Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) é uma síndrome de alta prevalência e difícil diagnóstico no ambulatório. O doseamento de peptídeo natriurético tipo B (BNP) pode ser útil no diagnóstico de ICFEP, porém com valor de corte diferente daquele utilizado na sala de emergência. O objetivo desse estudo foi identificar o ponto de corte do BNP em doentes ambulatórios para diagnóstico de ICFEP.
Métodos/resultadosEstudo prospectivo observacional envolvendo 161 doentes ambulatórios (68,1±11,5 anos, 72% mulheres) com suspeita de ICFEP. Doentes foram submetidos a exame clínico, eletrocardiograma, ecocardiograma com Doppler tecidual e doseamento de BNP e classificados de acordo com critérios propostos por Paulus et al. para diagnóstico de ICFEP. ICFEP foi confirmada em 49 doentes que apresentavam valores mais elevados de BNP (144,4pg/mL mediana 113pg/mL versus 27,6pg/mL mediana 16,7pg/mL p<0,0001). Uma correlação significativa foi mostrada entre BNP e volume da aurícula esquerda indexada (rho=0,554, p<0,0001), idade (rho=0,452, p<0,0001) e relação E/E’ (rho=0,345, p<0,0001). A área sob a curva ROC para BNP detectar ICFEP foi 0,92 (95% IC, 0,87-0,96, p<0,0001) e o valor de corte de 51pg/mL foi o que melhor se correlacionou com o diagnóstico de ICFEP (sensibilidade 86%, especificidade 86%, acuidade de 86%).
ConclusãoValores de BNP em doentes ambulatórios com ICFEP são significativamente mais elevados que os valores dos doentes sem ICFEP. O valor de corte do BNP de 51pg/mL apresentou melhor acuidade diagnóstica para ICFEP em doentes ambulatórios.
Heart failure with preserved ejection fraction (HFPEF) is a highly prevalent syndrome that is difficult to diagnose in outpatients. The measurement of B-type natriuretic peptide (BNP) may be useful in the diagnosis of HFPEF, but with a different cutoff from that used in the emergency room. The aim of this study was to identify the BNP cutoff for a diagnosis of HFPEF in outpatients.
Methods and ResultsThis prospective, observational study enrolled 161 outpatients (aged 68.1±11.5 years, 72% female) with suspected HFPEF. Patients underwent ECG, tissue Doppler imaging, and plasma BNP measurement, and were classified in accordance with algorithms for the diagnosis of HFPEF. HFPEF was confirmed in 49 patients, who presented higher BNP values (mean 144.4pg/ml, median 113pg/ml, vs. mean 27.6pg/ml, median 16.7pg/ml, p<0.0001). The results showed a significant correlation between BNP levels and left atrial volume index (r=0.554, p<0.0001), age (r=0.452; p<0.0001) and E/E′ ratio (r=0.345, p<0.0001). The area under the ROC curve for BNP to detect HFPEF was 0.92 (95% confidence interval: 0.87-0.96; p<0.001), and 51pg/ml was identified as the best cutoff to detect HFPEF, with sensitivity of 86%, specificity of 86% and accuracy of 86%.
ConclusionsBNP levels in outpatients with HFPEF are significantly higher than in those without. A cutoff value of 51pg/ml had the best diagnostic accuracy in outpatients.
A insuficiência cardíaca (IC) é um problema de saúde pública em todo o mundo e uma em cada cinco pessoas com mais de 40 anos irão desenvolver IC durante a sua vida. IC é no Brasil a principal causa de internação entre os idosos com mais de 60 anos1.
Mais da metade dos doentes com IC são classificados como IC com fração de ejeção preservada (ICFEP)2 e a proporção de doentes com ICFEP tem crescido tanto em países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento devido ao envelhecimento da população e ao aumento do reconhecimento médico da síndrome que compromete principalmente mulheres e doentes com múltiplas comorbidades3–5. Gastos associados com IC são elevados tanto em doentes no ambiente hospitalar como no cenário ambulatorial, independentemente da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). Portanto, a utilização de um exame de fácil execução pode ser útil na triagem desses doentes para realização de uma investigação mais complexa2–6.
