A angiografia por tomografia computorizada (angioTC) cardíaca tem vindo progressivamente a afirmar‐se como uma técnica incontornável na avaliação da doença coronária. Apesar de esta ser a sua principal indicação, o seu leque de aplicações tem‐se estendido progressivamente a outras áreas da cardiologia, sendo também uma importante ferramenta de avaliação de cardiopatia estrutural e no planeamento de procedimentos de arritmologia e de cardiologia de intervenção1, nomeadamente implantação percutânea de valvular aórtica e ablação de fibrilhação auricular. No entanto, o seu maior desafio continua a ser a avaliação das artérias coronárias, que pelo seu tamanho e movimento impõe importantes desafios de hardware e software aos aparelhos de tomografia computorizada. Nos últimos anos, a evolução tecnológica tem beneficiado também esta área com progressivas melhorias da resolução espacial, temporal e de cobertura craniocaudal, contribuindo para uma robustez crescente destes exames, com reduções da dose de contraste e de radiação, sem prejuízo da sua acuidade diagnóstica2. É neste âmbito que se enquadra o artigo original de Rosa et al.3 publicado neste número da Revista Portuguesa de Cardiologia, que aborda um tema de importância prática na aquisição dos exames de angioTC cardíaca, nomeadamente a eficácia e, sobretudo, a segurança do uso de betabloqueante na preparação para a aquisição de angioTC cardíaca. Os autores foram avaliar um protocolo para redução da frequência cardíaca (FC) com esmolol endovenoso em regime de bail out, após falência de metoprolol oral em doentes submetidos a coronariografia não invasiva, num aparelho convencional de 64 cortes. Neste trabalho foram incluídos 947 exames, tendo sido necessário o uso suplementar de esmolol em 14% destes, nos quais não tinha sido possível obter uma FC <65/bpm com a administração de metoprolol oral. Os pontos fortes do trabalho são: 1) reporta um protocolo que pode ser adotado por outras instituições que estejam a iniciar a sua experiência em angioTC cardíaca, nomeadamente se trabalharem com os aparelhos clássicos de 64 cortes; 2) documenta que a administração de metoprolol oral (50‐100mg 1h antes do exame) tornou possível obter uma FC <65/min em 86% dos casos; 3) o uso suplementar de esmolol permitiu subir para 95% o número de casos com FC <65/min, com uma baixa taxa de efeitos secundários, uma vez que o endpoint combinado de segurança (definido como hipotensão e/ou bradicardia sintomática) só foi observado em 1,5% dos casos.
O presente trabalho remete para uma questão fundamental: qual o racional que está na base do uso de betabloqueantes para a redução da FC? Em que casos devemos insistir e investir nesta otimização da preparação do doente? A dependência da redução da FC para a aquisição de um exame de angioTC cardíaca depende não só das condições do doente (idade, probabilidade pré‐teste, nível de calcificação, índice de massa corporal, presença de eventuais arritmias, etc.) que interferem com a qualidade do exame4, mas também do tipo de aparelho de tomografia5,6. O presente trabalho3 foi realizado num aparelho de 64 cortes, considerado atualmente como o requisito mínimo para realização destes exames7 e tendo já mais de dez anos desde a sua introdução na prática clínica (em 2004), e com uma dependência franca de uma FC baixa na aquisição. Esta dependência tornou‐se menos importante com a evolução tecnológica, tendo sido quase totalmente ultrapassada pelas gerações mais recentes, nomeadamente pelos aparelhos de dupla ampola com elevada resolução temporal5,8.
Por outro lado, apesar de exequível e segura, a utilização de betabloqueantes antes da realização destes exames constitui sempre uma limitação e deve ser vista como um mal necessário, não só do ponto de vista clínico (pela presença de eventuais contraindicação e/ou reações secundárias como hipotensão ou bradicardia sintomática), mas também do ponto de vista logístico (pela necessidade de manter o doente mais tempo em vigilância após o exame ou mesmo antes, no caso dos protocolos com administração de betabloqueante oral como foi o caso do presente trabalho), o que obriga a maior necessidade de recursos humanos e de espaço (ex: mais vagas de recobro alocadas). Como exemplo ilustrativo destas limitações, o tempo médio desde a administração de metoprolol oral e esmolol endovenoso no estudo de Rosa et al.3 foi de 82min e, apesar do endpoint combinado de segurança ter sido raro (1,5%), em 8% dos casos houve uma redução da pressão arterial sistólica para <90mmHg, resultados que ilustram bem esta limitação. Estes aspetos têm sido tidos em conta pela indústria, a par de outros unmet needs como a dose de contraste e de radiação, e estiveram na base racional do desenvolvimento dos novos aparelhos de tomografia computorizada cardíaca. A dose de radiação reportada neste estudo com um aparelho de 64 cortes é outro exemplo (média 9,8mSv), significativamente superior ao de um registo multicêntrico nacional (média 5,4mSv) publicado recentemente, usando um aparelho de dupla ampola de primeira geração9. Assim, é expectável que estas limitações se tornem cada vez mais um problema do passado na era dos aparelhos de dupla ampola (última geração com 2x192 cortes)8 e os aparelhos de uma ampola e 320 cortes6, que nos próximos anos irão progressivamente substituir os atuais aparelhos de 64 cortes.
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.