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Vol. 36. Núm. 3.
Páginas 179-186 (março 2017)
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Vol. 36. Núm. 3.
Páginas 179-186 (março 2017)
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Associação dos tipos de dispneia e da “flexopneia” com as patologias cardiopulmonares nos cuidados de saúde primários
Association of types of dyspnea including ‘bendopnea’ with cardiopulmonary disease in primary care
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Diana María Martínez Ceróna,
Autor para correspondência
, Maria Luiza Garcia Rosaa, Antônio Jose Lagoeiro Jorgeb, Wolney de Andrade Martinsb, Evandro Tinoco Mesquitab, Monica Di Calafriori Freireb, Dayse Mary da Silva Correiac, Hye Chung Kangd
a Departamento de Epidemiologia e Bioestatística, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
b Departamento de Clínica Médica, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
c Departamento de Fundamentos de Enfermagem e Administração, Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
d Departamento de Patologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
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Ana Teresa Timóteo
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Tabelas (4)
Tabela 1. Características demográficas e clínicas de voluntários na atenção primária
Tabela 2. Razões de chance brutas, dispneia aos esforços e ortopneia segundo comorbidades
Tabela 3. Razões de chance brutas de dispneia paroxística noturna e flexopneia segundo comorbidades
Tabela 4. Razões de chance ajustadas de ortopneia, dispneia paroxística noturna e flexopneia
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Resumo
Introdução

A dispneia é o sintoma mais comummente reportado por pacientes com insuficiência cardíaca, doenças pulmonares, obesos e idosos. Recentemente, a dispneia na anteflexão do tórax − flexopneia − foi descrita entre os pacientes com insuficiência cardíaca.

Objetivo

Estimar a associação da dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna e flexopneia com as doenças crônicas não transmissíveis e, especialmente, com a insuficiência cardíaca e seus fenótipos na atenção primária.

Métodos

Estudo transversal que incluiu 633 indivíduos de 45‐99 anos, sorteados entre os cadastrados no programa Médico de Família de Niterói, Brasil. Os participantes foram submetidos a questionário estruturado, avaliação clínica, exames laboratoriais, eletrocardiograma e ecocardiograma, em único dia.

Resultados

A dispneia paroxística noturna e a flexopneia apresentaram associação com a insuficiência cardíaca antes do ajuste (ORb=2,42; IC 95%=1,10‐5,29 e ORb=2,59; IC 95%=1,52‐4,44, respectivamente). Nos modelos múltiplos, a doença pulmonar obstrutiva crônica, angina pectoris e o infarto do miocárdio não mostraram associação com a flexopneia.

Conclusão

A flexopneia foi a única que não se associou com as doenças respiratórias e as doenças coronarianas. Mesmo após o controle pela depressão e índice de massa corporal, manteve associação com a insuficiência cardíaca e com a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, mostrando‐se como um sintoma promissor para diferenciar a insuficiência cardíaca dos outros dois grupos de doença.

Palavras‐chave:
Insuficiência cardíaca
Cuidados de saúde primários
Dispneia
Dispneia paroxística noturna
Flexopneia
Abstract
Introduction

Dyspnea is the symptom most commonly reported by patients with heart failure (HF) and/or pulmonary disease, the obese and the elderly. Recently ‘bendopnea’ (shortness of breath when bending forward) has been described in patients with HF.

Objective

To determine the association of exertional dyspnea, orthopnea, paroxysmal nocturnal dyspnea and bendopnea with chronic disease, especially heart failure, and their phenotypes in primary care.

Methods

This cross‐sectional study included 633 individuals aged between 45 and 99 years enrolled in a primary care program in Niteroi, Brazil. Participants underwent clinical assessment and laboratory tests and completed a questionnaire, all on the same day.

Results

Paroxysmal nocturnal dyspnea and bendopnea were associated with HF (unadjusted OR 2.42, 95% CI 1.10‐5.29 and OR 2.59, 95% CI 1.52‐4.44, respectively). In multivariate models, chronic obstructive pulmonary disease, coronary heart disease and myocardial infarction were not associated with bendopnea.

