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Vol. 32. Núm. 12.
Páginas 975-980 (dezembro 2013)
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Páginas 975-980 (dezembro 2013)
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Prevalência de aterosclerose subclínica e reclassificação de risco cardiovascular pela medida da espessura íntimo-medial carotídea em pacientes hipertensos ambulatoriais
Prevalence of subclinical atherosclerosis and cardiovascular risk reclassification by measure of carotid intima-media thickness in ambulatory hypertensive patients
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Francisco das Chagas Monteiro Júniora,b,
Autor para correspondência
franciscomonteirojr@gmail.com

Autor para correspondência.
, Cacionor Pereira da Cunha Júniora, Pedro Antônio Muniz Ferreiraa, José Aldemir Teixeira Nunesa, Ronald Lopes Britoa, José Bonifácio Barbosaa, Natália Ribeiro Mandarinoa, Joyce Santos Lagesa, Natalino Salgado Filhoa, Valter Correia de Limab
a Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Maranhão, Brasil
b Serviço de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil
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Tabela 1. Características da amostra analisada (n=94)
Resumo
Introdução e objetivos

Embora a medida da espessura íntimo-medial carotídea (EIMC) seja considerada um marcador direto de aterosclerose subclínica, com importante valor potencial na estratificação de risco cardiovascular, a mesma não tem sido preconizada para uso rotineiro em indivíduos hipertensos. O presente estudo se propôs a investigar a prevalência de aterosclerose subclínica, avaliada pela medida da EIMC, e o impacto desta na estratificação de risco do paciente hipertenso.

Métodos

Trata-se de estudo transversal que incluiu 94 hipertensos sem doença aterosclerótica manifesta, com média de idade de 56,99±11,89 anos, sendo 68,1% do sexo feminino, submetidos a exame clínico, dosagens bioquímicas, ecodopplercardiograma e medida da EIMC por ultrassonografia de alta resolução.

Resultados

Apesar de a maioria dos indivíduos ter sido estratificada como de risco baixo (63,5%) e intermediário (23%), segundo o escore de Framingham (EF), observou-se expressiva prevalência de espessamento carotídeo na amostra (75,3%), inclusive nos subgrupos de risco baixo (61%) e intermediário (93,8%). A EIMC concorreu para a reclassificação de risco em 70,31% dos pacientes em geral, sendo que 61% dos de risco baixo passaram para o intermediário e 93,8% dos de risco intermediário para o alto.

Conclusão

Nestes indivíduos hipertensos ambulatoriais, predominantemente de meia-idade e do sexo feminino, a medida da EIMC demonstrou elevada prevalência de aterosclerose subclínica bem como concorreu para a reclassificação de risco em expressiva proporção dos casos.

Palavras-chave:
Hipertensão
Espessura íntimo-medial carotídea
Estratificação de risco
Abstract
Introduction and Objectives

Although carotid intima-media thickness (CIMT) is considered a surrogate marker of subclinical atherosclerosis, with known value in risk stratification, its routine use in hypertensive patients is not recommended. The aim of this study was to determine the prevalence of subclinical atherosclerosis through measurement of CIMT and its impact on reclassification of risk in hypertensive patients.

Methods

This was a cross-sectional study of 94 middle-aged (56.99±11.89 years) hypertensive outpatients without overt cardiovascular disease, 68.1% female. All participants underwent clinical examination, biochemical tests, echocardiogram and measurement of CIMT by high-resolution ultrasound.

Results

Although the majority of patients were stratified as low (63.5%) or intermediate risk (23%) according to their Framingham score, a high prevalence (75.3%) of increased CIMT was observed in the overall sample, including in the low (61%) and intermediate risk groups (93.8%). CIMT measurement resulted in risk reclassification of 70.31% of the patients, 61% of those at low risk being reclassified as intermediate risk and 93.8% of those at intermediate risk being reclassified as high risk.

Conclusion

In these hypertensive outpatients, predominantly middle-aged and female, CIMT measurement revealed a high prevalence of subclinical atherosclerosis and resulted in risk reclassification in the majority of cases.

Keywords:
Hypertension
Carotid intima-media thickness
Risk assessment
Texto Completo
Introdução

A hipertensão arterial sistêmica afeta aproximadamente 50 milhões de indivíduos nos Estados Unidos e aproximadamente um bilhão de pessoas em todo o mundo1. Inquéritos populacionais realizados em cidades brasileiras nos últimos 20 anos apontaram uma prevalência média de hipertensão arterial sistêmica ao redor de 30%2,3.

