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Vol. 40. Núm. 6.
Páginas 409-419 (junho 2021)
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Vol. 40. Núm. 6.
Páginas 409-419 (junho 2021)
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Os custos da aterosclerose em Portugal
Atherosclerosis: The cost of illness in Portugal
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João Costaa,b,c, Joana Alarcãoa, Alexandre Amaral‐Silvad,e, Francisco Araújof, Raquel Ascençãoa,g,h, Daniel Caldeirab,c,h, Marta Ferreira Cardosoa,
Autor para correspondência
marta.cardoso@medicina.ulisboa.pt

Autor para correspondência.
, Manuel Correiai,j, Francesca Fiorentinoa, Cristina Gavinak,l, Victor Gilm,n,o, Miguel Gouveiap, Francisco Lourençoa, Alberto Mello e Silvaq, Luís Mendes Pedroh,r,s, João Moraist, António Vaz‐Carneiroa,u, Manuel Teixeira Veríssimov,w, Margarida Borgesa,b,x
a Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
b Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
c Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
d Unidade de AVC, Unidade de Neurologia, Hospital Vila Franca de Xira, Vila Franca de Xira, Portugal
e Serviço de Neurologia, Hospitais CUF Descobertas, CUF Santarém e CUF Torres Vedras, Portugal
f Serviço de Medicina, Hospital Beatriz Ângelo, Loures, Portugal
g Instituto de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
h Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa e Centro Académico de Medicina de Lisboa, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
i Serviço de Neurologia, Centro Hospitalar Universitário do Porto, Porto, Portugal
j Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal
k Serviço de Cardiologia, Hospital Pedro Hispano, Unidade Local de Saúde de Matosinhos, Matosinhos, Portugal
l Unidade de Investigação Cardiovascular, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal
m Unidade Cardiovascular, Hospital dos Lusíadas, Lisboa, Portugal
n Departamento de Medicina, Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
o Departamento de Medicina, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal
p Católica Lisbon School of Business and Economics, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal
q Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, Lisboa, Portugal
r Serviço de Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Lisboa, Portugal
s Clínica Universitária de Cirurgia Vascular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
t Serviço de Cardiologia, Centro Hospitalar de Leiria, Leiria, Portugal
u Instituto de Saúde Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
v Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
w Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
x Unidade de Farmacologia Clínica, Centro Hospitalar Lisboa Central EPE, Lisboa, Portugal
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Tabelas (8)
Tabela 1. Estimativas de prevalência de DCI, AVC e DAP em Portugal Continental (2016)
Tabela 2. Custos de internamento (identificados na BDMH, 2016)
Tabela 3. Custos de ambulatório hospitalar (identificados na BDMH, 2016)
Tabela 4. Custos de ambulatório hospitalar (não associados a um código GDH)
Tabela 5. Custos de ambulatório nos CSP (com base no SIARS 2016)
Tabela 6. Custo médio por doente com aterosclerose (com base no SIARS 2016)
Tabela 7. Custos indiretos com a aterosclerose (Portugal Continental, 2016)
Tabela 8. Custos totais devidos à aterosclerose (Portugal Continental, 2016)
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Material adicional (1)
Resumo
Introdução e objetivos

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em Portugal, sendo a aterosclerose o processo fisiopatológico subjacente mais comum. O objetivo deste estudo foi quantificar o impacto económico da aterosclerose em Portugal através da estimação dos custos associados.

Métodos

A estimativa dos custos foi realizada na ótica da prevalência e na perspetiva da sociedade. A prevalência das principais manifestações focais da aterosclerose foi estimada com recurso a três fontes epidemiológicas nacionais. O custo anual da aterosclerose incluiu custos diretos (consumos de recursos) e indiretos (impacto na produtividade da população). Estes custos foram estimados para o ano de 2016 com base nos dados da Base de Dados de Morbilidade Hospitalar, do Sistema de Informação da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo que integra informação da prática clínica real em ambiente de cuidados de saúde primários e do Inquérito Nacional de Saúde de 2014 e na opinião de peritos.

Resultados

O custo da aterosclerose em 2016 totalizou cerca de 1,9 mil milhões de euros (58% e 42% correspondendo a custos diretos e indiretos, respetivamente). A maior parte dos custos diretos esteve associada aos cuidados de saúde primários (55%), seguindo‐se o ambulatório hospitalar (27%) e, por último, os episódios de internamento (18%). Os custos indiretos foram principalmente determinados pela não participação no mercado de trabalho (91%).

Conclusões

A aterosclerose apresenta um importante impacto económico, correspondendo a uma despesa equivalente a 1% do Produto Interno Bruto nacional e a 11% da despesa corrente em saúde, em 2016.

Palavras‐chave:
Aterosclerose
Custo da doença
Custos de cuidados de saúde
Custos diretos
Custos indiretos
Portugal
Abstract
Introduction and objectives

Cardiovascular disease is the leading cause of death in Portugal and atherosclerosis is the most common underlying pathophysiological process. The aim of this study was to quantify the economic impact of atherosclerosis in Portugal by estimating disease‐related costs.

Methods

Costs were estimated based on a prevalence approach and following a societal perspective. Three national epidemiological sources were used to estimate the prevalence of the main clinical manifestations of atherosclerosis. The annual costs of atherosclerosis included both direct costs (resource consumption) and indirect costs (impact on population productivity). These costs were estimated for 2016, based on data from the Hospital Morbidity Database, the health care database (SIARS) of the Regional Health Administration of Lisbon and Tagus Valley including real‐world data from primary care, the 2014 National Health Interview Survey, and expert opinion.

Results

The total cost of atherosclerosis in 2016 reached 1.9 billion euros (58% and 42% of which was direct and indirect costs, respectively). Most of the direct costs were associated with primary care (55%), followed by hospital outpatient care (27%) and hospitalizations (18%). Indirect costs were mainly driven by early exit from the labor force (91%).

Conclusions

Atherosclerosis has a major economic impact, being responsible for health expenditure equivalent to 1% of Portuguese gross domestic product and 11% of current health expenditure in 2016.

