Doentes diabéticos têm um risco de doença cardiovascular duas a quatro vezes superior a não diabéticos. Os objetivos do estudo são: avaliar os efeitos de um programa de reabilitação cardíaca (fase II) em doentes coronários diabéticos e comparar os seus resultados em termos de controlo de fatores de risco cardiovasculares e ganhos na capacidade funcional com doentes coronários não diabéticos.
MétodosEstudo prospetivo integrando doentes com doença cardíaca isquémica orientados para programa de reabilitação cardíaca entre janeiro de 2009 e junho de 2013. Consideraram‐se dois grupos: diabéticos e não diabéticos. Foram avaliados na primeira consulta da fase II e três meses depois, com registo dos seguintes parâmetros: índice de massa corporal, perímetro abdominal, perfil lipídico, hemoglobina glicada e glicose nos diabéticos, pressão arterial, tabagismo, nível de atividade física (através do International Physical Activity Questionnaire) e capacidade funcional (alcançada em prova de esforço).
ResultadosAmostra de 682 doentes (253 diabéticos e 429 não diabéticos). Os diabéticos eram significativamente mais idosos, apresentavam pior perfil de risco cardiovascular (maior prevalência de excesso ponderal, dislipidemia, hipertensão arterial e sedentarismo) e menor capacidade funcional. No final da fase II ocorreu uma melhoria estatisticamente significativa (p <0,05) em todos os fatores de risco e na capacidade funcional, que foi semelhante nos dois grupos com exceção do índice de massa corporal, dos triglicerídeos e da capacidade funcional.
ConclusõesDoentes diabéticos podem beneficiar com um programa de reabilitação cardíaca e alcançar resultados comparáveis a não diabéticos.
Diabetic patients have a 2‐4 times higher risk of cardiovascular disease than non‐diabetic individuals. The aims of this study are to evaluate the effects of a cardiac rehabilitation program (phase II) in patients with diabetes and coronary disease and to compare the results with regard to control of cardiovascular risk factors and improvement in functional capacity with coronary patients without diabetes.
MethodsThis was a prospective study of patients diagnosed with ischemic heart disease referred for a cardiac rehabilitation program between January 2009 and June 2013. The population was divided into two groups: diabetic and non‐diabetic. Patients were assessed at the beginning of phase II and three months later and the following parameters were recorded: body mass index, waist circumference, lipid profile, blood glucose and glycated hemoglobin in diabetic patients, blood pressure, smoking, physical activity level (using the International Physical Activity Questionnaire) and functional capacity (on treadmill stress testing).
ResultsThe study population consisted of 682 patients (253 diabetic and 429 non‐diabetic). Diabetic patients were significantly older, had a worse cardiovascular risk profile (higher prevalence of overweight, dyslipidemia, hypertension and sedentary lifestyle) and lower functional capacity. At the end of phase II, there was a statistically significant improvement (p<0.05) in all risk factors and functional capacity, which was similar in both groups, except for body mass index, triglycerides and functional capacity.
ConclusionsDiabetic patients may benefit from a cardiac rehabilitation program and achieve comparable results to non‐diabetic patients.
Cirurgia de By‐pass Coronário
Colesterol das lipoproteínas de alta densidade
Colesterol das lipoproteínas de baixa densidade
Colesterol total
Doença coronária
Doença cardíaca isquémica
Diabetes mellitus
Desvio Padrão
Fatores de risco cardiovascular
Grupo dos diabéticos
Grupo dos não diabéticos
Hemoglobina glicada
Hipertensão Arterial
Intervenção Coronária Percutânea
Índice de massa corporal
International Physical Activity Questionnaire
Metabolic equivalent
Minutos
Perímetro abdominal
Prova de esforço
Programas de Reabilitação Cardíaca
Síndrome Coronária Aguda
Segundos
Statistical Package for the Social Science
Triglicerídeos
Unidade de Prevenção e Reabilitação Cardiovascular
Os Programas de Reabilitação Cardíaca (PRC) são programas de intervenção multidisciplinar que têm como objetivo possibilitar ao doente alcançar e manter o seu máximo potencial físico e psicossocial1.
Os PRC constituem atualmente uma valiosa opção terapêutica ao proporcionarem múltiplos benefícios, nomeadamente a promoção de estilos de vida saudáveis com controlo de fatores de risco cardiovascular (FRCV), alívio sintomático, otimização da capacidade funcional e diminuição da incidência de novos eventos cardiovasculares, contribuindo para um retorno a uma vida mais produtiva e satisfatória2. Estudos referem uma diminuição na taxa de mortalidade por enfarte do miocárdio de cerca de 25% em doentes submetidos a PRC, relativamente a doentes que não realizam programa3,4. Apesar disso, em Portugal os PRC continuam a ser pouco utilizados e de acordo com dados dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH) de 2007 e do inquérito nacional do Grupo de Estudo de Fisiopatologia do Esforço e Reabilitação Cardíaca (GEFERC) da Sociedade Portuguesa de Cardiologia 2007, a percentagem de doentes com enfarte do miocárdio submetidos a PRC foi de 3%, sendo esta percentagem ainda menor para outras patologias5. Em 2007, Portugal era o penúltimo país da Europa em termos de reabilitação cardíaca, tendo, no entanto, duplicado em relação aos números de 20045.
As indicações clínicas para integração em PRC incluem: síndrome coronária aguda (SCA), angina estável, procedimentos de revascularização como intervenção coronária percutânea (ICP) ou cirurgia de bypass coronário (CABG), cirurgia valvular, insuficiência cardíaca compensada, transplante cardíaco e controlo de FRCV em doentes de elevado risco de doença coronária (DC)1,2.