Embora a correlação entre pressão arterial e o risco de eventos cardiovasculares seja contínua4, sabe-se que a elevação sustentada dos níveis pressóricos está frequentemente associada à presença de doença cardiovascular subclínica, capaz de influenciar adicionalmente este risco, como hipertrofia do ventrículo esquerdo, lesão glomerular renal e espessamento íntimo-medial carotídeo5,6. Além disso, é bastante comum a coexistência, em indivíduos hipertensos, de outros fatores de risco cardiovascular, como diabetes mellitus e hipercolesterolemia. Assim, diretrizes vigentes têm preconizado que a estratificação de risco do paciente hipertenso deva levar em consideração não apenas os níveis pressóricos, mas também a presença concomitante de lesões em órgãos-alvo e outros fatores de risco cardiovascular2.

A medida ultrassonográfica da espessura das camadas íntima e média das artérias carótidas (EIMC) tem surgido como um teste de grande potencial para a avaliação não invasiva da doença aterosclerótica. Diversos estudos têm demonstrado associação independente entre EIMC e a incidência de doença cerebrovascular e coronariana, tornando esta medida uma ferramenta valiosa na pesquisa de aterosclerose subclínica e na estratificação do risco cardiovascular, com valor aditivo potencial sobre a estimativa de risco baseada apenas em fatores clássicos, a exemplo do escore de Framingham, correntemente utilizado para determinar a probabilidade de infarto ou morte por doença coronariana em 10 anos entre indivíduos sem doença aterosclerótica manifesta7,8.

No entanto, apesar do seu reconhecido valor na predição independente de eventos cardiovasculares, a medida da EIMC não tem sido preconizada para aplicação rotineira em indivíduos hipertensos, sendo reservada, segundo diretrizes atuais, apenas para pacientes que já apresentem sinais clínicos de doença aterosclerótica ou tenham sido classificados como de risco intermediário segundo o EF, situação em que este escore apresenta sabidamente maior limitação9,10, sendo ainda desconhecido o seu papel na avaliação de indivíduos hipertensos considerados de baixo risco segundo este mesmo escore.

Assim, no presente estudo procurou-se verificar o valor da medida da EIMC em uma população geral de hipertensos ambulatoriais, independentemente da classificação basal de risco cardiovascular, na determinação da prevalência de aterosclerose subclínica e reclassificação deste risco.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal envolvendo pacientes hipertensos atendidos ambulatorialmente em uma liga universitária, os quais foram escolhidos por sorteio a partir da lista de pacientes cadastrados. Constituíram critérios de exclusão para participar da pesquisa: incapacidade intelectual, recusa em participar e história e/ou evidência clínica de doença cardiovascular aterosclerótica.

Todos os pacientes foram submetidos a anamnese, incluindo a busca de fatores de risco cardiovascular, e exame físico, que incluiu medidas de circunferência abdominal, peso e altura. O índice de massa corporal foi calculado como peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros (kg/m2). A pressão arterial foi definida como a média das últimas duas de três medições, com esfigmomanômetro de mercúrio, tomadas a intervalos ≥2 minutos, após os participantes terem ficado sentados por, no mínimo, cinco minutos. O tabagismo foi definido como o consumo atual de ≥1 cigarro/dia. Os participantes que relataram praticar <30 minutos três vezes por semana de exercício físico foram considerados sedentários.

Amostras venosas foram colhidas após jejum de 12 horas para as seguintes dosagens bioquímicas: hemograma, glicose, ácido úrico, creatinina, potássio, colesterol total, HDL-colesterol, LDL-colesterol e triglicerídeos. A taxa de filtração glomerular foi estimada pela fórmula de Cockroft-Gault, sendo considerada reduzida quando <60ml/min/1,73m2.

O diagnóstico de diabetes mellitus foi definido mediante a ocorrência de qualquer dos seguintes critérios: glicemia de jejum ≥126mg/dL, uso corrente de medicação hipoglicemiante e glicemia de 2h ≥200mg/dL em teste oral de tolerância à glicose. Foram rotulados como dislipidêmicos os indivíduos que relatavam o uso de hipolipemiantes ou que apresentavam valores de taxas lipídicas plasmáticas anormais, definidas como LDL-colesterol ≥160mg/dL, HDL-colesterol <40mg/dL em homens e <50mg/dL em mulheres e/ou triglicéridos ≥150mg/dL10. Síndrome metabólica foi identificada de acordo com os critérios da Federação Internacional de Diabetes (IDF)11.

