o risco medido pela pontuação.

Em conclusão, o estudo de Timóteo et al. é original e significativo, porque valida três pontuações de risco em doentes portugueses com SCA submetidos a ICP. O cálculo do risco à cabeceira do doente, de forma automática, é uma necessidade contemporânea não colmatada. Esta análise prognóstica penetrou a maior parte das recomendações e é um auxiliar precioso do aconselhamento, planeamento, melhoria da qualidade e avaliação dos resultados.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

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