Os PRC são constituídos por três ou quatro fases (de acordo com as recomendações europeias6 ou americanas7, respetivamente), desde o internamento por evento cardiovascular até ao momento em que o indivíduo se torne totalmente responsável pela manutenção das estratégias educativas.
Os doentes com diabetes mellitus (DM) têm um risco de doença cardiovascular, especialmente DC, duas a quatro vezes superior a não diabéticos e a sua presença duplica a taxa de mortalidade por evento cardiovascular, mesmo após ajustes para outros FRCV8,9.
A Organização Mundial de Saúde declarou a DM como um problema de saúde pública, sendo essencial a promoção de medidas de educação para a saúde, já que a previsão para 2030 é de 366 milhões de diabéticos em todo o mundo10. Em Portugal, 11,7% da população entre os 20 e os 79 anos tem diabetes11.
Apesar da mortalidade por eventos coronários ter diminuído nas últimas décadas na população em geral, consequência do melhor controlo de alguns FRCV e de terapêuticas mais eficazes para a doença cardíaca, tal não se verificou em indivíduos diabéticos12.
A abordagem global do doente diabético em termos da redução do risco cardiovascular inclui dieta adequada, controlo dos FRCV concomitantes, exercício físico regular e intervenção farmacológica13. Estas estratégias irão levar a respostas metabólicas e endócrinas favoráveis, que a médio e longo prazo se traduzem em redução da hemoglobina glicada (HbA1c), diminuição da intolerância à glicose, diminuição da resistência à insulina, aumento do consumo muscular de glicose, redução do tecido adiposo e aumento da tolerância ao exercício. Estes benefícios, no seu conjunto, atrasam a evolução de complicações micro e macrovasculares associadas à DM, reduzindo, assim, o risco cardiovascular e promovendo a melhoria da qualidade de vida7,13,14.
Dos doentes referenciados para PRC, 20‐30% têm DM15, contudo, existem poucos estudos que avaliem especificamente a eficácia dos PRC em doentes diabéticos, apesar destes programas poderem ser especialmente importantes nesta população de doentes.
O presente estudo tem como objetivo avaliar os efeitos de um PRC (fase II) em doentes coronários com DM tipo 2 e comparar os seus resultados no que se refere ao controlo de FRCV e ganhos na capacidade funcional com doentes coronários não diabéticos.
MétodosFoi realizado um estudo unicêntrico, observacional, prospetivo, do tipo coorte, integrando 818 doentes com diagnóstico de doença cardíaca isquémica (DCI), consecutivamente orientados para PRC na Unidade de Prevenção e de Reabilitação Cardiovascular (UPRCV) do Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, entre janeiro de 2009 e junho de 2013. Da amostra inicial foram excluídos 136 doentes: 91 por abandono do PRC (desistência); nove por intercorrências clínicas que impossibilitaram o cumprimento de um mínimo de oito sessões do programa (dois por reinternamento para ICP; um por SCA; seis por lesões musculosqueléticas); 36 por perda de dados no período de follow‐up, nomeadamente valores analíticos ou dados antropométricos, que impossibilitavam a análise estatística. Foram assim incluídos 682 doentes, que iniciaram o PRC nos primeiros três meses pós‐evento, independentemente do diagnóstico de admissão. Para a realização do estudo consideraram‐se dois grupos de doentes: grupo dos diabéticos (GD) e dos não diabéticos (GND). Foram incluídos no GD os doentes com história prévia de DM tipo 2 (confirmada no processo clínico) ou sob medicação antidiabética (antidiabéticos orais ou insulinoterapia).
Estabeleceram‐se dois momentos de avaliação: início do PRC e três meses depois. Na avaliação inicial procedeu‐se à realização da história clínica (recolha de dados sociodemográficos, antecedentes pessoais e familiares) e ao exame físico dos sistemas cardiovascular, musculosquelético e neurológico. Nos dois momentos de avaliação foram ainda recolhidos dados relativos ao perfil de risco, nomeadamente, medição de pressão arterial; dados antropométricos incluindo índice de massa corporal (IMC) (kg/m2) e perímetro abdominal (PA); registo de hábitos tabágicos, de valores de glicose, HbA1c e do perfil lipídico (obtido após cumprimento de um período de 12 horas de jejum) incluindo colesterol total (CT), colesterol das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) (low density lipoprotein cholesterol [c‐LDL]), colesterol das lipoproteínas de alta densidade (HDL) (high density lipoprotein cholesterol [c‐HDL]) e triglicerídeos (TG).
Foram considerados os seguintes valores de referência como normais: pressão arterial inferior a 130/80mmHg em duas avaliações consecutivas; IMC de 18‐24,9 kg/m2 (valores de 25‐29,9kg/m2 foram classificados como excesso de peso e IMC ≥30 kg/m2 foram classificados como obesidade); PA inferior a 80cm para o sexo feminino e inferior a 94cm para o masculino; glicemia capilar (jejum) <110mg/dL e HbA1c<6,5%; CT <190mg/dl, C‐LDL <100mg/dl, C‐HDL >45mg/dl para o sexo masculino e C‐HDL>40mg/dl para o sexo feminino e TG<150mg/dl.