O risco absoluto individual de ocorrer infarto do miocárdio ou morte por doença coronariana no período de 10 anos foi estimado por meio do EF10, sendo categorizado em baixo (<10%), intermediário (entre 10-20%) e alto (>20%). Pacientes portadores de diabetes foram automaticamente considerados de risco alto, sendo excluídos da análise referente à estratificação de risco pelo EF10.

Os pacientes foram submetidos à realização de ecodopplercardiograma transtorácico e à medida da EIMC, por ultrassonografia de alta resolução, utilizando-se aparelhos da marca General Eletric, modelo Vivid 3.

Os exames ecocardiográficos foram realizados por um único examinador experiente, cego para os dados clínico-laboratoriais e classificação de risco de cada paciente. A massa do ventrículo esquerdo foi estimada pela fórmula de Devereux e Reichek e corrigida para a superfície corporal, obtendo-se o índice de massa do ventrículo esquerdo em g/m212. Considerou-se hipertrofia ventricular esquerda um índice de massa do ventrículo esquerdo >115g/m2 em homens e >95g/m2 em mulheres13.

O exame ultrassonográfico de carótida foi realizado por um único examinador experiente, cego para as informações clínico-laboratoriais e classificação de risco de cada paciente. Após repouso de pelo menos 10 minutos na posição supina com o pescoço em discreta hiperextensão era feita uma avaliação panorâmica do sistema carotídeo bilateralmente. A EIMC foi medida na parede distal (mais afastada do transdutor) da carótida comum, 1cm proximalmente à sua bifurcação, conforme recomendações vigentes. A medida consiste na distância entre duas linhas ecogênicas representadas pelas interfaces lúmen-íntima e média-adventícia da parede arterial14. Considerou-se espessamento carotídeo uma EIMC >0,9mm2,15.

Para pacientes de baixo e médio risco segundo o EF, a presença de espessamento carotídeo determinou a reclassificação do risco para uma categoria acima daquela estimada isoladamente por este escore10.

As variáveis qualitativas ou categóricas foram representadas por proporções (%) e as variáveis contínuas foram expressas como média e desvio-padrão. Utilizou-se a análise de regressão linear para avaliação da correlação entre o EF e a EIMC. Os dados foram processados e submetidos à análise estatística utilizando-se o programa SPSS 16.0 para Windows, adotando-se como significativo um p<0,05.

O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição de Pesquisa. Termo de Consentimento foi obtido de todos os pacientes após o devido esclarecimento do propósito do estudo.

Resultados

Recrutaram-se inicialmente 101 pacientes, sendo que destes, sete foram excluídos por apresentarem história e/ou evidência clínica de doença cardiovascular aterosclerótica. Sendo assim, foram incluídos 94 pacientes, com média de idade de 56,99±11,89 anos e predomínio do sexo feminino.

Observou-se expressiva prevalência de dislipidemia, síndrome metabólica e hipertrofia ventricular esquerda nesta amostra. Verificou-se ainda taxa de filtração glomerular média dentro da faixa de normalidade e média dos níveis tensionais sistólicos ligeiramente acima dos limites da normalidade apesar do uso corrente de agentes anti-hipertensivos pelos pacientes.

Em relação à estratificação de risco cardiovascular, obtida por meio do EF, observou-se que a grande maioria dos pacientes (quase 90%) foram categorizados como de risco baixo e intermediário, contrastando com a elevada prevalência de aumento da EIMC. Estas e as demais características da amostra estão expressas na Tabela 1.

Tabela 1.

