Informação da revista
Vol. 34. Núm. 1.
Páginas 27-33 (janeiro 2014)
Visitas
44410
Vol. 34. Núm. 1.
Páginas 27-33 (janeiro 2014)
Artigo Original
Open Access
Relação entre a frequência cardíaca de recuperação após teste ergométrico e índice de massa corpórea
Relation between heart rate recovery after exercise testing and body mass index
Visitas
44410
Tereza Cristina Barbosa Lins
Autor para correspondência
tereza.lins@gmail.com

Autor para correspondência.
, Lucila Maria Valente, Dário Celestino Sobral Filho, Odwaldo Barbosa e Silva
Departamento de Pós‐Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Tabelas (4)
Tabela 1. Características de 2.443 pacientes segundo classe de IMC de acordo com distribuição de média, desvio padrão e intervalo de confiança
Tabela 2. Distribuição do número de indivíduos, frequência cardíaca máxima (FCmax) atingida (em batimentos por minuto), FCmax predita para a idade (em batimentos por minuto) e percentual da frequência cardíaca (FC) atingida em relação à predita, segundo grupos de IMC
Tabela 3. Análise univariada de avaliação do risco de recuperação atenuada da frequência cardíaca de repouso no primeiro minuto
Tabela 4. Análise multivariada de avaliação do risco de recuperação atenuada da frequência cardíaca de repouso no primeiro minuto
Mostrar maisMostrar menos
Resumo
Fundamento

Declínio atenuado da frequência cardíaca após teste ergométrico é considerado preditor de mortalidade cardiovascular, por refletir disfunção autonômica vagal.

Objetivo

Avaliar a relação entre índice de massa corpórea (IMC) e recuperação da frequência cardíaca após teste ergométrico.

Métodos

Foram incluídos registros de 2.443 pacientes de ambos os sexos, entre 20‐59 anos, em ritmo sinusal, sem uso de cronotrópicos negativos e sem resposta isquêmica miocárdica ao teste ergométrico realizado em clínica especializada, entre 2005‐2011. O IMC foi categorizado como: normal (18,5kg/m2<IMC ≤25kg/m2), sobrepeso (25kg/m2<IMC ≤30kg/m2) e obeso (IMC >30kg/m2). A recuperação da frequência cardíaca após esforço, obtida pela diferença entre a máxima no esforço e no 1.° minuto da recuperação, foi comparada entre grupos de IMC. Foi considerada atenuada quando ≤12bpm.

Resultados

Oitenta e sete (3,6%) pacientes registraram recuperação atenuada, sendo três vezes maior no grupo de obesos e duas vezes no de sobrepeso, quando comparados ao grupo adequado (p<0,001, p=0,010, respectivamente). Obesos apresentaram maior frequência cardíaca basal e menor máxima, além de menor reserva cronotrópica (p<0,001). Na análise multivariada, identificou‐se influência dessa atenuação por sobrepeso (RR=1,8; p=0,035), obesidade (RR=2,0; p=0,016), MET (RR=0,82; p<0,001) e frequência cardíaca de repouso (RR=1,05; p<0,001). A razão de risco da hipertensão arterial sistêmica igualou‐se a dois, sem significância (p=0,083).

Conclusão

A recuperação atenuada da frequência cardíaca associou‐se a maiores IMC, corroborando o fato de que obesos apresentam disfunção autonômica vagal.

Palavras‐chave:
Teste de exercício
Obesidade
Sistema nervoso autônomo
Frequência cardíaca/recuperação
Abstract
Introduction

Impaired heart rate (HR) recovery after exercise testing is considered a predictor of cardiovascular mortality as it reflects vagus nerve dysfunction.

Objective

To assess the relationship between body mass index (BMI) and HR recovery after exercise.

Methods

We analyzed the records of 2443 patients of both sexes, aged between 20 and 59 years, in sinus rhythm, not using negative chronotropic agents and with no myocardial ischemic response to exercise testing carried out at a specialist clinic, between 2005 and 2011. BMI was categorized as normal (18.5‐<25 kg/m2), overweight (25‐≤30 kg/m2) or obese (>30 kg/m2). The different BMI groups were compared in terms of HR recovery after exercise, which was calculated as the difference between maximum HR during exercise and in the first minute of recovery. Recovery was considered impaired when the difference was ≤12 bpm.

