As síndromas coronárias agudas (SCA) associam‐se a mortalidade significativa na fase aguda, que tem vindo a ser reduzida de modo consistente nos últimos anos1,2. Este aumento da sobrevivência tem condicionado uma preocupação crescente com a recorrência elevada de eventos vasculares fatais e não fatais, com impacto negativo no prognóstico e na qualidade de vida a médio e longo prazo2,3. Neste contexto, a implementação da prevenção secundária, com terapêutica médica otimizada e modificação do estilo de vida, é essencial para a redução dos eventos vasculares recorrentes, devendo ser implementada num programa bem estruturado de reabilitação cardíaca (RC)3.
A RC é constituída por um conjunto abrangente de intervenções para promoção da saúde que incluem, para além do treino de exercício, a educação com aconselhamento dietético, o controlo dos fatores de risco incluindo a cessação tabágica e a adesão à terapêutica, bem como suporte psicossocial, geralmente em regime ambulatório4. O benefício da RC na doença coronária está bem estabelecido. Numa meta‐análise com um total de 14486 doentes incluídos em 63 estudos, com uma mediana de seguimento de um ano, a RC associou‐se a uma redução de 26% no risco relativo de morte cardiovascular e de 18% no risco relativo de hospitalizações5. Este impacto na história natural da aterotrombose coronária relaciona‐se com os efeitos protetores do exercício físico no perfil lipídico, na pressão arterial, na inflamação e no potencial trombogénico6.
Apesar do extenso benefício demonstrado pela RC5,7, o programa baseado no treino de exercício é claramente subutilizado, por motivos relacionados com os médicos referenciadores, com os doentes e com a organização8.
No presente número da revista, Sílvia Aguiar Rosa et al. avaliaram os preditores de incremento da capacidade funcional em 129 doentes que realizaram um programa de RC após SCA, e que efetuaram prova de esforço cardiorrespiratória (PECR) antes e após 36 sessões de treino de exercício9.
Entre os parâmetros da PECR basal, a deteção de um consumo de oxigénio no pico (pVO2) inferior a 20ml/kg/min associou‐se a um aumento significativo na variação do pVO2 em comparação com os doentes que apresentaram um pVO2≥20ml/kg/min (+4,4 versus+1,6; p=0,018), da percentagem do pVO2 previsto (+17,9% versus+4,0%; p=0,009) e do produto pVO2 pela pressão arterial sistólica no pico (+883,3 versus 238,5mmHg.ml/kg/min; p=0,015) entre a PECR basal e após RC. A deteção de uma fração de ejeção ventricular esquerda deprimida ou intermédia não se associou a maior benefício da RC, avaliado pelo incremento da capacidade funcional.
A recorrência de eventos vasculares major foi baixa num seguimento médio de cinco anos, atestada por uma mortalidade anual de 0,9% e por uma incidência anual de SCA de 1,2%, que pode ser explicada pela elevada adesão à terapêutica médica, ao controlo dos fatores de risco e à implementação de um estilo de vida saudável.
Os autores concluem que a deteção de uma capacidade funcional deficiente na PECR, que no presente estudo representou 25% de uma população heterogénea após SCA referenciada para RC, se associou a maior benefício do treino de exercício. Esta estratégia pode otimizar a utilização dos recursos de RC, que são relativamente escassos em Portugal.
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.