Características da amostra analisada (n=94)

Idade, média (±DP), anos  56,99 (±11,89) 
Sexo feminino, n (%)  64 (68,1) 
Não-brancos, n (%)  61 (64,9) 
Tabagismo, n (%)  9 (9,7) 
Sedentarismo, n (%)  39 (41,5) 
Diabetes mellitus, n (%)  12 (12,7) 
História familiar de doença coronariana prematura, n (%)  46 (48,9) 
Índice de massa corpórea, média (±DP), kg/m2  28,27 (±5,04) 
Circunferência abdominal, média (±DP), cm
Homens  93,29 (±9,18) 
Mulheres  92,85 (±9,68) 
Glicemia em jejum, média (±DP), mg/dl  102,78 (±22,83) 
Colesterol total, média (±DP), mg/dl  205,26 (±40,42) 
HDL-colesterol, média (±DP), mg/dl
Homens  42,52 (±9,35) 
Mulheres  49,43 (±12,24) 
LDL-colesterol, média (±DP), mg/dl  132,03 (±34,32) 
Triglicerídeos, média (±DP), mg/dl  148,59 (±81,38) 
Dislipidemia, n (%)  65 (72,2) 
Síndrome metabólica, n (%)  50 (58,8) 
Creatinina, média (±DP), mg/dl  0,83 (±0,2) 
Taxa de filtração glomerular, média (±DP), ml/min  90,32 (±30,61) 
Pressão arterial sistólica, média (±DP), mmHg  145,63 (±18,85) 
Pressão arterial diastólica, média (±DP), mmHg  86,95 (±11,83) 
EF, média (±DP), %  8,74 (±8,38) 
Risco baixo, n (%)  52 (63,5) 
Risco intermediário, n (%)  19 (23) 
Risco alto, n (%)  11 (13,5) 
Índice de massa do ventrículo esquerdo, média (±DP), mg/dl
Homens  121,04 (±26,77) 
Mulheres  97,2 (±22,54) 
Hipertrofia ventricular esquerda, n (%)  45 (52,9) 
EIMC, média (±DP), mm  1,07 (±0,22) 
EIMC aumentada, n (%)  61 (75,3) 

Analisando-se a amostra por categorias de risco, segundo o EF, observou-se prevalência expressiva de aumento da EIMC em todas elas, mesmo entre os indivíduos categorizados como de baixo risco (Figura 1). Por outro lado, a média da EIMC mostrou-se mais elevada conforme o aumento da categoria de risco (Figura 2).

Figura 1.

Prevalência de aumento da EIMC (%) conforme grupo de risco estratificado pelo EF.

(0.07MB).
Figura 2.

Média da EIMC conforme subgrupo de risco estratificado pelo EF. Risco (EF): 1=baixo; 2=intermediário e 3=alto.

(0.05MB).

Por regressão linear simples, observou-se correlação significativa entre a EIMC e o EF (r=0,485 e p<0,001), que persistiu mesmo após ajuste para as variáveis que compõem este escore: idade (r=0,335 e p=0,002), pressão arterial sistólica (r=0,450 e p<0,001), colesterol total (r=0,484 e p<0,001), HDL-colesterol (r=0,457 e p<0,001) e tabagismo (r=0,475 e p<0,001).

Utilizando-se, portanto, a EIMC como fator agravante de risco foi possível reclassificar em geral 70,31% dos indivíduos, observando-se migração de 61% dos indivíduos de risco baixo para o intermediário e 93,8%, dos de risco intermediário para o alto, o que acarretou uma mudança do perfil da amostra para predominantemente de risco intermediário e alto (Figura 3).

Figura 3.

Estratificação de risco pelo EF antes e após a reclassificação por meio da medida da EIMC.

(0.08MB).
Discussão

Este estudo avaliou pacientes hipertensos sem doença aterosclerótica manifesta, predominantemente de meia-idade e classificados como de risco baixo e intermediário de acordo com o EF. Estas características correspondem a um perfil comumente encontrado na prática clínica e para o qual ainda existem incertezas a respeito da estratificação de risco.

Observou-se uma elevada prevalência de aterosclerose subclínica na amostra total, traduzida por aumento da EIMC em 3/4 dos indivíduos, sendo bastante expressiva mesmo nos subgrupos classificados pelo EF como de risco baixo e intermediário. Características da população analisada, como pressão arterial não controlada e alta prevalência de dislipidemia e síndrome metabólica, podem justificar este achado aparentemente contrastante com o EF médio baixo observado. Alguns autores sugerem que a própria hipertensão não controlada seja o principal fator determinante do aumento da EIMC16.

