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Vol. 31. Núm. 2.
Páginas 171-174 (fevereiro 2012)
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Vol. 31. Núm. 2.
Páginas 171-174 (fevereiro 2012)
Caso Clínico
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Trombo na aurícula direita: apresentação rara da deficiência do inibidor do ativador do plaminogénio
Right atrial thrombus: a rare presentation of plasminogen activator inhibitor deficiency
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Bruno Cordeiro Piçarraa,
Autor para correspondência
bcpicarra@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Ana Rita Santosa, Pedro Dionísioa, João Vasconcelosa, Nuno Banazolb, Sílvia Lourençoc, Fátima Caetanod, António Jaraa
a Serviço de Cardiologia, Hospital do Espírito Santo, Évora, Portugal
b Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, Hospital de Santa Marta, Lisboa, Portugal
c Serviço de Medicina 2, Hospital do Espírito Santo, Évora, Portugal
d Serviço de Pneumologia, Hospital Espírito Santo, Évora, Portugal
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Resumo

A presença de trombos móveis na aurícula direita são fenómenos raros, mas associados a uma elevada mortalidade. Apesar de a ecocardiografia ter permitido avanços no seu diagnóstico, a sua abordagem continua a ser motivo de debate. Neste artigo apresentamos o caso de uma doente do sexo feminino, de 24 anos, com antecedentes de tabagismo, obesidade e sob terapêutica anovulatória que recorre ao serviço de urgência por cansaço fácil e tosse com expetoração hemoptoica. O ecocardiograma transtorácico revelou massa, móvel, multilobulada de grandes dimensões na aurícula direita, condicionando abertura da válvula tricúspide. Perante episódios recorrentes de embolia pulmonar, foi submetida a cirurgia cardíaca com exérese da massa, sendo o resultado anatomopatológico compatível com trombo organizado com calcificação. O estudo genético revelou homozigotia para a variante alélica PAI-1:-675G >A (4G/4G) do inibidor do ativador do plasminogénio e heterozigotia para a variante alélica MTHFR 1298 A/C da 5,10-metilenotetrahidrofolato redutase.

Palavras-chave:
Inibidor do plaminogénio
Trombo aurícula direita
Tromboembolismo pulmonar
Abstract

Free-floating right atrial thrombi are rare but associated with high mortality. Although advances in echocardiography have improved diagnosis, their management is still the subject of debate. A 24-year-old woman with a history of smoking, obesity and oral contraceptive use presented to the emergency department with dyspnea, cough and hemoptysis. Transthoracic echocardiography revealed a large free-floating cardiac mass occupying the right atrial chamber and restricting tricuspid valve opening. In view of recurrent pulmonary embolism, she was referred for cardiac surgery and the cardiac mass was excised. Anatomopathological analysis revealed an organized and calcified thrombus. Genetic study showed her to be homozygous for the 4G/4G allelic variant of plasminogen activator inhibitor-1 and heterozygous for the allelic variant A1298C of 5,10-methylenetetrahydrofolate reductase.

Keywords:
Plasminogen activator inhibitor deficiency
Right atrial thrombi
Pulmonary embolism
Texto Completo
Introdução

Os trombos móveis nas cavidades direitas do coração são um fenómeno raro, normalmente verificado de forma quase exclusiva em doentes com tromboembolismo pulmonar suspeito ou confirmado1.

A sua presença associa-se a um aumento da mortalidade quando comparada com o tromboembolismo pulmonar isolado, podendo ser superior a 40%, pois normalmente constituem um marcador de tromboembolismo pulmonar iminente e potencialmente fatal2,3.

Apesar das últimas recomendações da sociedade europeia de cardiologia sobre o diagnóstico e tratamento do tromboembolismo pulmonar advogarem o uso da ecocardiografia transtorácica em condições especiais, o seu uso mais rotineiro pode levar ao aumento do diagnóstico de trombos nas cavidades direitas nestes doentes2,4.

Não obstante os avanços no diagnóstico, o seu tratamento continua a ser um assunto de debate1,2.

Caso clínico

Doente do sexo feminino, de 24 anos, com obesidade mórbida (Índice de Massa Corporal de 40kg/m2), hábitos tabágicos de uma unidade/maço/ano (UMA) desde os 14 anos e consumo de anovulatórios desde os 17 anos. Aparentemente assintomática até cerca de 1 mês antes do internamento, altura em que inicia queixas de cansaço para pequenos esforços de agravamento progressivo, acompanhado de dispneia e episódios de tosse com expetoração sobretudo mucosa, mas por vezes hemoptoica. Ao exame objetivo estava polipneica com frequência respiratória de 24 ciclos por minuto (cpm), taquicárdica (105 batimentos por minuto) e com pressão arterial de 145/85mmHg, não havendo a registar outras alterações significativas.