Conclusions

Bendopnea was the only type of dyspnea not linked to respiratory disease or coronary heart disease. Even after adjusting for depression and body mass index, the association remained with HF with or without preserved ejection fraction, and bendopnea thus appears to be a promising symptom to differentiate HF from the other two disease groups.

Keywords:
Heart failure
Primary care
Dyspnea
Paroxysmal nocturnal dyspnea
Bendopnea
Texto Completo
Introdução

A dispneia é um sintoma frequentemente relatado por idosos, com prevalência estimada entre 20‐60%1,2. É o sintoma mais comum em pacientes com insuficiência cardíaca (IC)3,4, entretanto com baixa especificidade, posto que também é referido em doenças clínicas prevalentes como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), depressão, obesidade, anemia e doença coronariana aterosclerótica2.

A dispneia tem fisiopatologia complexa com várias etiologias e mecanismos distintos5–8. Dentre os vários tipos de dispneia, os mais frequentes são a dispneia aos esforços, a dispneia paroxística noturna (DPN), a ortopneia9–11 e, recentemente, foi descrita entre os pacientes com IC a «flexopneia»12. «Flexopneia», termo livremente adaptado de «bendopnea», em inglês, que descreve a dispneia presente na anteflexão do tórax12. Supõe‐se que esta última se correlaciona com um aumento dos índices de pressões de enchimento do lado esquerdo na ecocardiografia13.

O presente estudo teve como objetivo estimar a associação da dispneia aos esforços, ortopneia, DPN e flexopneia com as doenças crônicas não transmissíveis e, especialmente, com a IC e seus fenótipos na atenção primária.

Métodos

Trata‐se de um estudo transversal que integra o Estudo Digitalis, que incluiu 633 adultos de 45‐99 anos, cadastrados no Programa Médico de Família de Niterói, estado do Rio de Janeiro, Brasil. Os indivíduos foram sorteados, convidados a participar, conforme estratégia previamente definida e que cuja amostra representasse a população estudada. Os dados foram coletados de julho de 2011 a dezembro de 2012. Todos os indivíduos selecionados foram convidados a comparecer à unidade de saúde próxima a sua residência. Foi realizada entrevista com questionário estruturado; coleta de sangue e urina para exames complementares; consulta médica, de enfermagem e de nutrição; mensuração da pressão arterial (PA); eletrocardiograma e ecocardiograma; todos em único dia. O desenho do estudo e os resultados do estudo principal estão publicados14.

A PA foi medida utilizando o aparelho digital da marca OMRON 711 HC14 e foram realizadas três medidas com intervalo de um minuto, com o paciente sentado, o braço apoiado na altura do coração. No caso de diferença maior do que 5mmHg, foi realizado uma quarta medida. A média da PA foi obtida descartando a primeira medida15.

Foram classificados como portadores de hipertensão arterial sistêmica (HAS) os indivíduos que responderam sim à pergunta 14.4 do Questionário Digitalis, estavam em uso de medicação para HAS, ou apresentavam a média da pressão arterial sistólica (PAS) 140mmHg ou a média da pressão arterial diastólica (PAD)90mmHg. Pacientes com diagnóstico prévio de HAS foram considerados controlados quando apresentavam a PA<140×90mmHg15.

Foram utilizados dois equipamentos para realização dos exames de ecocardiograma com Doppler tecidual (EDT) (Cypress20 Acuson/Siemens/AU‐3 Partner da Esaote), que foram realizados por dois ecocardiografistas experientes, sem o conhecimento prévio dos resultados dos outros exames. Os exames foram realizados segundo as recomendações para quantificação de câmaras da ASE/EAE16.

A função sistólica foi avaliada pela medida da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), pelo método de Simpson e pelo estiramento do eixo longitudinal (S’). A medida do volume da aurícula esquerda (VAE) foi obtida através do método biplanar de discos (regra de Simpson modificada), com a utilização do corte apical quatro e duas câmaras em sístole ventricular esquerda final, indexado a superfície corporal. Os parâmetros da função diastólica foram estimados pela média de cinco batimentos consecutivos. O fluxo transmitral inicial (E) e tardio (A) e o tempo de desaceleração da onda E foram medidos. A velocidade do relaxamento miocárdico no início da diástole (E‘) foi medida pelo EDT no segmento septal do anel mitral16.

