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Vol. 38. Núm. 11.
Páginas 745-753 (novembro 2019)
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Vol. 38. Núm. 11.
Páginas 745-753 (novembro 2019)
Perspetivas em Cardiologia
Open Access
Pessoas que sofrem de hipertensão arterial: implicações na atividade médica das diferenças entre os controlados e os não controlados
Implications for medical activity of differences between individuals with controlled and uncontrolled hypertension
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Ricardo da Silva Martinsa, Luiz Miguel Santiagob,
Autor para correspondência
lmsantiago@netcabo.pt

Autor para correspondência.
, Maria Teresa Reisc, Ana Carolina Roqued, Mariana Pintoe, José Augusto Simõesf, Inês Rosendob
a Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
b Clínica Universitária de Medicina Geral e Familiar da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
c USF Topázio, Coimbra, Portugal
d USF Fernando Namora, Condeixa, Portugal
e UCSP Penacova, Penacova, Portugal
f Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal
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Estatísticas
Tabelas (3)
Tabela 1. Descrição das variáveis na população com hipertensão arterial controlada e não controlada
Tabela 2. Classes farmacoterapêuticas anti‐hipertensoras
Tabela 3. Regressão logística binária com o método enter
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Resumo
Objetivos

Comparar características clínicas, de atividade médica e de caracterização familiar e social entre populações sofrendo de hipertensão arterial segundo estejam ou não controladas.

Metodologia

Estudo observacional em amostra aleatória por ordem alfabética e representativa com reposição em população de cuidados de saúde primários de 25 médicos especialistas em medicina geral e familiar de três unidades de cuidados de saúde primários no centro de Portugal, em 2018, pela análise dos registos clínicos informáticos das pessoas com a classificação ICPC‐2 de hipertensão arterial. Estudaram‐se variáveis epidemiológicas, clínicas, familiares, sociais e de atividade médica terapêutica. Realizou‐se estatística descritiva e inferencial.

Resultados

Num universo de 8750 pessoas com a classificação hipertensão arterial estudou‐se uma amostra de n = 387 (tamanho calculado para IC 95% e margem de erro de 5% em n = 369). Hipertensão arterial não controlada em 56,1% da amostra, significativamente mais frequente em quem vive só (p = 0,024), vive em família nuclear (p = 0,011), em situação de mais baixa classificação social (p = 0,018), com prescrição concomitante de AINE (p = 0,018). O risco cardiovascular calculado é não significativamente mais elevado no não controlo (p = 0,116). A inércia terapêutica não se verifica em número de associações e em número médio de medicamentos (p = 0,274) não se verificando igualmente diferença para as restantes variáveis estudadas. Viver só, pertencer a famílias com mais baixa classificação social e viver em família nuclear representam 9,6% da responsabilidade de não haver controlo.

Conclusões

A atividade médica no ambiente de medicina geral e familiar, e não só, deve assim aliar as competências terapêuticas com as habilidades de estudo individual e social para a melhoria do controlo da HTA em Portugal.

Palavras‐chave:
Hipertensão arterial
Família
Graffar
Medicamento
Risco cardiovascular
Controlo
Anti‐inflamatórios não esteroides
Abstract
Objectives

To compare clinical characteristics, medical activity, and family and social characteristics of individuals with controlled and uncontrolled hypertension.

Methods

This was an observational study on an alphabetically organized randomized sample of individuals suffering from hypertension in a primary care setting followed by 25 general practitioners at three clinics in the Central region of Portugal in mid‐2018. Electronic medical records of individuals with an ICPC‐2 classification of hypertension were analyzed. Epidemiologic, family, social and therapeutic data were gathered for descriptive and inferential analysis.

Results

From a total population of 8750 patients classified as having hypertension, a representative sample of 387 individuals (n=369 required for a 95% confidence interval and 5% error margin) was studied. The incidence of uncontrolled hypertension was 56.1%, significantly higher among those living alone (p=00.24) or in a nuclear family (p=0.011), in lower socioeconomic classes (p=0.018), and prescribed anti‐inflammatory drugs (p=0.018). The calculated cardiovascular risk was no higher for uncontrolled hypertension (p=0.116). Therapeutic inertia was not found either in number of medicines or in their association (p=0.274). No other studied variables showed a significant difference. Binary logistic regression revealed that living alone or in a nuclear family, and in a family with low socioeconomic level, were associated with uncontrolled hypertension, this model representing 9.6% of the likelihood of having uncontrolled hypertension.

