A embolia pulmonar (EP) constitui a terceira causa mais frequente de doença cardiovascular aguda, depois do acidente vascular cerebral e do enfarte agudo do miocárdio. A rapidez no diagnóstico, estratificação de risco e tratamento de doentes com EP aguda permitem reduzir a sua mortalidade.
Os desenvolvimentos dos métodos de imagem das últimas décadas trouxeram significativas mudanças nos algoritmos de abordagem desta patologia. Uma das alterações mais significativas foi a mudança do método padrão de referência para o diagnóstico de EP da angiografia pulmonar tradicional para a angiografia pulmonar obtida através da tomografia computadorizada com multidetetores (TCMD), cujo valor como método padrão passou a ser consignado nas mais recentes guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia1.
De facto, a TCMD tornou-se rapidamente no exame mais utilizado para confirmar o diagnóstico de EP aguda, podendo adicionalmente identificar sinais de disfunção ventricular direita ou permitir diagnósticos alternativos.
Se o seu papel no diagnóstico de EP aguda está bem estabelecido, já o seu valor como método para estabelecer o prognóstico destes doentes é ainda hoje objeto de intensa investigação.
Valor prognóstico dos métodos de imagemNos últimos anos, tem sido muito significativo o número de trabalhos que investigam métodos de imagem que possam obter o diagnóstico de EP aguda e, simultaneamente, contribuir para estabelecer o seu prognóstico.
O valor relativo de cada método para o diagnóstico e para avaliar o prognóstico é muito variável. A título de exemplo, a ecocardiografia transtorácica tem um valor relativamente baixo no diagnóstico de EP aguda (dada a sua baixa sensibilidade quando comparada com outros métodos), mas tem um significativo valor na identificação dos doentes com disfunção ventricular direita que, como se sabe, tem um valor prognóstico muito significativo.
Burns e Haramati publicaram recentemente um artigo de revisão sobre os vários métodos de imagem utilizados no diagnóstico da EP aguda e respetivo valor para o prognóstico2.
Para cada um dos métodos de imagem estudados, vários têm sido os parâmetros avaliados na tentativa de determinar o respetivo valor prognóstico. Como resultado destes estudos, têm sido crescentes as evidências de que os sinais de disfunção ventricular direita obtidos por TCMD podem predizer um risco elevado de mortalidade após EP aguda.
A TCMD pode, pois, constituir-se como alternativa à ecocardiografia transtorácica no estabelecimento do diagnóstico de disfunção do VD e, ainda, permitir a avaliação de outros parâmetros com impacto no prognóstico destes doentes.
Heyer et al. estudaram o valor de vários parâmetros obtidos por TCMD no prognóstico após EP aguda. Verificaram que o índice de obstrução pulmonar, o refluxo do contraste venoso e a presença de enfarte pulmonar se correlacionavam com a necessidade de internamentos em cuidados intensivos, que o refluxo de contraste venoso estava associado à necessidade de ventilação mecânica e à duração do internamento em cuidados intensivos, que a presença de derrame pleural se associava à duração total do internamento, enquanto que a relação entre os diâmetros do ventrículos direito e esquerdo (relação VD/VE) está correlacionada com a mortalidade3.
Attina et al. estudaram a aplicação dum score de obstrução arterial pulmonar na avaliação prognóstica após EP aguda e compararam-no com parâmetros clínicos e hemodinâmicos4. No mesmo sentido, Nakada et al. estudaram a relação entre o volume dos êmbolos pulmonares por TCMD e o estado clínico e os eventos no seguimento de doentes com EP aguda5.
Bauer et al. avaliaram o valor da determinação do volume sanguíneo pulmonar (VSP) na TCMD, com recurso à técnica de dupla energia, e sua correlação com outros parâmetros de valor prognóstico estabelecido, para concluírem que o VSP se correlaciona com a sobrecarga do VD e parece ter valor prognóstico neste estudo piloto.
O valor prognóstico dos vários parâmetros estudados por TCMD tem sido igualmente comparado com os obtidos por outros métodos de imagem, como, por exemplo, com a ecocardiografia transtorácica6 ou com a ressonância magnética7, ou com métodos laboratoriais como os níveis de troponina8.
