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Vol. 35. Núm. 7 - 8.
Páginas 405-406 (julho - agosto 2016)
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Finalmente um Registo Multicêntrico Nacional contínuo: a propósito da angioplastia primária em Portugal
Finally, a continuous national multicenter registry: Primary angioplasty in Portugal
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Ricardo Seabra Gomes
Instituto do Coração, Carnaxide, Portugal
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Hélder Pereira, Rui Campante Teles, Marco Costa, Pedro Canas da Silva, Vasco da Gama Ribeiro, Vítor Brandão, Dinis Martins, Fernando Matias, Francisco Pereira‐Machado, José Baptista, Pedro Farto e Abreu, Ricardo Santos, António Drummond, Henrique Cyrne de Carvalho, João Calisto, João Carlos Silva, João Luís Pipa, Jorge Marques, Paulino Sousa, Renato Fernandes, Rui Cruz Ferreira, Sousa Ramos, Eduardo Oliveira, Manuel Almeida
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Quando a Direção da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) para o biénio 2001‐2003 decidiu implementar o Registo Nacional de Intervenção Coronária Percutânea (RNCI), o tema dos registos era bastante atual. Era necessário conhecer a prática clínica nos vários países face aos dados dos ensaios clínicos aleatorizados e se as guidelines estavam realmente a ser implementadas. Em Portugal, pouco mais se sabia do que a mortalidade global por doenças cardiovasculares e mesmo a informação sobre coronariografias ou angioplastias era omissa ou muito incompleta.

A criação do registo pela SPC foi um desafio que se acreditou ser possível vencer. A SPC teria o papel fundamental na motivação dos médicos, naturalmente membros da sociedade, e na organização necessária para a criação dos aspetos administrativos e de recolha e análise estatística dos dados. Aproveitando a colaboração de um médico alemão amigo e com grande experiência em registos no seu país (Alselm Gitt), foi possível iniciar o RNCI em janeiro de 2002, usando folhas de registos de dados enviados para o Centro Nacional de Coleção de Dados em Cardiologia (CNCDC), criado no mesmo ano na sede da SPC, em Coimbra1. O objetivo inicial com que o projeto foi lançado era, contudo, ainda mais ambicioso. Criar‐se um registo contínuo como o existente na Suécia, que teoricamente daria mais informação do que os registos parciais que a Sociedade Europeia de Cardiologia (SEC) organizava sob a designação de Euro Heart Surveys2. O entusiasmo pela organização de registos verificou‐se em vários países e, para se usar uma linguagem comum, a Comunidade Europeia aprovou em 2004 o projeto European Data Standards for Clinical Cardiology Practice (CARDS), com a descrição dos dados sobre intervenção coronária que deviam ser recolhidos e no qual estive envolvido2.

O RNCI implementado em Portugal continental e ilhas era multicêntrico, mas voluntário, prospetivo e contínuo. Ambicionava‐se que a adesão ao projeto fosse total, porque para além de se obterem dados nacionais sobre intervenção coronária, tinha a potencial vantagem de ser fonte de investigação clínica, dando oportunidade de haver «números» que pudessem competitivamente ser apresentados no estrangeiro.

Se descrevi com um pouco mais de detalhe como o RNCI foi imaginado e implementado, é porque o presente artigo de Pereira et al. apresenta dados recolhidos entre 2002‐20133. E em 2012‐2013 foi possível ter todos os 20 centros públicos e cinco privados a incluir doentes de modo contínuo no CNCDC. É fantástico! O trabalho da Associação Portuguesa de Intervenção Coronária (APIC) deve ter sido enorme, e todos os responsáveis pelos centros e coautores do trabalho devem ser felicitados. Haverá poucos países europeus com tal registo multicêntrico contínuo.

Acredito que o caminho não terá sido fácil na exportação e uniformização de dados das múltiplas bases de dados existentes e na humildade em partilhar as diferentes experiências, embora toda a informação fosse confidencial. O apoio informático à APIC terá sido fundamental ao longo dos anos. Mas agora, com um registo contínuo de todo o país, não só todos se devem sentir orgulhosos, como haverá oportunidade de avançar muito mais em termos de investigação clínica. Como os autores reconhecem, faltam o seguimento dos doentes, as auditorias de qualidade externa e interna, e a atualização de aspetos técnicos e farmacológicos que acompanhem o progresso científico feito nos últimos anos no tratamento do enfarte agudo do miocárdio e na intervenção coronária, aspetos que dizem respeito ao artigo agora apresentado.