Keywords:
Atherosclerosis
Cost of illness
Health care costs
Direct costs
Indirect costs
Portugal
Texto Completo
Introdução

A aterosclerose é uma doença das artérias elásticas (de grande e médio calibre) e das artérias musculares, caracterizada, sob o ponto de vista anatomopatológico, por lesões com aspeto de placas, designadas de ateromas1. A aterosclerose pode apresentar manifestações clínicas diversas consoante o território arterial afetado, destacando‐se a doença cardíaca isquémica (DCI), a doença cerebrovascular isquémica (DCVI) e a doença arterial periférica (DAP)1. Estas manifestações integram o grupo das doenças cardiovasculares, as quais persistem como a principal causa de morte a nível mundial2, na Europa3 e em Portugal (29,4% do total de óbitos em 2017)4. Para além da elevada mortalidade relacionada com as manifestações focais de aterosclerose, é igualmente conhecida a significativa morbilidade associada5. Neste contexto, a aterosclerose tem um elevado impacto na saúde individual e populacional, o qual, por sua vez, é expectável que determine, a nível económico, um consumo significativo de recursos, não só para a abordagem terapêutica da doença aterosclerótica estabelecida, mas também para a prevenção da doença. O objetivo do presente estudo foi estimar os custos da aterosclerose em Portugal Continental, de forma a quantificar o seu impacto económico na ótica do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Métodos

A população em análise consistiu na população residente em Portugal Continental com idade igual ou superior a 18 anos. A análise dos custos foi realizada com base na prevalência da doença, isto é, nos custos associados à aterosclerose especificamente durante o ano de 2016 (ano mais recente para o qual estavam disponíveis dados à data do estudo). A perspetiva adotada foi a da sociedade, com consideração dos custos diretos (consumos de recursos) e indiretos (impacto na produtividade da população) associados à doença. As manifestações da aterosclerose foram consideradas individualmente dado estarem associadas a diferentes impactos económico e social: DCI (enfarte agudo do miocárdio [EAM], doença coronária crónica e insuficiência cardíaca isquémica [ICI]), DCVI (acidente vascular cerebral [AVC] isquémico) e DAP.

Prevalência

Para a estimativa da prevalência das manifestações clínicas de aterosclerose consideraram‐se os dados do Inquérito Nacional de Saúde (INS) de 20146, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística, em colaboração com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, o estudo observacional da autoria de Menezes et al. (2009)7 e o estudo Epidemiologia da Insuficiência Cardíaca e Aprendizagem (EPICA)8.

No INS 2014, a resposta afirmativa à questão se nos últimos 12 meses sofreu de alguma das seguintes condições: “Enfarte do miocárdio (ou ataque cardíaco) ou de consequências crónicas de um enfarte do miocárdio”, “Doença coronária ou angina de peito” ou “AVC ou de consequências crónicas de um AVC”, foi utilizada para estimar as taxas de prevalência auto‐reportada de, respetivamente, EAM, doença coronária crónica e AVC6. Para calcular a prevalência do AVC isquémico, considerámos que 83% dos casos de AVC são de natureza isquémica, com base na distribuição dos casos de AVC na BDMH para o ano de 2016.

O estudo de Menezes et al. (2009), foi utilizado como fonte para a prevalência de DAP bem como a proporção de casos sintomáticos. Este estudo teve como objetivo determinar a prevalência de DAP na população portuguesa e avaliar a sua relação com características demográficas e antropométricas, fatores de risco e sintomatologia em portadores e não portadores de DAP. A informação foi recolhida através de um questionário. Foram incluídos 5731 indivíduos no Continente com idade superior a 50 anos (critério de inclusão). O diagnóstico da presença de DAP foi obtido pela medição do índice tornozelo‐braço7.

Relativamente à ICI, a prevalência foi estimada com base no estudo EPICA considerando os doentes com IC e suspeita de doença coronária8. De forma conservadora, incluiu‐se apenas a ICI classes New York Heart Association (NYHA) II‐IV, à semelhança do considerado previamente pelos autores do presente estudo aquando da estimativa do custo e carga da insuficiência cardíaca em Portugal9,10.

A prevalência considerada para cada manifestação clínica em 2016 resultou da aplicação das taxas de prevalência (por célula demográfica) obtidas através das fontes originais referidas acima, à população de Portugal Continental nesse ano11.

Custos diretos

Os custos diretos considerados neste estudo incluíram os custos médicos, nomeadamente custos com internamento e ambulatório (incluindo aqueles gerados em regime de ambulatório hospitalar e nos cuidados de saúde primários [CSP]) e os custos não médicos, nomeadamente custos com transportes.

Custos de internamento

Para estimar o consumo de recursos gerado pela aterosclerose em regime de internamento foi utilizada a Base de Dados de Morbilidade Hospitalar (BDMH) referente ao ano de 2016, facultada pela Administração Central do Sistema de Saúde, I.P.12.

A identificação dos episódios de internamento na BDMH foi realizada com recurso às revisões número 9 e 10 da Classificação Internacional das Doenças (International Classification of Diseases9th revision, Clinical Modification [ICD‐9‐CM] e International Classification of Diseases 10th revision, Clinical Modification [ICD‐10‐CM]). No caso da DCI (EAM e doença coronária crónica) e DCVI, consideraram‐se todos os episódios que apresentassem como diagnóstico principal (DDX1) os códigos ICD‐9‐CM e ICD‐10‐CM referentes à secção “Ischemic heart diseases” e a diagnósticos de etiologia isquémica da secção “Cerebrovascular diseases”, respetivamente. No que diz respeito à DAP, os casos foram identificados através dos códigos ICD‐9‐CM publicados por Agarwal et al.13 e pelo Global Burden of Disease 201514. A Tabela S1 (Material Suplementar) resume os códigos ICD‐9‐CM e ICD‐10‐CM utilizados na identificação dos internamentos.