Os quatro tipos de dispneia foram considerados desfechos para o presente estudo. Sua presença foi definida quando as respostas às perguntas foram positivas: (1) dispneia aos esforços – «Sente falta de ar com o esforço?»; (2) ortopneia – «Sente falta de ar quando se deita?»; (3) DPN – «Acorda no meio da noite, depois de cerca de quatro horas de estar dormindo, com falta de ar?»; e (4) flexopneia – «Você tem dificuldade para curvar‐se, ajoelhar‐se ou dobrar‐se?», com as opções de resposta «dificulta um pouco» ou «dificulta muito».

O diagnóstico de IC com fração de ejeção reduzida (ICFER) foi confirmado em indivíduos com história de IC, ou na presença de sinais ou sintomas de IC e FEVE<50%17. O diagnóstico de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) foi confirmado em indivíduos com história prévia de IC e FEVE50% com presença de disfunção diastólica18.

A ICFEP foi definida de acordo com os critérios da Sociedade Europeia de Cardiologia. Incluíram a presença de sinais ou sintomas de IC, FEVE50%, volume diastólico final indexado do VE (VDF – I)97mL/m2 e presença de disfunção diastólica17. Evidências diagnósticas de disfunção diastólica foram obtidas pelo EDT, pela presença da relação E/E’>15. Se E/E’ fosse sugestiva de disfunção diastólica (entre 8‐15), outras medidas ecocardiográficas deveriam ser utilizadas para confirmar o diagnóstico como massa do VE indexada (122 e149g/m2 para mulheres e homens respectivamente), VAE indexado (I40mL/m2), relação E/A<0,5 com tempo de desaceleração de E>280ms. Um eletrocardiograma com fibrilação atrial na presença de relação E/E’ entre 8‐15 também confirmaria o diagnóstico de ICFEP17,18.

O diagnóstico de ICFER foi confirmado em indivíduos com história prévia de IC e FEVE<50%. Os indivíduos sem história prévia, porém na presença de sinais e ou sintomas de IC, no momento da inclusão no estudo, classe II ou superior da NYHA, BNP>35pg/ml e com FEVE<50% também foram considerados como portadores de ICFER.

A presença de DPOC foi definida pela história prévia da doença informada pelo paciente durante sua avaliação a partir da resposta positiva à pergunta: «algum médico já lhe disse que o senhor (a) teve…?». A definição de anemia foi valor hemoglobina de<13g/dL para o sexo masculino e de<12g/dL para os de sexo feminino19. Para o rastreamento da depressão, utilizou‐se o Patient Health Questionnaire‐9 (PHQ‐9)20, validado para sua aplicação no Brasil. Foram classificados como indivíduos com depressão aqueles que tiveram escores 3, 4 ou 5 (depressão moderada, moderada a grave e grave)21. Os indivíduos foram pesados e medidos para cálculo do índice de massa corporal (IMC) pela fórmula peso/altura ao quadrado, tendo sido considerados como obesos aqueles que apresentaram IMC30kg/m222. Foram classificados hipertensos os indivíduos que responderam sim à pergunta «Algum médico já lhe disse que senhor (a) tem hipertensão (pressão alta)?»; estavam em uso de medicação para HAS, ou apresentaram a média da PAS140mmHg ou a média da PAD90mmHg15. A diabetes mellitus foi definida pela história prévia conforme resposta à pergunta «Algum médico já lhe disse que o senhor (a) tem diabetes (açúcar alto no sangue)?»; indivíduos cuja glicemia de jejum foi126mg/dL, e aqueles que relataram o uso de hipoglicemiantes orais e/ou insulina foram consideradas diabéticos23.

A análise estatística foi realizada com o software SPSS v 21.0 (Chicago, Illinois, EUA). Para comparação entre grupos empregaram‐se os testes qui‐quadrado, com correção de continuidade quando necessário, ou o teste exato de Fisher. Os resultados foram apresentados em razão de chances de prevalência (OR) brutas e ajustadas com seus respectivos intervalos de confiança de 95%, estimados por regressão logística. A significância estatística foi estabelecida em 0,05.