Results

Eighty‐seven (3.6%) patients presented impaired recovery, which was three times more prevalent in the obese group and twice as prevalent in the overweight group compared with the normal group (p<0.001 and p=0.010, respectively). Obese patients presented higher basal HR and lower maximum HR, as well as reduced chronotropic reserve (p<0.001). In multivariate analysis, impaired HR recovery was associated with overweight (relative risk [RR]=1.8; p=0.035), obesity (RR=2; p=0.016), number of metabolic equivalents (RR=0.82; p<0.001) and resting HR (RR=1.05; p<0.001). The hazard ratio for hypertension was 2 (p=0.083, NS).

Conclusion

Impaired HR recovery was associated with higher BMI, demonstrating that obese individuals present vagus nerve dysfunction.

Keywords:
Exercise test
Obesity
Autonomic nervous system
Heart rate/recovery
Texto Completo
Introdução

As doenças cardiovasculares têm maior prevalência em indivíduos obesos1. Um dos potenciais mecanismos fisiopatológicos responsáveis por esta associação é a alteração na regulação autonômica cardiovascular. Dentre as alterações, a baixa atividade parassimpática é um fator de risco independente para doença arterial coronariana, assim como é um fator predisponente para arritmias e morte súbita em obesos2. Ela parece preceder as doenças cardiovasculares, por isso é considerada um marcador de risco precoce3. Os mecanismos pelos quais o aumento do peso reduz o tônus parassimpático ainda não estão bem esclarecidos. Uma das possíveis explicações é a inflamação crônica promovida pelo tecido adiposo4–6. Adipocinas inflamatórias secretadas pelo tecido adiposo branco, tais como fator de necrose tumoral α (TNF–α) e interleucina‐6 (IL‐6), influenciariam no desequilíbrio autonômico cardiovascular, via sistema nervoso central, promovendo hiperatividade simpática, sobretudo em obesos hipertensos7,8, contrapondo‐se ao aumento da atividade parassimpática e da acetilcolina, que diminuem essas citocinas inflamatórias9. O status inflamatório e a disfunção do sistema nervoso autonômico representam o caminho através do qual os obesos apresentam maior risco de morbidade e de mortalidade10.

A avaliação da regulação autonômica cardiovascular pode ser feita pelo comportamento da frequência cardíaca (FC) após teste de esforço, cujo declínio lento permite inferir inadequação da reativação parassimpática11. Indivíduos que apresentam lenta recuperação da FC após esforço têm risco quase quatro vezes maior de mortalidade12. Adicionalmente, há evidências da associação entre os fatores de risco cardiovasculares e alteração da regulação autonômica cardiovascular9,13–15.

Considerando a obesidade como fator de risco importante para as doenças cardiovasculares e a possibilidade de a disfunção autonômica vagal ser um marcador de risco precoce cardiovascular, admitiu‐se a hipótese de que indivíduos obesos, submetidos a protocolo em rampa, apresentam recuperação atenuada da FC após esforço, quando comparados a indivíduos com ndice de massa corpórea (IMC) normal, o que pode conferir importância adicional ao teste ergométrico, por ser este um dos primeiros exames na investigação diagnóstica e poder detectar precocemente aqueles em maior risco cardiovascular.

O objetivo deste estudo foi avaliar a existência da relação entre IMC e resposta da FC durante a fase de recuperação do teste ergométrico.

Método

Procedeu‐se a estudo transversal, utilizando banco de dados secundários de testes ergométricos, realizados no período de 2005‐2011, em uma clínica especializada do Recife. Foram incluídos indivíduos com idade entre 20‐59 anos, com IMC maior do que 18,5kg/m2, sem doenças cardiovasculares, sem uso de drogas com efeito cronotrópico negativo, submetidos ao teste ergométrico para avaliação da capacidade funcional ou para investigação diagnóstica, que apresentaram tempo de exercício igual ou maior do que sete minutos.

Os critérios de exclusão foram registro de um dos seguintes dados: eletrocardiograma apresentando ritmo cardíaco não sinusal, distúrbio de condução atrioventricular ou intraventricular, como também teste ergométrico com resposta isquêmica miocárdica, avaliada por alteração de ST (infradesnivel ascendente ≥1,5mm ou infradesnível com morfologia horizontal ou descendente ≥1mm)16.