O custo do internamento gerado por DCI (EAM e doença coronária crónica), DCVI e DAP foi calculado pela soma dos custos dos episódios identificados nos microdados da BDMH. Para cada episódio foi utilizado o preço definido pela Portaria n.° 234/2015 de 7 de agosto refletindo, por conseguinte, as diferentes regras para o seu cálculo (nas quais se inclui a severidade do episódio, entre outras).

No caso da ICI, aplicou‐se ao custo de internamento por insuficiência cardíaca previamente estimado pelos autores9 a proporção da prevalência isquémica nas classes NYHA II a IV, que, de acordo com o estudo EPICA, corresponde a 36%8. De notar que o custo de internamento por ICI inclui, no caso dos episódios de internamento identificados com o procedimento “Transplante cardíaco”, as verbas a atribuir aos estabelecimentos públicos ou privados autorizados a realizarem atos de colheita e transplante, de acordo com o Despacho n.° 7215/2015 (18.018,62 € por episódio).

Custos de ambulatório hospitalar

A BDMH foi também utilizada para a identificação dos episódios de ambulatório hospitalar que implicam codificação por GDH, utilizando para o efeito os códigos ICD‐9‐CM e ICD‐10‐CM já referidos (Tabela S1). O custo destes episódios foi calculado de acordo com a metodologia descrita para os custos de internamento.

Para estimar outros consumos (médicos e não médicos) em regime de ambulatório hospitalar que não são associados a um código GDH, e consequentemente não integram a BDMH, recorreu‐se à opinião de peritos (elicitação). Os onze peritos, selecionados de forma a garantir representatividade regional, responderam de forma independente a questões específicas sobre o padrão de consumo de cuidados médicos nacionais (consultas, meios complementares de diagnóstico e terapêutica [MCDT, incluindo tratamentos de medicina física e reabilitação], produtos de apoio e respostas sociais) através do envio de um questionário por correio eletrónico. As respostas foram analisadas tendo‐se utilizado as médias simples dos valores das respostas, excluindo‐se eventuais outliers com recurso à média aparada, uma precaução necessária quando há reporte de valores muito distantes dos outros.

Desta forma foi possível determinar o consumo médio por doente utilizador do ambulatório hospitalar. A partir destes dados, estimou‐se o número de deslocações urgentes (transporte para o serviço de urgência [SU]) e não urgentes (transporte para consultas médicas) requeridas neste contexto.

Os recursos de saúde foram valorizados aos preços disponíveis nas Portarias n.° 254/2018 e n° 353/2017. O custo do transporte de doentes foi obtido na publicação da Nova Healthcare Initiative – Research para as despesas de transporte suportadas pelo doente quando se dirige ao hospital15. O custo total de cada manifestação correspondeu ao custo médio por doente multiplicado pela prevalência de cada doença e considerando a proporção de doentes que é acompanhada no ambulatório hospitalar (apurada pelo painel de peritos).

Custos de ambulatório nos CSP

Para a estimativa do consumo de recursos nos CSP, foi realizado um estudo transversal, por consulta do Sistema de Informação da Administração Regional de Saúde (SIARS) da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. (ARSLVT)16. O SIARS pode ser entendido como um repositório de dados administrativos e clínico‐demográficos provenientes dos utilizadores das Unidades de Saúde de uma determinada região. No ano de 2016, o SIARS da ARSLVT registou dados de 1 879 705 utilizadores com idade igual ou superior a 18 anos. A Tabela S2 (Material Suplementar) apresenta os critérios de seleção utilizados para identificar a subpopulação do SIARS relevante para efeitos do apuramento dos consumos relacionados com a aterosclerose. O estudo realizado no SIARS permitiu determinar o número de consultas e MCDT (relevantes para o contexto cardiovascular, excluindo a realização de tratamentos de medicina física e de reabilitação) e aferir diretamente o custo dos medicamentos consumidos em ambulatório e faturados à ARSLVT por doente com aterosclerose, independentemente do local de prescrição (CSP, ambulatório hospitalar ou entidades privadas). Por este motivo, assumiu‐se que estes dados refletiriam o consumo de medicamentos em ambulatório por doentes com aterosclerose. Contudo, trata‐se de uma abordagem conservadora, uma vez que não são contabilizados os consumos de medicamentos dos doentes seguidos apenas em ambulatório hospitalar. A partir dos dados do SIARS, foi também estimado o número de deslocações não urgentes requeridas no contexto dos CSP (transporte para consultas médicas). O custo apurado nos CSP da ARSLVT foi extrapolado para Portugal Continental multiplicando os valores por 2,6 (rácio entre o total de adultos residentes em Portugal Continental em 2016 e o número de adultos inscritos na ARSLVT).

Os custos unitários basearam‐se nas fontes previamente citadas para a valorização do consumo de recursos no ambulatório hospitalar. As Tabelas S3 a S8 (Material suplementar) descrevem todos os custos unitários utilizados neste estudo.

Custos indiretos

Os custos indiretos considerados neste estudo foram apenas os associados à perda de produtividade devido a doença (excluindo as perdas de produção devidas a morte prematura). Para obter uma estimativa destes custos, calculou‐se de que forma a aterosclerose, nas suas principais manifestações focais, afeta o absenteísmo dos doentes empregados e a não participação no mercado de trabalho, por exemplo, devido a reformas precoces por incapacidade de longo prazo.

Para efeitos da estimativa do absenteísmo e da não participação no mercado de trabalho por EAM, doença coronária crónica ou AVC consideraram‐se os micro‐dados do INS 2014. Para estimar o absenteísmo, foram calculadas as taxas de emprego na população com idade inferior a 65 anos com EAM (39,2% dos homens e 15,9% das mulheres), doença coronária crónica (53,8% dos homens e 35,3% das mulheres) ou AVC (40,5% dos homens e 33,9% das mulheres). Para aferir a não participação no mercado de trabalho, estimou‐se o impacto destas doenças através da diferença entre a taxa de emprego dos indivíduos com história auto‐reportada de EAM, doença coronária crónica ou AVC com menos de 65 anos e a taxa de emprego da população sem o evento, com a mesma distribuição por sexo e grupo etário. Este decréscimo foi estimado em 21% nos homens e 35% nas mulheres para o EAM, em 7% nos homens e 20% nas mulheres para a doença coronária crónica, e em 23% nos homens e 19% nas mulheres para o AVC. Considerou‐se o AVC como um proxy do AVC isquémico.

