Estudar a relação que a leptina tem com a obesidade (expressa em índice de massa corporal) e alguns componentes da síndrome metabólica (SM) numa amostra da população adulta.
População e métodosEm 103 indivíduos, 42 homens e 61 mulheres, com idades superiores a 30 anos, clinicamente definidos como não diabéticos mas com patologia cardiovascular e/ou antecedentes familiares de doenças cardiovasculares (DCV), determinaram-se, além da leptina, a insulina, a glicemia em jejum e após ingestão de 75g de glicose, HDL-c, triglicéridos e calcularam-se os índices de resistência à insulina (IR-HOMA) e de massa corporal (IMC).
ResultadosO IMC, tomado como índice de obesidade geral, condicionou os níveis séricos da leptina.
O IMC subiu, em ambos os sexos, à medida que os níveis séricos da leptina se elevaram do 1.° para o 3.° tercil da respetiva distribuição.
Foi muito forte a correlação leptina/IMC com r=0,524 nos homens e r=0,603 nas mulheres, significância estatística elevada.
Na previsão da hiperleptinemia, a posição cimeira foi assumida pelo IMC com AUC (area under curve) de 0,81 nos homens e 0,84 nas mulheres.
Ao avaliar-se a magnitude da associação da leptina aos diferentes fatores de risco (regressão logística binária univariada) observaram-se valores muito altos de odds ratio (OR) para a relação leptina/IMC, em ambos os sexos (10,11 nos homens e 6,00 nas mulheres).Verificou-se mesmo (regressão logística multivariada) que a hiperleptinemia foi condicionada, em ambos os sexos, pela obesidade com OR de 9,30 nos homens e 8,1 nas mulheres, considerando IMC ≥ 30 kg/m2.
- A hiperinsulinemia e a IR influenciaram profundamente a hiperleptinemia.
Na previsão da IR, a leptina surgiu, em ambos os sexos, como primeiro elemento (AUC=0,89 nos homens e 0,85 nas mulheres) e, na previsão da hiperleptinemia, vêm logo a seguir à obesidade (IMC), a IR nos homens e a hiperinsulinémia nas mulheres com AUC respetivamente de 0,79 e 0,78.
Foram fortes as correlações leptina/IR-HOMA e leptina/insulina, em ambos os sexos e enorme a influência que nos homens teve a hiperinsulinémia (OR=11,71) e a IR nas mulheres (OR=21,22).
- Relativamente aos componentes da SM:
Observou-se elevação dos respetivos níveis séricos, à medida que as concentrações da leptina subiram do 1.° para o 3.° tercil da respetiva distribuição (com exceção do HDL-c, que desceu).
ConclusãoO aumento da leptina sérica, sobretudo nos indivíduos obesos, deve constituir sinal de alerta para desiquilíbrios energéticos e do regimen alimentar, para a existência de hiperinsulinemia, de IR, de alterações em outros fatores de risco metabólicos que têm profunda influência nas DCV e diabetes tipo 2.
To analyze the relationship between leptin and obesity expressed as body mass index (BMI) and certain components of the metabolic syndrome (MS) in an adult population.
MethodsThe study included 103 subjects, 42 men and 61 women, aged over 30 years, clinically defined as non-diabetic but with personal or family history of cardiovascular disease. All subjects underwent fasting blood measurements of leptin, insulin, glucose, glucose after ingestion of 75g glucose, HDL cholesterol and triglycerides, and insulin resistance (IR) and BMI were calculated.
ResultsBMI as an index of overall adiposity was strongly associated with serum leptin. BMI rose as serum leptin levels increased from the first to the third tertile; the correlation between leptin and BMI was strong, r=0.524 in men and r=0.603 in women, with high statistical significance (p<0.001); BMI was the best predictor of hyperleptinemia on ROC analysis, with area under the curve (AUC)=0.81 in men and 0.84 in women.
The association between leptin and obesity (BMI ≥30kg/m2) showed high odds ratios (OR) in both sexes (10.11 in men, 6.00 in women) on univariate regression analysis and 9.30 in men and 8.21 in women on multivariate regression analysis.