Os métodos utilizados e, dentro de cada um deles, os vários parâmetros estudados são essenciais para a análise dos respetivos valores para o prognóstico. No entanto, um aspeto central na avaliação dos resultados de todos estes estudos consiste na caracterização das populações envolvidas nos vários estudos.
Não é, de facto, igual a avaliação de qualquer dos parâmetros de qualquer dos métodos consoante sejam incluídos todos doentes com suspeita de EP aguda ou apenas os doentes em que a EP foi confirmada. Também a inclusão, num determinado estudo, de todos os doentes com EP confirmada não é comparável com a população de outro estudo no qual se incluem apenas os doentes de risco intermédio e/ou de alto risco.
Um outro fator relevante na avaliação daqueles parâmetros consiste na inclusão do tipo de terapêuticas efetuadas (por exemplo com e sem recurso à fibrinólise) na análise e discussão dos resultados obtidos.
No presente número da Revista Portuguesa de Cardiologia, Baptista et al. apresentam um estudo muito interessante analisando parâmetros obtidos na angiografia pulmonar com TCMD para determinar o impacto prognóstico, a médio prazo, de vários índices radiológicos, em doentes com EP de médio a alto risco, a maioria tratados com fibrinólise. Os autores avaliaram o valor de várias variáveis [razão entre os diâmetros do ventrículo direito e ventrículo esquerdo (índice VD/VE), índice de obstrução arterial, razão ente os diâmetros da artéria pulmonar e aorta e diâmetro da veia ázigos] no prognóstico dos doentes que foram seguidos em média por 33 meses9.
Das variáveis analisadas neste estudo, apenas o índice VD/VE demonstrou valor preditivo, sendo significativamente mais elevado nos doentes que faleceram (1,6±0,5 versus 1,9±0,4, p=0,046). Os doentes com um índice VD/VE≥1,8 tiveram uma incidência 11 vezes superior de mortalidade a médio prazo (3,8% versus 38,8%, p<0,001).
Estes resultados, que são coincidentes com os descritos na literatura10,11, permitiram aos autores concluir que o índice VD/VE obtido por TCMD pode identificar doentes com pior prognóstico após uma EP aguda.
A inclusão de doentes exclusivamente de risco intermédio ou de alto risco segundo os critérios da ESC1 tem importante relevância clínica, uma vez que a maioria dos trabalhos publicados inclui também doentes de baixo risco, o que retira valor preditivo à TCMD em termos de valor prognóstico, tal como afirmado pelos autores.
De salientar que este estudo, apesar de retrospetivo, foi realizado tendo o cuidado da análise dos achados da TCMD ter sido efetuada por mais de um observador e ambos desconhecedores dos resultados do follow-up.
De facto, está descrita uma importante variabilidade interobservadores, em função da experiência relativa dos mesmos, o que aconselha uma metodologia rigorosa na análise dos parâmetros obtidos por este método de imagem e, sempre que possível, que esta análise seja efetuada por mais de um observador. Esta afirmação é aplicável não só nos trabalhos de investigação mas também na prática clínica diária. Costantino et al. estudaram esta variabilidade interobservadores e aconselham mesmo que, no contexto dum caso de suspeita clínica elevada de EP aguda, um exame de TCMD negativo para EP seja reavaliado por outro observador com mais experiência12.
ConclusõesO artigo de Baptista et al.9 vem, pois, reforçar a evidência de que alguns dos parâmetros obtidos na TCMD (em particular, os parâmetros de disfunção do VD e, de entre estes, o índice VD/VE), podem ter importante valor na determinação do prognóstico de doentes que sofreram uma EP aguda. Deste modo, a TCMD parece perfilar-se como um método capaz de, num só exame e num só tempo, poder confirmar ou excluir o diagnóstico de EP e ainda permitir identificar os doentes com pior prognóstico e, deste modo, dar suporte às decisões sobre qual a melhor terapêutica a instituir em cada doente.
Conflito de interessesDaniel Ferreira foi membro do Steering Committee dos registos EMEP Portugal (Estudo Multicêntrico de Embolia Pulmonar) e ARTE (Avaliaça¿o do Risco de Tromboembolismo Venoso) e foi investigador para o estudo PEITHO. Recebeu honorários para atividades de consultadoria e para a participação em reuniões científicas na área da terapêutica antitrombótica (Sanofi, GlaxoSmithKline, Boehringer Ingelheim).