O peptídeo natriurético tipo B (BNP) é liberado em resposta ao aumento da pressão de enchimento do ventrículo esquerdo (VE)7 e ao estresse parietal diastólico final do VE8 e níveis séricos de BNP são úteis tanto para o diagnóstico (confirmando ou não a presença de IC) como para avaliação do prognóstico da IC9,10.
Artigo escrito por Paulus et al.6 propôs critérios para diagnóstico e exclusão de ICFEP que incluem parâmetros ecodopplercardiográficos e doseamento do BNP6. O ponto de corte do BNP utilizado por Paulus et al.6 foi baseado em dados do estudo de Maisel et al., que utilizou doentes agudos na sala de emergência com IC aguda11.
Por outro lado, estudos usando valores de BNP em doentes ambulatórios mostraram valores menores do que os utilizados por Paulus para diagnóstico de ICFEP, porém com critérios ecodopplercardiográficos diferentes para confirmação diagnóstica12,13.
Portanto, o melhor valor do ponto de corte do BNP para confirmar ou excluir ICFEP em doentes ambulatórios pelos critérios propostos por Paulus não foram validados na prática clínica e a realização de um exame de baixo custo, como o BNP, pode ajudar a excluir ICFEP e direcionar a investigação das queixas do paciente para outras áreas.
O objetivo desse estudo é tentar identificar a acuidade diagnóstica e o melhor valor de corte do BNP em doentes ambulatórios para confirmar ou excluir ICFEP de acordo com os critérios de Paulus et al.
MetodologiaPopulaçãoEstudo prospectivo, observacional e transversal envolvendo consecutivamente 161 doentes ambulatórios (média de idade 68,1±11,5 anos; 72% mulheres) com suspeita clínica de IC. Todos os doentes estavam em classe funcional II ou III da New York Heart Association. ICFEP foi definida de acordo com os critérios da SEC que incluíam presença de sinais ou sintomas de IC, FEVE ≥50%, volume diastólico final indexado do VE (VDF-I) ≤97mL/m2 e presença de disfunção diastólica6.
Evidências diagnósticas de disfunção diastólica foram obtidas pelo ecocardiograma com Doppler tecidual (EDT) pela presença da relação E/E’ >15. Se E/E’ fosse sugestiva de disfunção diastólica (entre 8-15), outras medidas ecocardiográficas deveriam ser utilizadas para confirmar o diagnóstico como massa do VE indexada (≥122 e ≥149g/m2 para mulheres e homens respectivamente), volume da aurícula esquerda indexado (VAE-I ≥40mL/m2), relação E/A <0,5 com tempo de desaceleração de E >280ms. Um eletrocardiograma com fibrilação atrial na presença de relação E/E’ entre -15 também confirmaria o diagnóstico de ICFEP6.
Doentes com doença valvular cardíaca severa, portadores de marca-passo definitivo, doentes submetidos a cirurgia cardíaca nos últimos seis meses e portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica severa foram excluídos do estudo. O estudo encontra-se de acordo com os princípios estabelecidos na declaração de Helsinki e o protocolo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição (número 00410.258.000-08) e todos os doentes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes da inclusão no estudo.
Ecocardiograma convencional e Doppler tecidualO ecodopplercardiograma foi realizado por um ecocardiografista com utilização do aparelho VIVID 7 (GE® EUA), e analisado com software ECHOPAC por um investigador experiente sem o conhecimento prévio dos resultados dos outros exames. O exame foi realizado segundo as recomendações para quantificação de câmaras da ASE/EAE14.
A função sistólica foi avaliada pela medida da FEVE e pelo estiramento do eixo longitudinal (S’) obtido pelo Doppler tecidual.
A medida do VAE foi obtida através do método biplanar de discos (regra de Simpson modificada) com a utilização do corte apical quatro e duas câmaras em sístole ventricular esquerda final, indexado a superfície corporal. Os parâmetros da função diastólica foram estimados pela média de cinco batimentos consecutivos. O fluxo transmitral inicial (E) e tardio (A) e o tempo de desaceleração da onda E foram medidos. A velocidade do relaxamento miocárdico no início da diástole (E‘) foi medida pelo EDT nos segmentos septal e lateral do anel mitral e a média dessas medidas obtidas. Todos os exames foram gravados em mídia digital para futuras análises e revisões.
EletrocardiogramaTodos os doentes foram submetidos ao exame de ECG em 12 derivações em repouso para identificar a presença de fibrilação atrial.