A avaliação do nível de atividade física foi efetuada através do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), validado para a população portuguesa16 e que visa quantificar (em equivalentes metabólicos [MET]*minuto/semana) a atividade física realizada ao longo de uma semana, nos diversos contextos das atividades diárias (nomeadamente atividades domésticas, laborais, desportivas e recreativas). Consideraram‐se as seguintes categorias: sedentarismo (valores inferiores a 600MET*minuto/semana); atividade física moderada (600‐3.000MET*minuto/semana); atividade física vigorosa (valores superiores a 3.000MET*minuto/semana).
Nos mesmos períodos, todos doentes realizaram prova de esforço (PE) em tapete rolante motorizado, sob medicação habitual, determinando parâmetros de resposta cronotrópica e hemodinâmica. A capacidade funcional máxima foi estimada em MET obtidos na PE, calculados através de equações metabólicas do American College of Sports Medicine para marcha em tapete rolante7, e foi também registado o tempo de esforço total da PE.
Programa de reabilitaçãoO PRC incluiu aconselhamento individual sobre estratégias para controlo dos FRCV, sessões de educação para a saúde em grupo e sessões de exercício físico supervisionado.
Exercício físico supervisionadoTodos os doentes integraram um programa de exercício físico supervisionado por médicos (cardiologista e fisiatra) e por fisioterapeuta, durante 8‐12 semanas, com periodicidade bissemanal. A duração do PRC foi determinada de acordo com a estratificação do risco cardíaco, ausência de intercorrências durante o mesmo e a disponibilidade do doente (distância à área de residência e necessidade de retomar a atividade laboral).
Cada sessão, com duração entre 60‐90 minutos, englobou um protocolo de exercício constituído por: fase de aquecimento, treino aeróbico (exercício em tapete rolante, cicloergómetro de membros superiores e inferiores), treino de força (com recurso a bandas elásticas, halteres, bolas medicinais e aparelhos de fortalecimento muscular) e fase de relaxamento e exercícios de flexibilidade. A intensidade do exercício aeróbico foi determinada individualmente, com base no cálculo de frequência cardíaca de treino através do método de Karvonen17, utilizando os dados recolhidos na PE; foi complementada com a perceção subjetiva do esforço registada na escala de Borg7.
Previamente a cada sessão de exercício foi realizada uma avaliação clínica sumária que incluiu o questionário de sintomas relevantes e cumprimento da farmacoterapia, e foram medidos os valores de frequência cardíaca e pressão arterial basais, assim como valores de glicemia capilar no caso dos doentes diabéticos. No decorrer de cada sessão foi registada de forma contínua a frequência cardíaca através de monitorização eletrocardiográfica por telemetria ou por cardiofrequencímetro, de acordo com as recomendações internacionais no que se refere ao nível de supervisão e monitorização adequado a cada caso7.
Adicionalmente, foi incentivada em todos os doentes a prática do exercício físico nos restantes dias da semana, ao encontro às recomendações no contexto da prevenção secundária7,17.
Educação para a saúdePeriodicamente foram realizadas sessões de grupo, envolvendo os doentes e os seus familiares, onde foram abordados e discutidos diversos temas como «Doença Coronária», «Nutrição», «Stress» e «Exercício Físico».
Sempre que houve indicação clínica os doentes foram orientados para consultas específicas na UPRCV, nomeadamente Consulta de Endocrinologia, Psiquiatria, Desabituação Tabágica, Urologia ou Cirurgia Vascular. Todos os doentes diabéticos foram avaliados em Consulta de Nutrição, onde lhes foi prescrito um plano alimentar individualizado.
Análise estatísticaO processamento estatístico dos dados foi efetuado com recurso ao programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0. Os dados são apresentados como média (desvio padrão [DP]), para variáveis contínuas com distribuição normal, e mediana (intervalo interquartis [P25‐P75]), para variáveis contínuas com distribuição não normal. Os doentes foram categorizados em dois grupos: GD e GND. Diferenças intragrupo foram avaliadas usando teste t de Student para amostras emparelhadas para variáveis contínuas de distribuição normal e o teste de Wilcoxon para variáveis contínuas de distribuição não‐normal. A diferença entre os grupos na resposta ao programa foi avaliada usando o teste t de Student para comparação de médias e o teste de Mann‐Whitney para comparação de medianas. As variáveis categóricas foram comparadas usando o teste McNemar para diferenças intragrupo e o teste de Qui‐quadrado para diferenças entre grupos.
Valores de p inferiores a 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
ResultadosA amostra em estudo abrangeu 682 doentes (253 diabéticos e 429 não diabéticos). Ambos os grupos apresentavam maior proporção de doentes do sexo masculino (Tabela 1).