Da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão resultou amostra composta por 2.443 indivíduos, os quais foram classificados em três grupos segundo IMC, a saber: normal (18,5kg/m2<IMC<25kg/m2), sobrepeso (25kg/m2 ≤ IMC<30kg/m2) e obeso (IMC30kg/m2). As idades foram expressas em intervalos de classes com amplitude de dez anos.

O tempo de repouso antecedendo o registro da FC foi de dez minutos, sob monitorização eletrocardiográfica, utilizando o sistema ERGO PC 13 (Micromed®, Brasília, Brasil), empregado também durante os testes ergométricos, os quais obedeceram a protocolo em rampa, com velocidade inicial equivalente a 50% da velocidade máxima prevista para idade e sexo17, para permitir aumento de 0,1km/h a cada dez segundos e inclinação inicial 10% menor do que a máxima inclinação, com aumento de 0,5% a cada 30 segundos.

A recuperação ativa ocorreu com o paciente caminhando sem inclinação e com velocidade reduzida a 50% daquela obtida durante o máximo esforço e redução de 10% da velocidade a cada 30 segundos, até à completa parada da esteira, segundo Silva e Sobral Filho17.

A frequência cardíaca de repouso (FCrep) foi registrada com o paciente deitado. A frequência cardíaca máxima (FCmax) foi obtida no pico do esforço. A frequência cardíaca reserva (FCres) foi definida como a diferença entre a FCmaxe a FCrep.

A recuperação da frequência cardíaca (RFC) foi a variável desfecho, definida como a diferença entre a FCmax e aquela no 1.° minuto da fase de recuperação ativa (FCR1). Foi categorizada como anormal ou atenuada quando menor ou igual a 12bpm, tendo como referência o estudo de Cole et al.12.

Dentre as variáveis independentes obtidas durante o teste, o consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo), maior determinante da capacidade de exercício, foi obtido indiretamente pela fórmula do American College of Sports Medicine18, expresso em equivalentes metabólicos (MET).

Análise estatística

Os dados foram analisados com o programa estatístico Stata 12.1 SE, empregando‐se distribuição de frequências absolutas e relativas, para descrever as variáveis categóricas, e medidas de alocação e dispersão (média e desvio padrão), para variáveis numéricas.

As comparações entre os três grupos de IMC quanto à média de idade e aos parâmetros ergométricos relativos à FCrep, FCmax, FCres, FCR1, MET e RFC foram realizadas com os testes ANOVA e, subsequentemente, com o de comparações múltiplas de Tukey. Para as proporções de homens, presença de diabetes e de hipertensão arterial (HAS) foram realizadas com o teste qui‐quadrado e as comparações múltiplas, com o teste de Marascuillo. Adicionalmente, empregou‐se regressão múltipla de Poisson, com variância robusta, para identificar possíveis preditores da recuperação atenuada da FC, pelo cálculo de razões de prevalência (RP). Este procedimento foi realizado em duas etapas: na primeira procedeu‐se a análises univariadas para identificar as variáveis com um valor p≤0,20, as quais integraram a análise multivariada da segunda etapa. O modelo final foi obtido pelo método backward, utilizando‐se como critério de exclusão, em cada passo, o valor p0,05. Ao término do processo, cada variável excluída foi reintroduzida e reavaliada sua significância estatística. O modelo final foi composto apenas pelas variáveis com valor p<0,05.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e registrado sob CAAE n.° 0194.236.000‐11. O estudo foi realizado no Centro de Pós‐Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco.

Resultados

Dentre os 2.443 pacientes do estudo, 1.380 (56,5%) eram do sexo masculino, 484 (19,8%) hipertensos, 61 (2,5%) diabéticos e 38 (1,6%) diabéticos e hipertensos. A média da idade foi 41,2±10,5 anos. O tempo médio de exercício foi 9,5±1,4 minutos (coeficiente de variação: 14,7%). As características de cada grupo estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1.

