A prova de esforço cardiorrespiratória ou cardiopulmonar (PECR), apesar de pouco disponível em muitos países, fornece vários parâmetros com implicações clínicas, diagnósticas e prognósticas, de particular interesse na insuficiência cardíaca1. O consumo máximo de oxigénio (VO2max)2,3, o pulso máximo de oxigénio, absoluto e ajustado para o peso corporal4,5, o limiar anaeróbio (AT)6, o equivalente ventilatório de dióxido de carbono (VE/VCO2) a rampa do equivalente ventilatório do dióxido de carbono (rampa VE/VCO2)7,8 e ainda a rampa da eficiência de captação de oxigénio (OUES)9 são alguns destes parâmetros obtidos na PECR. A questão mantém‐se: quais terão maior fiabilidade, facilidade de obtenção e valor prognóstico, preditivo de mortalidade global?
Existem algumas limitações na medição destas variáveis, como a baixa reprodutibilidade10, as diferentes formas de cálculo ou identificação11 e a necessidade de realizar um nível máximo de esforço12 para obter a maioria destas, o que depende da motivação de doentes, técnicos e médicos. Sabemos que as provas de esforço muitas vezes não são máximas, sobretudo quando se trata de doentes com insuficiência cardíaca ou idosos na sua generalidade.
O presente estudo13 identifica um novo parâmetro, o ponto ótimo cardiorrespiratório (POC), que representa o menor valor de equivalente ventilatório de oxigénio (VE/VO2) obtido na PECR. Previamente, este já tinha sido estudado pelo mesmo investigador e seus colaboradores, em 201214, que então verificaram modestas associações do POC com outras medidas ventilatórias, sugerindo a sua contribuição independente na interpretação da resposta cardiorrespiratória. Foi também demonstrado que os valores de POC aumentavam com a idade e eram superiores no género feminino.
Relativamente a outros parâmetros cardiorrespiratórios, o POC revelou‐se vantajoso pela facilidade de determinação e estabilidade idêntica ou superior à de outras variáveis consagradas, com baixo erro de determinação que é automática, considerando o valor mais baixo de equivalente ventilatório de oxigénio em dado minuto15. Contrariamente, os valores de VO2max e sobretudo de VE/VCO2 estão mais sujeitos a erros de determinação. Como índice que quantifica a menor ventilação necessária para extrair um litro de oxigénio, o POC caracteriza a interligação entre os sistemas circulatório e respiratório. É um parâmetro fidedigno, simples de identificar, que ocorre muito antes do AT, com baixos níveis de exercício14. Deste modo, o novo parâmetro poderá adicionar valor prognóstico à PECR submáxima com particular utilidade em adultos incapazes ou não motivados para atingir o exercício máximo.
No artigo publicado no presente número13, o objetivo dos autores foi avaliar a capacidade do POC em predizer a mortalidade global nos indivíduos de meia‐idade e idosos, com e sem doenças crónicas, como índice prognóstico independente e em combinação com VO2max.
Apesar das limitações inerentes ao facto do estudo em comentário ser retrospetivo, este teve a vantagem de incluir uma amostra de grande dimensão. Importa reforçar que excluiu doentes que não fizeram prova de esforço máxima, que os indivíduos incluídos eram de nível social elevado, saudáveis ou pouco doentes na sua maioria, estavam bem treinados e pelo nível de esforço atingido constituíam uma população de baixo risco CV. Nesta população heterogénea, maioritariamente de doentes crónicos com doenças não especificadas (54%), com alguns doentes coronários (28%) e indivíduos saudáveis (18%), sabemos que não estavam incluídos doentes com diagnóstico de insuficiência cardíaca. Teria sido interessante o conhecimento de outros dados, nomeadamente de função ventricular esquerda, fração de ejeção e volumes ventriculares determinados por ecocardiografia e valores de BNP, contudo, a caracterização desta extensa amostra é reduzida. A conclusão do estudo deve portanto referir‐se especificamente a esta amostra populacional, considerando que o POC >30, independentemente ou conjugado com o VO2max (valor incremental), é um bom indicador prognóstico em indivíduos saudáveis ou com doenças crónicas, nomeadamente com doença coronária estável (sem insuficiência cardíaca), capazes de realizar exercício máximo. Estes resultados não devem ser extrapolados para outros doentes que a amostra não traduza, nomeadamente insuficientes cardíacos ou que não consigam realizar prova de esforço máxima.
Finalmente, importa afirmar que este é um estudo indubitavelmente relevante, que comprova o interesse da variável POC, demonstrando o seu valor prognóstico, e tendo sempre em conta a facilidade de determinação com baixo erro. Reforça também indiretamente o potencial da própria PECR, ferramenta válida e de grande utilidade na prática clínica, muitas vezes não utilizada pela antecipação de um esforço submáximo, o que com a introdução deste novo índice poderá deixar de constituir critério para a sua não realização. O POC, com resultados reproduzidos em populações específicas e em doentes que realizem PECR submáximas, corretamente divulgado, poderá mesmo levar a um aumento de realização de PECR, em centros detentores da técnica.
Considerando as demonstradas e potenciais vantagens deste parâmetro, relativamente aos restantes da PECR, importa agora estudar o valor prognóstico do POC numa amostra de grande dimensão de insuficientes cardíacos, com e sem disfunção sistólica, incluindo maioritariamente, e por inerência, aqueles que não consigam realizar PECR máxima. Aguardamos com grande expetativa os resultados de futuros estudos.
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.