Caracterização da amostra na admissão para PRC
Diabéticos(n=253) | Não diabéticos(n=429) | p | |
Idade (anos), média (DP) | 61,6 (9,1) | 58,6 (11,0) | <0,001 |
Sexo masculino, n (%) | 191 (75,5) | 338 (78,8) | 0,342 |
Diagnóstico de admissão | |||
‐ Síndrome coronária aguda, n (%) | 163 (64,4) | 324 (75,5) | |
‐ Pós‐ICP eletiva, n (%) | 53 (20,9) | 68 (15,9) | |
‐ Pós‐CABG, n (%) | 37 (14,6) | 37 (8,6) | |
Prevalência de FRCV | |||
‐ IMC ≥25 kg/m2, n (%) | 204 (80,6) | 258 (60,1) | <0,001 |
‐ Hipertensão arterial, n (%) | 178 (70,4) | 225 (52,4) | <0,001 |
‐ Dislipidemia, n (%) | 193 (76,3) | 276 (64,3) | 0,004 |
‐ Tabagismo, n (%) | 55 (21,7) | 159 (37,1) | <0,001 |
‐ Sedentarismo, n (%) | 155 (61,3) | 213 (49,7) | 0,013 |
FRCV | |||
‐ IMC (kg/m2), média (DP) | 27,8 (3,7) | 26,3 (3,9) | <0,001 |
‐ Perímetro abdominal (cm), média (DP) | 99,8 (9,3) | 95,1 (9,5) | <0,001 |
‐ CT (mg/dL), média (DP) | 178,0 (44,2) | 177,1 (39,0) | 0,768 |
‐ C‐LDL (mg/dL), média (DP) | 109,4 (34,6) | 110,5 (32,8) | 0,686 |
‐ C‐HDL (mg/dL), P50 (P25; P75) | 37,0 (31,0; 45,0) | 39,0 (32,0; 47,0) | 0,035 |
‐ Triglicerídeos (mg/dL), P50 (P25; P75) | 143,0 (107,0; 207,5) | 122,0 (98,5; 166,0) | <0,001 |
Capacidade funcional | |||
‐ Intensidade PE (METs), média (DP) | 7,9 (2,1) | 9,1 (2,4) | <0,001 |
‐ Tempo da PE (min:seg), média (DP) | 0:06:51 (0:02:08) | 0:08:22 (0:02:43) | <0,001 |
Valores estão expressos como média (DP), número (percentagem) ou mediana (intervalo interquartis) (P50 [P25; P75]); CABG: cirurgia de bypass coronário; C‐HDL: colesterol das lipoproteínas de alta densidade; C‐LDL: colesterol das lipoproteínas de baixa densidade; CT: colesterol total; DP: desvio padrão; ICP: intervenção cardíaca percutânea; IMC: índice de massa corporal; MET: Metabolic equivalente; min: minutos; PE: prova de esforço; seg: segundos.
Os doentes diabéticos eram significativamente mais idosos (média [DP: 61,6 [9,1] anos versus 58,6 [11,0] anos, p<0,001) e apresentavam pior perfil de risco cardiovascular (Tabela 1): maior prevalência de excesso ponderal (80,6 versus 60,1%, p<0,001), com valores significativamente superiores de IMC e de PA; maior prevalência de dislipidemia (76,3 versus 64,3%, p=0,004) com valores significativamente superiores de TG e valores inferiores de colesterol HDL; maior prevalência de hipertensão arterial (HTA) (70,4 versus 52,4%, p<0,001) e de sedentarismo (61,3 versus 49,7%, p=0,013). Apresentavam, contudo, menor prevalência de hábitos tabágicos (21,7 versus 37,1%, p<0,001). Relativamente à capacidade funcional, esta era significativamente menor nos diabéticos (7,9 [2,1] MET versus 9,1 [2,4] MET, p<0,001; tempo de PE: 0:06:51 [0:02:08] min:seg versus 0:08:22 [0:02:43] min:seg, p<0,001).
O diagnóstico de admissão mais frequente foi em ambos os grupos a SCA. A caracterização completa da amostra na admissão para PRC é apresentada na Tabela 1.
A evolução dos FRCV ao longo do estudo para o GD e GND está sumarizada nas Tabela 2 eTabela 3. A Tabela 4 apresenta a comparação da evolução dos FRCV entre os dois grupos. Na Tabela 5 está representada a evolução da capacidade funcional em cada um dos grupos de doentes, bem como a comparação entre grupos.
Comparação dos fatores de risco cardiovascular, antes e após o fim do programa de reabilitação cardíaca, nos doentes diabéticos
Diabéticos (n=253) | Avaliação pré‐PRC | Diferença pós‐pré | p |
IMC (kg/m2), média (DP) | 27,8 (3,7) | −0,7 (1,0) | <0,001 |
PA (cm), média (DP) | 99,8 (9,3) | −2,3 (3,1) | <0,001 |
Pressão arterial elevada, n (%) | 71 (28,1) | ↓70,4% | <0,001 |
CT (mg/dL), média (DP) | 178,0 (44,2) | −21,5 (41,3) | <0,001 |
C‐LDL (mg/dL), média (DP) | 109,4 (34,6) | −20,1 (33,2) | <0,001 |
C‐HDL (mg/dL), P50 (P25; P75) | 37,0 (31,0; 45,0) | +3,0 (−2,0; 8,0) | <0,001 |
Triglicerídeos (mg/dL), P50 (P25; P75) | 143,0 (107,0; 207,5) | −24,0 (−64,0; 6,5) | <0,001 |
Fumadores, n (%) | 55 (21,7) | ↓90,9% | <0,001 |
N.° cigarros/dia, P50 (P25; P75) | 20,0 (15,0; 30,0) | −20,0 (−30,0; −10,0) | <0,001 |
Glicose (mg/dL), P50 (P25; P75) | 129,0 (106,0; 173,5) | −14,0 (−45,0; 0,0) | <0,001 |
HbA1c (%), P50 (P25; P75) | 6,6 (5,9; 8,1) | −0,45 (−1,0; −0,2) | <0,001 |
IPAQ (MET*minuto/semana), P50 (P25; P75) | 346,0 (0,0; 1.006,0) | +1.283,0 (693,0; 1.923,0) | <0,001 |
Valores estão expressos como média (DP) ou número (percentagem) ou mediana (intervalo interquartis) (P50 [P25; P75]); C‐HDL: colesterol das lipoproteínas de alta densidade; C‐LDL: colesterol das lipoproteínas de baixa densidade; CT: colesterol Total; DP: desvio padrão; HbA1c: hemoglobina glicada; IMC: índice de massa corporal; IPAQ: International PhysicalActivity Questionnaire; PA: perímetro abdominal.
