O tromboembolismo pulmonar (TEP) é uma entidade relativamente frequente no contexto de urgência hospitalar, com uma elevada taxa de mortalidade e morbilidade quando não tratado precocemente, continuando a representar um desafio diagnóstico na prática clínica diária, sendo a sua apresentação clínica nem sempre esclarecedora, especialmente no contexto agudo1. A mortalidade de doentes por TEP nos quais o diagnóstico não é efetuado tem sido reportada como sendo quatro a seis vezes superior à dos doentes identificados e adequadamente tratados (mortalidade intra‐hospitalar de 6‐8% versus mortalidade global TEP não tratado 25‐30%)2,3.
A maior dificuldade no tratamento eficaz do TEP reside no seu diagnóstico atempado. A apresentação clínica por vezes impercetível de TEP maciço, a necessidade da utilização de diversas técnicas de diagnóstico e a não existência de um exame gold standard de fácil acesso e interpretação, são algumas das causas que explicam a dificuldade conhecida e o desafio no diagnóstico.
No último Congresso Europeu de Cardiologia foram apresentadas as mais recentes Guidelines no diagnóstico e manejo do TEP da Sociedade Europeia de Cardiologia. O documento sucede as duas Guidelines anteriores publicadas em 2000 e 2008 e, entre outros pontos, pretende focar na otimização do diagnóstico e tratamento do TEP.
Muito importante, nos casos mais graves, a oclusão do leito arterial pulmonar por um trombo pode provocar falência ventricular direita aguda que, embora potencialmente reversível, poderá ser fatal. Estando a estratégia terapêutica dependente da apresentação clínica, é fulcral a restauração imediata do fluxo sanguíneo através das artérias pulmonares obstruídas nos doentes hemodinamicamente instáveis. Os testes laboratoriais de rotina utilizados (radiografia do tórax, eletrocardiograma, análise do gás arterial) estão frequentemente alterados no TEP sendo o seu valor preditivo positivo e negativo para o diagnóstico de embolismo pulmonar, baixo.
Como tem sido reportado previamente, os doentes com evidência ecocardiográfica com falência cardíaca direita e aumento das pressões de enchimento têm um risco de mortalidade duplamente acrescido devido ao TEP3,4. Na literatura, a prevalência de disfunção do ventrículo direito (VD) por ecocardiografia varia de 30‐50%5. Apesar da complexa geometria e subsequente dificuldade na avaliação da função sistólica e diastólica, é fulcral compreender os mecanismos que conduzem à sua falência pois é uma das causas principais de morte prematura nestes doentes6,7.
Neste número da revista, Selcuk et al.8 apresenta um elegante estudo intitulado «The Value of the Isovolumetric Acceleration Time in the Evaluation of the Right Ventricular Function in Acute Pulmonary Embolism», tendo sido realizado em 15 doentes com TEP agudo (idade média 60,6±11,3 anos), e um grupo de controlo (60,3±11,5), onde foram avaliados em dois tempos diferentes índices ecocardiográficos para a avaliação da função ventricular direita. Embora o universo de doentes seja relativamente reduzido, este estudo é um bom exemplo de introdução precoce e refletida da ecocardiografia nas situações agudas de TEP. Apesar de não termos informação suplementar sobre os fatores de risco dos doentes incluídos no estudo, os benefícios e a acessibilidade da técnica são de extrema importância no tratamento precoce destes doentes.
Vários índices ecocardiográficos têm tido um papel importante no TEP, nomeadamente o chamado 60‐60 sign nos casos em que a fração de ejeção do VD está diminuída e na diminuição da contratilidade da parede livre do VD em relação ao ápex (McConnell sign)9–11.
O ponto principal e de mérito no estudo de Selcuk et al. é a chamada de atenção para o papel do tempo de aceleração isovolumétrico (TAIV) no diagnóstico precoce de disfunção ventricular direita, tendo‐se verificado uma redução estatisticamente significativa deste índice, na avaliação de follow‐up após um mês (TAIV=2,0±0,1 no dia do diagnóstico e 2,9±0,1 no final do 1.° mês, p<0,0001).
A atitude criteriosa e especializada na utilização de técnicas de imagem avançadas no contexto agudo e à cabeceira do doente tem contribuído para um crescimento consistente da aplicação da técnica de Doppler tecidular na avaliação da função ventricular direita, nomeadamente o TAIV12, que sendo um índice não afectado pela pré e pós‐carga poderá aumentar a confiança no manejo do TEP agudo e seu diagnóstico5. O seu uso deverá ser seriado, particularmente em situações de maior gravidade clínica e compromisso hemodinâmico, integrando um conjunto de exames de diagnósticos habitualmente utilizados de forma conjunta. Seria potencialmente promissor, a avaliação da curva Receiver Operating Characteristic (ROC) para identificar o melhor cut‐off do TAIV mais adequado para identificar precocemente a disfunção do VD.
A avaliação da função do VD poderá ainda ser complementada pela medição do peptídeo atrial natriurético (BNP)13, que se encontra elevado na presença de aumento das pressões intracardíacas. Também a porção N‐terminal do péptido natriurético tipo B (NT‐proBNP) tem sido identificado como um marcador importante de disfunção ventricular direita14. Adicionalmente, seria de potencial interesse clínico comparar a relação entre a disfunção sistólica do VD por Doppler tecidular e o reflexo funcional da sobrecarga desta câmara, estimada a partir do BNP.
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.