Conclusions

Medical activity in general practice and other settings should, in the light of these findings, ally therapeutic competencies with knowledge gained from studying individual, family and social characteristics in order to improve blood pressure control.

Keywords:
Hypertension
Family
Graffar
Medicines: Cardiovascular risk
Control
Non‐steroidal anti‐inflammatory drugs
Texto Completo
Introdução

Os eventos cardiocerebrovasculares são a primeira causa de morte a nível mundial, tendo, em 2015, representado 31% (17,7 milhões) do número total de mortes.1–3. A sua principal causa é a hipertensão arterial (HTA), constituindo, por isso, o maior fator de risco global de mortalidade1–3.

O tratamento da HTA, inclusive a HTA de grau I, diminui as complicações associadas, nomeadamente o enfarte agudo do miocárdio (EAM), o acidente vascular cerebral (AVC) e as insuficiências cardíaca e renal (IC e IR) 4,5. É, por isso, recomendação da maioria das linhas de orientação internacionais que a pressão arterial (PA) alvo seja inferior a 140/90mmHg.6,7. Uma recente revisão sistemática e meta‐análise confirma‐o em redução do número de eventos cardiovasculares e em mortalidade, acrescentando que objetivos inferiores a 140mmHg de pressão sistólica não reduzem a mortalidade ou eventos cardiovasculares major em prevenção primária. Apenas em prevenção secundária, objetivos inferiores a 140mmHg reduzem risco de doença coronária, ainda que sem redução da mortalidade8.

Nos países da Europa Ocidental, verifica‐se uma diminuição da PA sistólica média, mantendo‐se, ainda assim, superior à da América do Norte9. Como país de referência, o Canadá apresentou, em 2013, um controlo da hipertensão (valores de PA <140/90mmHg) de 68% e uma redução significativa da mortalidade e hospitalização resultantes da doença cardiovascular10. Em Portugal, estudos recentes apontam para uma prevalência que varia entre 29,1 e os 42,2% e conhecimento de sofrer de HTA, ter tratamento e existir maior controlo, de 2003 para 2012, ainda que o controlo se mantenha insatisfatório, variando de 33,9% para 42,5%11–13.

Vários fatores estão em causa no controlo da HTA, sendo de destacar os fisiopatológicos, os farmacológicos, os de adesão e manutenção em terapêutica e os de eventual inércia terapêutica. Muitas características individuais e clínicas podem influenciar as causas anteriores, como a sociodemografia, a obesidade, a história de depressão, o perfil/cronologia terapêutica, a existência de lesão órgão‐alvo ou outras doenças associadas. Vários fatores associam‐se a pior controlo, tais como o sexo masculino, havendo nele mais precoce desenvolvimento de HTA, menores habilitações literárias14,15, estado civil sem parceiro14,16, família sem filho17 e baixo ou médio estatuto socioeconómico medido pelo Índice de Graffar14,15,17,18. A obesidade, medida pelo índice de massa corporal (IMC) com valores superiores a 30 Kg/m2, tem sido também associada a mau controlo12,14,19,20. Este facto é atribuído à associação com síndrome de apneia dispneia obstrutiva do sono e à elevação do nível plasmático de aldosterona em proporção com o aumento do IMC21. A obesidade central, ou visceral, será causa de HTA pela ação da S100 calcium‐binding protein B (S100B) associando‐se, de forma independente, ao aparecimento de HTA, o mesmo não acontecendo com a adiposidade subcutânea22,23. A obesidade abdominal pode ser empiricamente avaliada pela medição do perímetro peri‐umbilical6.

Existe também associação entre risco cardiovascular elevado e HTA mal controlada20. A lesão órgão alvo é associada a mau controlo18, ainda que, em estudo recente na população portuguesa, se tenha verificado o oposto, sendo este efeito atribuído ao aumento da consciência do problema e manutenção em terapêutica por parte do doente e da maior vigilância terapêutica por parte do médico24. A creatinina sanguínea e a taxa de filtração glomerular (TFG) elevadas estão associadas a fraco controlo da PA e a HTA resistente19,25,26. A HTA mal controlada pode ser tanto causa de lesão renal e descida da TFG, como consequência por aumento da expansão do volume e aumento da resistência vascular sistémica.