O protocolo do estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina/Hospital Universitário Antônio Pedro e aprovado sob número CAAE: 0077.0.258.000‐10.

Resultados

Foram estudados 633 voluntários cadastrados no Programa Médico de Família, com maioria de mulheres (61,8%); de indivíduos com idade entre 45‐69 anos (80,7%); renda per capita<278,77 (75,6%); e de hipertensos (72,7%) (ver Tabela 1).

Tabela 1.

Características demográficas e clínicas de voluntários na atenção primária

  (%) 
Sexo feminino  391  61,8 
Idade
70 anos  122  19,3 
<70 anos  511  80,7 
Cor de pele
Não branca  396  63,3 
Branca  230  36,7 
Escolaridade
Atá 4.a série  269  42,6 
5.a série  362  57,4 
Renda
<278,77  470  75,6 
>278,77  152  24,4 
IMC (kg/m2)
30  190  30,2 
<30  439  69,8 
Circunferência de cintura
94♂ e80♀  471  74,4 
<94♂ e<80♀  157  24,8 
Anemia  63  10,2 
DPOC  22  3,5 
Depressão  138  21,9 
HAS  460  72,7 
Diabetes  157  24,8 

Anemia: hemoglobina de 13g/dL para adultos do sexo masculino e de 12g/dL para os de sexo feminino; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; HAS: hipertensão arterial sistêmica; IMC: índice de massa corporal.

A dispneia esteve presente em 43,8% dos voluntários e, entre eles, os tipos mais prevalentes foram a dispneia aos esforços (26,5%) e a flexopneia (26,2%), a ortopneia teve uma prevalência de 8,8%, e a DPN de 7,1%.

As Tabelas 2 e 3 apresentam as razões de chances brutas de dispneia aos esforços, ortopneia, DPN e flexopneia, segundo as comorbidades. A DPOC se associou com dispneia aos esforços, ortopneia e DPN, mas não com a flexopneia. A depressão foi a única comorbidade que mostrou associação com todos os tipos de dispneia, com OR que variaram de 2,68‐4,19. A IC esteve significativamente associada com DPN e flexopneia. A ICFEP associou‐se com todas as variáveis, exceto com a dispneia aos esforços. A ICFER não mostrou associação com quaisquer das dispneias, embora apresentasse um OR>2 com a DPN, devido, provavelmente, ao pequeno número de participantes com essa condição.

Tabela 2.

Razões de chance brutas, dispneia aos esforços e ortopneia segundo comorbidades

  Dispneia aos esforçosOrtopneia
  Sim n (%)  Não n (%)  ORb (IC 95%)  Sim n (%)  Não n (%)  ORb (IC 95%) 
IMC (kg/m2)      1,69 (1,16‐2,46) ***      1,69 (0,96‐2,97) * 
30  65 (34,2)  125 (65,8)    23 (12,1)  167 (87,9)   
<30  103 (23,5)  336 (76,5)    33 (7,5)  406 (92,5)   
Circunferência de cintura      1,23 (0,81‐1,88)      1,78 (0,85‐3,72) 
94♂ e80♀  130 (27,6)  341 (72,4)    46 (9,8)  425 (90,2)   
<94♂ e<80♀  37 (23,6)  120 (76,4)    9 (5,7)  148 (94,3)   
Anemia      0,85 (0,46‐1,57)      0,31 (0,07‐1,30) * 
Sim  15 (23,8)  48 (76,2)    2 (3,2)  61 (96,8)   
Não  148 (26,7)  406 (73,3)    53 (9,6)  501 (90,4)   
DPOC      5,19 (2,13‐12,61) ***      5,35 (2,08‐13,74) *** 
Sim  14 (63,6)  8,0 (36,4)    7 (31,8)  15 (68,2)   
Não  154 (25,2)  457 (74,8)    49 (8,0)  562 (92,0)   
Depressão      4,19 (2,80‐6,25) ***      4,03 (2,28‐7,11) *** 
Sim  70 (50,7)  68 (49,3)    27 (19,6)  111 (80,4)   
Não  97 (19,7)  395 (80,3)    28 (5,7)  464 (94,3)   
HÁS      0,88 (0,59‐1,30)      1,03 (0,55‐1,91) 
Sim  119 (25,9)  341 (74,1)    41 (8,9)  419 (91,1)   
Não  49 (28,3)  124 (71,7)    15 (8,7)  158 (91,3)   
Diabetes      1,15 (0,76‐1,71)      1,35 (0,74‐2,47) 
Sim  45 (28,7)  112 (71,3)    17 (10,8)  140 (89,2)   
Não  123 (25,9)  352 (74,1)    39 (8,2)  436 (91,8)   
IC      1,29 (0,73‐2,26)      1,81 (0,84‐3,90) 
Sim  20 (31,3)  44 (68,8)    9 (14,1)  55 (85,9)   
Não  148 (26,0)  421 (74,0)    47 (8,3)  522 (91,7)   
ICFEP      1,28 (0,61‐2,68)      2,26 (0,89‐5,72) * 
Sim  11 (31,4)  24 (68,6)    6 (17,1)  29 (82,9)   
Não  157 (26,3)  441 (73,7)    50 (8,4)  548 (91,6)   
ICFER      1,25 (0,56‐2,82)      1,20 (0,35‐4,09) 
Sim  9 (31,0)  20 (69,0)    3 (10,3)  26 (89,7)   
Não  59 (26,3)  445 (73,7)    53 (8,8)  551 (91,2)   