Hyperinsulinemia and IR strongly influenced hyperleptinemia. Leptin was the best predictor of IR in both sexes (AUC=0.89 in men and 0.85 in women), and IR in men (AUC=0.79) and hyperinsulinemia in women (AUC=0.78) were the best predictors of hyperleptinemia after BMI. The correlations between leptin and IR, and leptin and insulinemia, were strong in both sexes.
With regard to MS components, increased serum levels of the study variables were observed as leptin concentrations rose from the first to the third tertile (with the exception of HDL cholesterol, which decreased).
ConclusionElevated serum leptin, particularly in obese individuals, should be taken as a warning sign of energy imbalance, poor diet, hyperinsulinemia, insulin resistance, or changes in other metabolic risk factors that are strongly associated with cardiovascular disease and type 2 diabetes.
A leptina é uma hormona proteica, predominantemente produzida no tecido adiposo, cuja massa controla através de efeitos sobre a ingestão alimentar e o metabolismo energético. Envolvida em vários outros processos fisiológicos, como a reprodução, a leptina atua através de recetores próprios, ubiquitariamente distribuídos, segundo mecanismos progressivamente mais bem conhecidos1.
É este um estudo de natureza populacional, com ele nos iremos situar em consonância com investigadores que, em vários países, estudam a relação insulina/IR/componentes da SM/leptina, esta com altos níveis circulantes. Contudo, por limitações do nosso estudo e condições de trabalho, passaremos ao lado de pontos muito importantes para os quais o atual estado da arte não tem ainda resposta concludente. São eles, entre outros, os seguintes:
Mecanismos patofisiológicos que relacionam a obesidade com o processo aterosclerótico e, portanto, com as DCV e SM;
Detalhes de como o tecido adiposo alargado, próprio da obesidade e, em diferentes localizações, desenvolve insulinorresistência sistémica;
Mecanismos que, a nível celular e molecular, estão subjacentes à secreção da insulina e sua sensibilidade;
Mecanismos que conduzem à leptinrresistência;
Identificação de fatores responsáveis pelas marcadas diferenças da leptinemia entre homens e mulheres;
É nosso objetivo, no presente trabalho, estudar a ligação da leptina à obesidade e à SM, com a hiperinsulinemia e a IR que lhe são próprias, mas também a outros componentes desta mesma síndrome, hiperglicemia, hipertrigliceridemia, baixos valores de HDL-c, todos de reconhecido poder aterogénico e que é preciso conhecer, para que se previnam e/ou se tratem, sob pena de virem a influenciar gravemente doenças já hoje muito prevalentes entre nós: DCV e diabetes tipo 2.
Em prosseguimento deste objetivo, iremos analisar os resultados obtidos em torno de três linhas orientadoras: a leptina e a obesidade, a leptina e a SM, diferenças por sexo, dos níveis séricos de leptina.
População e métodosA amostra populacional foi constituída por 103 indivíduos, utentes de uma consulta de cardiologia preventiva, clinicamente referidos como não diabéticos, mas com patologia cardiovascular e/ou antecedentes familiares de DCV ou diabetes tipo 2, (42 homens e 61 mulheres) com idades superiores a 30 anos. A idade média (± desvio padrão) foi de 48,3 (±9,7) anos, sem diferença significativa entre os sexos. Todos os indivíduos estavam, no momento da colheita de sangue, em jejum de, pelo menos, 12 h.
Exames laboratoriaisOs níveis séricos de leptina foram quantificados pelo método ELISA (Enzyme Lynked Immunoabsorbent Assay) utilizando o reagente DSL-10- 23100 ACTIVE Human Leptin ELISA-kit (Diagnostic System Laboratories, Webster, Texas).
Os parâmetros bioquímicos foram determinados por métodos enzimáticos colorimétricos em autoanalisador Hitachi 911 (Boehringer Mannhein, Kobe, Japan), com reagentes Roche Diagnostics GmbH. As concentrações séricas da insulina foram processadas em auto analisador IMMULITE pelo método imunométrico enzimático quimioluminescente em fase sólida, utilizando reagentes IMMULITE Diagnostic Products Corporation.