O número elevado de problemas crónicos (multimorbilidade) tem sido associado a menor inércia terapêutica e a melhor controlo da HTA14,27. De igual modo a depressão psicológica é associada a mau controlo em vários estudos14,28,29, podendo alguns medicamentos antidepressores ser causa de HTA30. Sabe‐se que um número mais elevado de medicamentos anti‐hipertensores aumenta a eficácia e é indicador de menor inércia terapêutica estando associados a melhor controlo12,14,27. Relativamente à terapêutica, uma recente revisão sistemática e meta‐análise revela que não existem diferenças significativas de efetividade entre os principais grupos de anti‐hipertensores à exceção da inferioridade dos medicamentos alfa e betabloqueadores31. A HTA resistente à terapêutica é também importante, devendo haver o cuidado de saber qual a carga terapêutica e a sua qualidade, sendo definida para terapêutica com pelo menos três medicamentos em dose adequada, sendo um dos princípios ativos um diurético6.

A cronoterapia com pelo menos um medicamento anti‐hipertensor tomado à noite tem tido cada vez mais evidência de melhoria do controlo da HTA e sobretudo da morbilidade e mortalidade a prazo24,32. Os anti‐inflamatórios não esteroides (AINEs) são conhecidos agentes farmacológicos com grande potencial de interagir com medicação anti‐hipertensora, diminuindo o seu efeito. A sua toma concomitante é por isso fator de mau controlo21,24.

Apesar do conhecimento já acima adquirido em investigação, quase todos os trabalhos referem a necessidade de estudos mais robustos para o conhecimento de como melhor intervir, sendo assim necessário conhecer e compreender a distribuição destas variáveis em Portugal, para que se atinja maior proporção de controlo da HTA. Pode colocar‐se a hipótese de que as particularidades nacionais, sociais e políticas têm influência significativa no padrão da população mal controlada.

É objetivo deste trabalho verificar como as características acima identificadas se aplicam à nossa população e identificar quais os fatores de prioritária intervenção na população hipertensa não controlada. Estes permitirão melhorar a compreensão do fenómeno e o desenvolvimento de táticas, eventualmente personalizadas, para a estratégia do controlo.

Metodologia

Estudo observacional transversal, em amostra aleatória, ordenada alfabeticamente, representativa e com reposição, estudando‐se o caso imediatamente anterior e depois o imediatamente posterior da listagem em caso de ausência de dados quanto a pressão arterial, no programa de HTA do sistema informático SClínico. A população estudada é a seguida em cuidados primários de saúde por 25 médicos especialistas em medicina geral e familiar de três unidades de saúde familiar no ACES Baixo Mondego, cada uma em seu concelho, USF Topázio, Coimbra, USF Fernando Namora, Condeixa, e UCSP Penacova, Penacova. O trabalho de recolha de dados foi realizado em julho e agosto de 2018, pela análise dos registos em processos clínicos informáticos referentes ao segundo semestre de 2017 e ao primeiro semestre de 2018, após obtenção de homologação do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro – IP, de parecer positivo da Comissão de Ética da ARS do Centro e das coordenações de cada unidade. A tarefa foi realizada por investigador médico, trabalhando em cada unidade e com capacidade ética e profissional para a realizar.

Foi estudada a população de pessoas com os códigos de hipertensão arterial (K85, K86 e K87) da International Classification for Primary Care – 2 (ICPC 2)33, maior de 18 anos e não sofrendo de diabetes nem de gravidez no período em estudo, para um intervalo de confiança de 95%, com margem de erro de 5%, sendo as listagens para seleção elaboradas por consultas de MIMUF por ordem alfabética. Após o cálculo do tamanho amostral foi feita a determinação proporcional da amostra a estudar em cada unidade de saúde.