IMC: índice de massa corporal; anemia: hemoglobina de<13g/dL para o sexo masculino e<12g/dL para o sexo feminino; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; HAS: hipertensão arterial; ORb: razão de chance bruta; (*) valor de p (*) valor de p *0,05 e<0,01 **p<0,05 e0,01 ***<0,01; IC: insuficiência cardíaca; ICFEP: insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada; ICFER: insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. Valor de p *0,05 e<0,1 **<0,05 e0,01 ***<0,01.

Tabela 3.

Razões de chance brutas de dispneia paroxística noturna e flexopneia segundo comorbidades

  Dispneia paroxística noturnaFlexopneia
  Sim n (%)  Não n (%)  ORb (IC 95%)  Sim n (%)  Não n (%)  ORb (IC 95%) 
IMC (kg/m2)      0,96 (0,49‐1,89)      2,06 (1,42‐2,99) *** 
30  13 (6,8)  177 (93,2)    69 (36,5)  120 (63,5)   
<30  31 (7,1)  408 (92,9)    95 (21,8)  341 (78,2)   
Circunferência de cintura      1,54 (0,70‐3,39)      1,95 (1,23‐3,10)*** 
94♂ e 80♀  36 (7,6)  435 (92,4)    135 (28,9)  332 (71,1)   
<94♂ e<80♀  8 (5,1)  149 (94,9)    27 (17,2)  130 (82,8)   
Anemia      0,62 (0,18‐2,08)      1,56 (0,90‐2,71) 
Sim  3,0 (4,8)  60 (95,2)    22 (34,9)  41 (65,1)   
Não  41 (7,4)  513 (92,6)    140 (25,5)  408 (74,5)   
DPOC      4,19 (1,17‐11,96) ***      1,77 (0,72‐4,36) 
Sim  5 (22,7)  17 (77,3)    8 (38,1)  13 (61,9)   
Não  40 (6,5)  571 (93,5)    156 (25,7)  450 (74,3)   
Depressão      2,68 (1,42‐5,06) ***      3,71 (2,48‐5,55) *** 
Sim  65 (34,2)  125 (65,8)    66 (48,2)  71 (51,8)   
Não  103 (23,5)  336 (76,5)    98 (20,0)  392 (80,0)   
HAS      1,03 (0,52‐2,05)      1,62 (1,05‐2,48) ** 
Sim  33 (7,2)  427 (92,8)    130 (28,6)  325 (71,4)   
Não  12 (6,9)  161 (93,1)    34 (19,8)  138 (80,2)   
Diabetes      1,25 (0,63‐2,44)      1,92 (1,30‐2,85) *** 
Sim  13 (8,3)  144 (91,7)    56 (36,4)  98 (63,6)   
Não  32 (6,7)  443 (93,3)    108 (22,9)  364 (77,1)   
IC      2,42 (1,10‐5,29) **      2,59 (1,52‐4,44) *** 
Sim  9 (14,1)  55 (85,9)    28 (45,2)  34 (54,8)   
Não  36 (6,3)  533 (93,7)    136 (24,1)  429 (75,9)   
ICFEP      2,32 (0,85‐6,31) *      3,23 (1,59‐6,55) *** 
Sim  5 (14,3)  30 (85,7)    17 (51,5)  16 (48,5)   
Não  40 (6,7)  558 (93,3)    147 (24,7)  447 (75,3)   
ICFER      2,19 (0,73‐6,61)      1,77 (0,82‐3,84) 
Sim  4 (13,8)  25 (86,2)    11 (37,9)  18 (62,1)   
Não  41 (6,8)  563 (93,2)    153 (25,6)  445 (74,4)   