Peptídeo natriurético do tipo B O BNP foi dosado no sangue através do Triage BNP Test (BIOSITE – EUA), que é um teste rápido por fluoroimunoanálise para medida quantitativa de BNP com leitura pelo Triage Meter. Os valores de BNP foram expressos em pg/mL.
Análise estatísticaA análise estatística foi processada pelo software SPSS® versão 15.0. As variáveis contínuas com distribuição normal foram expressas em média±desvio padrão e as demais em mediana. Foram usados os testes ANOVA e qui-quadrado para testar diferença de médias entre variáveis contínuas com distribuição normal, entre as contínuas sem distribuição normal e entre as variáveis categóricas, respectivamente. A correlação de Spearman (rho) foi utilizada para medir a associação entre o BNP e as variáveis clínicas e ecocardiográficas. Uma curva receiver operator characteristic (ROC) foi construída para expressar a sensibilidade e especificidade do BNP em diagnosticar ICFEP. Foi adotado um nível de significância estatística de 0,05.
ResultadosAs características clínicas, laboratoriais e ecocardiográficas dos doentes são mostradas na Tabela 1.
Características clínicas, laboratoriais, função sistólica e diastólica pelo Ecodopplercardiograma e Eco Doppler tecidual
Total (n=161) | Com ICFEP (n=49) | Sem ICFEP (n=112) | p | |
BNP pg/mL* | 63,1 (28,3) | 144,4 (113) | 27,6 (16,7) | <0,0001 |
Idade (anos) | 68,1±11,5 | 74,7±11,5 | 65,3±10,4 | <0,0001 |
Sexo feminino (%) | 72 | 80 | 69 | 0,110 |
FC (bpm) | 77±16 | 83±21 | 74±14 | 0,002 |
IMC kg/m2 | 29,4±6,0 | 28,9±6,7 | 29,6±5,7 | 0,546 |
PCR US mg/Dl* | 0,54 (0,30) | 0,48 (0,30) | 0,57 (0,32) | 0,527 |
HAS (%) | 90 | 94 | 88 | 0,221 |
PAS mmHg | 153±26 | 159±28 | 150±24 | 0,036 |
Diabetes (%) | 29 | 41 | 23 | 0,020 |
Glicose mg/dL | 106±30 | 112±37 | 103±25 | 0,072 |
Fibrilação atrial (%) | 11 | 31 | 3 | <0,0001 |
Função renal | ||||
Creatinina mg/dL | 0,91±0,27 | 0,95±0,24 | 0,88±0,28 | 0,135 |
TFG ml/min | 87,1±40,3 | 71,2±33,3 | 94,1±41,2 | 0,001 |
Função sistólica | ||||
FEVE(%) | 73±8 | 71±9 | 74±8 | 0,028 |
S’ cm/s | 8,9±2,4 | 7,6±2,2 | 9,4±2,3 | <0,0001 |
Função diastólica | ||||
E’ cm/s | 8,9±2,7 | 7,8±2,6 | 9,4±2,6 | <0,0001 |
Relação E/E’ | 9,5±4,8 | 14,0±6,1 | 7,6±2,2 | <0,0001 |
VAE-I ml/m2 | 33,4±12,0 | 44,5±12,8 | 28,5±7,6 | <0,0001 |
Relação E/A** | 0,88±0,47 | 1,1±0,76 | 0,83±0,31 | 0,006 |
Massa VE-I g/m2 | 90,1±24,2 | 96,4±25,0 | 87,7±23,4 | 0,022 |
BNP: peptídeo natriurético tipo B; FC: frequência cardíaca; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; HAS hipertensão arterial; IMC: índice de massa corporal; PAS: pressão arterial sistólica; PCR US proteína C reativa ultra-sensível;;TFG taxa de filtração glomerular estimada; VAE-I: volume da aurícula esquerda indexada; massa VE-I: massa do ventrículo esquerdo indexado; Variáveis categóricas: Pearson chi-square; Variáveis numéricas – ANOVA.
Doentes com ICFEP eram mais idosos, com maior prevalência de hipertensão arterial, diabetes, fibrilação atrial e menores valores na taxa de filtração glomerular (TFG) em relação aos doentes sem ICFEP (Tabela 1).