A IC e a DAP não fazem parte das doenças auto‐reportadas pelos doentes no INS. Assim, cada uma das três classes NYHA da ICI (II a IV) foi considerada de forma distinta, tendo os doentes entre os 25 e os 65 anos sido distribuídos por cada uma destas classes, de acordo com o estudo EPICA. Relativamente à classe IV, não se identificaram doentes com idade entre os 25 e os 65 anos, pelo que estes doentes não contribuíram para a estimativa dos custos indiretos. No caso dos doentes com ICI classe III da NYHA (22%), considerou‐se que a não participação no mercado de trabalho e a taxa de emprego para efeitos de absenteísmo seriam semelhantes aos dos doentes com história de EAM. No caso dos doentes com ICI classe II da NYHA (71%), de forma conservadora, considerou‐se que não haveria diferenças na participação no mercado de trabalho face à população em geral (76,0% nos homens e 69,9% nas mulheres). As taxas de emprego para a população em geral foram obtidas com recurso a estatísticas de emprego do Instituto Nacional de Estatística (3.° trimestre de 2018)17. No caso da DAP, assumiu‐se, também de forma conservadora, que não haveria diferenças na participação no mercado de trabalho, face à população em geral.

Em relação ao absenteísmo, consideraram‐se dois motivos distintos: ausências ao trabalho devido a consultas, realização de MCDT e idas ao SU (sem internamento), ou devido ao internamento e convalescença. Assumiu‐se que, por cada consulta (independentemente da especialidade), realização de MCDT e idas ao SU (sem internamento), o doente perde, respetivamente, metade, um quarto ou o dia completo de trabalho. No que diz respeito ao tempo perdido por internamento/convalescença, considerou‐se que o tempo de convalescença era de igual duração ao período de internamento.

O valor monetário correspondente à perda de produção foi calculado através da produtividade média dos trabalhadores, estimada a partir dos encargos das empresas com os trabalhadores, seguindo a teoria do Capital Humano18. Quanto ao ganho médio anual em Portugal Continental, considerou‐se o valor mensal médio indicado pelo Boletim Estatístico de novembro de 2018 publicado pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social (1.266,3 € nos homens e 1.011,2 € nas mulheres)19, acrescido da contribuição patronal para a Segurança Social (23,75%) e multiplicado por 14 pagamentos de forma a incluir os subsídios de férias e Natal. Para a estimativa da produtividade diária perdida por absenteísmo devido a consultas e exames, dividiu‐se o salário médio anual por 230 (correspondente ao número de dias úteis por ano, dado que as consultas e exames apenas ocorrem nestes dias). Foram consideradas apenas as idas ao SU ocorridas durante o período laboral, que se estimou representarem 50% do total de episódios de urgência, com base no padrão nacional de afluência ao SU por todas as causas20. No caso do absenteísmo relacionado com o internamento/convalescença, o salário médio anual foi divido por 365 (dado que o internamento/convalescença pode ocorrer em qualquer dia da semana). A Tabela S9 (Material Suplementar) resume a informação utilizada para o cálculo dos custos indiretos relacionados com a perda de produtividade por absenteísmo nos doentes com aterosclerose.

ResultadosPrevalência

A Tabela 1 apresenta as estimativas de prevalência para as diferentes manifestações clínicas de aterosclerose obtidas para Portugal Continental (2016)11, de acordo com as fontes nacionais utilizadas.

Tabela 1.

Estimativas de prevalência de DCI, AVC e DAP em Portugal Continental (2016)

  EAM  DCC  ICI  AVC  DAP 
INS 20146  151 678a  375 278 a  NR  164 829b  NR 
Menezes et al. 20097  NR  NR  NR  ‐  248 093c 
EPICA 20028  NR  NR  91 046d  NR  NR 
a

No total, 449 084 indivíduos auto‐reportaram DCI (EAM ou DCC)

b

Inclui AVC hemorrágico e isquémico. Foi considerado que 83% corresponderia a AVC isquémico, de acordo com a distribuição na Base de Dados de Morbilidade Hospitalar.

c

Para efeito do presente estudo foram apenas considerados os casos sintomáticos, correspondendo a 62%.

d

Inclui apenas ICI classe New York Heart Association classe II‐IV.

AVC, acidente vascular cerebral; DAP, doença arterial periférica; DCI, doença cardíaca isquémica; DCC, doença coronária crónica; INS, Inquérito Nacional de Saúde; NR, não reportado.

Com base nestas diferentes fontes, estimou‐se uma prevalência global de aterosclerose sintomática equivalente a 742 709 adultos em Portugal Continental. Esta prevalência é inferior à soma da prevalência das diferentes manifestações da aterosclerose, porque em alguns doentes coexistem diferentes manifestações clínicas da aterosclerose.

Custos diretosCustos de internamento e ambulatório hospitalar

A análise da BDMH 2016, recorrendo aos códigos definidos na Tabela S1, permitiu identificar 54 813 episódios de internamento por DCI, DCVI e DAP, a que acrescem 12 809 episódios por ICI9. O conjunto destes episódios de internamento correspondeu a um custo total de 199.471.561 € no ano de 2016 (Tabela 2).

Tabela 2.