Determinou-se o IMC, como usualmente, através do quociente peso em kg sobre a altura ao quadrado em metros. O índice de resistência à insulina IR-HOMA calculou-se de acordo com a fórmula proposta por Matthews et al. (insulina em jejum μU/mL x glicose em jejum, mmol/L/22,5)2.
Critérios e valores de referênciaHiperglicemiaConsideraram-se como hiperglicémicos os indivíduos com concentrações de glicose em jejum superiores a 110mg/dL (6,1mmol/L).
HiperinsulinemiaDefiniram-se como hiperinsulinémicos os indivíduos que apresentavam concentrações séricas de insulina em jejum, superiores aos valores discriminatórios correspondentes ao percentil 75 das respetivas distribuições 16,3μU/mL (117pmol/L) para os homens e 11,7μU/mL (84pmol/L) para as mulheres.
InsulinorresistênciaNa população analisada, o percentil 75 dos valores de HOMA foi 3. A insulinorresistência foi assim identificada sempre que HOMA ≥3 e/ou intolerância à glicose (glicose em jejum ≥ 110mg/dL (≥6,1mmol/L) e ou glicemia às 2 h pós ingestão 75g de glicose ≥ 126mg/dL (≥7,8mmol/L).
DislipidémiasConsideraram-se como dislipidémicos os indivíduos que detinham, isoladamente ou em concomitância, os níveis seguintes de concentrações: HDL-c<35mg/dL (<0,9mmol/L) para os homens e<39mg/dL (<1,0mmol/L) para as mulheres e triglicéridos ≥150mg/dL (≥1,7mmol/L).
ObesidadeForam classificados como obesos os indivíduos com IMC ≥30kg/m23.
Síndrome metabólicaDe acordo com os critérios propostos pela OMS4, considerou-se a presença de SM, em todos os participantes que apresentassem as seguintes características: insulinorresistência mais dois dos seguintes fatores de risco: IMC ≥30 kg/m2, triglicéridos ≥150mg/dL (≥1,7mmol/L), HDL-c<35mg/dL (<0,9mmol/L) para os homens e<39mg/dL (<1,0mmol/L) para as mulheres.
Análise estatísticaNa comparação estatística dos três grupos utilizámos: a ANOVA One-way nas variáveis quantitativas contínuas com distribuição normal e o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis nas restantes situações.
As correlações entre os conjuntos de dados foram calculadas através do teste de correlação de Pearson.
A força das associações foi estimada pelos OR e respetivos intervalos de confiança a 95% (IC 95%) através de regressão logística.
As variáveis que, por regressão logística binária, univariada, apresentaram uma associação estatísticamente significativa com valores elevados de leptina, foram analisadas, subsequentemente, por regressão logística multivariada.
Construiram-se curvas ROC (receiver operating characteristic curve) da leptina versus componentes da SM estudados. Para o tratamento estatístico dos dados, utilizou-se o programa SPSS para Windows versão 14.0 (Chicago, Illinois, EUA).
Consideraram-se como estatisticamente significativos valores de p<0,05.
ResultadosO Tabela 1 apresenta as caracteristícas gerais da população estudada de acordo com o sexo e valores da leptina, agrupados em tercis.