Comparação dos fatores de risco cardiovascular, antes e após o fim do programa de reabilitação cardíaca, nos doentes não diabéticos
Não diabéticos (n=429) | Avaliação pré‐PRC | Diferença pós‐pré | p |
IMC (kg/m2), média (DP) | 26,3 (3,9) | −0,9 (1,2) | <0,001 |
PA (cm), média (DP) | 95,1 (9,5) | −2,8 (3,8) | <0,001 |
Pressão arterial elevada, n (%) | 90 (21,0) | ↓80,0% | <0,001 |
CT (mg/dL), média (DP) | 177,1 (39,0) | −20,8 (39,5) | <0,001 |
C‐LDL (mg/dL), média (DP) | 110,5 (32,8) | −21,0 (32,4) | <0,001 |
C‐HDL (mg/dL), P50 (P25; P75) | 39,0 (32,0; 47,0) | +4,0 (−1,0; 9,0) | <0,001 |
Triglicerídeos (mg/dL), P50 (P25; P75) | 122,0 (98,5; 166,0) | −16,0 (−44,0; 7,5) | <0,001 |
Fumadores, n | 159 (37,1) | ↓83,6% | <0,001 |
N.° cigarros/dia, P50 (P25; P75) | 20,0 (10,0; 30,0) | −20,0 (−25,0, −10,0) | <0,001 |
IPAQ (MET*minuto/semana), P50 (P25; P75) | 594,0 (0,0; 1.386,0) | +1.380,0 (597,0; 2.289,5) | <0,001 |
Valores estão expressos como média (DP) ou número (percentagem) ou mediana (intervalo interquartis) [P50 (P25; P75)]; C‐HDL: colesterol das lipoproteínas de alta densidade; C‐LDL: colesterol das lipoproteínas de baixa densidade; CT: colesterol total; DP: desvio padrão; IMC: índice de massa corporal; IPAQ: International Physical Activity Questionnaire; PA: perímetro abdominal.
Comparação da evolução dos FRCV com o programa de reabilitação cardíaca entre doentes diabéticos e não diabéticos
Diabéticos(n=253)Diferença pós‐ pré | Não diabéticos(n=429)Diferença pós‐ pré | p | |
IMC (kg/m2), média (DP) | −0,7 (1,0) | −0,9 (1,2) | 0,008 |
PA (cm), média (DP) | −2,3 (3,1) | −2,8 (3,8) | 0,058 |
Pressão arterial elevada, % | ↓ 70,4% | ↓ 80,0% | 0,195 |
CT (mg/dL), média (DP) | −21,5 (41,3) | −20,8 (39,5) | 0,806 |
C‐LDL (mg/dL), média (DP) | −20,1 (33,2) | −21,0 (32,4) | 0,60 |
C‐HDL (mg/dL), P50 (P25; P75) | +3,0 (−2,0; 8,0) | +4,0 (−1,0; 9,0) | 0,148 |
Triglicerídeos (mg/dL), P50 (P25; P75) | −24,0 (−64,0; 6,5) | −16,0 (−44,0; 7,5) | 0,039 |
Fumadores, % | ↓ 90,9% | ↓ 83,6% | 0,266 |
N.° cigarros/dia, P50 (P25; P75) | −20,0 (−30,0; −10,0) | −20,0 (−25,0; −10,0) | 0,194 |
IPAQ (METs/min/sem), P50 (P25; P75) | 1.283,0 (693,0; 1.923,0) | 1.380,0 (597,0; 2.289,5) | 0,628 |
Valores estão expressos como média (DP) ou número (percentagem) ou mediana (intervalo interquartis) (P50 [P25; P75]); C‐HDL: colesterol das lipoproteínas de alta densidade; C‐LDL: colesterol das lipoproteínas de baixa densidade; CT: colesterol total; DP: desvio padrão; IMC: índice de massa corporal; IPAQ: International PhysicalActivity Questionnair; PA: perímetro abdominal.
Comparação da capacidade funcional, antes e após o PRC em cada um dos grupos e comparação entre os dois grupos
Diabéticos (n=253) | p | Não diabéticos (n=429) | p | p* | |||
Avaliação pré‐PRC | Diferença pós‐pré | Avaliação pré‐PRC | Diferença pós‐pré | ||||
MET na PE, média (DP) | 7,9 (2,1) | +1,3 (1,2) | <0,001 | 9,1 (2,4) | +1,5 (1,2) | <0,001 | 0,042 |
Tempo na PE (min:seg), média (DP) | 0:06:51 (0:02:08) | +0:01:32(0:01:22) | <0,001 | 0:08:22 (0:02:43) | +0:01:51(0:02:56) | <0,001 | 0,107 |
Valores estão expressos como média (DP); DP: desvio padrão; MET: metabolic equivalents; min: minutos; PE: prova de esforço; seg: segundos.
O excesso ponderal constituiu o FRCV mais prevalente no grupo dos doentes diabéticos (80,6%), sendo que 22,9% destes eram obesos.
Entre o início e o fim do PRC, ambos os grupos melhoraram significativamente nos parâmetros antropométricos (Tabela 2 e Tabela 3).