Custos de internamento (identificados na BDMH, 2016)

  N° episódios  Custo médio por episódio  Custo totalc 
DCIa  23 125  3009 €  69 574 908 € 
ICIb  12 809  3270 €  41 891 362 € 
DCVI  24 863  2491 €  61 940 359 € 
DAP  6825  3819 €  26 064 932 € 
Aterosclerose  67 622  ‐  199 471 561 € 

BDMH, Base de Dados de Morbilidade Hospitalar; DCI, doença cardíaca isquémica; ICI, Insuficiência cardíaca isquémica; DCVI, doença cerebrovascular isquémica; DAP, doença arterial periférica.

a

Inclui as manifestações de DCI exceto ICI.

b

Número de episódios e custos por ICI já anteriormente estimado pelos autores9. Ao custo dos episódios de internamento identificados com o procedimento “Transplante cardíaco” adicionaram‐se as verbas a atribuir aos estabelecimentos públicos ou privados autorizados a realizarem atos de colheita e transplante, de acordo com o Despacho n.° 7215/2015 (18.018,62 € por episódio).

c

O valor do custo médio por episódio apresenta‐se arredondado à unidade.

Fonte: BDMH 2016 e Portaria n° 234/2015, de 7 de agosto.

Relativamente aos custos de ambulatório hospitalar, a análise da BDMH 2016 permitiu identificar 7596 episódios de ambulatório hospitalar, aos quais se adicionaram 224 episódios de ICI9. O custo total estimado do conjunto destes episódios de ambulatório hospitalar foi 9.960.966 €, no ano de 2016 (Tabela 3).

Tabela 3.

Custos de ambulatório hospitalar (identificados na BDMH, 2016)

  N.° de episódios  Custo médio por episódio  Custo total 
DCIa  7397  1230 €  9 095 144 € 
ICIb  224  1359 €  304 267 € 
DCVI  2723 €  16 341 € 
DAP  193  2825 €  545 214 € 
Aterosclerose  7820  ‐  9 960 966 € 
a

Inclui as manifestações de DCI exceto ICI.

b

Número de episódios e custos por ICI já anteriormente estimado pelos autores9.

BDMH, Base de Dados de Morbilidade Hospitalar; DCI, doença cardíaca isquémica; ICI, insuficiência cardíaca isquémica; DCVI, doença cerebrovascular isquémica; DAP, doença arterial periférica.

Fonte: BDMH 2016 e Portaria n° 234/2015, de 7 de agosto.

Os restantes custos em ambulatório hospitalar foram estimados com base nos padrões de consumo de cuidados de saúde definidos pelo painel de onze peritos e respetivos custos unitários. Estes custos incluem as urgências sem internamento, os MCDT efetuados durante o seguimento hospitalar (e não incluídos nos episódios de ambulatório identificados na BDMH), como, por exemplo, análises laboratoriais ou exames para avaliação da função cardíaca, bem como as consultas realizadas. Ao custo de ambulatório assim estimado, foi somado o custo relacionado com a deslocação para a realização de consultas.

O consumo de medicamentos, e respetivo custo, foi estimado através da consulta direta à base de dados SIARS, pelo que estes custos não foram incluídos nesta rubrica, mas na seguinte (relativa aos custos de ambulatório nos CSP).

A Tabela 4 resume os custos de ambulatório hospitalar adicionais aos contabilizados diretamente através da BDMH 2016. O custo total de cada manifestação corresponde ao custo médio por doente multiplicado pela prevalência de cada manifestação de aterosclerose e considerando a proporção de doentes que é acompanhada em ambulatório hospitalar. Esta última proporção corresponde à percentagem de doentes com consulta hospitalar apurada pelo painel de onze peritos. O custo médio mais elevado da DCVI deve‐se aos encargos com medicina física e de reabilitação.

Tabela 4.

Custos de ambulatório hospitalar (não associados a um código GDH)

  Prevalência seguida em ambulatório hospitalara  Custo médio por doenteb  Custo total 
EAM  101 252  320 €  32 433 356 € 
Doença coronária crónica  159 493  220 €  35 052 149 € 
ICI  40 912  556 €  22 754 011 € 
DCVI  83 239  2303 €  191 689 919 € 
DAP  71 666  631 €  45 202 787 € 
Total      289 049 959 €c 

GDH, grupos de diagnóstico homogéneo; EAM, enfarte agudo do miocárdio; ICI, insuficiência cardíaca isquémica; DCVI, doença cerebrovascular isquémica; DAP, doença arterial periférica.

a

Estimada pelo painel de peritos.

b

Inclui o custo de transporte.

c

O valor é inferior à soma dos custos de cada manifestação porque inclui a possibilidade do mesmo indivíduo apresentar múltiplas manifestações clínicas de aterosclerose. Assumiu‐se que o custo de um doente com mais do que uma manifestação clínica corresponde ao custo mais elevado de entre as várias manifestações que apresenta.

Fonte: Painel de peritos e Portaria n.° 254/2018 de 7 de agosto.

No caso do custo total de ambulatório hospitalar não associado a um código GDH (289.049.959 € no ano de 2016; Tabela 4), o valor é inferior à soma dos custos de cada manifestação, porque um indivíduo pode apresentar múltiplas manifestações clínicas de aterosclerose. Assumiu‐se que o custo de um doente com mais do que uma manifestação clínica corresponde ao custo mais elevado de entre as várias manifestações que apresenta.

Custos de ambulatório nos CSP

O estudo transversal realizado na base de dados SIARS identificou um total de 318 692 doentes com aterosclerose utilizadores dos CSP da ARSLVT em 2016, ao qual esteve associado um custo total estimado de 210 686 792 € nesse ano. A Tabela 5 resume a distribuição deste custo de acordo com as diferentes valências consideradas (consultas, MCDT e medicamentos) e distingue‐o para doença pré‐clínica e estabelecida. Os custos apresentados com medicamentos incluem todos os consumos realizados em ambulatório (mesmo os referentes a prescrições em ambulatório hospitalar).

Tabela 5.