Recolheram‐se os seguintes dados registados em SClínico:

  • Média da pressão arterial sistólica e diastólica das duas últimas medições da PA em 2017 e das duas últimas em 2018, efetuadas em consultório, a partir do que se verificou o controlo em função de PA < 140/90mmHg e não controlo para valores superiores ou para HTA sistólica com apenas TA sistólica > 140mmHg. Os dados colhidos foram obtidos quer por leitura por enfermagem quer por médico com aparelhos que nos não foram revelados;

  • Sexo;

  • Idade em anos definindo‐se os grupos etários: 18 aos 49 anos inclusive, dos 50 aos 64 anos inclusive, e superior ou igual a 65 anos;

  • Habilitações literárias registadas: grupo formação académica baixa (analfabetismo, ensino primário, ensino básico) e grupo formação académica elevada (ensino secundário e ensino superior);

  • Estado civil: grupo acompanhado (casado ou em união de facto) e grupo isolado (solteiro ou divorciado ou viúvo);

  • Constituição do agregado familiar registado: família nuclear, alargada e reconstruída;

  • Nível socioeconómico pelo Índice de Graffar34, classificação social internacional somatório de um conjunto de cinco critérios – profissão, nível de instrução, fontes de rendimento familiar, conforto do alojamento e aspeto do bairro onde habita. A pontuação permite a classificação em Classe I (famílias cuja soma de pontos vai de 5 a 9), Classe II (famílias cuja soma de pontos vai de 10 a 13), Classe III (famílias cuja soma de pontos vai de 14 a 17), Classe IV (famílias cuja soma de pontos vai de 18 a 21) e Classe V (famílias cuja soma de pontos vai de 22 a 25), sendo a classe V a mais elevada em pontuação, correspondendo a pior nível socioeconómico. Na nossa análise definimos 3 níveis: baixo (I e II) intermédio (III) e alto (IV e V);

  • IMC e perímetro umbilical, segundo as medidas constantes em ficha de HTA do S Clínico, definindo‐se obesidade para valores > 30Kg/m2 e obesidade central pelo perímetro umbilical superior a 94cm no homem e 80cm na mulher6;

  • Risco cardiovascular automaticamente calculado pelo programa SClínico em função de valores de pressão arterial, valores de colesterol total e colesterol HDL, sexo, idade e existência de diagnóstico de tabagismo, considerando‐se elevado acima dos 5% a 10 anos6;

  • Existência de lesão em órgão‐alvo no programa SClínico de HTA: AVC/acidente vascular transitório, doença renal e ateromatose;

  • Existência de outra patologia associada no programa SClínico de HTA: EAM, doença coronária, doença vascular periférica (DVP) e nefropatia;

  • TFG (ml/min/1,73m2), automaticamente calculada em função de peso, idade e valor introduzido de creatinina sanguínea (fórmula Cockcroft‐Gault), avalia o estádio de doença renal crónica com que definimos dois grupos: menor ou igual a 60 e maior ou igual 61;

  • Número de problemas crónicos ativos registados pelo médico em função da classificação ICPC2;

  • Diagnóstico ativo ou antecedentes de depressão pela classificação em problema crónicos segundo a ICPC2;

  • Medicamentos anti‐hipertensores pela sua denominação comum internacional: quantos e quais os grupos farmacológicos de anti‐hipertensores assinalados segundo a Classificação Farmacoterapêutica Portuguesa: diuréticos, betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da enzima conversora da angiotensina, antagonistas dos recetores tipo 1da angiotensina 2 e outros;

  • Prescrição com cronoterapia noturna verificada nas prescrições efetuadas na PEM (Prescrição Eletrónica de Medicamentos);

  • Prescrição associada de AINE por pelo menos duas vezes, excluídos acido acetilsalicílico de 100 ou 150mg;

Foi realizada estatística descritiva e inferencial, esta com recurso aos testes χ2 para variáveis nominais, U de Mann‐Whitney e Kruskall‐Wallis para variáveis ordinais e numéricas de distribuição não normal e regressão logística binária pelo modo enter para as variáveis com diferença significativa entre controlo e não controlo da HTA. Foi definido o valor de p < 0,05 para significância estatística.

Resultados

Universo de 8750 pessoas com a classificação ICPC2 de hipertensão arterial, sendo 1283 na USF Topázio, Coimbra, 2063 em USF Fernando Namora, Condeixa, e 4409 na UCSP de Penacova. Para uma margem de erro de 5% e um intervalo de confiança de 95%, o tamanho amostral calculado foi de 369 pessoas que distribuímos proporcionalmente pelo universo cabendo assim a cada unidade 80, 90 e 217, respetivamente.

