Avaliar as indicações e recomendações clínicas sobre a implantação de válvulas aórticas percutâneas (VAP) e propor adaptações para a sua aplicabilidade em Portugal.
Métodos e resultadosO grupo de trabalho analisou a epidemiologia da estenose aórtica, avaliou as recomendações clínicas existentes à luz da evidência científica conhecida e baseou-se na sua experiência em Portugal.
A evidência demonstra que as biopróteses valvulares percutâneas reduzem de forma muito significativa a mortalidade dos doentes com estenose aórtica grave considerados inoperáveis. Comparada com a cirurgia convencional, esta técnica apresenta um padrão comparável de segurança, de eficácia e de melhoria da qualidade de vida em doentes de elevado risco cirúrgico, devidamente selecionados por equipas multidisciplinares. Porém há preocupações relativamente à sua durabilidade e segurança a longo prazo.
De forma a ser proficiente, a implantação de válvulas aórticas percutâneas deve ser realizada no âmbito de programas multidisciplinares integrados desenvolvidos em centros médico-cirúrgicos com equipas experientes, em número não inferior a 50 casos por centro/ano.
Em Portugal observa-se uma utilização muito reduzida desta terapêutica, com sete implantes/ano por milhão de habitantes, o que corresponde a cerca de sete vezes menos do que a média europeia, constituindo a taxa mais baixa da mesma.
Para a sociedade, é necessário avaliar os resultados clínicos e estudar o custo incremental associado para definir quais as indicações em que esta técnica pode e deve ser selecionada.
ConclusãoA implantação transcatéter de válvulas aórticas percutâneas constitui a única terapêutica para doentes inoperáveis portadores de estenose aórtica grave. Em casos selecionados pode ser aplicada também em doentes considerados de alto risco cirúrgico.
Os doentes candidatos a este tratamento devem ser avaliados em centros de excelência que realizam estas técnicas e possuam um programa formal de funcionamento com uma equipa multidisciplinar. Esta deve ser assessorada nos primeiros casos, até estar rotinada. O programa deve assegurar o mínimo recomendado de casos anuais para manter a sua proficiência, elaborando um registo prospetivo monitorizável.
To evaluate the clinical indications and guidelines for transcatheter aortic valve implantation (TAVI) and to propose adaptations for its use in Portugal.
Methods and ResultsThe working group analyzed the epidemiology of aortic stenosis and current clinical recommendations in the light of current evidence, taking into consideration their own experience in Portugal.
The evidence shows that TAVI significantly reduces mortality in patients with severe aortic stenosis considered unsuitable for surgery. This technique has a comparable safety profile, efficacy and quality of life improvement to conventional surgery in patients with high surgical risk, when carefully selected by multidisciplinary teams.
TAVI procedures should be performed within multidisciplinary programs in centers with on-site cardiac surgery by experienced teams treating no fewer than 50 cases per year in order to maintain proficiency.
The technique is little used in Portugal, with seven implantations/year per million population, a seventh of the European average and the lowest rate in Europe.
From a societal standpoint, it is important to evaluate clinical outcomes and analyze the incremental cost involved in order to define the situations in which the technique is appropriate and should be used.
ConclusionTAVI is the only treatment for severe aortic stenosis in patients unsuitable for surgery, and can also be applied in selected cases with high surgical risk.
Patients who are considered for this treatment should be evaluated in centers of excellence performing the technique and with a formal program of multidisciplinary team work. The first cases should be supervised until the team has established its routine. The program should perform the recommended minimum number of procedures per year in order to maintain proficiency and must keep a prospective clinical registry for monitoring purposes.
A prevalência da estenose aórtica calcificada tem vindo a aumentar devido à importância crescente da patologia degenerativa que atinge pelo menos 2,5% dos indivíduos com mais de 65 anos, calculando-se que existam em Portugal pelo menos 32000 portadores da doença1.
A terapêutica de primeira linha é a cirurgia de substituição da válvula aórtica (SVAo)2,3. Os seus resultados são negativamente afetados pela presença de algumas comorbilidades, pelo que se desenvolveu o implante transcatéter de válvulas aórticas (VAP) em doentes considerados inoperáveis4.