Custos de ambulatório nos CSP (com base no SIARS 2016)

  ARSLVTCusto total em Portugal Continental 
  Custo doença pré‐clínicaa  Custo doença estabelecida  Custo total   
Consultas  22 822 931 €  49 699 638 €  72 522 569 €  191 321 071 € 
MCDT  9 072 780 €  15 304 659 €  24 377 439 €  64 309 880 € 
Medicamentos  34 650 644 €  79 136 321 €  113 786 965 €  300 180 264 € 
Total  66 546 355 €  144 140 618 €  210 686 793 €  555 811 214 € 

CSP, cuidados de saúde primários; SIARS, Sistema de Informação da Administração Regional de Saúde; ARSLVT, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P.; MCDT, meios complementares de diagnóstico e terapêutica.

a

doença pré‐clínica definida como presença de ≥ 3 fatores de risco em doentes sem registo de diagnóstico de manifestações de aterosclerose e sem dispensa de medicação antiagregante ou específica para a DAP (ver Tabela S2). Esta população correspondeu a 34% da amostra de doentes identificados no SIARS.

Considerando o número identificado no SIARS de doentes com doença pré‐clínica e com doença estabelecida (diagnóstico de uma das três principais manifestações de aterosclerose), obteve‐se, a título informativo, o custo médio para os dois tipos de doente (Tabela 6). O custo médio estimado por doente foi 12,6% superior nos doentes com doença estabelecida. Entre as manifestações da aterosclerose, a DCI apresentou um maior custo por doente, o qual se deveu sobretudo ao custo com medicação.

Tabela 6.

Custo médio por doente com aterosclerose (com base no SIARS 2016)

  Custo médio por doente 
Doentes com manifestações clínicas  687 € 
DCI  808 € 
DCV  695 € 
DAP  788 € 
Doentes sem manifestações clínicas  610 € 

CSP, cuidados de saúde primários; SIARS, Sistema de Informação da Administração Regional de Saúde; ARSLV, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P.; DCI, doença cardíaca isquémica; DCV, doença cerebrovascular; DAP, doença arterial periférica.

Fonte: estimativa dos autores de acordo com os dados recolhidos na base de dados SIARS (2016).

Ao custo total em Portugal Continental associado ao consumo de recursos nos CSP (555.811.214 €) foi somado o custo relacionado com a deslocação para a realização ou prestação de consultas (59.790.304 €).

No total, os custos diretos com a aterosclerose em Portugal Continental no ano de 2016 corresponderam a cerca de 1,1 mil milhões de euros.

Custos indiretos

Os custos indiretos com a aterosclerose em Portugal Continental no ano de 2016 totalizaram 810.812.882 €, sendo 91% devidos à «não participação» no mercado de trabalho e os restantes 9% atribuídos ao absenteísmo decorrente de consultas, MCDT, urgências sem internamento, internamentos e convalescenças. A Tabela 7 detalha a estrutura dos custos indiretos considerados.

Tabela 7.

Custos indiretos com a aterosclerose (Portugal Continental, 2016)

Custos devidos à «não participação» no mercado de trabalho
  Número de doentes  Custo total 
EAM  12 691  244 820 444 € 
Doença coronária crónica  16 514  301 803 884 € 
ICI  2473  47 061 382 € 
AVC isquémico  8971  176 159 574 € 
DAP  ‐  ‐ 
Subtotal    738.306.327 €c 
Custos por absenteísmo
  Duração (dias)a  Custo total 
Cuidados de saúde primários    27 766 959 € 
Consulta  2,2  15 725 565 € 
MCDT  1,7  12 041 394 € 
Ambulatório hospitalar    36 985 050 € 
EAM  1,9  1 551 412 € 
Doença coronária crónica  2,4  4 097 323 € 
ICI  2,4  1 297 837 € 
AVC isquémico  6,7b  26 838 741 € 
DAP  5,4  4 335 368 € 
Internamento e convalescença    7 754 547 € 
DCI  10,13  1 972 462 € 
ICI  20,26  3 403 248 € 
DAP  29,48  2 378 837 € 
Subtotal    72 506 556 €c 
Total dos custos indiretos    810 812 882 € 

EAM, enfarte agudo do miocárdio; ICI, insuficiência cardíaca isquémica; AVC, acidente vascular cerebral; DAP, doença arterial periférica; MCDT, meios complementares de diagnóstico e terapêutica; DCI, doença cardíaca isquémica.

a

Estimativa dos autores com base no número de consultas, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e episódios de internamento hospitalar.

b

A esta duração acresce o pressuposto que os indivíduos se ausentam ao trabalho durante seis meses após um AVC. Para evitar dupla contagem, não se considerou o absenteísmo por internamento por DCVI.

c

O valor é inferior à soma dos custos de cada manifestação porque inclui a possibilidade do mesmo indivíduo apresentar múltiplas manifestações clínicas de aterosclerose.

Custos totais

A agregação de todos os custos parcelares anteriores resultou numa estimativa de custos totais devidos à aterosclerose, no ano de 2016, de 1.924.896.887 € (Tabela 8).

Tabela 8.

Custos totais devidos à aterosclerose (Portugal Continental, 2016)

  Custo (€)  % do total de custos 
Custos diretos  1 114 084 005  58% 
Episódios de internamento (BDMH)  199 471 561  10% 
Ambulatório hospitalar     
Episódios de ambulatório (BDMH)  9 960 966  1% 
Outros consumosa  289 049 959  15% 
Cuidados de saúde primários  615 601 519  32% 
Custos indiretos  810 812 882  42% 
Não participação no mercado de trabalho  738 306 327  38% 
Absenteísmo  72 506 556  4% 
Total  1 924 896 887   
a

Inclui consultas hospitalares, urgências sem internamento e meios complementares de diagnóstico e terapêutica.

BDMH, Base de Dados de Morbilidade Hospitalar.

Discussão

A aterosclerose é uma doença arterial crónica com reconhecido e importante impacto social pela mortalidade e morbilidade associadas às suas manifestações clínicas. Destas, destacam‐se a DCI, a DCVI e a DAP. O presente estudo teve como objetivo estimar os custos da aterosclerose em Portugal Continental no ano 2016, de forma a quantificar o impacto económico da aterosclerose no contexto português.