A melhoria verificada foi semelhante nos dois grupos em relação ao PA (p=0,058), mas não relativamente ao IMC, em que a diminuição média nos valores do IMC foi em termos absolutos significativamente superior nos não diabéticos (p=0,008).
Hipertensão arterialNa admissão para PRC, 70,4% dos diabéticos e 52,4% dos não diabéticos apresentavam antecedentes de HTA. No momento da primeira avaliação 28,1% dos diabéticos e 21,0% dos não diabéticos apresentavam valores tensionais elevados. Com o PRC verificou‐se em ambos os grupos uma diminuição significativa no número de doentes que apresentavam valores tensionais não controlados (diminuição de 70,4%, p<0,001 nos diabéticos e de 80,0%, p<0,001 nos não diabéticos), sendo que essa diminuição não foi significativamente diferente nos dois grupos (p=0,195).
DislipidemiaA dislipidemia era o FRCV mais prevalente nos não diabéticos (64,3%).
No final da fase II do PRC verificou‐se em ambos os grupos uma melhoria no perfil lipídico, traduzida quer por uma diminuição significativa nos valores de CT, C‐LDL e TG quer por um aumento significativo nos valores do C‐HDL (Tabela 2 e Tabela 3).
As variações nos vários parâmetros do perfil lipídico com o PRC foram semelhantes nos dois grupos, exceto a diminuição no valor de TG, que foi, em termos absolutos, significativamente superior nos diabéticos (p=0,039).
TabagismoNa admissão, 21,7% dos diabéticos e 37,1% dos não diabéticos eram fumadores. No final da fase II verificou‐se uma diminuição de cerca de 90,0% no número de diabéticos fumadores (p<0,001) e de 83,6% nos não diabéticos fumadores (p<0,001), tendo sido essa diminuição semelhante em ambos os grupos (p=0,266).
Relativamente ao número de cigarros fumados por dia, observou‐se igualmente uma diminuição significativa (Tabela 2 e Tabela 3), sendo que essa diminuição não foi significativamente diferente entre os dois grupos (p=0,194).
Diabetes mellitusCom o PRC, os doentes diabéticos demonstraram melhoria no controlo da DM, que se refletiu por uma diminuição significativa nos valores de glicemia em jejum e de HbA1c (Tabela 2).
SedentarismoNo início do estudo 61,3% dos diabéticos e 49,7% dos não diabéticos eram sedentários, constatado pelos scores obtidos através do IPAQ.
Ambos os grupos demonstraram um aumento significativo no seu padrão habitual de atividade física, expresso como o aumento da atividade física semanal medida pelo IPAQ entre o início e o final do PRC (Tabela 2 e Tabela 3).
O aumento verificado nos valores de IPAQ foi semelhante nos dois grupos (p=0,628).
Capacidade funcionalNo início do estudo, os diabéticos apresentavam uma pior capacidade funcional (Tabela 1). No final do PRC, ambos os grupos apresentaram uma melhoria significativa na capacidade funcional (equivalentes metabólicos: +1,3 [1,2] MET, p<0,001 GD versus +1,5 [1,2] MET, p<0,001 GND; tempo de esforço: +0:01:32 [0:01:22] min:seg, p<0,001 GD versus +0:01:51 [0:02:56] min:seg, p<0,001 GND) (Tabela 5). Comparando os dois grupos, a melhoria verificada na capacidade funcional foi significativamente menor nos diabéticos em termos de equivalentes metabólicos (p=0,042). Relativamente ao aumento no tempo de esforço, embora este também tenha sido menor nos diabéticos, esta diferença não adquiriu significado estatístico (p=0,107) (Tabela 5).
DiscussãoAs alterações metabólicas que caracterizam a DM, como a hiperglicemia, o aumento de ácidos gordos livres e a resistência à insulina, conduzem a alterações moleculares, como a diminuição da disponibilidade de óxido nítrico ou o aumento do stress oxidativo, que levam à disfunção vascular18. Tudo isto contribui para acelerar o processo de aterosclerose e consequentemente para o aumento do risco cardiovascular em doentes diabéticos.
Em 1997, a Organização Mundial de Saúde considerou o excesso de peso e a obesidade como «uma epidemia em escalada» relacionando‐os com cinco das dez principais causas de morte nos países industrializados incluindo a DM, a DCI, os acidentes vasculares cerebrais, a aterosclerose e alguns tipos de cancro19. De facto, a obesidade associa‐se a um aumento do risco de DC, provavelmente devido ao perfil metabólico adverso relacionado com o aumento de gordura visceral que desempenha um papel central na resistência periférica à ação da insulina20.
Na população em estudo, o excesso de peso e a obesidade apresentavam uma elevada prevalência, principalmente nos doentes com DM tipo 2. O estilo de vida sedentário de 61,3% dos diabéticos poderá ser também um dos fatores a contribuir para o excesso ponderal encontrado.
No final da fase II do PRC verificou‐se uma diminuição significativa nos valores de IMC e do PA nos dois grupos ao contrário de outros estudos21,22 em que a diminuição no IMC não foi significativa nos diabéticos. Isto poderá ter ocorrido devido à avaliação e aconselhamento nutricional individualizado, por especialista em nutrição, proporcionado durante o nosso PRC. Além disso, todos os doentes receberam um plano de treino individualizado, embora sem adoção de medidas específicas para os doentes obesos na prescrição do exercício.