Características de 2.443 pacientes segundo classe de IMC de acordo com distribuição de média, desvio padrão e intervalo de confiança

CaracterísticasIMCValor de p
Normal (n=959)  Sobrepeso (n=1.050)  Obesidade (n=434) 
Homens (%)  41,4a  66,1b  66,6b  <0,001 
Idade (anos) (%)
20‐29  24,3  12,5  12,0   
30‐39  22,6  25,5  26,7   
40‐49  29,8  34,5  33,6   
50‐59  23,3  27,5  27,6  <0,001 
Diabetes (%)  1,0a  2,4a  6,0b  <0,001 
HAS (%)  9,9a  21,1b  38,5c  <0,001 
RFC (bpm)  26,9a (8,1)  25,4b (7,7)  24,0c (7,1)  <0,001 
FCrep (bpm)  75,6a (12,2)  76,3a (11,7)  78,9b (11,3)  <0,001 
FCmax (bpm)  177,2a (12,3)  175,0b (13,4)  172,2c (14,8)  <0,001 
FCres (bpm)  101,6a (15,7)  98,7b (15,8)  93,2c (17,3)  <0,001 
FCR1 (bpm)  150,3b (14,8)  149,6ab (15,1)  148,1a (15,1)  0,043 
MET  13,6a (3,4)  12,9b (2,9)  11,6c (2,3)  <0,001 

FCmax: frequência cardíaca no pico do esforço; FCR1: frequência cardíaca no 1.° min da recuperação; FCrep: frequência cardíaca de repouso; FCres: frequência cardíaca reserva; HAS: hipertensão arterial; MET: equivalentes metabólicos; RFC: recuperação da frequência cardíaca no 1.° min.

Média (DP). Pares de proporções ou de médias com letra comum não são estatisticamente significantes ao nível de 5%.

Embora os indivíduos dos grupos de sobrepeso e obesidade fossem mais velhos do que o grupo com IMC normal, tal diferença só alcançou significância estatística na faixa de 50‐59 anos (teste ANOVA; p<0,001). Nos grupos de sobrepeso e obesidade predominaram homens, bem como foram mais prevalentes hipertensão e diabetes (p<0,001). Identificou‐se diferença significante em todos os parâmetros do teste ergométrico, quando os grupos de IMC foram comparados (Tabela 1).

Para maior detalhamento da capacidade de exercício dos grupos de IMC apresenta‐se a Tabela 2, na qual é possível constatar que os grupos se mostraram homogêneos quanto ao percentual da FCmax atingida, em relação à prevista segundo idade.

Tabela 2.

Distribuição do número de indivíduos, frequência cardíaca máxima (FCmax) atingida (em batimentos por minuto), FCmax predita para a idade (em batimentos por minuto) e percentual da frequência cardíaca (FC) atingida em relação à predita, segundo grupos de IMC

Grupos de IMC  FCmax atingida (bpm)  FCmax predita (bpm)  % FCmax atingida em relação à predita 
Normal  959  175,87±15,04  179,47±12,56  98,08±6,49 
Sobrepeso  1.050  184,38±12,10  185,68±11,53  99,39±4,67 
Obeso  434  185,60±11,11  188,45±10,41  98,58±4,88 

Quanto à RFC atenuada após o esforço, constatou‐se que: esteve presente em 87 indivíduos (3,6%; IC 95% 2,8‐4,3%); foi três vezes mais prevalente no grupo de obesidade (p<0,001) e duas vezes no grupo de sobrepeso (p=0,010), quando comparados ao grupo de IMC normal, como também foi duas vezes mais frequente nos hipertensos (p<0,001) e aproximadamente 2,4 vezes nos diabéticos (p=0,048). A variável sexo não se comportou como fator de risco para recuperação atenuada da FC (Tabela 3).

Tabela 3.

Análise univariada de avaliação do risco de recuperação atenuada da frequência cardíaca de repouso no primeiro minuto

