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Vol. 37. Núm. 11.
Páginas 885-887 (novembro 2018)
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TC cardíaca na ablação da fibrilhação auricular – one‐stop‐shop?
Cardiac computed tomography for atrial fibrillation ablation – a one‐stop shop?
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Ana G. Almeida
Hospital Universitário de Santa Maria, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
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Hugo Marques, Pedro de Araújo Gonçalves, António Miguel Ferreira, Rita Cruz, João Lopes, Rosana dos Santos, Lucian Radu, Francisco Costa, João Mesquita, Pedro Carmo, Diogo Cavaco, Leonor Parreira, João Pisco, João Goyri O’Neill, Pedro Adragão
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A imagem cardíaca veio introduzir possibilidades inovadoras e incontornáveis no diagnóstico, na estratégia terapêutica, na monitoração e no prognóstico nas doenças cardiovasculares, constituindo conjunto de ferramentas cruciais à atividade clínica, à investigação e ao ensino. A qualidade e a precisão da informação fornecida têm revelado extraordinária expansão na última década, a par dos impressionantes desenvolvimentos tecnológicos na área da saúde.

A tomografia computorizada cardíaca (TCC) surge plenamente implantada na clínica em 2004 aquando da disponibilidade dos 64 detetores, permitindo a avaliação das lesões coronárias com elevada acuidade e reprodutibilidade. Contudo, outras aplicações clínicas têm vindo a emergir e mais recentemente a eletrofisiologia passou a contar com a imagem da TCC para o planeamento dos seus procedimentos, entre os quais se contam o tratamento por ablação e o encerramento do apêndice auricular na fibrilhação auricular (FA), opções terapêuticas bem estabelecidas1. Para o planeamento da ablação, a TCC fornece informação de elevada resolução sobre a anatomia auricular e das veias pulmonares, permitindo a integração da imagem durante o procedimento e assim aumentar a sua precisão e diminuir a duração do procedimento, mas importantemente excluir a presença de trombos no apêndice auricular e na aurícula, condição essencial à ablação e que, convencionalmente, é avaliada com recurso à ecocardiografia transesofágica.

A TCC apresenta contudo um lado menos favorável, ao implicar o uso de radiação e a necessidade de administração de agente de contraste iodado. Se o último é mais facilmente controlado, através da adequada seleção e da preparação prévia dos doentes, a radiação é contudo incontornável e apontada de forma crítica pelos potenciais riscos na saúde. De facto, os efeitos biológicos da radiação ionizante relacionam‐se com a dose cumulativa efetiva e os seus efeitos estocásticos têm sido relacionados com o desenvolvimento de neoplasias, embora estas associações tenham sido assumidas a partir dos efeitos de exposição à radiação de forma aguda e em doses elevadas (sugerem‐se dose superiores a 100mSV)2. A associação com a exposição a doses baixas, como as usadas em técnicas de diagnóstico, é menos clara, levantando‐se a hipótese de existir um limiar mínimo para os efeitos nocivos ou mesmo um efeito protetor quando em doses de radiação muito baixas, no que diz respeito ao risco neoplásico. Contudo, na ausência atual de estudos epidemiológicos que o demonstrem, é de um modo geral aceite que qualquer nível de radiação tem risco, pelo que deverá ser aplicado o princípio de Alara (as low as reasonably achievable), em que o uso dos estudos de imagem com radiação deve ser racional e razoável e a radiação minimizada ao máximo3.

É no entanto nesta vertente, aliada à maior capacidade diagnóstica, que o desenvolvimento tecnológico tem mostrado evolução claramente favorável, levando a mudança de atitudes e implicando alterações radicais em guidelines diagnósticas, como se tem verificado para o uso da TCC na avaliação da doença coronária estável4.

Na realidade, os desenvolvimentos técnicos da TCC, para além da melhoria da qualidade de imagem verificada, têm vindo a oferecer redução progressiva da dose de radiação, através da introdução de modulação de corrente, a aquisição prospetiva da imagem e a reconstrução iterativa da imagem, aliada aos avanços de hardware com a disponibilidade de equipamentos de TC de dupla energia com elevado pitch e de aquisição de volume, suscetíveis de garantir a aquisição de imagem num único ciclo cardíaco. Essa possibilidade constitui uma vantagem real, nomeadamente nos doentes com arritmias, entre as quais é de considerar a FA como a mais frequente na população, sobretudo nas idades mais avançadas. A validação clínica das novas opções tecnológicas constitui matéria importante de estudo, sendo que a velocidade da disponibilidade dos novos desenvolvimentos implica uma necessidade de validação igualmente rápida de modo a assegurar o seu apropriado uso clínico.