Caracteristicas gerais da população estudada, de acordo com o sexo e concentações da leptina (em tercis)
Homens | |||
1.° Tercil (N=14)<9,0 ng/mL | 2.° Tercil (N=14)≥ 9,0<15,2 ng/mL | 3.° Tercil (N=14)≥ 15,2 ng/mL | |
Idade, anos | 45,6±8,4 | 46,9±9,4 | 49,3±11,9 |
Glicose, mg/dL | 91,2±10,2 | 97,4±9,1 | 99,4±10,5 |
Insulina, μU/mL | 6,81±1,94 | 11,9±4,35 | 16,9±5,65*** |
HOMA | 1,55±0,55 | 2,86±1,15 | 4,14 (±1,39)*** |
HDL-c mg/dL | 51,8±6,8 | 41,3±9,6 | 44,4±13,4* |
Triglicéridos, mg/dLa | 106 (71-136) | 183 (104-229) | 167 (139-202)** |
IMC, kg/m2 | 26,6±2,21 | 28,1±1,77 | 30,2±2,75** |
Mulheres | |||
1,° Tercil (N=20)<24,6 ng/mL | 2,° Tercil (N=20)≥ 24,6<47,1 ng/mL | 3.° Tercil (N=21)≥ 47,1 ng/mL | |
Idade, anos | 47,4±9,0 | 48,3±9,6 | 48,1±8,7 |
Glicose, mg/dL | 85,5±7,7 | 93,7±11,5 | 89,7±13,2 |
Insulina, μU/mLa | 6,9 (5,05-7,30) | 9,00 (7,43-11,55) | 11,7 (8,15-14,45)*** |
HOMAa | 1,35 (1,01-1,69) | 2,07 (1,61-2,59) | 2,28 (1,68-3,15)*** |
HDL-c, mg/dL | 63,2±11,9 | 63,7±16,2 | 57,9±10,1 |
Triglicéridos, mg/dL | 84±53,8 | 108±44,1 | 111±43,7 |
IMC, kg/m2 | 24,2±2,93 | 27,1±3,19 | 30,2±5,20*** |
Os dados são apresentados sob a forma de média±DP (variáveis contínuas com distribuição normal) e mediana (intervalo interquartil) em situações de assimetria.
Fatores de conversão: Para converter a glicose sérica de mg/dL para mmol/L, multiplicar por 0,0555; a insulina sérica de μU/mL para pmol/L, multiplicar por 6,946; o HDL-c de mg/dL para mmol/L, multiplicar por 0,0259; triglicéridos de mg/dL para mmol/L, multiplicar por 0,0113.
Em ambos os sexos, à medida que a leptina subiu do 1.° para o 3.° tercil, os valores das variáveis elevaram-se, quase sempre de forma consistente (com exceção do HDL-c que desceu) sendo essas alterações quase sempre estatisticamente significativas. De notar que esta significância foi particularmente relevante (p<0,001) em ambos os sexos para insulina e IR-HOMA, para IMC nas mulheres.
No Tabela 2 observaram-se as correlações muito fortes (p<0,001) entre a leptina e a insulina, o IR-HOMA e o IMC; menos forte para os triglicéridos no sexo feminino, ainda assim com significância estatística (p<0,01); de notar, como esperado, a correlação negativa leptina/HDL-c.
O traçado das curvas ROC considerando as variáveis/fatores de risco em estudo em ordem a predizer IR, de acordo com o sexo, referem-se na Figura 1 e Tabela 3. Nelas podem ver-se, através das AUC, hierarquizados os diversos fatores de risco/variáveis, aparecendo a leptina para um valor cut-off de 14 ng/mL nos homens e de 45,6 ng/mL nas mulheres com valores de especifidade e de sensibilidade, respetivamente, de 91-84% e de 72,5-87,5%; surgem depois os TG e IMC nos homens, enquanto, nas mulheres, vem, logo a seguir à leptina, o IMC.
Área sob a curva ROC (AUC), sensibilidade, especificidade e valores cut-off de leptina, triglicéridos, IMC e HDL-c para a previsão de IR, de acordo com o sexo
Variáveis | AUC (95% IC) | Sensibilidade | Especificidade |
Homens | |||
Leptina, 14ng/mL | 0,889 (0,78-0,99)*** | 84,0% | 91,0% |
Triglicéridos, 138mg/dL (1,57mmo/L) | 0,739 (0,59-0,89)** | 79,0% | 65,2% |
IMC, 30,7 kg/m2 | 0,716 (0,56-0,87)* | 42,0% | 95,7% |
HDL-c, 45mg/dL (1,16mmol/L) | 0,346 (0,17-0,52) | 26,3% | 34,8% |
Mulheres | |||
Leptina, 45,6ng/mL | 0,850 (0,72-0,98)** | 87,5% | 72,5% |
IMC, 27,8 kg/m2 | 0,732 (0,51-0,87)* | 87,5% | 62,7% |
HDL-c, 53,5mg/dL (1,38mmol/L) | 0,483 (0,30-0,67) | 87,5% | 39,2% |
Triglicéridos, 123,5mg/dL (1,41mmol/L) | 0,458 (0,28-0,64) | 0% | 72,5% |
Já para predizer a hiperleptinémia é, em ambos os sexos, o IMC o primeiro fator na hierarquização e, para um valor cut-off de 28,7 kg/m2 nos homens e 27,5 kg/m2 nas mulheres os valores de especificidade e de sensibilidade foram respetivamente de 75-80% e de 68,9-92,9%; seguiu-se a insulina nas mulheres e IR-HOMA, nos homens Figura 2, Tabela 4.