Anemia: hemoglobina de<13g/dL para o sexo masculino e<12g/dL para o sexo feminino; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; HAS: hipertensão arterial; IC: insuficiência cardíaca; ICFEP: insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada; ICFER: insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. IMC: índice de massa corporal; ORb: razão de chance bruta; (*) valor de p (*) valor de p *0,05 e<0,01 **p<0,05 e0,01 ***<0,01; Valor de p *0,05 e<0,1 **<0,05 e0,01 ***<0,01.

A Tabela 4 apresenta os resultados dos modelos de regressão logística múltipla, nos quais foram incluídas todas as variáveis que na análise bivariada atingiram p<0,1. Foram construídos modelos separados para IC e ICFEP. Após o ajuste, a IC manteve a associação apenas com a DPN, OR (IC95%), 3,68 (1,43‐9,46). Com a flexopneia, a IC manteve associação com OR=1,84 (p<0,1), porém perdeu significância estatística (p<0,1). A ICFEP perdeu significância com os três tipos de dispneia incluídos na regressão logística depois do ajuste; no entanto, os OR foram (3,15) para e (2,04) para flexopneia, com significância (p<0,1). A depressão mostrou forte associação com os cinco modelos analisados na regressão logística, com p<0,05. A DPOC apresentou associação importante com a ortopneia, OR=6,86, quando incluída ICFEP, mas apresentou associação com OR>2 com DPN para os dois modelos (IC e ICFEP). A idade se mostrou como fator protetor para DPN e sem associação com a flexopneia.

Tabela 4.

Razões de chance ajustadas de ortopneia, dispneia paroxística noturna e flexopneia

  Insuficiência cardíacaICFEP
  DPN  Flexopneia  Ortopneia  DPN  Flexopneia 
  ORa (IC 95%)  ORa (IC 95%)  ORa (IC 95%)  ORa (IC 95%)  ORa (IC 95%) 
ICFEP      1,88 (0,65‐5,47)  3,15 (0,93‐10,66) *  2,04 (0,89‐4,66) * 
IC  3,68 (1,43‐9,46) ***  1,84 (0,97‐3,48) *       
Sexo    0,77 (0,50‐1,19)  0,46 (0,20‐1,06) *    0,80 (0,52‐1,23) 
Idade  0,22 (0,06‐0,75) **  1,27 (0,76‐2,13)    0,27 (0,08‐0,90) **  1,31 (0,79‐2,19) 
Escolaridade    1,47 (0,97‐2,21) *      1,46 (0,97‐2,20) * 
Renda  2,36 (0,92‐6,05) *  1,50 (0,91‐2,48)  2,83 (1,12‐7,18) **  2,31 (0,91‐5,87) *  1,52 (0,92‐2,51) * 
IMC ≥30kg/m2    1,71 (1,13‐2,60) **  1,60 (0,85‐3,01)    1,73 (1,14‐2,63) ** 
Circunferência de cintura    1,30 (0,76‐2,23)       
Anemia      0,25 (0,05‐1,17) *     
DPOC  2,68 (0,81‐8,86) *    6,86 (2,13‐22,12) ***  2,88 (0,88‐9,41) *   
Depressão  2,14 (1,08‐4,20) **  3,54 (2,29‐5,46) ***  3,00 (1,60‐5,63) ***  2,13 (1,09‐4,18) **  3,51 (2,27‐5,41) *** 
HÁS    1,15 (0,71‐1,87)      1,18 (0,73‐1,90) 
DM    1,78 (1,16‐2,75) **      1,76 (1,14‐2,71) ** 

Anemia hemoglobina<13g/dL para sexo masculino e<12g/dL para o sexo feminino; DM: diabetes mellitus; DPN: dispneia paroxística noturna; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; HAS: hipertensão arterial; IC: insuficiência cardíaca; ICFEP: insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada; IMC: índice de massa corporal; ORa: razão de chance ajustada; Valor de p *0,05 e<0,1 **<0,05 e0,01 ***<0,01.