A HTA e a DM tipo 2 surgem frequentemente associadas, sendo que a presença de HTA aumenta o risco cardiovascular, já por si aumentado, em doentes diabéticos. Assim, a prevalência de HTA em diabéticos é superior à da população em geral, com uma prevalência de 40‐60% entre os 45‐75 anos23. Na nossa amostra, 70,4% dos diabéticos e 52,4% dos não diabéticos apresentavam HTA, o que está de acordo com outros estudos24,25.
O tratamento da HTA em doentes diabéticos constitui uma medida preventiva absolutamente crucial, já que poderá reduzir as complicações micro e macrovasculares, devendo o nível‐alvo de pressão arterial ser mais baixo do que em doentes não diabéticos26. Por cada diminuição de 10mmHg na pressão arterial sistólica, verifica‐se uma diminuição de cerca de 12% na ocorrência de qualquer complicação relacionada com a DM, nomeadamente doença cardiovascular27.
No momento da primeira avaliação, 28,1% dos doentes diabéticos e 21,0% dos doentes não diabéticos apresentavam valores tensionais elevados. Verificou‐se, assim, que a maioria dos doentes apresentava valores tensionais controlados no início do PRC, o que poderá dever‐se ao facto da maioria se encontrar sob terapêutica anti‐hipertensiva otimizada, já que foram sobretudo referenciados a partir do internamento de cardiologia. Ao longo do estudo observou‐se uma diminuição estatisticamente significativa no número de doentes com HTA não controlada. Os benefícios decorrentes da prática regular de exercício físico aeróbico na diminuição da pressão arterial em doentes hipertensos estão bem documentados na literatura28,29. Contudo, os mecanismos fisiopatológicos responsáveis pelos efeitos anti‐hipertensivos do exercício permanecem controversos: alguns estudos referem uma diminuição na resistência total periférica, na atividade simpática e nos níveis plasmáticos de noroadrenalina29,30; segundo outros, ocorrerá um aumento na resistência total periférica no período de recuperação pós‐exercício, associado a uma diminuição significativa do débito cardíaco29,31; a melhoria na função endotelial com o exercício poderá também contribuir para a sua resposta anti‐hipertensiva29,32.
Em doentes com DM tipo 2 o perfil lipídico caracteriza‐se geralmente por hipertrigliceridemia e diminuição do C‐HDL. A concentração do C‐LDL frequentemente não é muito diferente daquela apresentada por indivíduos não diabéticos. Contudo, nos diabéticos as partículas das LDL são geralmente pequenas e densas, tornando‐as altamente aterogénicas, pelo que mesmo que as concentrações de C‐LDL sejam idênticas às de não diabéticos as taxas de DC serão superiores nos diabéticos33.
O tratamento adequado da dislipidemia poderá determinar reduções significativas na morbilidade e mortalidade cardiovascular em doentes diabéticos20. Estudos demonstraram que por cada 1% de aumento nos níveis de C‐HDL, a progressão da DCI diminui cerca de 3%34. Numa meta‐análise, em que foram avaliados os efeitos do exercício físico aeróbico no perfil lipídico de doentes com DM tipo 2 relativamente a um grupo controlo, verificou‐se que os doentes que praticavam exercício apresentavam uma melhoria de todos os parâmetros do perfil lipídico, embora apenas a diminuição nos níveis de C‐LDL tivesse sido estatisticamente significativa35. Na população estudada, os diabéticos apresentavam maior prevalência de dislipidemia e valores significativamente superiores de TG e inferiores de C‐HDL.
Ao longo do estudo constatou‐se uma evolução favorável de todos os parâmetros do perfil lipídico nos dois grupos, sendo que a diminuição verificada nos níveis de TG foi significativamente maior nos diabéticos. Isto poderá ser explicado pelo facto da abordagem inicial para a hipertrigliceridemia ser a melhoria do controlo da glicemia36, o que ocorreu de forma significativa nos diabéticos. Por outro lado, todos os doentes diabéticos incluídos no estudo receberam aconselhamento nutricional individualizado, onde foi salientada a importância de reduzirem o consumo de gorduras saturadas, de acordo com o preconizado pela American Diabetes Association36.
O tabagismo, por si só, constitui um fator de risco muito importante e independente para as complicações micro e macrovasculares nos diabéticos, especialmente em mulheres, pelo que a cessação tabágica tem um impacto muito superior nestes doentes relativamente a não diabéticos13.
No final do nosso estudo verificou‐se em ambos os grupos uma enorme diminuição quer na percentagem de fumadores ativos quer no número de cigarros fumados por dia naqueles que mantiveram os hábitos tabágicos, o que vem realçar a importância dos PRC no incentivo à cessação tabágica. Contudo, é necessário prudência na interpretação destes resultados devido ao tempo curto de seguimento do estudo, inferior ao período mínimo de seis meses de cessação tabágica.
Um controlo adequado dos níveis de glicemia em doentes diabéticos é fundamental para a redução do risco de doença cardiovascular, já que existe uma relação exponencial entre os níveis de glicemia em jejum e a incidência de eventos cardiovasculares37.
Na população estudada, constatou‐se uma diminuição significativa nos valores de glicemia em jejum e de HbA1c nos diabéticos, o que traduz um melhor controlo da diabetes com o PRC. O exercício físico aeróbico estruturado ou o treino de força diminuem o valor de HbA1c em cerca de 0,4‐0,6%38,39. Por cada 1% de diminuição no valor de HbA1c verifica‐se uma diminuição de 15‐20% na incidência de eventos cardiovasculares major40. Os benefícios no controlo da glicemia serão ainda superiores com a associação do exercício aeróbico e do treino de força41.