No artigo de Pereira et al.3 são apresentados dados correspondentes a 95‐99% dos doentes que fizeram angioplastia primária no enfarte agudo do miocárdio (ICP‐P) em 2013, em 18 centros públicos do continente e ilhas e em quatro privados. Comparando com 20024 (37% dos doentes em seis centros), o número de ICP‐P aumentou de 1118 para 3524 em 2013 (entre 106‐338 por milhão de habitantes, p<0,001). Embora abaixo do número de angioplastias primárias que deveríamos estar a fazer (600 ICP‐P/ano/milhão de habitantes) e apesar de iniciativas várias, como as Vias Verdes Coronárias (VV) e o Stent for Life, estamos não só a tratar mais doentes e doentes mais graves, como se mostra na Tabela 1, do artigo e, eventualmente, a contribuir para reduzir a mortalidade cardiovascular em Portugal. Dada a ausência de participação de todos os centros até 2012, alguns dos aspetos descritos (tipo de stents, vias de acesso, trombectomia aspirativa, etc.) e outros mais atuais só virão a ser mais valorizados na população portuguesa a partir de agora.

No entanto, os dados mais importantes e omissos no presente trabalho dizem respeito às complicações hospitalares das ICP‐P4. Em artigos recentes em mulheres5 e comparando centros com e sem cirurgia cardíaca6, não parece haver diferenças, mas não se percebe porque não são mostrados números. Este aspeto era particularmente relevante para se comparar com números de ICP‐P e estatísticas de mortalidade, relativas exclusivamente a Portugal continental, apresentadas pela Direção‐Geral de Saúde. Teria sido interessante saber a mortalidade nos doentes que fizeram ICP‐P comparativamente aos que não fizeram (trombólise ou qualquer reperfusão) e os que fizeram ICP‐P quando a admissão foi pelas VV, embora se continue a morrer mais por enfarte agudo fora do hospital.

Concretizado o sonho de ter um registo contínuo com todos os centros de cardiologia de intervenção em Portugal, para o qual estão de parabéns os médicos a APIC e a SPC, parece agora ser altura de se olhar para o futuro. A evolução da investigação científica de base clínica está em risco pelo custo dos ensaios clínicos, que eram a base da cardiologia baseada na evidência, e pela diminuição do investimento da indústria. Alternativamente, surge como emergente a chamada big data7, com dados clínicos eletrónicos e registos contínuos por doença que alteram o método científico clínico em áreas muito ricas em dados, como a cardiologia. Não será só a cardiologia de intervenção em registos clínicos contínuos com dados atulizáveis, mas o futuro passa pelo tipo de informação em a cardiologia que alguns já começam a colecionar, de modo a serem combinados e analisados conjuntamente. Acredito na importância crescente da coleção dos dados clínicos contínuos de todos os doentes e da capacidade de os comparar numa base individual, como um processo interativo que modificará profundamente o método científico e a prática médica, e obrigará, no futuro, a alterações estruturais e institucionais.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

Referências
[1]
L.M. Gonçalves, R. Seabra-Gomes.
A propósito dos 10 anos do aniversário do Centro Nacional de Coleção de Dados em Cardiologia: uma reflexão sobre o seu passado, presente e futuro.
Rev Port Cardiol., 31 (2012), pp. 763-768
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A.K. Gitt, H. Bueno, Nicolas Danchin, et al.
The role of cardiac registries in evidence based medicine.
Eur Heart J., 31 (2010), pp. 525-529
[3]
H. Pereira, R. Teles, M. Costa, et al.
Angioplastia primária em Portugal entre 2002 e 2013. Atividade segundo o Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção.
Rev Port Cardiol., 35 (2016), pp. 395-404
[4]
T. Bauer, H. Möllmann, F. Weidinger, et al.
Predictors of hospital mortality in the elderly undergoing percutaneous coronary intervention for acute coronary syndromes and stable angina.
Int J Cardiol., 151 (2011), pp. 164-169
[5]
R. Calé, L. Sousa, H. Pereira, et al.
Angioplastia primária na mulher: realidade nacional.
Rev Port Cardiol., 33 (2014), pp. 353-361
[6]
H. Pereira, P.C. Silva, L. Gonçalves, et al.
em nome dos Investigadores do Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção. Angioplastia Coronária Electiva e Primária em Hospitais sem Cirurgia Cardíaca on‐site.
Rev Port Cardiol, 27 (2008), pp. 769-782
[7]
Mayer-Schönberger.
Big Data for cardiology: novel discovery?.
Eur Heart J., 37 (2016), pp. 996-1001
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