Discussão

No presente estudo, o mapeamento dos diferentes tipos de dispneia com as condições mais prevalentes nos adultos e idosos mostrou um padrão. A DPOC apresentou associação bruta e forte com a dispneia aos esforços, com a ortopneia e com a DPN, e associação fraca e não significativa com a flexopneia. O oposto ocorreu com a IC e a ICFEP que apresentaram maiores associações brutas com a flexopneia. Outro dado importante foi a fraca associação da ICFER com os tipos de dispneia, excetuando a DPN. É amplamente descrito na literatura que, além da IC, a DPOC é uma causa prevalente de dispneia24.

A DPN é considerada um critério maior de Framingham para o diagnóstico de IC e também faz parte dos critérios de Boston25,26. O sintoma é causado pela diminuição da capacidade do coração para encher e esvaziar, produzindo elevadas pressões nos vasos sanguíneos pulmonares27. Albert et al.28 avaliaram 276 pacientes com diagnóstico de IC e reportaram prevalência de DPN autorrelatada de 23,6 versus 14,1%, encontrado no presente estudo. A maior prevalência do sintoma encontrada no estudo de Albert et al. pode ser explicada pela inclusão de pacientes ambulatoriais e hospitalizados. O estudo aqui apresentado incluiu somente pacientes ambulatoriais.

Estudo publicado por Thibodeau et al.12, conduzido com 102 indivíduos com ICFER, encontrou uma prevalência de flexopneia de 29 contra 37,9% no nosso estudo. O estudo de Thibodeau et al. mostrou que os pacientes com flexopneia têm um perfil hemodinâmico caracterizado por maior pressão de enchimento do ventrículo esquerdo e diminuição do índice cardíaco. A discrepância entre as prevalências do estudo Thibodeau et al. e o aqui apresentado pode ser justificada, uma vez que utilizamos somente a resposta à pergunta sobre a dificuldade de dobrar‐se e ajoelhar‐se para identificar a flexopneia, método menos específico que o do estudo citado (sentir falta de ar em qualquer intervalo de tempo no período que compreende até 30 segundos, sentado em uma cadeira curvando‐se sobre si mesmo, como para se calçar). Thibodeau et al. não investigaram pacientes com ICFEP. No presente estudo, a prevalência de flexopneia em pacientes com ICFEP foi superior àquela de pacientes com ICFER (51,5 versus 37,9%) e a associação se manteve na análise ajustada embora com um valor de p entre 0,05‐0,1.

A depressão foi a única variável que na análise bruta mostrou forte associação com as quatro dispneias e, na análise ajustada, com os três tipos de dispneia analisados. A associação entre ansiedade e depressão e sintomas respiratórios encontra embasamento em evidências amplamente descritas29,30. A relação de causa e efeito entre os fatores psicológicos e dispneia ainda não é totalmente esclarecida31. Há indícios de que a dispneia pode induzir desordens psiquiátricas, enquanto outros estudos indicam que as doenças psicológicas, principalmente a depressão, intensificam a sensação subjetiva de dispneia31–34.

Apesar de alguns aspectos diferentes, os processos fisiopatológicos da DPOC e a IC se sobrepõem e os sintomas clínicos e sinais frequentemente também35; além disso, os pacientes com DPOC e IC compartilham muitos termos para descrever a falta de ar e experimentam dispneia com uma frequência similar7,36,37, o que contribui para a dificuldade em diferenciar as duas doenças. No presente estudo, a prevalência das duas doenças autorreferidas foi baixa (IC=8,2 e DPOC=3,5%) e somente três (5,8%) dos 52 indivíduos que afirmaram terem tido diagnóstico prévio de IC, disseram ter tido diagnóstico de DPOC, o que é concordante com resultados de estudos na comunidade, que relataram prevalências de DPOC em pacientes com IC variando entre 7‐13%35.

