Nos últimos anos temos assistido a um grande aumento do número de implantações de cardioversores desfibrilhadores. Segundo o registo da APAPE, em 2011 implantaram-se 1084 novas unidades em Portugal1.
Este aumento do número de implantações levou a um crescimento dos doentes em seguimento e, consequentemente, do número de consultas e aumento da carga de trabalho sobre médicos, técnicos cardiopneumologistas e outros profissionais envolvidos. Isto ocorre porque a implantação do aparelho não é o objetivo final da terapêutica – é apenas um dos passos de um processo maior cujo objetivo é o tratamento global da patologia de que o doente padece e que levou à implantação.
Entre nós, na maioria dos casos, os doentes são seguidos em consulta especializada (relacionada com o seguimento do aparelho) duas a três vezes por ano, ou mais se necessário. Na consulta de seguimento presencial são avaliados os sintomas e queixas dos doentes, aspetos clínicos relacionados com a patologia (por exemplo: na insuficiência cardíaca, se houve ou não períodos de descompensação, se houve alterações terapêuticas, etc.) e o dispositivo é avaliado (interrogado).
Na interrogação do dispositivo podem-se avaliar vários parâmetros: questões técnicas relacionadas com a integridade e bom funcionamento do sistema (impedância dos elétrodos, limiares de pacing, sensing, estado da bateria) e também parâmetros que ficam armazenados na memória do aparelho (existência ou não de arritmias ventriculares, de episódios de fibrilhação auricular, de terapêutica por pacing antitaquicardia ou choque) e ainda parâmetros relacionados com o tratamento da insuficiência cardíaca (como a variabilidade R-R ou índices de impedância transtorácica que têm correlação com o grau de congestão cardíaca). A programação do aparelho (e/ou a terapêutica médica) podem depois ser ajustadas, de acordo com a avaliação efetuada.
Um dos problemas do seguimento presencial tem a ver com o facto de não ser contínuo, mas sim pontual em momentos fixos no tempo. Por este motivo, pode acontecer que um problema com o dispositivo que ocorre no dia seguinte ao da consulta só seja detetado na avaliação seguinte (que pode ter lugar apenas seis meses depois).
Recentemente surgiram sistemas integrados de monitorização remota, associados aos dispositivos cardiológicos (CDIs, CRTs, pacemakers). Estes sistemas permitem que os dados armazenados na memória dos aparelhos sejam recolhidos e enviados diariamente, de uma forma automática (sem intervenção direta do doente), para uma central (utilizando uma linha telefónica comum ou GSM). Nesta central estes dados são avaliados e se houver desvios em relação a valores pré-definidos, o médico assistente pode ser alertado (por SMS, correio eletrónico ou contacto direto) de forma a poder solucionar a situação. Mesmo que não existam alertas gerados pelo sistema é possível em momentos definidos no tempo (consulta remota ou consulta à distância) ler em formato eletrónico (numa página da Internet) os dados referentes a um determinado doente.
Parece óbvio que a possibilidade de uma monitorização mais contínua possa trazer vantagens para os doentes – permitindo, por um lado, diminuir a necessidade de deslocação ao hospital para consulta (especialmente importante em doentes idosos, com dificuldades de locomoção, ou que morem longe do centro de implantação) e, por outro, uma deteção precoce de problemas clínicos que mereçam intervenção (como episódios de fibrilhação auricular de novo com consequente início de anticoagulação oral) ou de problemas relacionados com o dispositivo (por exemplo, aumento súbito de impedância de um dos elétrodos sugerindo uma fratura). As vantagens podem também estender-se aos serviços hospitalares com diminuição do número de consultas presenciais, obrigando, por outro lado, a uma reorganização para gestão destas consultas à distância e dos alertas gerados pelo sistema.
Os primeiros ensaios clínicos demonstraram a vantagem desta tecnologia: o ensaio clínico TRUST2 (realizado com o sistema de monotorização remota da Biotronik –Home Monitoring) incluiu cerca de 1500 doentes com CDI aleatorizados para uma consulta convencional e três avaliações à distância por ano (além dos potenciais alertas) versus quatro consultas convencionais anuais. Ficou demonstrado que existia redução do consumo de recursos de saúde e também que existia uma redução muito significativa no número de dias que passavam desde a ocorrência de arritmias (fibrilhação auricular, taquicardia ventricular ou fibrilhação ventricular) até à avaliação clínica (um dia versus 36 dias). Também o estudo CONNECT3 (realizado com o sistema da Medtronic – Carelink) demonstrou que o tempo que passa desde a ocorrência de um alerta clínico (definido como ocorrência de choque, pacing antitaquicardia, arritmias auriculares, depleção de bateria ou nível de bateria a justificar substituição, entre outros) até à intervenção clínica é francamente menor em doentes que são seguidos remotamente.
Embora exista já alguma evidência científica da utilidade destes sistemas, não existem dados clínicos nacionais nem dados sobre o impacto em gestão de recursos no Serviço Nacional de Saúde.
Parece-nos assim bastante importante o ensaio clínico – «Monitorização à distância versus seguimento convencional presencial em portadores de dispositivos cardíacos implantados: racional e desenho do estudo PORTuguese Research on Telemonitoring with CareLink (PORTLink)4 (cujo protocolo é publicado neste número da revista) com origem em Portugal e envolvendo centros portugueses. Revistas científicas com fator de impacto elevado só publicam ensaios clínicos se previamente o protocolo tiver sido também publicado. Isto garante uma possibilidade de verificação que não houve desvios em relação ao plano inicial no que diz respeito a conduta do estudo e análises dos dados e é considerada uma das regras da boa prática em ensaios clínicos.
O presente ensaio pretende comparar duas estratégias de seguimento de doentes: o seguimento convencional exclusivamente em consulta e o seguimento com sistema de monitorização à distância e menor número de consultas. Para tal, os doentes vão ser divididos em quatro grupos: doentes com aparelho recentemente implantado (dois grupos – seguimento convencional e à distância) e doentes com aparelho há mais tempo e já com experiência em seguimento convencional (dois grupos – manutenção do seguimento convencional e introdução ao sistema de monitorização à distância). Os objetivos do estudo PORTLink são a avaliação da eficiência do seguimento do doente portador de CDI ou TRC-D (segurança, eficácia, satisfação do doente e profissionais de saúde e consumo de recursos) com monitorização à distância quando comparado com o seguimento hospitalar convencional, exclusivamente presencial.
A aleatorização já começou. Aguardemos então com expetativa os resultados e conclusões deste estudo!
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.