Característica  RFC12bpm
n (%) 
RRbruto (IC 95%)  Valor p 
Sexo
Masculino (n=1.380)  52 (3,8)  1,14 (0,75‐1,74)  0,530 
Feminino (n=1.063)  35 (3,3)  1,0   
Idade (n=2.443)      0,014 
20‐29  7 (1,7)  1,0   
30‐39  21 (3,5)  2,1 (0,9‐4,8)  0,091 
40‐49  29 (3,7)  2,2 (0,9‐4,9)  0,063 
50‐59  30 (4,8)  2,8 (1,3‐6,4)  0,012 
IMC      <0,001 
Normal (n=959)  19 (2,0)  1,0   
Sobrepeso (n=1.050)  42 (4,0)  2,02 (1,18‐3,45)  0,010 
Obesidade (n=434)  26 (6,0)  3,02 (1,69‐5,40)  <0,001 
Diabetes* (n=61)  5 (8,2)  2,38 (1,00‐5,66)  0,048 
HAS* (n=484)  29 (6,0)  2,02 (1,31‐3,13)  0,001 
FCrep (n=2.443)  –  1,05 (1,04‐1,07)  <0,001 
FCmax (n=2.443)  –  0,98 (0,96‐0,99)  0,008 
FCres (n=2.443)  –  0,95 (0,94‐0,97)  <0,001 
MET (n=2.443)  –  0,82 (0,75‐0,89)  <0,001 

FCmax: frequência cardíaca no pico do esforço; FCR1: frequência cardíaca no 1.° min da recuperação; FCrep: frequência cardíaca de repouso; FCres: frequência cardíaca reserva; HAS: hipertensão arterial; IMC: índice de massa corpórea; MET: equivalentes metabólicos; RFC: recuperação da frequência cardíaca no 1.° min.

*

Categoria de referência=não;

Variáveis contínuas.

Identificou‐se maior risco de recuperação atenuada da FC dentre pacientes com idade entre 50‐59 anos, com sobrepeso ou obesidade e que, durante o teste de esforço, apresentaram maior FCrep. Comportaram‐se como fatores de proteção maior FCmax, maior FCres e maior capacidade de exercício, avaliada pelo número de MET, quando comparados a indivíduos com descenso fisiológico (Tabela 3).

Na análise multivariada foram incluídas apenas as variáveis com significância estatística p<0,20 e com potencial preditivo para o risco de recuperação atenuada da FC. Foram incluídas as variáveis: idade, IMC, HAS, FCrep e MET. No modelo final ficaram significantes as variáveis: IMC, FCrep e MET. Obesidade foi o mais forte preditor de risco (RR=1,96). A presença de HAS não foi significante ao nível de 0,05. O incremento de uma unidade em MET ficou associado à redução de 11% no risco de recuperação atenuada, enquanto o incremento de uma unidade em FCrep ficou associado ao aumento de 5% nesse risco (Tabela 4).

Tabela 4.

Análise multivariada de avaliação do risco de recuperação atenuada da frequência cardíaca de repouso no primeiro minuto

Característica  RRbruto (IC 95%)  p*  RRajustado (IC 95%) 
Idade    0,014    0,596 
20‐29  1,0    1,0   
30‐39  2,08 (0,9‐4,8)  0,091  1,59 (0,68‐3,71)  0,283 
40‐49  2,17 (0,9‐4,9)  0,063  1,59 (0,70‐3,62)  0,269 
50‐59  2,82 (1,3‐6,4)  0,012  1,80 (0,78‐4,17)  0,170 
IMC    <0,001    0,043 
Normal  1,0    1,0   
Sobrepeso  2,02 (1,18‐3,45)  0,010  1,74 (1,02‐2,96)  0,042 
Obesidade  3,02 (1,69‐5,40)  <0,001  1,96 (1,13‐3,42)  0,017 
HAS    0,001    0,158 
Sim  2,02 (1,31‐3,13)  0,001  1,35 (0,89‐2,06)   
Não  1,0    1,0   
FCrep  1,05 (1,04‐1,07)  <0,001  1,05 (1,03‐1,06)  <0,001 
MET  0,82 (0,75‐0,89)  <0,001  0,89 (0,82‐0,97)  0,009 

FCrep: frequência cardíaca de repouso; HAS: hipertensão arterial; IMC: índice de massa corpórea; MET: equivalentes metabólicos; *: teste de tendência linear.

Discussão

O presente estudo mostrou que a RFC após esforço esteve inversamente associada ao IMC, que se comportou como fator de risco, e diretamente com a capacidade de exercício, que atuou como fator de proteção.

A associação entre obesidade e redução da RFC após esforço pode ser explicada com base em outras pesquisas, as quais constituem evidências diretas ou indiretas dessa relação. Estudos transversais e prospectivos têm demonstrado associação entre RFC atenuada e parâmetros antropométricos de obesidade, tanto na presença de fatores de risco cardiovasculares19,20 como na ausência destes21,22.