Este estudo baseou‐se na ótica da prevalência. Com base nas diferentes fontes de dados nacionais, estimou‐se uma prevalência global de aterosclerose sintomática de 742 709 adultos em Portugal Continental, o que corresponde a cerca de 9% da população. Esta prevalência reflete maioritariamente as manifestações clínicas da aterosclerose que geraram sintomatologia reconhecida pelos doentes. A soma dos custos diretos (58%, maioritariamente relacionados com custos em ambulatório) e indiretos (42%, maioritariamente relacionados com não participação no mercado de trabalho) com a aterosclerose em Portugal Continental, no ano de 2016, representa mais de 1,9 mil milhões de euros, o que equivale a cerca de 1% do Produto Interno Bruto nacional, a 11% da despesa corrente em saúde e a um custo médio anual de 237€ por cada adulto português.

O número de estudos publicados sobre os custos associados à aterosclerose é escasso. Vlayen et al. (2008) realizaram um estudo metodologicamente semelhante ao nosso. Em particular, os autores estimaram o custo das doenças cardiovasculares ateroscleróticas na Bélgica em 200421. Neste estudo, foi estimado separadamente o custo para as ações de prevenção e rastreio, a doença pré‐clínica e a doença estabelecida. Num exercício de comparar os resultados entre os dois estudos, considerámos apenas o custo da doença estabelecida, atendendo a que foi esta a componente que melhor se caracterizou no nosso trabalho, e excluíram‐se os custos de transporte, uma vez que estes não foram contabilizados no estudo belga. O custo total na Bélgica, em 2004, da aterosclerose estabelecida foi estimado em 2,2 mil milhões, correspondendo a 3782 € por cada doente21. Em Portugal, no ano de 2016, um doente com aterosclerose estabelecida custou, em média, 2215 €, ou seja, menos 41% comparativamente ao estudo belga. Considerando a inflação ocorrida no período entre os dois estudos (12 anos) e o poder de compra de cada país, a diferença real entre o custo por doente com aterosclerose estabelecida em Portugal e na Bélgica é ainda mais acentuada. Relativamente à estrutura dos custos totais, os custos diretos apresentaram um peso superior no estudo belga face ao nosso estudo (62% versus 51%, respetivamente). Os internamentos e o ambulatório contribuíram de forma semelhante (aproximadamente 50% cada) para os custos médicos diretos no estudo belga, enquanto, no nosso estudo, o peso relativo do ambulatório (76%) foi três vezes superior ao do internamento (24%), o que poderá refletir diferenças no percurso dos doentes nos dois sistemas de saúde. Nos custos de ambulatório, os custos farmacológicos assumiram a mesma importância relativa no estudo belga e no estudo português (56% e 55%, respetivamente).

Leal et al. (2006) reportaram os custos, na perspetiva da sociedade, das doenças cardiovasculares em cada país da União Europeia (UE) no ano de 200322. O custo total estimado neste estudo para Portugal foi de 1,8 mil milhões €, um valor inferior ao apurado no presente estudo, que apenas se focou na aterosclerose. Para além de questões metodológicas, a diferença temporal entre os dois estudos contribui muito provavelmente para explicar os resultados. No estudo europeu, não foram considerados custos com transporte (correspondente a cerca de 100 milhões de € no presente estudo), mas foi incluído o custo com cuidados informais (equivalente a 392 milhões de €), ao contrário do nosso, o que a acentua a diferença entre as estimativas. Contudo, a distribuição dos custos totais em custos diretos e indiretos foi semelhante nos dois estudos (representando, respetivamente, 55% e 45% em ambos os estudos), com os medicamentos a assumir um peso relativo nos custos médicos diretos muito superior no estudo europeu (52% versus 30% no presente estudo). De referir ainda que o custo per capita, em paridade de poder de compra, estimado no estudo de Leal et al. para a doença cardíaca isquémica, uma das principais manifestações clínicas da aterosclerose, correspondeu a 25 € para Portugal, metade do valor apurado para a média da UE (50 €).

Relativamente aos custos da aterosclerose nos Estados Unidos da América, destacam‐se os resultados do Relatório Anual da American Heart Association para o ano de 202023. Nesta publicação apresenta‐se um resumo da epidemiologia e custos associados à doença cardíaca, AVC e fatores de risco cardiovasculares. Este estudo não disponibiliza dados exclusivamente para a aterosclerose mas antes para o espectro global da doença cardio e cerebrovascular. O custo total da doença cardiovascular e AVC, estimado para 2020, foi de 351,3 mil milhões de dólares (61% devidos a custos diretos e os restantes 39% a custos indiretos por perda de produtividade futura por doença cardiovascular prematura e mortalidade por AVC).

Quer pela escassez de estudos, quer por razões metodológicas e temporais, os resultados reportados neste estudo são difíceis de comparar no contexto contemporâneo nacional. Apesar destas dificuldades, importa salientar que os mesmos autores estimaram, a título de exemplo, o custo da insuficiência cardíaca (405 milhões de € em 2014)9, da diabetes (959 milhões de € em 2008)24, do cancro da mama (309 milhões de € em 2014)25 e do cancro do pulmão de não pequenas células (143 milhões de € em 2012)26 em Portugal. A importância relativa que os valores apurados para a aterosclerose assumem justifica uma reflexão por parte das autoridades de saúde sobre este problema.