É neste contexto que Marques et al.5 desenvolvem o presente estudo utilizando um registo prospetivo que incluiu uma população de 270 doentes no contexto de avaliação pré‐ablação de FA, com o duplo objetivo de estimar o impacto da otimização progressiva de protocolos e da evolução tecnológica na abordagem diagnóstica dirigida à deteção de trombos auriculares e, concomitantemente, a influência na dose de radiação e no volume de contraste. Deste modo, seriam asseguradas as vertentes importantes representadas pela qualidade diagnóstica do estudo, contrapondo‐se à dose de radiação e de agente de contraste. Este estudo reflete bem a problemática associada à rápida evolução tecnológica que os autores acompanharam, adquirindo experiência nos novos desenvolvimentos da TCC.

Consideraram assim três grupos de doentes cronologicamente ordenados e sucessivos, representando diferentes pontos de evolução tecnológica. Os dois primeiros grupos foram estudados por um equipamento de TC de primeira geração com dupla‐ampola, 64 detetores. Para o primeiro grupo foi utilizado protocolo restrospetivo convencional com modulação de miliamperagem e kilovoltagem (KV) selecionada para cutpoint de índice de massa corporal (IMC); no segundo grupo, os autores procederam à otimização do protocolo utilizando aquisição prospetiva, redução da kilovoltagem e menor volume de contraste. A qualidade de imagem foi semelhante nos dois protocolos, mas a dose de radiação reduziu substancialmente em 75% de 5,6 mSv para 1,3 mSv. O terceiro grupo, mais recente, foi estudado por equipamento de terceira geração, com dupla‐ampola e 182 detetores, com reconstrução de imagem com protocolo iterativo. Para além de permitir adquirir as imagens num único ciclo cardíaco, altamente benéfico para os casos de arritmias, houve uma redução drástica da dose de radiação para mediana de 0,6 mSv, aliada a um volume de agente contraste significativamente menor. Esta última evolução tecnológica associou‐se a melhor qualidade visual de imagem relativamente aos primeiros protocolos, avaliada quer por dados subjetivos de visualização quer pelos parâmetros quantitativos.

De ressaltar os interessantes índices quantitativos de qualidade selecionados para o estudo, nomeadamente os rácios de sinal/ruído, contraste/ruído e a homogeneidade da densidade, permitindo separar fluxo sanguíneo de trombo, mas com potencial para outras aplicações.

A acuidade diagnóstica para a exclusão de trombos, amplamente demonstrada em estudos anteriores, que referiram valores preditivos negativos da TCC superiores a 99% sob validação pelo ecocardiograma transesofágico (ETE)6–8, não foi testada neste estudo, em que a prevalência de trombos foi muito baixa por se tratar de uma população de baixo risco e apropriadamente hipocoagulada. Contudo, os poucos casos duvidosos quanto à presença de trombo foram confirmados por segunda aquisição de imagem, sem adição de contraste suplementar, e validados por ETE, enquanto a necessidade de uma segunda aquisição de imagem foi menos frequente no grupo avaliado pelo equipamento de terceira geração. Os protocolos otimizados e a evolução tecnológica revelaram‐se superiores aos testados por outros grupos, quer na dose de radiação quer na de contraste, não sacrificando a qualidade diagnóstica.

Este estudo revelou o indiscutível valor da inovação relacionada com a evolução técnica e a expertise no uso de TCC, não só quando aplicada à avaliação pré‐ablação de FA, mas com manifesto potencial para o estudo de outras condições cardiovasculares.

Estes avanços da TCC que serão certamente standard um futuro previsivelmente não longínquo abrem possibilidades a esta modalidade não perspetivadas anteriormente, quer pela qualidade e fiabilidade acrescidas, quer pela redução expressiva da dose radiação. Serão necessários estudos para o estabelecimento de atual custo‐benefício da TCC tendo em conta a sua elevada e crescente qualidade diagnóstica face à segurança do doente e aos custos, mas é expectável que novos desenvolvimentos tecnológicos no futuro próximo venham colocar mais questões, e desafios, mas seguramente novas possibilidades diagnósticas aliadas à minimização da exposição a riscos.

Conflitos de interesse

A autora declara não haver conflitos de interesse.

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