Uma pesquisa incluindo 325 adultos saudáveis na faixa etária de 18‐66 anos, com média do IMC menor que 23kg/m2 (21±2,0kg/m2 para homens e 22,6±1,82kg/m2 para mulheres), avaliou a associação entre parâmetros de obesidade (índice cintura quadril e circunferência abdominal) e RFC após esforço e comprovou associações significantes e independentes22. Adicionalmente, Assoumou et al.23, com o objetivo de encontrarem associação entre obesidade global e abdominal e variabilidade da FC pelo sistema Holter, demonstraram que tanto a obesidade global quanto a abdominal se associaram significativamente com menor variabilidade da FC, tanto no domínio do tempo quanto da frequência. Ao discutirem os resultados, esses autores23 argumentaram que o aumento da gordura abdominal, independente da presença de obesidade global, compromete a ação sistema nervoso autônomo, já que menor variabilidade da FC significa menor atividade vagal. Corroborando esses achados, uma pesquisa que incluiu 125 obesos, sem história prévia de acidente vascular cerebral, eventos cardiovasculares ou uso de medicações, submetidos a programa de exercícios para emagrecimento, comprovou que a redução do peso corpóreo se associou a uma recuperação mais rápida da FC, indicando aumento do tônus vagal21. Essas evidências reforçam os resultados desta pesquisa quanto à associação entre IMC e RFC atenuada, mas não a explicam.

A explicação esteve no estudo de Vieira et al.24, ao identificarem que níveis menores de proteína C reativa se associaram à recuperação mais rápida da FC em idosos sedentários. Argumentaram que o sistema nervoso parassimpático está relacionado com a regulação inflamatória.

Indivíduos que apresentaram RFC atenuada eram, em média, mais velhos, porém, a idade não foi um fator preditor. Ao selecionarmos indivíduos até aos 59 anos procurou‐se eliminar o fator confundidor da idade, pois só por volta dos 60 anos observa‐se um pequeno declínio da modulação parassimpática25, que pode ser justificado por algum grau subclínico de disfunção do nodo sinusal ou por alterações nos canais de cálcio, resultando em diminuição da despolarização do nodo sinusal26.

Em relação ao diabetes, constatou‐se que representou maior risco de RFC atenuada. Brinkwort19, em estudo prospectivo, avaliando indivíduos obesos e com sobrepeso, com média de idade de 46,5±1,3 anos, após um programa de redução de peso baseado em restrição dietética, sem modificação dos hábitos de atividade física, observaram que os melhores preditores de mudanças na RFC foram glicemia e redução do peso.

A HAS associou‐se à RFC atenuada na análise univariada, perdendo significância na análise multivariada. A explicação desses achados esteve no estudo CARDIA27, de base populacional, o qual, no corte transversal, demonstrou correlação da RFC apenas com a pressão arterial diastólica, porém na coorte de 15 anos, a RFC atenuada não influenciou no desenvolvimento de hipertensão.

Das variáveis obtidas durante o teste de esforço, a FCrep mostrou associação inversa com a RFC, mesmo após ajustes para idade, IMC, HAS e MET. A explicação para este fato é que a FCrep está sob o controle inibitório do sistema parassimpático, assim como a redução da FC imediatamente após teste de esforço é modulada pela reativação parassimpática28. Por isso, ambas são utilizadas como marcadores do balanço autonômico cardiovascular. Diversos estudos comprovaram este achado13,15,29.

Observamos que pacientes com RFC atenuada tinham menor capacidade de exercício, quando comparados a indivíduos com mais rápida recuperação. Estudos demonstraram que o aumento no consumo de oxigênio correlacionou‐se com melhor RFC13,15. A capacidade de exercício, principalmente aeróbico, altera o balanço do sistema nervoso autonômico pelo aumento do tônus parassimpático e diminuição da atividade simpática29 e proporciona melhora no VO2 máximo. No entanto, a obesidade per si modifica a RFC, tal como comprovado por Gondoni et al.30, ao compararem a dinâmica da FC de obesos treinados e não treinados à de indivíduos com peso normal, durante teste ergométrico, e concluírem que obesos, independente da sua aptidão física, apresentaram mais lenta recuperação.