As recomendações publicadas em 2012 conjuntamente pela Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) e pela Sociedade Europeia de Cirurgia Cardio-Torácica (EACTS) atribuem um grau de recomendação que oscila entre I e IIa para as VAP, segundo as várias indicações clínicas3.
As estatísticas nacionais apontam para uma taxa anual de implantes portuguesa de sete por milhão de habitantes, três vezes menor do que a da Espanha e do Reino Unido e sete vezes menor do que a média de 45 implantes da União Europeia5,6.
Evidência científica atual da implantação de válvulas aórticas percutâneas e situação nacionalNa coorte B do primeiro e único estudo aleatorizado já realizado, o PARTNER, registou-se uma diminuição da mortalidade total de 51% na terapêutica médica otimizada para 31% na VAP no primeiro ano de seguimento7.
Esta alternativa consolidou-se com a publicação do segundo braço deste estudo, coorte A, em que as VAP, por via transfemoral ou transaórtica, foram comparadas com cirurgia de substituição da válvula aórtica (SVAo). Os resultados da VAP foram tendencialmente melhores na mortalidade aos 30 dias (3,4% grupo VAP versus 6,5% no grupo SVAo, p = 0,07), mas no que respeita à mortalidade aos dois anos não houve diferenças significativas entre os grupos (33,9% VAP versus 35% SVAo)8, apresentando ambos melhoria funcional significativa num seguimento total de dois anos8,9.
Têm sido produzidos numerosos registos que sugerem que a eficácia e segurança são globalmente boas fora dos ensaios realizados. Em 2008, Piazza publica um dos primeiros artigos reportando uma mortalidade aos 30 dias de 8,0% e uma taxa combinada de eventos major – morte, enfarte e acidente vascular cerebral – de 9,3%. Quatro anos mais tarde, no registo inglês UK TAVI, incluindo 870 doentes, a mortalidade aos 30 dias é de 7,1% mas atinge os 26,3% no seguimento aos dois anos. Por se tratar de um registo oficial obrigatório e englobar 3195 doentes, o FRANCE 2 constitui um marco e descreve mortalidades aos 30 dias e 1 ano de, respetivamente, 9,7 e 24%. Incluiu todos os tipos de válvulas e de abordagens, como a subclávia e transaórtica10.
No que respeita aos registos comparando diretamente a VAP com a SVAo salienta-se apenas um registo italiano englobando 618 doentes, que ajustou os grupos por três métodos, incluindo o propensity score. A taxa anual de eventos major pelos critérios VARC foi de 11,8%, não se observando diferenças entre ambas as técnicas na ocorrência de morte, acidente vascular cerebral e enfarte do miocárdio11.
O impacto na qualidade de vida tem sido apreciado com muito interesse pois a evidência é consistente e favorável a melhorias notórias com a VAP a partir do primeiro mês pós-procedimento9,12.
Em geral, a utilização da técnica respeita a inoperabilidade ou o alto risco definido por variáveis como a idade, comorbilidades, sexo feminino, classe funcional elevada, intervenção emergente, disfunção ventricular esquerda, hipertensão pulmonar, doença coronária concomitante e cirurgia cardíaca prévia, incluindo a degenerescência de biopróteses valvulares3,13.
É importante salientar que a implementação destes programas envolveu, regra geral, equipas motivadas que são suportadas por tutores nos primeiros 5-15 casos14.
Apesar de os bons resultados obtidos há aspetos preocupantes para os clínicos. As complicações peri-procedimento são diversas e requerem uma atenção especial15,16. A incidência de regurgitação paravalvular, de regurgitação mitral e a necessidade de pacing parecem afetar negativamente os resultados à distância10,17–19. A mortalidade não cardiovascular a médio-prazo é elevada, atingindo 59% dos casos no estudo de Rodés-Cabau que seguiu 339 doentes por 42 meses, sugerindo que a seleção pode ser optimizada20.
Sabe-se que a SVAo pode ser dispendiosa em doentes de risco elevado, com um acréscimo de 2.400 € em despesas hospitalares por aumento de 1% no score STS21, mas desconhece-se se as VAP poderão reduzir estes custos. Em indivíduos inoperáveis, nos EUA, o custo incremental das VAP por ano de vida ganho é de cerca de 40.000 € relativamente à terapêutica convencional21,22. Recentemente, foi evidenciado no estudo PARTNER que em 80% dos casos os custos da SVAo e VAP não diferem de forma significativa após um ano de seguimento.