Área sob a curva ROC (AUC), sensibilidade, especificidade e valores cut-off de IMC, IR-HOMA, insulina, triglicéridos, glicose e HDL-c para a previsão de hiperleptinemia de acordo com o sexo
Variáveis | AUC (95% IC) | Sensibilidade | Especificidade |
Homens | |||
IMC, 28,7kg/m2 | 0,808 (0,65-0,97)* | 80,0% | 75,0% |
IR-HOMA, 3,63 | 0,791 (0,59-0,99)* | 80,0% | 78,1% |
Insulina, 15,2μU/mL (109pmol/L) | 0,781 (0,58-0,98)* | 80,0% | 81,3% |
Triglicéridos, 126,5mg/dL (1,44mmol/L) | 0,614 (0,43-0,80) | 90,0% | 43,8% |
Glicose, 87mg/dL (4,87mmol/L) | 0,608 (0,41-0,81) | 90,0% | 31,3% |
HDL-c, 43mg/dL (1,11mmol/L) | 0,463 (0,26-0,67) | 30,0% | 43,8% |
Mulheres | |||
IMC, 27,5kg/m2 | 0,837 (0,72-0,95)** | 92,9% | 68,9% |
Insulina, 11,4μU/mL (82pmol/L) | 0,781 (0,64-0,93)* | 64,3% | 84,4% |
IR-HOMA, 2,34 | 0,748 (0,59-0,90)* | 64,3% | 84,4% |
Triglicéridos, 79,5mg/dL (0,91mmol/L) | 0,583 (0,41-0,76) | 78,6% | 44,4% |
Glicose, 92,5 mg/dL (5,18mmol/L) | 0,557 (0,36-0,75) | 50,0% | 73,3% |
HDL-c, 59,5 mg/dL (1,54mmol/L) | 0,307 (0,16-0,45) | 7,0% | 40,0% |
Na avaliação da magnitude da associação leptina/diferentes fatores de risco analisados, Tabela 5, os OR permitiram concluir que, de forma constante, em ambos os sexos, os seus mais altos valores corresponderam a hiperinsulinémia (12,60 nos homens, 7,13 nas mulheres), IR-HOMA (7,64 e 9,56) e obesidade (10,11 e 6,00).
Fatores de risco associados a valores elevados de leptina (OR)
Regressão logística binária univariada | Homens leptina ≥ 19ng/mL | Mulheres leptina ≥ 50ng/mL |
OR (IC 95%) | OR (IC 95%) | |
Glicose em jejum>110 mg/dL (6,1mmol/L) | 1,67 (1,14-20,58) | 2,21 (0,33-14,65) |
Insulina em jejum, H≥16,3; M≥11,7μU/Ml(H ≥ 117; M ≥ 84 pmol/L) | 12,60 (2,41-65,95)** | 7,13 (1,97-25,73)** |
IR-HOMA≥ 3 | 7,64 (1,38-42,33)* | 9,56 (2,01-45,52)** |
Triglicéridos ≥ 150 mg/dL (1,7 mmol/L) | 2,19 (0,52-9,33) | 2,42 (0,58-10,13) |
HDL-c, H<35; M<39 mg/dL (H<0,9; M<1,0 mmol/L) | 0,40 (0,04-3,69) | 0,94 (0,87-1,00) |
IMC≥30 kg/m2 | 10,11 (2,01-50,98)** | 6,00 (1,47-24,55)* |
Regressão logística multivariada | OR (IC 95%) | OR (IC 95%) |
Insulina em jejum, ≥16,3μU/mL (≥ 117 pmol/L) | 11,71 (1,79-76,85)* | |
IR-HOMA≥ 3 | 21,22 (3,12-144,43)** | |
IMC≥30 kg/m2 | 9,35 (1,43-61,30)* | 8,21 (1,62-41,55)* |
H: homens; IC: intervalo de confiança; M: mulheres; OR: odds ratio.