Uma característica deste estudo foi que obesos apresentaram capacidade de exercício acima do esperado e isto pode ser explicado por vários fatores. Em primeiro lugar, porque só foram incluídos no estudo indivíduos que atingiram tempo igual ou maior do que sete minutos, considerado ideal para a estimativa do VO2 máximo31; em segundo lugar, porque a FCmax atingida ficou muito próxima da prevista para a idade; por último, porque a maioria da população era composta por indivíduos saudáveis, reduzindo a chance de pior desempenho.

Dentre as limitações deste estudo estão seu caráter retrospectivo, a não consideração do uso de outros medicamentos que pudessem interferir no comportamento da FC, bem como a falta de especificação do nível de atividade física. No entanto, tais limitações não invalidam os resultados.

Conclusão

Os resultados demonstraram associação entre obesidade e recuperação atenuada da FC após esforço. Possivelmente esse achado pode contribuir para a identificação precoce dos indivíduos potencialmente mais susceptíveis a eventos cardiovasculares. Os dados ora apresentados, somados aos da literatura, reforçam a necessidade de recomendar a inclusão da descrição do comportamento da FC de recuperação nos laudos do teste ergométrico.

Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animais

Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
B. Mathew, L. Francis, A. Kayalar, et al.
Obesity: effects on cardiovascular disease and its diagnosis.
J Am Board Fam Med., 21 (2008), pp. 562-568
[2]
P. Rissanen, A. Franssila-Kallunki, A. Rissanen.
Cardiac parasympathetic activity is increased by weight loss in healthy obese women.
Obes Res., 9 (2001), pp. 637-643
[3]
J.F. Thayer, R.D. Lane.
The role of vagal function in the risk for cardiovascular disease and mortality.
Biol Psychol., 74 (2007), pp. 224-242
[4]
M. Zeyda, B. Wernly, S. Demyanets, et al.
Severe obesity increases adipose tissue expression of interleukin‐33 and its receptor ST2, both predominantly detectable in endothelial cells of human adipose tissue.
Int J Obes (Lond)., (2012),
[Epub ahead]
[5]
R. Lampert, J.D. Bremner, S. Su, et al.
Decreased heart rate variability is associated with higher levels of inflammation in middle‐aged men.
Am Heart J., 156 (2008), pp. 759
e1–7
[6]
J. Francis, Z.H. Zhang, R.M. Weiss, et al.
Neural regulation of the proinflammatory cytokine response to acute myocardial infarction.
Am J Physiol Heart Circ Physiol., 287 (2004), pp. H791-H797
[7]
L. Brydon, K. O’Donnell, C.E. Wright, et al.
Circulating leptin and stress‐induced cardiovascular activity in humans.
Obesity (Silver Spring)., 16 (2008), pp. 2642-2647
[8]
J. Horiuchi, L.M. McDowall, R.A. Dampney.
Differential control of cardiac and sympathetic vasomotor activity from the dorsomedial hypothalamus.
Clin Exp Pharmacol Physiol., 33 (2006), pp. 1265-1268
[9]
A.I. Vinik, R.E. Maser, D. Ziegler.
Autonomic imbalance: prophet of doom or scope for hope?.
Diabet Med., 28 (2011), pp. 643-651
[10]
H.F. Lopes, B.M. Egan.
Autonomic dysregulation and the metabolic syndrome: pathologic partners in an emerging global pandemic.
Arq Bras Cardiol., 87 (2006), pp. 538-547
[11]
S. Okutucu, U.N. Karakulak, K. Aytemir, et al.
Heart rate recovery: a practical clinical indicator of abnormal cardiac autonomic function.
Expert Rev Cardiovasc Ther., 9 (2011), pp. 1417-1430
[12]
C.R. Cole, E.H. Blackstone, F.J. Pashkow, et al.
Heart‐rate recovery immediately after exercise as a predictor of mortality.
N Engl J Med., 341 (1999), pp. 1351-1357
[13]
M.K. Kim, K. Tanaka, M.J. Kim, et al.
Exercise training‐induced changes in heart rate recovery in obese men with metabolic syndrome.
Metab Syndr Relat Disord., 7 (2009), pp. 469-476
[14]
J.G. Kral, W. Paez, B.M. Wolfe.
