Neste número da Revista Portuguesa de Cardiologia é publicado um «documento de consenso» a todos os títulos histórico1. Três grupos de estudo da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, que representam todas as técnicas de diagnóstico não invasivo em cardiologia, foram capazes de se juntar para refletir sobre a atual forma de estratificação de risco e diagnóstico de doença coronária em Portugal e, à luz da evidência científica e recomendações internacionais, propor alternativas potencialmente mais custo‐eficazes na abordagem desta patologia. Este documento foi posteriormente aprovado em reunião de direção da SPC, passando a ser a posição oficial da SPC.
Apesar de ser há muito evidente o desajuste da realidade nacional em relação às recomendações internacionais, as Guidelines de Síndromas Coronárias Crónicas da Sociedade Europeia de Cardiologia2, publicadas em 2019 – que o nosso país subscreve – vieram enfatizar o enorme desfasamento entre o que é recomendado e as possibilidades de atuação dos médicos portugueses, principalmente no âmbito dos cuidados de saúde primários. Neste documento, os três grupos de estudo propõem alternativas que, havendo força e vontade política, poderiam servir de base à criação de Normas de Orientação Clínica que se adequem à realidade do século XXI.
A proposta mais impactante do nosso documento é a «entrada em cena» do Score de Cálcio para a estratificação de risco CV necessária à otimização da terapêutica em assintomáticos e a AngioTC coronária em pacientes sintomáticos com suspeita de doença coronária. Se em relação ao primeiro a sua rápida aplicabilidade não será difícil, uma vez que se trata de uma TAC tórax sem contraste sincronizada com ECG, (convencionada pelo SNS, através do uso do código de TC torácico)3, em relação ao segundo a tarefa apresenta‐se mais difícil, já que implica uma alteração à codificação e vontade política em alterar o modus operandis. O nosso documento defende também a mudança de paradigma em relação aos testes de imagem funcionais, sendo exigível colocar em posição de igualdade o acesso universal aos vários exames (Cintigrafia, RMC e Ecocardiograma de Sobrecarga/Exercício), cuja escolha dependeria apenas das características do doente, relação custo/benefício e disponibilidade local.
A Sociedade Portuguesa de Cardiologia, cuja missão é a promoção da saúde cardiovascular em Portugal, para concretizar com sucesso este projeto, terá de assumir como responsabilidades:
- 1.
Formação dos colegas de MGF sobre estas técnicas de diagnóstico e estratificação de risco cardiovascular.
- 2.
Sensibilização do Ministério da Saúde para a necessidade de alteração das tabelas dos atos convencionados ou generalização do acesso à capacidade hospitalar instalada nos locais em que tal seja possível.
Nesta época em que os decisores estão quase exclusivamente focados no combate à pandemia e em que os programas de formação se adaptaram a uma realidade virtual, é imprescindível lançar o alerta ao poder político sobre a doença coronária, que é ainda uma das principais causas de morbi‐mortalidade e um dos principais consumidores de recursos de saúde. Estes motivos exigem que não se adie a «pedrada no charco» que a situação necessita. Protelar e deixar cair no esquecimento não é opção!
O primeiro passo está dado. Mais do que nunca, é‐nos exigível, como principal Sociedade Científica do país, conseguir mobilizar a comunidade médica para a necessária mudança e sensibilizar a tutela para a sua premência!