Foi neste contexto que surgiram as recomendações europeias sobre a doença valvular que definiram a importância desta sofisticada técnica revolucionária em doentes maus candidatos a SVAo23.
Condições técnicas mínimas, indicações clínicas custo incremental e avaliação dos resultadosO grupo de trabalho reconhece a importância de que os programas de VAP sejam conduzidos por equipas multidisciplinares, em centros médico-cirúrgicos de excelência, cuja atuação deve estar formalizada. Esta equipa deve incluir pelo menos um cirurgião cardíaco, um cardiologista de intervenção, um anestesiologista e um cardiologista ecocardiografista. A sala de implantação deve ser ou uma sala híbrida ou uma sala de cateterismo cardíaco condicionada como uma sala de bloco operatório ou uma sala de bloco operatório com um sistema de imagem de qualidade adequada. Deve ser possível realizar circulação extracorpórea se necessário.
Relativamente às indicações clínicas das recomendações (Tabela 1) devemos considerar a vigência do programa de assistência do Fundo Monetário Internacional em Portugal e as publicações que sugerem que esta terapêutica deve ser aplicada em doentes bem selecionados, em centros com uma casuística anual mínima de 50 casos, de modo a manter um custo incremental aceitável e uma boa proficiência15.
Recomendações para VAP segundo a classe e o nível de evidência (Sociedade Europeia de Cardiologia/Sociedade Europeia de Cirurgia Cardio-Torácica)
Recomendação ESC/EACTS | Classe de recomendação | Nível de evidência | Referência bibliográfica |
A VAP só deve ser realizada com uma equipa multidisciplinar heart team incluindo cardiologistas e cirurgiões cardíacos e outros especialistas se necessário | I | C | |
A VAP só deve ser realizada em hospitais com cirurgia cardíaca no local | I | C | |
A VAP é indicada em doentes com EA grave sintomática que não são apropriados para SVAo, que provavelmente irão melhorar a sua qualidade de vida e que têm uma esperança de vida superior a um ano depois de consideradas as suas comorbilidades | I | B | 7 |
A VAP deve ser considerada em doentes de alto-risco com EA grave sintomática ainda considerados apropriados para cirurgia, mas nos quais a VAP é favorecida pelo heart team baseada no seu perfil de risco individual e anatomia adequada. | IIa | B | 19 |
VAP- válvula aórtica percutânea transcatéter | |||
EA- estenose aórtica | |||
SVAo- cirurgia de substituição da válvula aórtica |
Fonte: 3.
Assim, é aconselhado que os programas privilegiem para a VAP os doentes inoperáveis cujo nível de recomendação é classe I3.
Os doentes com indicação classe IIa devem ser considerados para terapêutica VAP quando:
- •
Os doentes apresentam uma relação risco-benefício favorável em termos de qualidade de vida, determinada pela equipa multidisciplinar;
- •
Os centros considerarem que as indicações se enquadram na experiência da equipa e nas previsões de tratamento anuais15;
- •
Os procedimentos forem realizados no âmbito de estudos ou registos investigacionais.
O consenso é que a utilização das VAP deve ser rigorosa e monitorizada, preferencialmente através de um registo multicêntrico nacional que adote os atuais critérios VARC como garante de qualidade e transparência24,25. Recomenda-se que todos os doentes sejam seguidos por sete anos e que sejam realizados estudos nacionais de avaliação dos custos destas tecnologias.
O grupo de trabalho espera que este documento possa ser útil para os profissionais de saúde, instituições, serviços e organismos decisores que lidam com esta importante terapia que está em rápida evolução.
ConclusãoA implantação de válvulas aórticas percutâneas constitui a única terapêutica efetiva para doentes inoperáveis portadores de estenose aórtica.
Deve ser disponibilizada em centros de excelência, que assegurem formalmente o funcionamento de uma equipa multidisciplinar, treinada, que realiza um mínimo de 50 casos anuais em condições técnicas adequadas e mantém um registo prospetivo e monitorizável.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.