Por aplicação da técnica de regressão logística multivariada, verificou-se que as variáveis explicativas da hiperleptinemia foram, nos homens, a hiperinsulinemia e a obesidade e, nas mulheres, a insulinorresistência e a obesidade.
DiscussãoOs resultados atrás apresentados, que se entrecruzam, complementam e polarizam, sugerem-nos comentários segundo as linhas orientadoras, que a seguir destacamos.
Leptina e obesidadeA leptina, produzida essencialmente no tecido adiposo, em quantidade proporcional à massa deste, sob comando do gene Ob, vem ultimamente a ser considerada como importante controlador do peso corporal desencadeando mecanismos fisiológicos diferentes segundo o estadio do equilíbrio energético. Assim, os níveis séricos de leptina, atuando como verdadeiros sensores desse equilíbrio energético, transmitem ao hipotálamo informação respeitante à energia acumulada no tecido adiposo, desencadeando, se altos, os mecanismos necessários ao seu controlo, diminuição do apetite e aumento do dispêndio energético, ou, inversamente, perante baixa desses níveis séricos (perda de peso), aumento do apetite e diminuição do gasto energético. Todavia, nos indivíduos obesos, estes mecanismos estão comprometidos, pois, embora com elevados níveis séricos de leptina, resistem aos seus efeitos, é a leptina-resistência.
Os mecanismos fisiológicos ligados à síntese e secreção da leptina, à sua ligação ao recetor, à regulação do apetite e do gasto energético, são complexos, ainda não completamente esclarecidos e envolvem numerosas hormonas e neurotransmissores1,5,6.
Utilizámos, neste trabalho, o IMC como indicador de obesidade geral na população em estudo e, observámos a subida, estatisticamente significativa (p<0,05 e<0,001) dos seus valores, em ambos os sexos, atingindo praticamente o limite definidor da obesidade, 30,9 e 29,1 kg/m2 respetivamente nos homens e mulheres à medida que os níveis de leptina subiram do primeiro para o terceiro tercil da respetiva distribuição (Tabela 1). E, nesta mesma linha, surgiu a correlação, muito forte, leptina/IMC e, que se expressa (Tabela 2) com r=0,524 nos homens e r=0,603 nas mulheres, e significância estatística elevada (p<0,001).
Também na previsão de hiperleptinemia, a posição cimeira foi assumida pelo IMC que se expressa na Figura 2 e Tabela 4, com AUC de 0,81 nos homens e 0,84 nas mulheres.
Esta mesma interrelação leptina/obesidade foi corroborada quando se avaliou a magnitude da associação da leptina, em valores elevados, aos diferentes fatores de risco/componentes da SM e em análise (Tabela 5) em que são muito altos os valores de OR em ambos os sexos (10,11 nos homens e 6,00 nas mulheres), para concluirmos mesmo (regressão logística multivariada), que a hiperleptinemia é condicionada, em ambos os sexos, pela obesidade com OR de 9,30 nos homens e 8,21 nas mulheres, considerando IMC ≥ 30kg/m2.
Leptina e síndrome metabólicaComprovámos neste trabalho que a hiperinsulinémia e a IR influenciam profundamente a hiperleptinémia (curvas ROC em Figuras 1 e 2, Tabelas 3 e 4), sendo que a leptina surge, em ambos os sexos, como primeiro elemento a prever a IR (AUC=0,89 nos homens e 0,85 nas mulheres) e, na previsão da hiperleptinémia, vêm, logo a seguir à obesidade, a IR, nos homens e a hiperinsulinémia nas mulheres com AUC, respetivamente de 0,79 e 0,78.
São também elucidativas as fortes correlações leptina/IR-HOMA e leptina/insulinémia (Tabela 2) e ainda (Tabela 5) a enorme influência que nos homens tem a hiperinsulinémia (OR=11,71) e a IR nas mulheres (OR=21,22).