Vagal nerve function in obesity: therapeutic implications.
World J Surg., 33 (2009), pp. 1995-2006
[15]
S.L. Wasmund, T. Owan, F.G. Yanowitz, et al.
Improved heart rate recovery after marked weight loss induced by gastric bypass surgery: Two‐year follow up in the Utah Obesity Study.
Heart Rhythm., 8 (2011), pp. 84-90
[16]
R.S. Meneguelo, C.G.S. Araújo, R. Stein, et al.
Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre teste ergométrico.
Arq. Bras Cardiol, 95 (2010), pp. 1-20
[17]
O.B. Silva, D. Sobral Filho.
Uma nova proposta para orientar a velocidade e inclinação no protocolo em rampa na esteira ergométrica.
Arq Bras Cardiol, 81 (2003), pp. 42-47
[18]
C.E. Garber, B. Blissmer, M.R. Deschenes, et al.
American College of Sports Medicine. American College of Sports Medicine position stand. Quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory, musculoskeletal, and neuromotor fitness in apparently healthy adults: guidance for prescribing exercise.
Med Sci Sports Exerc., 43 (2011 Jul), pp. 1334-1359
[19]
G.D. Brinkworth, M. Noakes, J.D. Buckley, et al.
Weight loss improves heart rate recovery in overweight and obese men with features of the metabolic syndrome.
Am Heart J., 152 (2006), pp. 693
e1–e6
[20]
L. Lind, B. Andren.
Heart rate recovery after exercise is related to the insulin resistance syndrome and heart rate variability in elderly men.
Am Heart J., 144 (2002), pp. 666-672
[21]
J. Nagashima, H. Musha, H.T. Takada, et al.
Three‐month exercise and weight loss program improves heart rate recovery in obese persons along with cardiopulmonary function.
J Cardiol., 56 (2010), pp. 79-84
[22]
U. Dimkpa, J.O. Oji.
Association of heart rate recovery after exercise with indices of obesity in healthy, non‐obese adults.
Eur J Appl Physiol., 108 (2010), pp. 695-699
[23]
H.G. Ntougou Assoumou, V. Pichot, J.C. Barthelemy, et al.
Obesity‐related autonomic nervous system disorders are best associated with body fat mass index, a new indicator.
Int J Cardiol., 153 (2011), pp. 111-113
[24]
V.J. Vieira, R.J. Valentine, E. McAuley, et al.
Independent relationship between heart rate recovery and C‐reactive protein in older adults.
J Am Geriatr Soc., 55 (2007), pp. 747-751
[25]
L. Kaijser, C. Sachs.
Autonomic cardiovascular responses in old age.
Clin Physiol., 5 (1985), pp. 347-357
[26]
D.D. Christou, D.R. Seals.
Decreased maximal heart rate with aging is related to reduced {beta}‐adrenergic responsiveness but is largely explained by a reduction in intrinsic heart rate.
J Appl Physiol., 105 (2008), pp. 24-29
[27]
M.A. Kizilbash, M.R. Carnethon, C. Chan, et al.
The temporal relationship between heart rate recovery immediately after exercise and the metabolic syndrome: the CARDIA study.
Eur Heart J., 27 (2006), pp. 1592-1596
[28]
K. Imai, H. Sato, M. Hori, H. Kusuoka, et al.
Vagally mediated heart rate recovery after exercise is accelerated in athletes but blunted in patients with chronic heart failure.
J Am Col Cardiol., 24 (1994), pp. 1529-1535
[29]
K. Tigen, T. Karaahmet, E. Gürel, et al.
The utility of heart rate recovery to predict right ventricular systolic dysfunction in patients with obesity.
Anadolu Kardiyol Derg., 9 (2009), pp. 473-479
[30]
L.A. Gondoni, A.M. Titon, F. Nibbio, et al.
Heart rate behavior during an exercise stress test in obese patients.
Nutr Metab Cardiovasc Dis., 19 (2009), pp. 170-176
[31]
J. Myers, M. Prakash, V. Froelicher, et al.
Exercise capacity and mortality among men referred for exercise testing.
N Engl J Med., 346 (2002), pp. 793-801

Este artigo é parte de dissertação de mestrado de Tereza Cristina Barbosa Lins pela Universidade Federal de Pernambuco.

Copyright © 2014. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Baixar PDF
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.