Segundo a Tabela 1, estudámos uma população maioritariamente masculina, com idade superior a 65 anos, com habilitações académicas «baixas», vivendo sobretudo em família nuclear, com casamento, estando a classificação socioeconómica particularmente em família de classe baixa ou média baixa. Verificámos que a situação de não controlo de HTA (56,1%) da amostra é significativamente mais frequente em quem vive só, vive em família nuclear pertence a grupo etário mais avançado, nas situações de mais baixa classificação social, com obesidade e com prescrição concomitante de AINE Tabela 2.

Tabela 1.

Descrição das variáveis na população com hipertensão arterial controlada e não controlada

Variável    Controladon (%)  Não Controladon (%) 
Sexo  Masculino  99 (58,2)  109 (50,2)  0,071 
  Feminino  71 (41,8)  108 (49,8)   
  35 a 49 anos  15 (8,8)  15 (6,9)   
Grupo etário  50 a 64 anos  7 (33,5)  83 (38,2)  0,737 
  Igual ou maior a 65 anos       
    98 (57,6)  119 (54,8)   
Grupo habilitações académicas  Baixo  114 (84,7)  194 (89,4)  0,111 
  Elevado  26 (15,3)  23 (10,6)   
  Casado ou junto  135 (79,4)  152 (70,0)   
Estado civil  Solteiro ou divorciado ou viuvez      0,024 
    35 (20,6)  65 (30,0)   
Tipo de família  Nuclear  126 (87,5)  187 (94,9)  0,012 
  Alargada  18 (12,5)  10 (5,1)   
  Baixo (I‐II)  33 (22,6)  22 (11,9)   
Graffar  Intermédio (III)  28 (19,2)  30 (14,9)  0,018 
  Alto (IV‐V)  85 (58,2)  150 (74,3)   
Lesão em órgão alvo  Sim  36 (9,3)  43 (11,1)  0,995 
Outra patologia associada  Sim  33 (8,5)  35 (9,0)  0,925 
Obesidade (IMC > 30Kg/m2)    41 (24,3)  73 (33,6)  0,029 
Obesidade central (♂ > 94cms e ♀ > 80cms)    134 (84,8)  178 (86,0)  0,432 
Risco cardiovascular ≥ 5% a 10 anos dos 40 aos 65 anos    2 (4,3)  7 (9,2)  0,268 
Diagnóstico de depressão  Sim  37(21,8)  58 (26,7)  0,157 
TFG ≤ 60ml/min    29 (17,5)  25 (11,7)  0,072 
  57 (34,3)  66 (31,4)   
  76 (45,8)  100 (47,6)   
Terapêutica em associação  27 (16,3)  30 (14,3)  0,274 
  4 (2,4)  14 (6,5)   
  ≥5  1 (0,6)  5 (2,3)   
Número de medicamentos antihipertensores por pessoa    1,9±0,82  2,0±1,0  0,481 
Cronoterapia prescrita  Sim  52 (30,8)  60 (27,6)  0,288 
AINE com exceção de 100 ou 150mg AAS(*)  Sim  41 (24,3)  75 (34,6)  0,018 
    média±?  média±?   
IMC(**)    28,0±3,9  28,7±4,4  0,101 
PPU (***)    98,1±10,8  97,7±13,0  0,668 
RCV dos 40 aos 65 anos (¥)    1,9±1,4  2,5±2,9  0,116 
TFG (£)    92,1±32,7  93,6±32,4  0,712 
Número de problemas crónicos de saude (ICPC2)    7,9±4,4  7,5±4,1  0,612 

(*) AINE, anti‐inflamatório não esteroide; AAS, ácido acetilsalicílico;

(**) IMC, índice de massa corporal;

(***) PPU, perímetro periumbilical;

(¥) RCV, risco cardiovascular;

(£) TFG, taxa de filtração glomerular.

Tabela 2.

Classes farmacoterapêuticas anti‐hipertensoras

Classe farmacoterapêutica  Controlado n (%)  Não controlado n (%) 
Diurético  74 (25,9)  55 (17,2) 
Betabloqueador  35 (12,2)  48 (15,0) 
Bloqueador de canais de cálcio  53 (18,5)  41 (12,8) 
Inibidor de enzima de conversão da angiotensina  78 (27,2)  102 (31,9) 
Antagonistas dos recetores de tipo 1da angiotensina 2  40 (14,0)  58 (18,1) 
Outros  6 (2,1)  16 (5,0) 

p = 0,481.