Como consequência de interesse clínico, esta elevada prevalência de aumento da EIMC motivou a reclassificação de risco em mais da metade dos indivíduos do subgrupo de baixo risco e em quase a totalidade daqueles categorizados como de risco intermediário, segundo o EF, acarretando uma mudança expressiva no perfil de risco da população analisada. Este achado torna-se relevante considerando-se que o estudo ultrassonográfico das artérias carótidas não tem sido preconizado para emprego rotineiro em pacientes hipertensos. Segundo diretrizes vigentes, só está indicado em pacientes hipertensos com evidência clínica de aterosclerose2 ou como uma alternativa na pesquisa de fatores agravantes de risco em indivíduos classificados como de risco intermediário pelo EF, excluindo-se portanto os de baixo risco10. Ou seja, de acordo com recomendações atuais, a maioria dos indivíduos desta amostra não teria sido submetida ao exame ultrassonográfico de carótida e muitos teriam assim seu risco subestimado e ficariam, portanto, excluídos de metas mais rigorosas de controle lipídico e pressórico17.

No presente estudo, o ponto de corte considerado para aumento da EIMC foi o recomendado pelas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial2, sendo, no entanto, encontrada alguma divergência na literatura, que ora sugere valor ligeiramente maior (>1mm) ou menor (≥0,8mm)14,15. Por outro lado, a pesquisa de placas ateroscleróticas carotídeas não foi objeto deste estudo. A despeito desta falta de uniformidade na literatura, outros estudos têm observado também expressivas taxas de reclassificação de risco quando o exame ultrassonográfico de carótida é aplicado de forma sistemática, a exemplo de um estudo multicêntrico italiano, envolvendo cerca de 1700 pacientes, em que a utilização de um exame ultrassonográfico de carótida para medida da EIMC e pesquisa de placas ateroscleróticas promoveu a reclassificação de cerca de metade dos indivíduos considerados inicialmente como de risco baixo e intermediário18.

Uma outra constatação relevante deste estudo foi a correlação significativa verificada entre o EF e a EIMC, que persistiu mesmo após ajuste para as variáveis que compõem tal escore, confirmando resultado do importante estudo observacional PARC-AALA, desenvolvido em 21 países da Ásia, África, Oriente Médio e América Latina, envolvendo mais de 2600 indivíduos19. Este achado reforça a importância do EF para uso na população geral, principalmente quando se leva em conta a sua simplicidade para aplicação em larga escala. No entanto, o seu emprego isolado pode não ser satisfatório em algumas populações específicas. Assim, da mesma forma como tem sido verificada menor precisão deste escore em indivíduos mais jovens e em mulheres10, no presente estudo ficou claro que o seu uso isolado neste perfil de indivíduos, hipertensos predominantemente de meia-idade, subestimaria o risco de forma importante, não apenas naqueles classificados como de risco intermediário, mas também naqueles considerados de baixo risco. Isto parece explicável pelas características desta população, como comentado acima, que certamente concorreram para uma elevada prevalência de aumento da EIMC em toda a amostra, inclusive entre os indivíduos categorizados como de risco baixo. Nossos achados, portanto, embora reforcem a importância do EF, ao demonstrarem a sua correlação com a medida da EIMC, apontam para a necessidade de que sua aplicabilidade seja testada em diferentes perfis de população.

Assim, embora tenha sido verificada uma correlação significativa entre EF e EIMC, a elevada prevalência de EIMC aumentada em toda a amostra concorreu para uma menor utilidade da aplicação do EF como forma isolada de estratificação de risco nesta população, sugerindo-se que a mensuração ultrassonográfica da EIMC, considerada um marcador substituto de aterosclerose de fácil obtenção de forma não invasiva, deva ser mais valorizada e utilizada mais amplamente na avaliação de pacientes hipertensos ambulatoriais.

Por fim, é válido frisar que o presente estudo foi limitado pelo seu desenho transversal e pelo fato de ter sido avaliado um perfil específico de pacientes, não se podendo, pois, extrapolar os seus resultados para a população geral. Além disso, sendo a medida da EIMC um exame operador dependente e tendo o estudo contado com avaliação de um único examinador, não foi testada a concordância intra e interobservador. Acrescente-se ainda o fato de não ter sido realizada a pesquisa de placas de ateroma, cujo valor prognóstico incremental já foi bem demonstrado19.

Conclusão

Este estudo, ao aplicar o estudo ultrassonográfico de carótida de forma sistemática em indivíduos hipertensos, independentemente de classificação basal de risco, evidenciou uma alta prevalência de aumento da EIMC, o que concorreu para uma taxa elevada de reclassificação de risco destes pacientes, mesmo naqueles categorizados como de baixo risco pelo EF.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Financiamento

Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), São Luís, Maranhão, Brasil.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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