Os parâmetros de função sistólica e diastólica avaliados pelo ecodopplercardiograma demonstraram disfunção sistólica e diastólica mais acentuada no grupo com ICFEP em relação ao grupo sem ICFEP (Tabela 1).
BNP foi significativamente diferente entre doentes com e sem ICFEP (144,4 mediana de 113pg/versus 27,6 mediana de 16,7pg/mL p<0,0001).
A Tabela 2 mostra a correlação do BNP com as variáveis clínicas e ecocardiográficas. Observa-se uma correlação direta entre valores do VAE-I, idade e da relação E/E’ e indireta da taxa de filtração glomerular estimada com os níveis de BNP.
Correlação entre o BNP e variáveis clínicas, laboratoriais e ecodopplercardiográficas
Spearman (rho) | p | |
Idade (anos) | 0,452 | <0,0001 |
PAS mmHg | −0,012 | 0,880 |
FC (bpm) | 0,045 | 0,570 |
TFG ml/min | −0,329 | <0,0001 |
FEVE (%) | 0,049 | 0,535 |
S’ (cm/s) | −0,203 | 0,011 |
E’ (cm/s) | −0,147 | 0,062 |
Relação E/E’ | 0,345 | <0,0001 |
VAE-I (ml/m2) | 0,554 | <0,0001 |
Relação E/A | −0,077 | 0,363 |
Massa VE-I (g/m2) | 0,059 | 0,455 |
BNP: peptídeo natriurético tipo B; FC: frequência cardíaca; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; PAS: pressão arterial sistólica; TFG: taxa de filtração glomerular estimada pela fórmula de Cockroft-Gault;VAE-I: volume da aurícula esquerda indexada; massa VE-I: massa do ventrículo esquerdo indexado.Correlação é significativa até o p valor=0,05.
A área sob a curva ROC para o BNP detectar ICFEP foi de 0,92 (95% IC, 0,87-0,96; p<0,0001) (Figura 1) e o valor de corte do BNP de 51pg/mL foi o que melhor se correlacionou com o diagnóstico de ICFEP em doentes ambulatórios com uma sensibilidade de 86%, especificidade de 86%, valor preditivo positivo de 93% e valor preditivo negativo de 72%, com uma acuidade diagnóstica de 86%.
DiscussãoEsse trabalho foi o primeiro a utilizar os critérios da SEC6 para diagnóstico e exclusão de ICFEP, de modo prospectivo, em doentes ambulatórios e demonstrar que doentes com ICFEP apresentam valores elevados de BNP, porém com valores menores daqueles encontrados em doentes na sala de emergência. Nossos dados sugerem que valores de corte de BNP para ICFEP em doentes ambulatórios poderiam ser menores do que os valores apresentados no consenso da SEC, que foi baseado em estudos com doentes apresentando IC aguda6.
Na sala de emergência, sinais e sintomas de IC congestiva estão usualmente presentes e como muitos doentes são hospitalizados por edema agudo de pulmão valores de BNP são mais elevados quando comparados a doentes ambulatórios como já foi demonstrado pelo estudo BNP envolvendo 1.586 doentes em que um valor de corte do BNP de 100pg/mL teve uma sensibilidade de 90% e especificidade de 76% para diferenciar IC aguda independente do valor da FEVE, de outras causas de dispneia15.
Em doentes ambulatórios com ICFEP a única queixa apresentada pelo paciente pode ser a dispneia aos esforços sem sinais de congestão e esses doentes são geralmente mulheres, idosos, obesos e com múltiplas comorbidades16. O diagnóstico de ICFEP nesses casos é um desafio para o médico e o uso de um biomarcador como o BNP seria útil na identificação desses doentes, porém esses doentes irão ter valores menores de BNP quando comparados com doentes na sala de emergência.
Nossos dados demonstram que doentes com ICFEP apresentam importante disfunção diastólica caracterizada por alterações do relaxamento ventricular (E’) e aumento nas pressões de enchimento do VE (VAE-I e relação E/E’) na presença de FEVE normal. A correlação dos valores de BNP com parâmetros ecocardiográficos observados nesse estudo refletem a associação do BNP com a função diastólica do VE. Portanto BNP é uma importante ferramenta de fácil execução na avaliação de dispneia em doentes ambulatórios com suspeita de IC.