É de realçar, quanto à terapêutica farmacológica, que, sem diferença significativa, a inércia terapêutica não se verifica em número de associações nem em número médio de medicamentos, apesar de, para associação de quatro ou mais medicamentos anti‐hipertensores, verificarmos nos controlados n = 5 (3,0%) e nos não controlados n = 19 (8,9%) Tabela 3.

Tabela 3.

Regressão logística binária com o método enter

Variáveis na equação
                95% C.I. para EXP(B)
    E.P.  Wald  gl  Sig.  Exp(B)  Inferior  Superior 
  Estado civil  ‐0,767  0,299  6,595  0,010  0,465  0,259  0,834 
Passo 1ª  Grupo Graffar  ‐ 0,487  0,161  9,125  0,003  0,614  0,448  0,843 
  Família nuclear versus as restantes  1,051  0,426  6,101  0,014  2,861  1,242  6,590 
  Constante  0,700  0,685  1,045  0,307  2,014     

Variável(is) inserida(s) no passo 1: estado civil, grupo Graffar, família nuclear versus as restantes.

A obesidade em função do IMC associa‐se a um significativo maior valor de PPU (105,8 ± 15,2 versus 94,5 ± 8,4, p < 0,001), o mesmo se não verificando quanto à obesidade central pelo perímetro umbilical. O risco cardiovascular para valores elevados (≥ 5% a 10 anos) tem pequena expressão epidemiológica, mas é significativamente mais frequente nos não controlados.

Verifica‐se menor prescrição de diuréticos e bloqueadores de canais de cálcio nos não controlados, sendo neles mais frequente a prescrição de medicamentos que atuam no sistema renina‐angiotensina‐aldosterona. É de realçar que as classes terapêuticas não sistema renina‐angiotensina‐aldosterona representam nos controlados 58,7% e nos não controlados 50,0%. É de 18,4% a proporção de HTA resistente (hipertensos medicados com três fármacos em dose adequada, entre os quais um diurético) no grupo do não controlo de HTA, sendo de 5,0% a proporção dos medicados com mais que três medicamentos com ou sem controlo da HTA.

Em função das variáveis com diferença significativa entre controlo e não controlo da HTA, realizou‐se regressão logística binária, que revelou que se mantêm no modelo viver só, pertencer a famílias com mais baixa classificação social e viver em família nuclear, excluindo a regressão logística binária, as variáveis prescrição de anti‐inflamatórios não esteroides e obesidade pelo índice de massa corporal. Este modelo tem R quadrado Cox & Snell de 0,071 e R quadrado Nagelkerke de 0,096, representando 9,6% da responsabilidade de não haver controlo.

Discussão

Num estudo em amostra multicêntrica em medicina geral e familiar, aleatória e com reposição, percebem‐se diferenças significativas para algumas variáveis de carácter social e de atividade médica.

Estudámos apenas os instrumentos e os valores registados nos processos clínicos eletrónicos. Não controlámos o cumprimento das regras de bem medir a pressão arterial6,35. Outros dados, mensuráveis por instrumentos de colheita apenas realizável por entrevista ou preenchimento de questionário, como a adesão à terapêutica, a manutenção em terapêutica, os medos e os receios quanto aos medicamentos, o conhecimento sobre a HTA, a capacitação e o empoderamento, ou seja, a responsabilização da pessoa que sofre de HTA pela sua situação com assunção de responsabilidades na definição das medidas terapêuticas, não estão no ambiente do programa SClínico e podem ser a chave para que a frequência de controlo possa aumentar.

Neste estudo a frequência de controlo de HTA é de 43,9%, comparando com os 35,6% de relatório da Direção Geral da Saúde de Portugal em 2014 e com os 42,5% de estudo em 2015.12,13

Quanto a lesão em órgão alvo e a outra patologia associada à HTA (prevalências de 20,4% e de 17,6%), notamos mais elevada e não significativa prevalência nos não controlados, corroborando achados de outros estudos4,5,18, mas divergindo de anterior estudo feito em apenas dois ficheiros clínicos numa população de 972 pessoas sofrendo de HTA, e na qual foram estudadas 201 pessoas em que se percebe que lesão em órgão alvo e outra patologia associada à HTA têm uma prevalência de 17,4% e de 27,9%, pode colocar‐se a questão da qualidade das classificações realizadas pelos médicos titulares dos ficheiros clínicos24.