Ora, são a hiperinsulinemia e a IR os elementos chave ligados ao conceito de SM, correspondendo esta designação à necessidade de reconhecer que os fatores de risco metabólicos para DCV, mormente coronárias, diabetes tipo 2 e hipertensão são grandemente interrelacionados e, em vez de se adicionarem, multiplicam-se nas respetivas ações, aumentando enormemente a morbilidade e mortalidade ligadas a estas patologias7. Esta inter-relação também a pudemos observar quando (Tabela 1) notámos que as variáveis em estudo, que mais não são do que importantes componentes da SM, se elevaram, nas respetivas concentrações séricas, de forma estatisticamente significativa à medida que a leptina subiu do primeiro para o terceiro tercil da respetiva distribuição, com a única exceção do HDL-c, que desceu.
A interrelação leptina/IR/hiperinsulinemia/outros componentes da SM é de tal modo importante e evidente que, preconiza-se, os níveis séricos da leptina devem constituir mais um componente da SM, mais um novo fator de risco cardiovascular8. É que a SM cuja prevalência aumenta continuamente (em Portugal situar-se-á nos 27,5%9, em relação com a pandemia da obesidade e aparece mesmo em crianças e jovens10,11) é, para alguns, o mais importante mecanismo na patogénese das DCV7.
Os detalhes dos mecanismos que presidem ao desenvolvimento da IR no tecido adiposo alargado, característico da obesidade, e o papel que neles cabe à leptina permanecem ainda controversos, apesar de este ser um tópico sobre o qual muito se investiga e que tem importantes reflexos científicos e implicações clínicas.
O adipócito é uma das células em que a ação da insulina mais se faz sentir, nele promovendo, primeiro, a transformação dos pré-adipócitos em adipócitos e depois, nestes, estimulando o armazenamento de energia sob a forma de triglicéridos. Ora na IR, provocada pela obesidade, estes mecanismos estão comprometidos, tal como a nível do músculo-esquelético e do fígado.
A própria localização do tecido adiposo tem importância no desenvolvimento da IR, sendo os depósitos intra-abdominais mais fortemente ligados a essa IR e, consequentemente, ao risco de diabetes tipo 2 e DCV do que os depósitos periféricos na região glútea/subcutânea. Como explicação, ainda não suficientemente fundamentada, formula-se a hipótese de que os adipócitos intra-abdominais seriam mais lipoliticamente ativos, o que faria aumentar o fluxo de ácidos gordos livres intraportais com consequente produção de insulinorresistência por atuação nos recetores da insulina, diminuindo a sua capacidade tal como reduzindo a sensibilidade das vias metabólicas subsequentes12.
Ora, o tecido adiposo não é mais considerado como mero reservatório de energia sob a forma de triglicéridos, e os adipócitos são verdadeiras glândulas endócrinas onde se formam e segregam hormonas proteicas como a leptina, adiponectina, citoquinas a incluírem o TNFα, PAI-1, importante na manutenção da homoestasia, do angiotensinogénio, cujos produtos regulam o tónus vascular, hormonas esteroides (estrogéneos, cortisol) e substratos como ácidos gordos livres.
Através destes produtos, os adipócitos não só influenciam a própria biologia, como o metabolismo global em locais tão diferentes como o cérebro, o fígado, o músculo, as células β pancreáticas, as gónadas, os órgãos linfoides e os vasos sanguíneos.
Em contrapartida, os produtos segregados abrem a possibilidade de o próprio tecido adiposo ter influência no desenvolvimento de IR – casos do TNFα, da leptina, do PPARγ (Peroxisome proliferactive activated receptor gama)13 e da CREB (cAMP Response Element Binding Protein).14
O PPAR y, fator de transcrição que se expressa abundantemente no tecido adiposo, tem papel crucial na diferenciação dos adipócitos e no desenvolvimento da obesidade provocada por dietas ricas em gorduras e na própria IR. Quanto à proteína CREB, ela está ativada nas células adiposas, em condições de obesidade, originando IR, com diminuição de adiponectina e, consequentemente, da sua ação protetora da IR e da aterosclerose como agente modelador que é da sensibilidade da insulina sistémica.