No presente estudo, na análise bruta, os pacientes com IMC30kg/m2 mostraram maior chance de apresentar dispneia aos esforços e flexopneia. Na análise ajustada, a associação manteve‐se só com a flexopneia. Por outro lado, a circunferência de cintura94 para homens e80 para mulheres esteve significativamente associada com a flexopneia na análise bruta. A associação da obesidade com a dispneia é descrita na literatura38. Os mecanismos envolvidos na dispneia em obesos incluem volume pulmonar expiratório final reduzido39 e o aumento do trabalho respiratório em um determinado nível de esforço40. No estudo de Thibodeau et al.12, os pacientes com flexopneia também tiveram IMC mais elevado do que aqueles sem flexopneia, o que pode ter agravado seu desconforto ao se dobrarem. De modo semelhante, no presente estudo houve maior prevalência de IMC30kg/m2 na flexopneia, quando comparado com os outros tipos de dispneia. A monitorização hemodinâmica invasiva realizada no estudo de Thibodeau et al.12 mostrou que a anteflexão produzia maior retorno venoso e pressões de enchimento, provocando falta de ar. Os autores ressaltam que os obesos apresentaram pressão de enchimento mais elevada antes de se dobrarem, tendo, portanto, mais chances de alcançar a pressão limiar necessária para provocar sintomas12.

O presente estudo utilizou o autorrelato para definir algumas variáveis importantes, tais como DPOC; a acurácia do autorrelato de doenças crônicas é geralmente satisfatória41–43. A referência a diagnóstico médico prévio pelo próprio paciente é um método que já foi validado através de estudos clínicos em outros países, tanto para homens como para mulheres44,45. No Brasil, o inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis também utilizou esta metodologia para estabelecer a prevalência de doença isquêmica do coração na população46. Uma importante vantagem do uso do autorrelato é que este tipo de coleta de dados aumenta as possibilidades de comparação internacional dos resultados de estudos, porque existem diferenças substanciais entre as estruturas dos cuidados de saúde em diferentes países, a informação dos registros médicos muitas vezes não são facilmente comparáveis43. Para a DPOC existem relatos de boa acurácia, entretanto com subestimativa de prevalência47. Estas observações levam a afirmar que as análises apresentadas aqui têm um bom nível de reprodutibilidade.

O estudo apresenta algumas limitações. Seu desenho transversal impede que seja estabelecido que a dispneia ocorresse como consequência da IC ou de outras comorbidades. Também é necessário lembrar que, para a definição de flexopneia, utilizou‐se uma definição diferente do teste proposto por Thibodeau et al.12, que parece ter maior especificidade. Ou seja, no presente estudo, indivíduos apenas com dificuldades osteomusculares podem ter sido classificados positivos para flexopneia.

Por outro lado, a questão «sente falta de ar com o esforço» que não contemplou o fator temporal pode ter excluído indivíduos com este tipo de sintoma que, no momento do questionário, estavam compensados e menos sintomáticos.

A avaliação da existência de DPOC sem estudos respiratórios objetivos é outro limite do estudo, porém, existe o fato de serem indivíduos monitorados pelo médico de família e, no geral, conhecem melhor sua condição.

Pode ter havido uma superestimação da prevalência de diabéticos uma vez que não foi realizada uma segunda medida da glicemia.

Devido ao fato de apenas 22 indivíduos apresentarem DPOC, 35 ICFEP e 29 ICFER, os achados sem significância estatística podem refletir falta de poder.

Conclusões

A flexopneia foi o único tipo de dispneia que não se associou às doenças respiratórias e à doença coronariana aterosclerótica. Mesmo após o controle pela depressão e IMC, a flexopneia manteve associação com a IC e com a ICFEP, mostrando‐se como um sintoma promissor para diferenciar a IC dos outros dois grupos de doença. O comportamento dessas associações também pode contribuir para a melhor triagem de pacientes com suspeita de IC e consequente encaminhamento para investigação

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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