Níveis elevados de atividade física em diabéticos reduzem o risco cardiovascular e a mortalidade em cerca de 20‐30% por cada 4.184kj/wk de energia despendida42.
Os níveis de atividade física semanal foram avaliados através do IPAQ e aumentaram significativamente e em proporção semelhante em ambos os grupos. Estes resultados contrariam o esperado, pois sabe‐se que a grande maioria dos indivíduos com DM tipo 2 são fisicamente mais inativos comparativamente a indivíduos não diabéticos, provavelmente devido à maior incidência de limitações físicas, à menor tolerância ao esforço e à maior perceção de desconforto durante o exercício nos diabéticos43. Deste modo, é fundamental a criação de estratégias que promovam o aumento dos níveis de atividade física.
Na população estudada, os diabéticos apresentavam uma menor capacidade funcional, avaliada em MET, relativamente aos não diabéticos, o que está de acordo com outros estudos21,22,24,44–46. Doentes diabéticos, mesmo sem nenhuma complicação, apresentam uma diminuição no consumo máximo de O2 (VO2 máximo) em relação à idade e ao IMC24. A hiperglicemia associa‐se a um aumento da rigidez de grandes vasos como a aorta, comprometendo assim o fluxo sanguíneo coronário, a capacidade de trabalho do miocárdio e consequentemente a capacidade global de exercício44. Para a menor capacidade funcional dos diabéticos contribui não só um perfil antropométrico mais desfavorável, mas também a disfunção do ventrículo esquerdo e o défice na regulação autonómica cardíaca44.
Ao longo do PRC, ambos os grupos melhoraram significativamente a sua capacidade funcional, embora essa melhoria tenha sido menor nos diabéticos. Na literatura existem resultados contraditórios relativamente a ganhos na capacidade funcional em diabéticos e não diabéticos. Alguns estudos estão de acordo com os nossos resultados e demonstram uma melhoria significativa na capacidade funcional dos diabéticos, mas menor relativamente a não diabéticos45,46. Outros, porém, referem ganhos na capacidade funcional significativos e semelhantes nos dois grupos de doentes21,22,24,44,47. Esta discrepância de resultados poderá dever‐se a vários fatores como diferenças nas características basais dos participantes (idade, medicação, gravidade da doença, prevalência de comorbilidades, intensidade do exercício) ou diferenças no grau de adesão ao programa de exercício ou na duração do mesmo.
Nos estudos que defendem uma melhoria menos acentuada da capacidade funcional com o PRC em diabéticos, as razões apontadas permanecem pouco claras, mas admite‐se que a hiperglicemia possa desempenhar um papel importante48. Outros mecanismos poderão também contribuir para essa menor melhoria na capacidade funcional dos diabéticos. A insulina é um importante regulador das proteínas musculares, estimulando a síntese de proteínas mitocondriais. Os doentes com DM tipo 2 apresentam geralmente um compromisso no funcionamento mitocondrial ao nível do músculo‐esquelético. Uma vez que a atividade muscular periférica é o principal fator determinante da capacidade de exercício, um compromisso no seu funcionamento pode estar envolvido na resposta muscular alterada ao exercício48. Além disso, 42% dos diabéticos sem evidência clínica de doença vascular periférica apresentam défices significativos na perfusão dos músculos dos membros inferiores, provavelmente devido à doença microvascular, o que poderá também diminuir o efeito da reabilitação cardíaca na capacidade funcional49.
Neste trabalho, que inclui uma amostra considerável de doentes, observou‐se globalmente uma melhoria de todos os parâmetros relativos ao controlo dos FRCV, bem como da capacidade funcional, e verificou‐se que os benefícios alcançados com o PRC foram semelhantes nos diabéticos e não diabéticos em termos de redução do risco cardiovascular.
Realçamos a sua importância por se tratar do primeiro estudo, na realidade portuguesa, a comparar os resultados do PRC entre doentes diabéticos e não diabéticos e com uma grande dimensão populacional.
O processo de aprendizagem desenvolvido durante as diversas sessões do PRC promove o autocontrolo da diabetes, a autodisciplina na manutenção de estilos de vida saudáveis, conjuntamente, com a autovigilância de complicações/consequências decorrentes da prática de exercício físico na condição clínica do doente diabético.
Limitações do estudoA inexistência de um grupo controlo que permita ter em consideração o efeito da evolução natural da doença constitui uma limitação do estudo, mas dado que a literatura tem revelado de forma consistente nos estudos comparativos usual care versus reabilitação cardíaca, os benefícios da integração em PRC50, estamos convictos que os resultados favoráveis encontrados nos dois grupos são atribuídos especificamente ao PRC.
Por outro lado, o período de follow‐up é reduzido (três meses), sendo por isso importante realizar uma avaliação a longo prazo.
ConclusõesA prevalência de doentes diabéticos em PRC parece estar a aumentar e esta tendência deverá manter‐se no futuro, tendo em conta as previsões de uma crescente prevalência da DM.
Os resultados deste estudo demonstraram que doentes com DM tipo 2 podem beneficiar com um PRC e alcançar resultados comparáveis a doentes não diabéticos em termos de melhoria do perfil de risco cardiovascular.
Os diabéticos têm um risco acrescido de futuros eventos cardiovasculares e por isso requerem uma prevenção secundária mais agressiva. Alertamos para a importância da referenciação sistemática destes doentes para os PRC, dados os seus benefícios, contribuindo assim para a melhoria da qualidade de vida do doente diabético.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.