Já o TNFα, com o aumento do tecido adiposo e, provavelmente, do funcionamento hepático alterado, elevar-se-á facilitando a lipólise com consequente libertação de ácidos gordos livres conduzindo, presumivelmente, à IR. A propósito, tem vindo a ser investigado um possível papel da leptina na doença hepática gorda não alcoólica (NAFLD) e seus diferentes estadios, também ela ligada à obesidade e insulinorresistência, para se concluir, por uma não-associação, que, quando muito, se poderá verificar um certo efeito preventivo da leptina relativamente ao progressivo avanço da doença15,16.
Quanto à leptina, ela é pleotrófica na sua atuação e tem, para lá do importante papel já referido, na homoestasia energética, ação de sensibilização da insulina por via do sistema nervoso central (hipotálamo) e de atuação nos tecidos que a ela, insulina, são sensíveis e influencia profundamente os metabolismos da glicose e dos lípidos.
As deficiências nestes mecanismos com consequente diminuição da ação da leptina, leptina-resistência, estão relacionadas com a etiopatogenia da obesidade e da IR, mas o seu papel na relação com estas anomalias não é ainda claro.
Diferenças, por sexo, dos níveis de leptina séricosA amplitude dos valores de leptina sérica variou neste trabalho e nos homens entre 1,8 e 47,1ng/mL e nas mulheres entre 6,4 e 88,4ng/mL e que na Tabela 1 se referem de forma sintetisada (< 9 e>15,2 ng/mL no sexo masculino e<24,6 e>47,1 ng/mL no sexo feminino). Os valores cut-off considerando o percentil 75 destas distribuições situaram-se em 19 e 50ng/mL, respetivamente, nos homens e nas mulheres. Encontrámos assim, como múltiplos autores, que as mulheres analisadas apresentaram valores séricos de leptina aproximadamente três vezes mais altos do que os homens, circunstância que se verifica nas idades jovens (crianças e adolescentes), nas mulheres pré e pós-menopausa e nos idosos, o que vem levantando múltiplas interrogações17–19.
A obesidade, expressa em IMC, foi o maior determinante da hiperleptinémia (Figura 2 e Tabela 4). Todavia, admite-se, ainda com controvésia, que a contribuição da obesidade na regulação das concentrações séricas da leptina depende da sua localização, sendo diferente e menor para os depósitos de tecido adiposo subcutâneos, mais característicos da mulher e em que a expressão do mRNA da leptina é mais alta do que nos intra-abdominais, a predominarem nos homens. Querem alguns autores relacionar esta distribuição da gordura com alterações verificadas no perfil lipídico e na homoestasia insulina-glicose mais favorável nas mulheres, circunstância que também verificámos (Tabela 1), pois, para IMC bastante idêntico em ambos sexos, as mulheres mostraram, relativamente aos homens, mais baixas concentrações lipídicas, de glicose e insulina, o que as fará resistir melhor do que os homens à obesidade19.
Conclusão- -
Os níveis séricos da leptina associam-se à obesidade em relação direta positiva, como pudemos comprovar através do IMC;
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Relativamente às ligações com a SM, a leptina associou-se fortemente à hiperinsulinémia e à IR-HOMA, com pequenas variações entre os sexos, sendo fracas as ligações com os outros componentes da SM;
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No que diz respeito aos níveis séricos da leptina, limitámo-nos a verificar que, também neste estudo populacional, as mulheres têm leptina muito mais alta do que os homens, não constituindo nosso objetivo o estudo dos fatores que por tal são responsáveis e sobre os quais existe muita controvérsia, mormente sobre o papel das hormonas sexuais.
O aumento de leptina sérica, sobretudo nos indivíduos obesos, deve, pois, constituir um sinal de alerta para desiquilibrios energéticos de IR, de hiperinsulinemia com seu conjunto de anomalias nos metabolismos da glicose e dos lípidos que profundamente influenciam a eclosão e o desenvolvimento das doenças crónicas referidas, DCV e diabetes tipo 2.
Este trabalho tem as limitações próprias da pequena dimensão da amostra e do facto de esta ter sido colhida em utentes de uma consulta de cardiologia preventiva.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.