Arques et al.17 estudaram 26 doentes ambulatórios que apresentavam dispneia crônica como única manifestação de IC, estes doentes foram submetidos a cateterização cardíaca, considerado o padrão ouro para confirmar o diagnóstico de ICFEP18. O estudo demonstrou que valores de BNP de 31pg/mL eram preditivos de ICFEP (p=0,003) com 67% de sensibilidade e 73% de especificidade (área sob a curva ROC de 0,76, IC 0,55-0,90; p=0,007)17.
Penicka et al.19 avaliaram 30 doentes ambulatórios (73% mulheres) com dispneia crônica não explicada em classe funcional II e III e FEVE >50% que foram submetidos a cateterização cardíaca. Nesses doentes ICFEP foi definida pela presença de uma pressão diastólica final do VE >16mmHg em repouso durante a intervenção hemodinâmica e 20 doentes (66%) tiveram o diagnóstico de ICFEP confirmado. BNP foi mais elevado no grupo ICFEP comparado com o grupo controle (68 versus 21pg/ml p=0,09). Neste estudo somente três doentes mostraram valores de BNP acima do ponto de corte recomendado propostos por Paulus et al. (200pg/mL) para diagnóstico de ICFEP19.
Kitzman et al.13 avaliando 147 doentes ambulatórios em que 59 eram portadores de ICFEP, observaram um valor médio de BNP no grupo ICFEP de 56±30pg/mL.
Os dados desses estudos em relação a valores de corte do BNP13,17,19, em doentes com ICFEP, são consistentes com o que foi observado em nosso trabalho, confirmando que doentes ambulatórios com ICFEP podem ter valores de corte do BNP bem menores do que os valores estabelecidos pela SEC6.
Estabelecer um valor de corte do BNP mais adequado para doentes ambulatórios com suspeita de ICFEP em vez dos valores hoje utilizados poderia ajudar na triagem desses doentes na atenção primária. Zuber et al.20 estudaram 384 doentes para avaliar a acuidade dos peptídeos natriuréticos no diagnóstico de IC na atenção primária. Doentes foram divididos de acordo com dados clínicos e ecocardiográficos em ICFEP (31-8%) e ICFER (193 – 50%) e foi utilizado o valor de corte recomendado para BNP de 100pg/mL para diagnosticar e excluir IC, sendo que esse valor apresentou resultado falso negativo em 25% dos doentes com IC. O estudo concluiu que o valor de corte de 100pg/mL falhou na exclusão de doentes com IC na atenção primária.
A recente diretriz europeia para o diagnóstico e tratamento da IC aguda e crônica21 propõe um novo ponto de corte do BNP (35pg/mL) para excluir IC (fração de ejeção reduzida ou preservada) em doentes no ambulatório capaz de minimizar a ocorrência de falsos negativos e a realização de ecocardiogramas desnecessários. Este valor foi baseado em dados de oito artigos22–29 que utilizaram doentes com suspeita de IC ou em risco de desenvolver IC devido a presença de disfunção ventricular. O ponto de corte de 51pg/mL encontrado em nosso artigo é específico para ICFEP e apresenta um valor preditivo positivo de 93% e negativo de 72%, sendo útil para confirmar ou excluir ICFEP em doentes no ambulatório.
Com o acentuado envelhecimento observado na população, que terá como causa um aumento do número de casos de ICFEP, o doseamento do BNP pode se tornar uma ferramenta de baixo custo e de mais fácil execução que o ecocardiograma para triagem desses doentes no ambulatório.
Nosso estudo precisa ser interpretado à luz de suas limitações. Como o número absoluto de doentes em que ICFEP foi confirmada era pequeno e considerando o caráter heterogêneo da síndrome e os efeitos resultantes da presença de comorbidades que podem interferir nos valores do BNP, futuros estudos envolvendo amostras com um grande número de doentes ambulatórios se tornam necessários para validar esses achados.
ConclusãoValores de BNP em doentes ambulatórios com ICFEP, diagnosticados pelos critérios da Sociedade Europeia de Cardiologia, são mais elevados em relação aos doentes em que ICFEP foi excluída. O valor de corte de 51pg/mL nesta população estudada foi o que apresentou melhor acuidade diagnóstica para ICFEP em doentes ambulatórios.
Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animaisOs autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.