Analiticamente, verificou-se ausência de anemia, de elevação dos parâmetros inflamatórios ou dos marcadores de necrose miocárdica. Havia a registar a presença de D-Dímero de 3,42μg/mL (Valores de referência < 0,5μg/mL).

O eletrocardiograma (ECG) (Figura 1) revelou a presença de taquicardia sinusal com frequência de 110 bpm, presença de R elevadas de V1-V3 acompanhadas de inversão de ondas T de V1-V2.

Figura 1.

ECG revelando taquicardia sinusal, com R's elevadas de V1-V3 e inversão de T de V1-V2.

(0.15MB).

Perante a hipótese diagnóstica de tromboembolismo pulmonar e para esclarecimento da situação clínica, realizou ecocardiograma transtorácico, que revelou a presença de massa multilobulada de grandes dimensões na aurícula direita, fazendo protusão pela válvula tricúspide para o ventrículo direito durante a diástole, ventrículo esquerdo não dilatado, de paredes não espessadas e com boa função sistólica global e segmentar, não se observando outras alterações relevantes (Figura 2).

Figura 2.

A seta indica a presença de massa de cerca de 2,3cm na aurícula direita.

(0.15MB).

Posteriormente, realizou ecocardiograma transesofágico, que confirmou a presença de massa multilobulada com esboço pediculado aderente ao teto da aurícula direita e que fazia procidência pela abertura da válvula tricúspide (Figura 3).

Figura 3.

Massa de multilobulada, aparentemente pediculada, de cerca de 3cm na aurícula direita.

(0.11MB).

A doente ficou internada de imediato, tendo-se verificado um agravamento clínico progressivo, com episódios recorrentes de dispneia súbita, acompanhados de expetoração hemoptoica, pelo que, perante a hipótese de embolias pulmonares recorrentes, foi submetida de urgência a auriculotomia direita com exérese de massa multilobulada, muito móvel, pediculada, aderente à válvula de Eustáquio, ocupando toda a aurícula direita. O procedimento cirúrgico decorreu sem intercorrências, tendo alta anticoagulada com varfarina.

A análise anatomopatológica da massa foi compatível com trombo na aurícula direita em organização e com calcificação ocasional.

Face ao diagnóstico de trombo na aurícula direita, numa jovem de 24 anos, a doente efetuou estudo para pesquisa de causas embólicas:

  • -

    Doppler venoso dos membros inferiores que evidenciou permeabilidade dos eixos venosos;

  • -

    Estudo da coagulação que revelou: homozigotia para a variante alélica PAI-1:-675G > A (4G/4G) do inibidor do ativador do plasminogénio (PAI-1) e heterozigotia para a variante alélica MTHFR 1298 A/C da 5,10-metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR). Sem outras alterações nos restantes fatores procoagulantes.

Na presença de trombo na aurícula direita secundário provavelmente à associação genética de homozigotia para a variante alélica PAI-1: −675G > A (4G/4G), a doente ficou anticoagulada.

No período de follow-up de 1 ano e na sequência da interrupção da anticoagulação oral para realização de uma lobectomia inferior direita por bronquiectasia volumosa do lobo inferior direito, houve a registar um episódio de tromboembolismo pulmonar maciço com paragem cardiorrespiratória associada.

O ecocardiograma transtorácico efetuado posteriormente revelou ventrículo esquerdo não dilatado, de paredes não espessadas com boa função sistólica global. Presença de movimentos paradoxais do septo interventricular por sobrecarga do ventrículo direito. Ligeira dilatação das cavidades direitas. Presença de insuficiência tricúspide moderada com pressão estimada na artéria pulmonar (PSAP) de 54mmHg.

Atualmente, a doente apresenta ainda algumas queixas de cansaço para médios esforços, sem outras evidências de fenómenos embólicos.

Dada a presença de outros fatores de risco protrombóticos (tabagismo, obesidade mórbida e consumo de anovulatórios), a doente suspendeu a terapêutica com anovulatórios, encontrando-se em abstinência tabágica e em consulta de dietista.

Discussão

A presença de trombos móveis na aurícula direita são tradicionalmente fenómenos raros, mas que, pelo seu grande potencial de tromboembolismo pulmonar, se associam a uma elevada mortalidade1–3.

