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Vol. 33. Núm. 2.
Páginas 75-77 (fevereiro 2014)
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“Unsuitable for PCI...” ICP multivaso no enfarte agudo do miocárdio com elevação de ST. Mas para que doentes?
“Unsuitable for PCI...” Multivessel primary PCI. But for whom?
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Manuel de Sousa Almeida
Unidade de Intervenção Cardiovascular, Hospital de Santa Cruz, CHLO, Carnaxide, Portugal
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Ana Rita Santos, Bruno Cordeiro Piçarra, Margarida Celeiro, Ângela Bento, José Aguiar
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Na sequência da recente publicação do ensaio PRAMI1, a publicação na RPC do artigo «Abordagem multivaso no enfarte agudo do miocárdio com elevação de ST: impacto na morbilidade e mortalidade intra‐hospitalares» não podia ser mais atual.

Santos et al., numa população de doentes com enfarte agudo do miocárdio com elevação de ST (STEMI), submetidos a angioplastia primária (PPCI) e incluídos no Registo Nacional de Síndromes Coronárias Agudas, compararam um subgrupo de doentes com doença multivaso que foram submetidos a PPCI apenas da lesão relacionada com o enfarte (180 doentes), com um subgrupo de doentes submetidos a angioplastia em mais de um vaso além da artéria culpável (77 doentes).

Verificaram que os doentes submetidos a angioplastia multivaso foram mais medicados com inibidores 2b3a (73,7 versus 38,8%), foram usados mais stents (1,4 versus 1,1 lesões por doente), com predomínio de stents revestidos com fármaco (40,8 versus 13,7%). A mortalidade intra‐hospitalar foi mais baixa na PPCI multivaso (2,6 versus 7,8%), bem como a incidência de complicações hospitalares (23,4 versus 32,8%), definidas como o conjunto de hemorragia major, transfusão sanguínea, ventilação mecânica, insuficiência cardíaca e re‐enfarte. Todas estas diferenças não atingiram significado estatístico, provavelmente pela reduzida dimensão da amostra. Os autores identificaram, por análise multivariável, a insuficiência renal, a disfunção ventricular esquerda e a hemorragia major, como preditores independentes de mortalidade hospitalar.

Para além das limitações identificadas pelos autores, desconhecemos quantos doentes obtiveram revascularização completa na angioplastia multivaso e qual o significado funcional das lesões tratadas. O desconhecimento dos critérios usados pelos operadores na escolha das estratégias terapêuticas é talvez a limitação mais importante, deste e doutros estudos já publicados sobre este tema.

Vale a pena refletir no estudo PRAMI1, recentemente publicado, que comparou a angioplastia multivaso, efetuada durante a PPCI, com a angioplastia apenas do vaso culpável.

Os autores reportaram uma redução estatisticamente significativa na incidência do endpoint primário de morte cardiovascular, enfarte do miocárdio não fatal e angina refratária (23 para 9%, p <0,001) favorável aos doentes com revascularização multivaso. Igualmente favorável foi a redução significativa no clinicamente relevante evento combinado de morte cardiovascular e enfarte do miocárdio não fatal (11,6 para 4,7%, p=0,004).

Estes valores são impressionantes e raramente observados em outros cenários da cardiologia.

Analisando em detalhe, verificamos que dos 2428 doentes com STEMI escrutinados, 53% tinham doença multivaso (1306 doentes), destes foram excluídos 841 doentes (64%), alguns por razões objetivas (critérios de exclusão claramente definidos), mas em 39% dos doentes excluídos (329 doentes) não foram indicadas razões objetivas, sendo a principal razão: lesões em artérias não relacionadas com o enfarte – unsuitable for PCI.

Nestes cenários mais complexos a exclusão de doentes, com base em critérios subjetivos e mal definidos, é um problema transversal a muitos ensaios clínicos, que limita a aplicação dos seus resultados à prática clínica do dia‐a‐dia. Desconhecemos afinal que doentes foram excluídos do estudo, por terem lesões “unsuitable for PCI” e porquê. Nestes doentes, a revascularização multivaso durante a PPCI não foi validada.

Os resultados do estudo de Santos et al. estão em linha com outros já publicados sobre este tema1–6, mas a existência de outros estudos que evidenciaram resultados desfavoráveis da angioplastia multivaso na PPCI7–9 testemunha a complexidade deste assunto e a polémica que continua a gerar.

São várias as razões. A PPCI apresenta especificidades próprias: instabilidade clínica do doente, urgência da revascularização, recursos limitados impostos por procedimentos fora do horário normal (limitando a execução de procedimentos complexos). Todas estas razões dificultam ou mesmo impedem um planeamento prévio e adequado do procedimento.

Por outro lado, na angioplastia multivaso, considerando as múltiplas variáveis associadas ao doente (diabetes, insuficiência renal, disfunção ventricular esquerda, instabilidade clínica, etc.) e as variáveis associadas às lesões (trombos, oclusões totais crónicas, cálcio, comprimento da lesão, tortuosidade, bifurcações, viabilidade do território miocárdico, significado funcional, etc.) facilmente se compreende a sua complexidade.

Widimsky et al.10 reconhecem mais de 60 cenários diferentes na angioplastia multivaso em doentes com STEMI. Daqui se compreende não ser fácil e, provavelmente, não exequível (por ser economicamente inviável) validar cientificamente as centenas de estratégias terapêuticas possíveis para todos estes cenários com recurso a ensaios clínicos aleatorizados.

Na revascularização da doença coronária multivaso e fora do contexto do STEMI, a evidência científica identifica alguns princípios com impacto favorável no prognóstico: a revascularização deve interessar apenas às lesões com significado funcional comprovado11; a revascularização cirúrgica pode ser a estratégia mais adequada12; e a revascularização multivaso deve ser precedida de uma discussão multidiscplinar em Heart Team11,13. É importante que qualquer estratégia de revascularização multivaso durante a PPCI tenha em conta estes princípios.

De qualquer modo, a evidência científica já publicada, incluindo este artigo de Santos et al. e o estudo PRAMI1, permitem concluir que a revascularização multivaso durante angioplastia primária, e certamente num grupo selecionado de doentes, poderá ter um impacto favorável e relevante no prognóstico.

É óbvio que a aplicação desta estratégia vai tornar mais complexa a intervenção, exigindo mais dos operadores e talvez tornando mais relevante a sua experiência.

Algumas questões têm necessariamente que ser respondidas, a começar se a revascularização completa deve ser obtida no mesmo procedimento ou faseada; que doentes é que beneficiam da revascularização completa no mesmo procedimento ou faseada (e nesta qual o timing mais apropriado); qual o papel da avaliação funcional (FFR) no contexto do STEMI?

Parece confirmar‐se o desaparecimento gradual de mais um tabu na angioplastia coronária – a revascularização multivaso na angioplastia primária do enfarte agudo do miocárdio com elevação de ST.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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