Este estudo apresenta naturalmente várias limitações, desde logo resultantes das fontes de dados nacionais disponíveis. Na ausência de uma única fonte de informação que permitisse estimar a prevalência da aterosclerose em Portugal, existiu a necessidade de recorrer a diferentes fontes, como o INS 2014, o estudo EPICA, o estudo Menezes et al., 2009, a BDMH, entre outras. Estas fontes nem sempre originaram estimativas concordantes entre si, o que obrigou a uma seleção da fonte de informação considerada mais representativa da realidade nacional. Não obstante o risco de enviesamento associado a esta seleção, procurámos explicitar as razões das nossas opções e foi possível estimar a prevalência de cada uma das manifestações clínicas da aterosclerose. Adicionalmente, optámos sempre por tomar uma atitude conservadora. Por exemplo, no caso da DCI e AVC existem outras fontes, para além do INS, que disponibilizam dados representativos da realidade nacional. Em particular, o estudo VALSIM, que decorreu entre 2006 e 2007, foi um estudo observacional transversal nacional em que participaram 719 médicos de família que avaliaram 16 856 doentes, tendo sido recolhida informação relativamente ao diagnóstico prévio de DCI (“doença coronária” no original) e AVC (isquémico ou hemorrágico, sem distinção)27,28. Para além de se tratar de uma fonte mais antiga, as estimativas de prevalência de DCI e AVC foram 12% e 25% superiores, respetivamente, às estimadas através do INS 2014. Neste contexto, e não obstante reconhecermos as limitações relacionadas com o auto‐reporte, optámos por considerar o INS 2014 como fonte de informação central para a prevalência de DCI (EAM e doença coronária crónica) e AVC.

As manifestações clínicas da aterosclerose frequentemente coexistem no mesmo doente, dada a natureza sistémica da aterosclerose, tendo sido necessário ajustar a prevalência global da aterosclerose para esta sobreposição. Para este efeito, utilizaram‐se os dados constantes no SIARS, nomeadamente a caracterização clínica dos doentes com aterosclerose utilizadores dos CSP da ARSLVT. No caso particular da doença coronária crónica, não foi possível considerar os dados do SIARS porque o número de casos registados nesta base de dados era proporcionalmente inferior à prevalência estimada a nível nacional (através dos dados do INS). Assim, foi necessário assumir a independência entre a doença coronária crónica e as restantes manifestações clínicas da aterosclerose. Importa assinalar que o pressuposto da independência é o método mais commumente utilizado na literatura, inclusivamente para este tipo de doenças em que a independência da probabilidade das doenças é clinicamente implausível2.

Em relação ao consumo de recursos em ambulatório nos CSP, importa assinalar que, apesar de terem sido utilizados dados de vida real, estes poderão não ser representativos da realidade nacional, na medida em que apenas foi possível consultar o SIARS de uma das cinco Administrações Regionais de Saúde (ARSLVT).

Outra limitação adicional do estudo é a ausência de uma base de dados com informação sobre o ambulatório hospitalar, nomeadamente os cuidados de saúde que não geram GDH. Esta lacuna de informação foi preenchida com a realização de um painel de peritos. Pese embora o painel tenha sido diversificado em termos regionais e de especialidade médica, o apurado neste painel pode não representar a totalidade da prática clínica nacional.

Conclusão

Os resultados deste estudo documentam a relevância da aterosclerose no contexto nacional. Do ponto de vista do impacto nos recursos económicos, o custo da aterosclerose representou, em Portugal Continental, no ano de 2016, 1% do Produto Interno Bruto nacional e 11% da despesa corrente em saúde.

Conflitos de interesse

Este estudo foi financiado por um unrestricted grant da Bayer Portugal, SA, não tendo o financiamento sido condicional à natureza dos resultados, que são da exclusiva responsabilidade dos autores. AAS recebeu honorários, financiamento ou suporte não financeiro por serviços de consultoria e palestras em sessões científicas das empresas Bayer Portugal, Ferrer e Bial; FA recebeu honorários ou financiamento por serviços de consultoria, palestras em sessões científicas ou bolsas de investigação das empresas AstraZeneca, Bayer, Bial, Daiichi Sankyo, Ferrer, Jaba Recordati e Merck Sharp & Dhome; DC recebeu honorários, financiamento ou suporte não financeiro pela participação em reuniões educacionais e/ou conferências ou simpósios (incluindo deslocações, alojamento e hospitalidade) das empresas Bristol Myers Squibb, Bayer, Boehringer Ingelheim, Daiichi Sankyo, Merck Serono, Ferrer, Pfizer, Novartis e Roche; CG recebeu honorários por serviços de consultoria ou palestras em sessões científicas das empresas Amgen, AstraZeneca, Bayer, Merck Sharp & Dhome; VG recebeu honorários, financiamento ou suporte não financeiro das empresas Bayer, AstraZeneca, Daiichi Sankyo, Amgen, Novartis e Boehringer Ingelheim; AMS recebeu honorários, financiamento ou suporte não financeiro por serviços de consultoria, palestras em sessões científicas ou bolsas de investigação/deslocação das empresas Amgen, Bayer, Daiichi Sankyo, Jaba Recordati, Menarini, Mylan, Novartis e Tecnimede; LMP recebeu honorários, financiamento ou suporte não financeiro por palestras em sessões científicas das empresas Bayer e Ferrer; JM recebeu honorários por atividades de aconselhamento e palestras em reuniões científicas das empresas Bayer Portugal, AstraZeneca, Servier, Novartis, Merck Sharp & Dhome, Menarini, Amgen, bem como financiamento para projetos científicos das empresas Novartis, Bristol Myers Squibb, Boehringer Ingelheim e Ferrer; MTV recebeu honorários por palestras em sessões científicas das empresas Tecnimede, Meda Pharma, Merck Sharp & Dhome, Bayer e Amgen; MC declara não ter qualquer conflito de interesse relativo ao trabalho em questão; JC, JA, RA, MFC, FL, AVC e MB são membros do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Este centro de investigação dedica‐se à educação pré e pós‐graduada e, desde 2002, realizou diversos projetos de investigação clínica, epidemiológica e farmacoeconómica, que receberam unrestricted grants de mais de 20 empresas farmacêuticas, incluindo a Bayer Portugal SA; FF era membro do CEMBE à data da realização do presente estudo; MG participou em vários projetos de investigação farmacoeconómica que receberam unresctricted grants de várias empresas farmacêuticas, incluindo a Bayer Portugal SA. Nenhum dos autores é responsável por patentes pedidas ou conferidas nesta área terapêutica.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer à ARSLVT por ter possibilitado o acesso a informação imprescindível para a realização deste estudo, nomeadamente o acesso aos dados constantes no SIARS.

Gostaríamos também de agradecer à Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., pelo acesso à BDMH.

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