Não estudámos a mortalidade por HTA por tais casos não constarem das listagens de pessoas com seguimento ativo nos ficheiros de MGF e ou por não terem sido selecionados.

Evidencia‐se não significativo pior controlo nas pessoas com mais baixos níveis académicos, 63,0% versus 47,0%, nos de maior nível académico, tal como a literatura refere14,15. Quanto às variáveis de carácter social, a existência de diferenças significativas para estado civil, mais frequente o não controlo para solteiros/divorciados ou viúvos, para tipo de família, mais frequente o não controlo em famílias nucleares e índice de Graffar, mais frequente o não controlo em classes sociais mais baixas, tal como é já conhecido14–16,18. Os nossos resultados confirmam assim o que outros estudos detetaram em trabalhos sem metodologia de aleatorização.

A obesidade, medida pelo índice de massa corporal (IMC) (> 30 Kg/m2), tem sido também associado a mau controlo12,14,19,20. Neste estudo, para o IMC em média tal não se verifica, mas ao considerarmos o critério obesidade para IMC > 30Kg/m2 tal já se verifica. A obesidade visceral medida, empiricamente, pelo perímetro periumbilical médio, não tem diferença significativa entre controlados e não controlados, mas é significativamente maior na obesidade segundo o IMC, corroborando‐se assim o que outros estudos e linhas de orientação referem22,23.

Para os casos entre os 40 e os 65 anos verifica‐se risco cardiovascular médio não significativamente mais elevado quando a HTA não está controlada, estando de acordo com o já conhecido6,20, o mesmo se verificando quando consideramos o limite de corte de 5% a 10 anos e que neste estudo tem diferença significativa entre controlados e não controlados, apesar de tal excesso de risco ser pouco prevalente, talvez pela medicação anti‐hipertensora e outra, que aqui não considerámos. O risco cardiovascular elevado deverá alertar os médicos para intensificação mais precoce da intervenção e terapêutica, servindo ao mesmo tempo para uma melhor perspetivação do problema por quem sofre de HTA.

A depressão, neste estudo com uma prevalência global de 24,6%, evidencia maior frequência, embora não significativa, no grupo não controlado 26,7% contra 21,7% no grupo controlado, assim também se verificando o já descrito em vários estudos14,28,29. Apenas estudámos a associação entre as duas entidades, e não a causalidade de uma em relação à outra. No entanto, aquando de depressão que tem diagnóstico após o de HTA existem recomendações para o uso criterioso de antidepressores.30

A creatinina e a taxa de filtração glomerular (TFG) não aparecem como significativamente associadas ao não controlo, o que poderá dever‐se a vários fatores, dentre eles a terapêutica maioritariamente realizada com medicamentos que atuam no eixo renina‐angiotensina‐aldosterona, assim contrariando outros estudos19,25,26 e que pode explicar, parcialmente, os resultados encontrados.

O número elevado de problemas crónicos simultâneos (multimorbilidade) tem sido associado a menor inércia terapêutica e a melhor controlo da HTA14,27, mas no presente trabalho tal não fica evidenciado, devendo ser registado que estudámos os problemas crónicos, registados e geridos pelos médicos detentores dos ficheiros clínicos, assim podendo haver um viés de informação.

A cronoterapia com pelo menos um medicamento anti‐hipertensor, tomada à noite, não tem no nosso estudo diferença significativa, apesar de se verificar ser pouco frequente, sobretudo nas pessoas com HTA não controlada, sendo assim necessário aproveitar as vantagens descritas para a sua realização24,32.

Quanto à atividade terapêutica farmacológica médica, verifica‐se maior prescrição de medicamentos na HTA não controlada, embora não significativa, quer em associações terapêuticas quer em número médio de medicamentos por pessoa que sofre de HTA. É de realçar que, sem diferença significativa, a prescrição de diuréticos e de bloqueador de canais de cálcio é mais frequente em quem tem a HTA controlada, sendo mais frequente nos não controlados a prescrição de betabloqueadores, Inibidores de enzima de conversão da angiotensina, de antagonistas dos recetores de tipo 1da angiotensina 2 e de outros, como a rilmenidina e mesmo a alfa‐metildopa. Tal pode resultar de haver 3% de pessoas sofrendo de HTA com pelo menos quatro medicamentos anti‐hipertensores prescritos em simultâneo contra 8,8% nos não controlados com a mesma carga terapêutica.

