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Vol. 38. Núm. 10.
Páginas 689-690 (outubro 2019)
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Perscrutando a bola de cristal
Looking into the crystal ball
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Armando L. Bordalo e Sá
Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa
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Quem acompanhou a implantação das unidades coronárias, por exemplo de uma UTIC‐Arsénio Cordeiro, cujo cinquentenário foi devidamente comemorado este ano (2019), sabe que, a par do tratamento das arritmias ventriculares malignas, a grande inovação foi o estabelecimento do prognóstico do enfarte agudo do miocárdio (EAM) mercê da utilização da classificação de Killip e Kimball (KK)1. De facto, em 1967, Thomas Killip III e John T. Kimball, apoiando‐se numa experiência de dois anos com 250 doentes, estabeleceram um score de risco de mortalidade por enfarte em quatro classes, com base na presença de falência ventricular esquerda, que ia então desde os 2% na classe I até aos ominosos 90% no choque cardiogénico, a classe IV. Apesar de muitos outros scores terem entretanto aparecido, a classificação de KK perdura até hoje e é a que é utilizada numa nova ferramenta para a previsão da mortalidade hospitalar por EAM, proposta por Joel Ponte Monteiro et al., do Hospital Dr. Nélio Mendonça, no Funchal, Madeira2.

Num estudo prospetivo, unicêntrico, com avaliação de 1504 doentes consecutivos admitidos com EAM, os autores desenvolveram um score de acordo com a seguinte fórmula: Classificação de KK x Idade x Frequência cardíaca/Pressão arterial sistólica, ou, em inglês, KK class x Age x Heart rate/systolic blood pressure, donde o (excelente) acrónimo KAsH. Evitando a pré‐categorização, o KAsH integra a totalidade dos valores de cada variável, permitindo a sua aplicação como um verdadeiro score contínuo, como acentuam os autores.

Os cut‐offs foram ajustados para simplificar o seu uso e a sua memorização, de forma a cada grupo KAsH corresponder a um grupo de risco. Assim, KAsH 1 (< 40) corresponde a baixo risco, onde se situam mais de 50% dos doentes com EAM, com uma mortalidade de 1%; KAsH 2 (40‐90), compreendendo 27% dos doentes, tem médio risco com uma mortalidade de 8%; KAsH 3 (90‐190), 15% dos doentes têm alto risco alto risco, mortalidade de 20%; e, finalmente, KAsH 4 (> 190), apenas 4% dos doentes são de risco muito alto com uma mortalidade de 55%. No estudo, o KAsH deteve uma excelente capacidade predizente, significativamente superior à classificação de KK (AUC: KAsH 0,839 versus KK 0,775, p <0,0001).

Portanto, o artigo KAsH: A new tool to predict in‐hospital mortality in patients with myocardial infarction apresenta um novo score que revela melhor capacidade preditiva e discriminativa de mortalidade hospitalar que os scores existentes.

O trabalho lida com uma base de dados coligida entre 2009 e 2016, cruzando a informação recolhida, e validado em 95,7% da população.

Impressiona o facto de se ter chegado a um ovo de Colombo. Duma forma tão simples, com uma avaliação qualitativa à entrada do doente, de quatro parâmetros imediatos e objetivos, se descobrir uma fórmula que é mais precisa do que os outros scores existentes, independentemente da sua complexidade, na determinação do prognóstico do EAM. A bola de cristal da determinação do prognóstico do EAM ficará assim mais transparente.

Claro que, como os reconhecem os próprios autores, será necessário testar este score noutras populações de doentes antes de ser admitido como válido. Também para a sua divulgação será preciso existir um grupo de influência que o adote e o sustente. Até lá nada obsta a que o vamos experimentando nos doentes que diariamente nos chegam.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
T. Killip III, J.T. Kimball.
Treatment of myocardial infarction in a coronary care unit. A two year experience with 250 patients.
Am J Cardiol, 20 (1967), pp. 457-464
[2]
J.P. Monteiro, R.C. Rodrigues, M. Neto, et al.
KAsH: a new tool to predict in‐hospital mortality in patients with myocardial infarction.
Rev Port Cardiol, 38 (2019),
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