Consoante a sua origem, eles são classificados em tipo A, quando originados nas veias periféricas profundas, e em tipo B, quando se originam in situ nas cavidades direitas do coração. Os trombos tipo A são frequentemente muito móveis e lobulados, associam-se a uma elevada incidência de tromboembolismo pulmonar e podem requerer tratamento lítico ou cirúrgico urgente. Os trombos tipo B são frequentemente imóveis, parietais e associados a um melhor prognóstico5. Apesar das suas implicações prognósticas distintas, a sua abordagem continua a ser um motivo de controvérsia1,2.

A este respeito Chartier L et al., numa série consecutiva de 38 doentes com o diagnóstico de trombos flutuantes nas cavidades cardíacas direitas, verificaram que, independentemente da estratégia terapêutica adotada (cirurgia, terapêutica lítica farmacológica, anticoagulação com heparina, ou tratamentos percutâneos), a mortalidade intra-hospitalar era elevada, cerca de 44,7%. Todavia, concluíram que a cirurgia urgente é normalmente requerida e que a realização de fibrinólise poderá funcionar com uma ponte terapêutica para estes doentes1.

Rose PS, et al. descrevem, na revisão que fizeram de um período de 34 anos, que o tromboembolismo do coração direito se associa a uma elevada taxa de mortalidade (cerca de 27,1%). Nesta revisão, a realização de trombólise associa-se a uma maior sobrevida quando comparada com a anticoagulação ou o tratamento cirúrgico; todavia os autores concluem que é necessária a realização de estudos prospetivos e aleatorizados nesta área para determinar qual a melhor estratégia terapêutica.

No nosso caso, tratou-se de uma doente a quem, na sequência de episódios sugestivos de tromboembolismos pulmonares, foi diagnosticada por ecocardiografia uma massa na aurícula direita. Perante a recorrência de episódios de tromboembolismo pulmonar e agravamento do quadro clínico, foi submetida de urgência a exérese de massa multilobulada, muito móvel, pediculada, «presa» à válvula de Eustáquio, cujo diagnóstico de trombo apenas se realizou definitivamente pelo resultado anatomo-patológico.

Uma das particularidades deste caso foi verificar-se a presença de um trombo tipo B muito móvel na aurícula direita.

Dadas as implicações prognósticas que o diagnóstico de trombo na aurícula direita implica, a doente efetuou estudo da coagulação, tendo-se verificado homozigotia para a variante alélica PAI-1: -675G >A (4G/4G) do PAI-1 e heterozigotia para a variante alélica MTHFR 1298 A/C da MTHFR.

A associação de fenómenos tromboembólicos com os polimorfismos genéticos 4G/4G e 4G/5G do PAI-1 começa atualmente a ficar bem definida. De facto, alguns estudos vieram a demonstrar um aumento da incidência de tromboses venosas profundas nos portadores da variante 4G/5G6 e de fenómenos trombóticos, especialmente em vasos de órgãos internos nos portadores das duas variantes alélicas7.

O estudo da coagulação efetuado revelou ainda a presença de heterozigotia para a variante alélica MTHFR 1298 A/C da MTHFR. A MTHFR é uma enzima envolvida no metabolismo da homocisteína e níveis elevados desta estão frequentemente associados a um aumento do risco de cardiopatia isquémia ou de trombose venosa profunda. Dois alelos, localizados no cromossoma 1, o C677T e o A1298C, podem levar ao aumento da produção de homocisteina8. Embora a relação entre hiperhomocisteinémia e o risco cardiovascular estejam descritos, os mecanismos fisiopatológicos estão, ainda, por definir. De facto, apenas a homozogotia com o polimorfismo C677T e não de A1298C se associa a hiperhomocisteinémia. Nenhuma das variantes alélicas apresentou um risco mais elevado de cardiopatia isquémia ou de trombose venosa profunda do que portadores saudáveis sem estas variantes alélicas9,10.

O presente caso clínico ilustra que, apesar da presença de fatores de risco modificáveis (tabagismo, obesidade mórbida e consumo de anovulatórios) que poderiam justificar a apresentação clínica deste caso, a presença de um trombo móvel na aurícula direita ou um outro qualquer fenómeno embólico venoso profundo numa doente jovem deverá levar à suspeição da existência de uma predisposição genética que, em interação com outros fatores ambientais, podem levar à ocorrência de fenómenos embólicos de relevante importância terapêutica e prognóstica.

Na pesquisa efetuada da Medline e Google, este trata-se do primeiro caso de trombo na aurícula direita secundário a homozigotia para a variante alélica PAI-1: -675G >A (4G/4G).

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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