No entanto, a utilização de medicamentos anti‐inflamatórios não esteroides, que não caracterizámos se específicos da Cox 2, é significativamente superior na situação de não controlo. É sabido terem efeito hipertensor36 e serem muito prescritos em Portugal, aumentando o seu uso com a idade, que propicia o aparecimento de patologia osteoarticular que nem sempre será inflamatória.37–39

O ambiente descrito implica forçosamente que as explicações para o controlo da HTA possam não estar já no domínio estrito da atividade médica de terapêutica farmacológica, mas sim no âmbito da atividade que a medicina geral e familiar deve privilegiar e que é o do conhecimento dos determinantes sociais para o não controlo. De facto, o modelo explicativo coloca de fora a obesidade e a prescrição de anti‐inflamatórios não esteroides, centrando‐se em variáveis de carácter social que o médico não consegue alterar, mas que podem e devem propiciar uma intervenção diferente, fazendo, por exemplo, apelo a outras profissões da saúde que se encontram conexas com a medicina geral e familiar no contexto dos cuidados primários de saúde, como terapeutas ocupacionais, promotores de atividade física, nutricionistas e mesmo assistentes sociais.

Sendo, de facto, necessária a assunção de medidas que não apenas farmacológicas, será indispensável que existam apoios no quotidiano para uma mudança no paradigma de vida com mais atividade física, melhor alimentação e outros hábitos higiénicos de vida.

A regressão logística binária excluiu as variáveis prescrição de anti‐inflamatórios não esteroides e obesidade pelo índice de massa corporal, percebendo‐se a importância dos fatores sociais na situação de não controlo da HTA.

Passam a necessitar de pesquisa ativa para o melhor resultado a partir deste estudo questões como: Quem cozinha em casa? Onde faz as refeições? Qual a capacidade para assumir novos padrões alimentares? Quais os melhores apoios na família e na sociedade para a atividade física? Qual o conhecimento sobre o que é a HTA? Qual a motivação para realizar e manter a terapêutica farmacológica e não farmacológica? Qual é a preparação da sociedade para novos hábitos? Qual a preparação das nossas urbes para a atividade física?

E passa a ser importante e porventura determinante a existência de expedito acesso a instrumentos de recolha de dados quanto à avaliação do indivíduo, da família, de componentes sociais e da sua relação com a HTA, dentro do programa de HTA do SClínico.

Por estas razões advoga‐se a necessidade de estudos em cohorte quer histórica quer prospetiva que venham a dar resposta cabal aos nossos resultados.

Este trabalho tem a considerar vieses como o facto de os dados terem sido colhidos por quatro observadores distintos e o de a introdução de dados no ambiente clínico ser dependente do médico responsável pelo ficheiro, mesmo que a melhoria de tal atividade possa pensar‐se estar a ser realizada para cumprimento de indicadores de atividade40. Como ponto positivo deve considerar‐se ter sido realizado em amostra aleatória e representativa do universo.

Conclusão

Verifica‐se que existem significativas diferenças entre controlo e não controlo da hipertensão arterial para variáveis sociais como o tipo de família – viver só –, o mais baixo nível social, a obesidade pelo IMC e a prescrição em simultâneo de anti‐inflamatórios não esteroides. Sem significado o risco cardiovascular para as populações entre os 40 e os 65 anos é maior nos não controlados. A atividade médica no ambiente de medicina geral e familiar e não só deve assim aliar as competências terapêuticas com as habilidades de controlo individual e social para a melhoria do controlo da HTA em Portugal. Com base nas características da amostra estudada e pela forma como foi obtida, sendo representativa do universo de 8750 doentes, os resultados são generalizáveis à população portuguesa.

Financiamento

Este estudo foi realizado sem recurso a fontes de financiamento, tendo sido inteiramente suportado pelo autores em tempo dedicado às várias tarefas necessárias, fora do seu horário normal de trabalho.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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